Império Tearmoon

Império Tearmoon – Vol. 02 – Cap. 03 – Falando de Negócios

 

O pai de Chloe, Marco Forkroad, era um comerciante habilidoso que construiu seu negócio do zero, transformando-o em uma vasta companhia. Com seu aguçado faro para negócios e julgamento ponderado, ele era uma figura proeminente e respeitada entre seus colegas comerciantes.

Apesar de suas impressionantes realizações como comerciante, no entanto, ele optou por enviar sua filha para a Academia São Noel em vez de treiná-la para assumir os negócios da família. Seu raciocínio era simples: ele queria que sua filha tivesse o melhor futuro possível.

Ele queria que ela fosse educada no melhor ambiente de ensino que o continente tinha a oferecer e — bem ciente de sua timidez — esperava que ela fizesse alguns amigos por lá também. Claro, se esses amigos por acaso fossem membros da nobreza, melhor ainda. Ele era, afinal, um homem de negócios consumado e não se importava em se aproximar de alguns nobres ricos através das conexões de sua filha.

Era assim que os comerciantes funcionavam. Eles tinham um olhar aguçado para o lucro, nunca deixavam passar uma oportunidade de ganhar dinheiro e operavam sob o princípio: “Tudo que cai na rede é peixe”. Para ele, uma negociação comercial era uma batalha de inteligência onde cada lado tentava de tudo para maximizar seus ganhos. Sempre havia um vencedor e um perdedor. Tendo vivido no mundo do comércio a maior parte de sua vida, seu lema era: “Aproveite cada oportunidade que se apresenta e transforme tudo em uma oportunidade”.

No entanto, nem mesmo ele esperava que sua filha se tornasse amiga da princesa de um vasto império.

Minha querida filha, tornar-se amiga da princesa é ótimo e tudo mais, mas da próxima vez… Que tal alguém que cause um pouco menos de ataques cardíacos…

Apesar de suas ressalvas, ele decidiu fazer uma visita a Tearmoon. Por um lado, deixar passar um golpe de sorte tão repentino ia contra seu lema de comerciante. Mais importante, porém, ele queria uma chance de conhecer a primeira amiga que sua filha já fizera. Acontece que ele também tinha um negócio para fechar por perto, então o momento foi perfeito. Depois de solicitar uma audiência com a Princesa Mia, ele procurou por alojamento nas proximidades, imaginando que alguém conhecida como a Grande Sábia do império sem dúvida seria uma pessoa muito ocupada e exigiria que ele esperasse um pouco por sua resposta. Em vez disso…

Adeus, espera… pensou Marco ao entrar na câmara de audiências. Eu estava preparado para me entrincheirar por umas boas duas semanas. Quem diria que ela concordaria em me ver quase imediatamente?

Ele observou a jovem à sua frente, absorvendo o sorriso alegre que ela usava e — assim como Chloe havia mencionado — as centelhas de inteligência em seus olhos. Lenta mas seguramente, começou a cair a ficha de que ele estava olhando para Mia Luna Tearmoon, a Princesa do Império Tearmoon.

— Sinto-me muito honrado por ter sido concedida uma audiência com Vossa Alteza — disse ele em um tom de máximo respeito. — Sou o pai de Chloe, Marco Forkroad. Sou proprietário de uma companhia mercantil, mas fui agraciado com o título de Cavaleiro.

— Bem-vindo, Sir Marco Forkroad. É um prazer conhecê-lo. Espero que Chloe esteja bem?

— Muito bem, sim. Ela fala com carinho de sua bondade e consideração…

Eles trocaram mais algumas gentilezas antes de Mia mergulhar em um silêncio contemplativo. Então ela disse em voz baixa:

— A propósito, Sir Marco, tenho uma pergunta para o senhor. Seria possível para o senhor transportar algumas mercadorias de além-mar?

— Hã? Oh, por que sim, certamente é possível. Minha companhia possui muitos navios mercantes. Se a senhorita precisar deles, teremos o maior prazer em ajudá-la… — Sentindo que uma oportunidade de negócio estava surgindo, Marco exibiu seu melhor sorriso de vendedor. — Que tipo de mercadorias Vossa Alteza tem em mente? Especiarias, talvez? Ou alguns tapetes exóticos? Os do exterior são de excelente qualidade e bastante populares entre a nobreza do império—

— Eu quero trigo.

— Hã?

Ele encarou Mia por um tempo, tentando compreender as palavras que acabaram de sair de sua boca. Ela estava pedindo para ele transportar trigo para Tearmoon de além-mar. Para um comerciante, a ideia parecia nada menos que absurda. Por que transportar trigo do exterior quando estava logo ali? Tanto o império quanto seus reinos vizinhos cultivavam seu próprio trigo. Não havia necessidade, muito menos qualquer benefício discernível, em colocá-lo em um navio e transportá-lo por uma longa distância.

