Era mais tarde naquela noite, pouco antes do crepúsculo.
Naoya alcançou a sapateira perto da entrada da escola. Ele se inclinou contra uma prateleira, suspirando para si mesmo: — Ainda bem que finalmente acabou…
— Ei, Naoya. Parece que nós dois estamos nos saindo bem — cumprimentou uma voz. Era o amigo de Naoya, Tatsumi Kouno.
Ambos bombaram em uma prova e tiveram que fazer aulas suplementares como resultado. Tatsumi estava pegando seus sapatos quando parou, como se algo lhe ocorresse, então falou:
— Pensando bem, é raro ver você tendo que fazer aulas suplementares.
— Eu sou péssimo em matemática, cara, e você sabe disso — respondeu Naoya.
— Mas nunca é tão ruim assim.
— Geralmente não, eu acho — admitiu Naoya.
Embora não quisesse se achar tanto nem nada do tipo, ele era deveras habilidoso academicamente. Não que fosse super inteligente; só era capaz de prever o que os professores estavam planejando colocar em provas e coisas do tipo. Ele só precisava fazer alguns estudos de última hora e tudo acabava bem.
— Você tem encarado muito o nada nos últimos dias, cara. É como se tivesse algo em mente. Se importa se eu tentar descobrir o que é? — perguntou o amigo.
— Fique à vontade.
— É Shirogane, certo?
— Na mosca. — Naoya deu de ombros frouxamente.
— Eu estava morrendo de vontade de te perguntar sobre isso, cara. Todo mundo está falando sobre o cara de aparência sombria por quem “A Rainha dos Espinhos” está apaixonada. — Tatsumi brincou. Ele deu um empurrão de brincadeira em Naoya antes que seu rosto ficasse um pouco sério de repente. — Ainda assim, não consigo entender. Com o que está preocupado? Qual é o problema se vocês dois estão namorando?
— Bem, ela não é realmente o problema — respondeu Naoya, hesitante.
— E você é?
Naoya deu um suspiro pesado em resposta. Ele estava feliz que Koyuki gostasse dele, de verdade. Sentia-se até mesmo honrado. O problema era ele.
— Eu não sei, tipo, como eu gosto dela, se é que me entende — explicou.
— Na verdade, sendo bem honesto, não faço ideia — respondeu seu amigo, tranquilo.
Como exatamente ele se sentia sobre ela? Como descreveria essa afeição — era como família? Um amigo? Ou possivelmente um amor? O que realmente significava “gostar” de alguém, afinal? Naoya sabia que Koyuki tinha sentimentos românticos por ele. Mas como ele se sentia? A pergunta lhe havia ocorrido no dia anterior, e quanto mais pensava nisso, mais confuso ficava.
— Então, sim, é isso que está em minha mente — concluiu Naoya. — Por que está me olhando desse jeito?
— Porque eu não entendo qual é a nóia que você está falando. Até os alunos do fundamental podem decidir se gostam ou não de alguém, cara! Você é quase um maldito adulto! — gritou seu amigo, incrédulo.
— O que quer que eu faça sobre isso?! Nunca estive em uma situação como essa antes!
— Bem, claro! Você sempre dava um jeito de acabar com a porra toda no passado!
— Uh, bem… Sim, acho que tem razão — murmurou Naoya timidamente.
Nada poderia abalar mais do que as palavras de alguém que te conhecia a vida toda. Foi por uma razão semelhante que ele manteve aquelas que o abordaram romanticamente no passado à distância. E por ter feito isso, nunca conseguiu distinguir seus próprios sentimentos diante de tais situações. Em outras palavras, o motivo para estar se debatendo agora era culpa sua apenas.
Tatsumi mostrou um sorriso largo e deu um tapa nas costas de Naoya novamente. Desta vez, fez isso de forma bastante grosseira.
— Você é tão bom em ler os outros, mas não entende a si mesmo! Haha. Cara, eu não invejo você!
— Cuide da sua maldita vida, pode ser? — resmungou Naoya.
— Eu tenho uma namorada, no entanto. Se não posso dar conselhos amorosos não solicitados, o que posso fazer?
— Ah, sim, esqueci disso.