Negócios, em resumo, consistiam em comprar de lugares que tinham coisas e ir para lugares que não as tinham para vendê-las por um preço mais alto. Se houvesse uma fome ou algo do tipo, ele poderia lucrar com uma carga de trigo estrangeiro, mas não havia como ganhar dinheiro dessa forma em tempos normais. Ele duvidava que conseguiria sequer recuperar os custos de envio. Afinal, quem pagaria a mais por trigo? Eles poderiam simplesmente comprá-lo na loja local. Não era como se o trigo estrangeiro tivesse propriedades especiais, e parecia improvável que uma viagem através do mar o tornasse mais saboroso.

A ideia já era bizarra o suficiente, mas Mia prosseguiu adicionando um adendo à sua proposta que fez seus olhos se arregalarem ainda mais.

— Além disso, há uma condição: o preço deve ser decidido de antemão com a garantia de honrá-lo, não importa o que aconteça depois.

— Com isso, a senhorita quer dizer…

— Mesmo que ocorra uma fome, aumentos no preço não serão permitidos.

— Isso é—

A proposta da princesa era tão desconcertante quanto ultrajante. A adição de tal condição ao acordo significaria que não haveria nada nele para sua companhia. Embora ele pudesse ver que o império ganharia ao garantir uma fonte estável de alimentos em caso de fome, a Companhia Comercial Forkroad não obteria nenhum benefício do arranjo.

Isso é ridiculamente unilateral—

Marco fez uma pausa, sua linha de pensamento interrompida por uma súbita lembrança de como sua filha havia falado de Mia. A voz de Chloe ecoou em sua mente, descrevendo a princesa como uma pessoa que nunca usaria seu poder para forçar os outros a fazerem as coisas do seu jeito. Se fosse esse o caso, então tinha que haver algum significado mais profundo por trás de sua proposta aparentemente irracional…

Isso é… um teste? Estou sendo testado?

Um arrepio percorreu sua espinha e ele sentiu uma gota de suor frio escorrer por suas costas. Fora tão sutil — insidioso, quase — que ele não percebera no que a princesa o estava envolvendo até já estar com um pé na porta, metaforicamente. Mas agora ele sabia, e podia sentir a tensão familiar no ar que antes lhe escapara. Esta era a mesa de negociações, e eles estavam falando de negócios.

Há mais nisso, tem que haver. E a questão agora é se consigo ou não descobrir o que é. É assim que ela vai decidir se sou alguém com quem vale a pena fazer negócios.

Ele precisava pensar. O que havia nessa proposta que o faria querer assinar? Que benefício oculto ela oferecia? Nesse exato momento, ele ouviu a voz de Mia.

— Ah, esqueci de mencionar… — disse ela em um tom que soava suspeitamente, como o empregado por uma professora na presença de um aluno um pouco lento —, sempre comprarei pelo menos uma quantidade mínima acordada antecipadamente.

Compras fixas a um preço fixo… e o preço permaneceria inalterado não importa o que acontecesse, fome ou…

Sem fome. O que significa…

Marco revirou o quebra-cabeça da proposta de Mia em sua mente, torcendo-o e virando-o junto com as dicas que ela oferecera até que as peças se encaixaram e ele chegou a uma conclusão.

Será um produto que… não é afetado pelas flutuações do mercado?

Ele ponderou a ideia algumas vezes e avaliou seus prós e contras — da mesma forma que sempre fazia diante de uma nova proposição. Como comerciante, o processo já era uma segunda natureza. O trovão mental de choque que se seguiu, no entanto, foi consideravelmente menos rotineiro.

— Se eu for transportá-lo do exterior — disse ele após organizar seus pensamentos —, terei que fixar o preço mais alto do que o normal. Vossa Alteza considerou essa questão?

Ele achava que havia decifrado o que a princesa tinha em mente, mas queria confirmação. A resposta dela a essa pergunta forneceria exatamente isso. Mia não respondeu, no entanto. Em vez disso, o jovem oficial parado atrás dela se aproximou e lhe entregou um pedaço de pergaminho.

— Estes são os detalhes do contrato — disse Ludwig.

Marco leu o conteúdo e soltou um suspiro pensativo.

Este é… um preço fascinante, pensou ele enquanto refletia sobre as implicações.

Mia, enquanto isso, borbulhava de satisfação por conseguir comprar seu trigo por um preço baixo. De fato, ela oferecera o que considerava um preço muito bom — para ela, isto é. Sem que Mia soubesse, no entanto, sua definição de “barato” era terrivelmente distorcida em comparação com a maioria das pessoas. Afinal, seu ponto de referência era a própria fome, durante a qual os preços enlouqueceram e um saco de trigo valia um castelo.

Então, como seu preço parecia para um par de olhos normais?

Mesmo considerando os custos de transporte incorridos por longas distâncias, isso ainda está no lado mais alto das coisas. Com um preço como este, desde que minhas despesas não disparem inesperadamente, estarei obtendo um lucro constante.

Marco entendeu a proposta de Mia como um arranjo mutuamente benéfico. Em troca de pagar-lhe um prêmio quando as coisas estivessem bem, ele a ajudaria em tempos de dificuldade. Ela estava, em essência, apresentando um arranjo muito semelhante em conceito a algo que ainda não existia neste mundo: um seguro.

Mas espere… Ainda há mais nisso…

As engrenagens de sua mente de comerciante capaz continuaram a girar, e ele se deparou com outro corolário importante desta proposta. Era, na verdade, o mérito mais significativo de participar do plano de Mia… Ele percebeu que isso levaria à manutenção contínua das cadeias de suprimentos.

Considere a seguinte questão: por que o preço dos alimentos sobe durante as fomes, para começar? Claro, o desequilíbrio entre oferta e demanda era um fator, mas mesmo que seus efeitos fossem removidos, o preço do trigo ainda teria que subir. Por quê? Porque o custo de adquiri-lo sobe.

Suponha que tentasse importar trigo do exterior. Nunca tendo negociado trigo antes, a Companhia Comercial Forkroad teria que começar encontrando e conversando com agricultores de trigo estrangeiros. Então, teriam que descobrir como mover o trigo. Que tipo de embarcações eram necessárias? Com o que tinham que ter cuidado durante o transporte? Talvez o trigo não fosse muito complicado de manusear, mas levar sacos dele em segurança através do mar ainda exigia muito conhecimento. Eles teriam que contratar pessoas com conhecimento e experiência. Construir uma cadeia de suprimentos do zero era uma tarefa cara. Exigia um comprometimento significativo de dinheiro e energia para criar um fluxo de mercadorias onde antes não havia nenhum.

Agora, e se já existisse uma? E se… um fluxo de mercadorias previamente estabelecido, por mais insignificante que fosse, ainda permanecesse? Certamente seria mais fácil alargar um pequeno riacho do que reviver um seco?

Se eu conseguir manter os canais de distribuição… Se eu conseguir apenas manter as coisas fluindo… então, sempre que uma fome ocorrer, serei capaz de trazer remessas de alimentos mais rápido, mais suavemente e a um custo menor do que qualquer outra pessoa.

A barreira para manter esses canais de distribuição era, novamente, o custo. Um modelo de negócios que só lucrava em tempos de fome era irracional de sustentar. Qualquer um que quisesse ganhar dinheiro — com muita razão — escolheria abandonar esses canais em tempos de boa colheita.

E o que a Princesa Mia está propondo… é que ela vai arcar com o custo dessa sobrecarga.

Era um sistema de distribuição que fornecia uma garantia de mão dupla: Forkroad lucrava quando os tempos eram bons, e sua companhia garantia um suprimento de alimentos para o império quando os tempos eram ruins. Além disso, mesmo depois de cumprir sua promessa ao império, o sistema ainda seria capaz de vender alimentos para áreas necessitadas antes das companhias rivais.

Por Deus… Ela está construindo um sistema para proteger seu povo da fome e, ao mesmo tempo, garantindo que seu parceiro de negociação também se beneficie… O que diabos…

Apesar de sua baixa estatura, Marco não pôde deixar de sentir que estava na presença de uma gigante. Por um tempo, ele encarou a princesa, seu olhar infundido com um profundo sentimento de admiração.

Chloe… Minha querida filha, quem no mundo é esta princesa de quem você se tornou amiga?

Um suspiro longo e comovente escapou de seus lábios, e ele abaixou a cabeça.

— A Companhia Comercial Forkroad aceita as condições listadas e ficaria honrada em celebrar este contrato com Vossa Alteza.

A jovem princesa sorriu para ele em resposta.

Verdadeiramente, a genialidade de Sua Alteza não conhece limites…

Ludwig olhou de Marco, curvado, para Mia, ponderando que outros objetivos ela tinha em mente. Quando ela mencionou “precinho de amigo”, foi como se tivesse acendido para ele uma fogueira na escuridão. Ele viu o que ela viu e entendeu o verdadeiro significado por trás de suas palavras.

Ao rebaixar-se… Ao efetivamente manchar sua própria imagem, ela deu à nobreza um motivo com o qual eles poderiam conviver.