Embora muitas vezes achasse difícil de acreditar, Tatsumi tinha uma namorada com quem estava saindo há mais de um ano. Fazia sentido ele não se identificar com os dilemas de Naoya.
— O que alguém como Shirogane vê em você? — Tatsumi se perguntava enquanto colocava seus calçados normais. Ele deu um passo em direção às portas da escola antes de parar. — Bem, tirando isso, ela parece séria sobre essa coisa toda.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Naoya.
— Uh, é ela ali, certo? — perguntou Tatsumi enquanto apontava para o portão principal da escola.
— O quê?!
E ela estava lá mesmo. A maioria dos alunos tinha ido para casa ou estava frequentando seus vários clubes. Isso deixou o portão principal completamente deserto, exceto por uma garota solitária que estava embaixo do arco do portão, olhando silenciosamente para seus pés.
— Shirogane?! — gritou Naoya, então começou a correr em sua direção antes que percebesse o que estava fazendo.
— Ah! — Koyuki engasgou. Quando o viu, seu rosto se iluminou por um breve momento antes de sua habitual expressão fria retornar.
— Que bom encontrá-lo aqui, Sasahara. Que coincidência.
Ela parecia cansada, e havia marcas de seus sapatos no chão onde estava chutando pedrinhas. Devia ter esperado por ele por um bom tempo.
— Eu disse que minhas aulas suplementares seriam longas, não disse? — repreendeu Naoya. — Você deveria ter ido para casa.
— Quê? Pensou mesmo que eu estava te esperando? Hah! Faça meu favor. Eu só estava estudando na biblioteca até agora — zombou, parecendo orgulhosa como sempre.
Mas Naoya não comentou sobre isso desta vez.
— Ah, desculpe, foi engano meu. De qualquer forma, me desculpe por estar tão atrasado. Vou estudar muito também, para não precisar ter mais aulas como essa.
— Bem, hm, se quer se desculpar tanto assim… Que seja. Não dou a mínima — respondeu Koyuki em um murmúrio silencioso.
Seu nariz estava ligeiramente vermelho, um sinal revelador de que estava envergonhada. Essas pequenas peculiaridades — sinais que revelavam o que ela realmente sentia — eram incrivelmente encantadoras para ele.
Eu gosto mesmo de estar com ela. Normalmente, canso de estar perto de pessoas, mas ela é o total oposto. Mas isso é amor mesmo? ponderou Naoya. Havia algumas exceções, é claro — havia seus pais, seu chefe e…
— Oh, veja só se não é Naoya. — Uma voz feminina animada soou por trás e o tirou de sua lista mental.
Naoya se virou para ver quem estava chamando por ele. A garota tinha cabelos cor de vinho que estavam presos em um rabo de cavalo prático e pernas longas e finas. Seus grandes olhos eram ligeiramente amendoados. Todos esses traços combinados lhe davam uma aparência bastante esportiva.
Naoya sorriu quando reconheceu quem era.
— Ei, Yui! Já terminou com as paradas do clube?
— Não, não tinha clube hoje. Então, por que está aqui tão tarde… Uau, é Shirogane?! — exclamou a menina. Seu discurso tinha sido casual até que notou Koyuki. — Por que estão juntos? Mas o que rolou?!
— Eu não te disse? Algumas coisas aconteceram, e nós temos saído muito recentemente — explicou Naoya.
— Um esquisito como você com ela, hein? Beleza. Coisas estranhas acontecem, eu acho. Ah, sim, Shirogane também está indo para casa agora?
— S-Sim — assentiu Koyuki, sem jeito. Ela parecia familiarizada com Yui, o que a deixou ainda mais desajeitada.
De repente ocorreu a Naoya o motivo disso.
— É mesmo, vocês estão na mesma turma, não estão, Yui? — perguntou ele.
— Sim. Só não conversamos muito — respondeu Yui.
— De fato… — Koyuki lançou um olhar venenoso para Naoya, apesar de seu sorriso educado. — Então você e Sasahara são amigos?
— Aham, já faz anos que nos conhecemos — respondeu Naoya.