Dizer aos nobres para reduzirem os gastos esbanjadores para que “as pessoas não passem fome” resultaria em nada além de uma oposição veemente. Ideais não significavam nada para essas pessoas. Eles não poderiam se importar menos com a morte e o sofrimento das massas. A nobreza não tinha interesse nem desejo em buscar uma causa altruísta; princípios elevados não seriam bem recebidos por sua laia.

E se, no entanto, fosse enquadrado como uma forma de nepotismo? Que tudo isso se tratava de ajudar um amigo? Isso era algo que essas pessoas entendiam muito bem. Elas participavam de tais atividades constantemente. Claro, suas opiniões sobre a princesa não melhorariam depois de vê-la se envolver no exato tipo de negócios inescrupulosos pelos quais os criticava, mas esse nível de hipocrisia seria tolerado apenas como a arrogância do imperador e de sua família. Na verdade, uma certa quantidade de egoísmo hipócrita da família imperial era amplamente considerada pelos nobres como normal e aceitável.

Espere, mas estamos falando de Sua Alteza… E se…

Embora Ludwig estivesse confiante de que fizera um bom trabalho enquanto Mia estivera na escola, ele estava, no entanto, ciente de que poderia ter puxado as rédeas um pouco demais. Não era possível, então, que Mia compartilhasse seu sentimento e procurasse enviar a mensagem de que eles estavam aliviando um pouco? Ao se envolver ativamente em um ato nepotista, ela estava demonstrando o grau em que toleraria o clientelismo e a parcialidade.

A política era mais do que apenas agitar a bandeira da virtude. A honestidade por si só não faria as coisas acontecerem. Tinha que haver cenouras e tinha que haver varas, e cada uma tinha que ser usada de acordo para evitar que o burro empacasse.

O escopo de sua sabedoria desafia toda a razão… Quão mais longe ela enxerga? Quantos mais movimentos ela planejou?

Ludwig soltou um suspiro trêmulo. Que eu nunca precise vislumbrar o funcionamento interno de sua mente, para que sua complexidade infinita não estilhace minha frágil psique.

Mal precisa ser dito, mas se algo na mente de Mia fosse estilhaçar sua psique, seria seu absoluto vazio.

 


 

Tradução: Gabriella

Revisão: Matface

 

💖 Agradecimentos 💖

Agradecemos a todos que leram diretamente aqui no site da Tsun e em especial nossos apoiadores:

 

  • decio
  • Ulquiorra
  • Merovíngio
  • S_Eaker
  • Foxxdie
  • AbemiltonFH
  • breno_8
  • Chaveco
  • comodoro snow
  • Dix
  • Dryon
  • GGGG
  • Guivi
  • InuYasha
  • Jaime
  • Karaboz Nolm
  • Leo Correia
  • Lighizin
  • MackTron
  • MaltataxD
  • Marcelo Melo
  • Mickail
  • Ogami Rei
  • Osted
  • pablosilva7952
  • sopa
  • Tio Sonado
  • Wheyy
  • WilliamRocha
  • juanblnk
  • kasuma4915
  • mattjorgeto
  • MegaHex
  • Nathan
  • Ruiz
  • Tiago Tropico

 

📃 Outras Informações 📃

Apoie a scan para que ela continue lançando conteúdo, comente, divulgue, acesse e leia as obras diretamente em nosso site.

Acessem nosso Discord, receberemos vocês de braços abertos.

Que tal conhecer um pouco mais da staff da Tsun? Clique aqui e tenha acesso às informações da equipe!

 

 

Rlc

Recent Posts

O Caçador Imortal de Classe SSS – Cap. 165 – Chuva, Lama e Fogo (2)

  Quando dei um passo em direção à luz, fechei os olhos reflexivamente. — Grr.…

14 horas ago

O Caçador Imortal de Classe SSS – Cap. 164 – Chuva, Lama e Fogo (1)

Os Terras mais jovens não sabiam o que era chuva, embora os mais velhos –…

14 horas ago

O Caçador Imortal de Classe SSS – Cap. 163 – O Fogo da Caverna (3)

  O alvoroço naquela manhã cedo despertou os Cascomontes. — Qual é o motivo dessa…

14 horas ago

O Caçador Imortal de Classe SSS – Cap. 162 – O Fogo da Caverna (2)

  — Gostaria de ouvir as opiniões de todos também — disse o Inquisidor. —…

14 horas ago

O Caçador Imortal de Classe SSS – Cap. 161 – O Fogo da Caverna (1)

  A caverna estava fria. Os goblins fungavam, o vapor gelado da mina aderindo à…

14 horas ago

A Nobreza de um Cavaleiro Fracassado – Vol. 01 – Cap. 01 – A Prodígio e o Fracassado

  Blazers. Aqueles que podem manifestar o poder de sua alma em uma arma —…

16 horas ago