— Pois é, desde o jardim de infância, na realidade. Por mais que eu tente me livrar dele, haha. — Yui brincou. A maneira como os dois falam mal um do outro era prova de anos de amizade. Naoya conhecia Yui Natsume há mais de dez anos, tanto tempo que suas respectivas famílias eram amigas, e Naoya até comia na casa de Yui de vez em quando. Ela era uma das únicas pessoas com quem Naoya poderia se dar bem com facilidade.
— Eh, nossa. Isso é ótimo… — disse Koyuki enquanto seu rosto ficava rígido. Naoya sentiu como se agora houvesse uma parede entre ele e Koyuki que não existia antes.
— Ah, mas você não precisa se preocupar, Shirogane, ela é apenas uma amiga, então não é como se nós-
— Cale a boca! — gritou Koyuki e logo após cobriu a boca com a mão.
Todos ficaram chocados com sua ação, incluindo a própria Koyuki.
O quê? Eu a li errado?! questionou-se. Embora possuísse uma habilidade tão útil, no final, cabia a ele desvendar a causa dessas emoções. Estava perfeitamente claro que Koyuki estava com ciúmes de Yui, por isso tentou acabar com o problema pela raiz logo no início. Não esperava que ela reagisse dessa maneira e, para piorar as coisas, estava tendo dificuldade em lê-la.
— Você perdeu completamente a noção ou o quê?! E se Natsume gostar de você, hein? Ela ficaria tão magoada com o que acabou de dizer! — protestou Koyuki.
— Mas ela não gosta de mim! — respondeu ele.
— Você não tem certeza disso! Qual é, Sasahara! Vocês dois são amigos de infância!
Parecia que Naoya estava totalmente errado — ele esperava que Koyuki visse Yui como uma rival, mas acabou que o oposto era verdade. Ela ficou brava por causa de Yui em vez disso… Isso era fofo demais.
— Vem aqui um pouco! — exclamou Koyuki, puxando Naoya para mais perto em uma tentativa de obter alguma privacidade. Yui estava a apenas dois metros de distância, então poderia facilmente ouvir tudo se quisesse.
— Posso sair daqui se vocês quiserem conversar — acrescentou Yui.
— Qual é o motivo da briga, galera? — Tatsumi fez sua entrada tardia.
Yui acenou para ele levemente e disse:
— Oh. Oi, Tatsumi. Espero que as aulas extras não tenham sido tão ruins. Naoya também estava participando?
— Opa. Sim, e foi incrível demais. — respondeu Tatsumi, brincando.
— Haha, eu não queria estar na sua pele.
— Hum, Sasahara, quem é ele? — perguntou Koyuki. Sua raiva tinha diminuído um pouco com o recém-chegado.
Depois de pensar um pouco, Naoya sentiu que era um pouco estranho, pois ela já devia ter visto os dois amigos antes. Talvez só não lembrasse.
— Este é Tatsumi Kouno — respondeu Naoya. — É meu colega.
— Ah, e também é meu namorado e amigo de infância, eu acho — explicou Yui.
— Prazer em conhecê-la, Shirogane. — Tatsumi a cumprimentou.
— Prazer em conhecê-lo… espere! Namorado?!
— Pois é. Saca só — disse ele enquanto cruzava braços com Yui.
— Vão para um quarto, vocês dois. Estão deixando Shirogane assustada. — Naoya brincou. Ele se virou para uma Koyuki bastante confusa e explicou: — Então, pois é, nós três somos amigos de infância. Esses dois aí estão saindo, e eu sou o responsável por segurar vela.
— Hm. Entendi. Hmm. — Koyuki assentiu várias vezes, aparentemente em profundo pensamento enquanto olhava para o casal.
— Está se sentindo bem agora?
— Eu já estava bem antes. Não é da minha conta o que você escolhe fazer com outras garotas. Por que eu me importaria? Não saia por aí agindo como se eu fosse uma namorada ciumenta… É nojento — retorquiu ela. Parecia que estava de volta ao seu eu de sempre.
Naoya soltou um suspiro de alívio. Estava feliz por ter saído dessa interação sem nenhum mal-entendido.
— A propósito, o que eles estão fazendo? — perguntou Koyuki, apontando para os amigos de Naoya.
O casal havia, em algum momento, se afastado deles e estava tendo uma conversa secreta perto das máquinas de venda automática. Estavam obviamente muito familiarizados com Naoya e sua excelente audição, então escolheram um local distante. Naoya olhou na direção deles, imaginando sobre o que exatamente estavam falando. Apesar de quão afastado estavam, ele ainda podia pegar trechos de sua discussão silenciosa aqui e ali.
— Aqueles dois estão… com certeza…
— Mas… parece que…
— Ah, então…
— Ah, sim… Legal, boa ideia. Vamos fazer isso.
— Sim, vamos pegá-los.
Koyuki, por sua vez, permaneceu fria como sempre.
— Ela está se saindo muito melhor que você, não é, Sasahara? — comentou ela. — É do mesmo ano que eu e já tem um namorado. Isso é deveras… incrível.
O casal voltou, todo sorridente. Eles não mostraram nenhuma preocupação quando Naoya olhou para os dois.
— Shirogane, tem algum compromisso mais tarde? — Yui, que parecia estar de bom humor, perguntou.
— Hmm, não. Por quê?
— Perfeito, então! Acontece que tenho quatro cupons para aquela loja de crepes em frente à estação! Quer ir junto?
Koyuki parecia bastante intimidada por sua oferta. Ela respondeu com grande cautela:
— E-Então está me convidando para sair com vocês?
— Sim — afirmou Yui. — Se não pode agora, tudo bem. Vou convidá-la outra hora.
Koyuki ficou ainda mais impressionada com a maneira atenciosa de Yui.
Parece que ela realmente quer ir, Naoya pensou consigo mesmo. Yui sabia que Naoya sempre mantinha outras garotas à distância, então era provável que ela estivesse bastante interessada nessa nova amiga com quem Naoya de repente estava se dando bem. Afinal de contas, as garotas tendiam a gostar de falar sobre relacionamentos e tal.
— Sim, tipo, eles têm uns ingredientes doidos — continuou Yui com entusiasmo. — Você pode encontrar várias coisas legais. Qual é, Shirogane, vai ser divertido!
— Hmmm… Koyuki hesitou, retirando-se cada vez mais da sua zona de conforto.
Naoya, com o incidente do dia anterior ainda fresco em sua mente, sabia que tinha que agir rapidamente antes que a temida “Rainha dos Espinhos” fizesse sua aparição.
— Sim, podemos comer crepes e ter um papo de garotas! — exclamou Yui alegremente.
— Papo de g-garotas? — Koyuki repetiu a palavra baixinho para si mesma como se estivesse digerindo. De repente, arrancou um cupom da mão de Yui. — Acho que aceitarei sua oferta! Vamos bater um papo de garotas!
— Boa! Esse é o espírito!
— Não sou muito de gostar de fofocas… — Naoya entrou na conversa.
— Mulheres, cara… — resmungou Tatsumi.
Os dois trocaram olhares cansados enquanto as duas garotas começaram a se empolgar.
Quando chegaram ao local que vendia crepe, ficaram agradavelmente surpresos ao encontrar apenas algumas outras pessoas lá. Talvez fosse porque estava ficando um pouco tarde, então felizmente conseguiram evitar a hora do rush depois da escola.
Yui examinou o cardápio do lado de fora da loja com grande escrutínio.
— Da última vez, comi um crepe de morango, então pode ser que eu escolha algo que tenha chocolate. O que você vai querer, Tatsumi? — perguntou ela.
— Não sou uma formigona como você, então, hã, será que eles têm acompanhamentos?
— Tem salada de atum e umas outras coisas… Oh! Diz aqui que o pessoal recomenda natto e rabanete daikon! Será que pego isso?
— Nah, isso soa muito pesado agora. Só vou querer um pouco de arroz.
O casal estava decidindo seus crepes juntos, como esperado. Naoya e Koyuki ficaram desajeitadamente atrás deles, observando a cena se desenrolar.
— Desculpe por isso, Shirogane. Você por acaso não está entediada, está? — perguntou Naoya.
— Não, de forma alguma. Eu estava livre hoje, então não me importo muito com isso. — Koyuki Hesitou. Apesar da sua calma, seu rosto demonstrava pura ansiedade. — É que… Nunca fiz esse tipo de coisa antes, então estou um tanto nervosa.
— Ah, sim, por “não ter amigos”.
— Esta é uma maneira bem babaca de dizer, mas não está errado — murmurou Koyuki. Ela olhou para Naoya e suspirou. — Nunca estive em uma loja de crepes, nem tive um “papo de garotas” antes, então… Nem sei se consigo fazer isso.
— Nem começou ainda. Não há necessidade de ficar tão preocupada com isso agora. — Ele tentou tranquilizá-la.
Shirogane está sendo legal hoje, notou ele. Não era apenas com ele, pois também conseguiu se controlar com Yui e Tatsumi. Devia estar grata por a terem convidado… Ou… Outra possibilidade ocorreu a Naoya. Ele engoliu em seco antes de perguntar:
— Você não está… preocupada por causa de tudo que eu disse ontem, né?
— Do que você está falando? Toda a porcaria que falamos entra por um ouvido e sai pelo outro; esqueço a maior parte no dia seguinte. Qual é, acha que sou obcecada por tudo que conversamos? Que nojo. Mas, sim, você está certo. — Koyuki murmurou a última parte, seus olhos voltando-se para o chão. — Sempre quis fazer coisas assim. Quer dizer, não gosto nem um pouco de fofocar, mas gosto de doces, e…
— Estou feliz por não ter me acovardado. E, hm, isso não é por sua causa, nem nada do tipo, mas… Obrigada, eu acho. — Koyuki atrapalhou-se por completo em suas palavras. Quando se deparou com o silêncio, sua cabeça se ergueu. — O-O quê?! Eu disse algo estranho?!
— Não, é só que… — Naoya cobriu a boca e falou em um tom tenso. — Você é realmente… sabe, e eu não sei como lidar com isso às vezes. Não precisa se preocupar com nada.
— Pare de ser tão vago. Isso só vai me deixar mais preocupada — repreendeu Koyuki. Suas sobrancelhas estavam franzidas em confusão.
Esse gesto em particular era muito fofo para Naoya lidar, ele sentiu seu coração palpitar. Isso o fez querer acariciar sua cabeça e cuidar dela, quase como um zelador ou um pai faria. Bem, isso só serviu para adicionar outra opção à lista de possíveis maneiras pelas quais ele gostava dela. Ainda não sabia se gostava dela assim, mas tinha certeza de que gostava de sua companhia. Mas era como amigo, interesse romântico ou guardião? Por que não consigo descobrir?
Os problemas de Naoya o seguiram até a loja. Enquanto todos ao seu redor falavam e brincavam em alto astral, ele se sentou em silêncio. Koyuki sentou ao lado de Naoya, e Yui e Tatsumi sentaram do outro lado da mesa. Koyuki e Yui começaram seu papo de garotas, e parecia estar indo muito bem, apesar das ressalvas anteriores de Koyuki.
— Sasahara foi a razão pela qual vocês dois começaram a sair?! Sem chance! — gritou Koyuki.
— Pois é. Ele não se parece muito com um cupido, né? — respondeu Yui.
— Não, de forma alguma. Como tudo isso aconteceu?
— É uma longa história — explicou Yui com um olhar para Naoya. Ela suspirou e continuou: — Resumindo, foi quando estávamos prestes a terminar o ensino fundamental, eu acho. Estávamos todos voltando para casa juntos quando ele parou de repente e disse “Então, quando vocês dois vão começar a namorar?”
— Então ele tinha tanto tato naquela época quanto tem agora, hein?
— Sim. Eu queria me contorcer todo e morrer — resmungou Tatsumi enquanto dava uma grande bocada em seu crepe.
Naoya foi tirado de seus pensamentos pelos três pares de olhos que o encaravam.
— Uh, bem, eu pensei que se encaixava bem nas circunstâncias da época. — Ele começou a explicar.
Eles se conheciam desde o jardim de infância, e era óbvio que Yui e Tatsumi gostavam um do outro… era só que nenhum deles tinha agido. Naoya também estava com medo que se afastassem após a formatura. Estavam indo para a mesma escola, mas Tatsumi e Yui eram sociáveis demais. Sem dúvida, logo fariam muitos amigos em sua nova escola, ou foi o que Naoya disse a si mesmo. Se não agisse logo, era possível que nunca tivessem a chance de ficar juntos. Claro, o casal ficou estranho no começo, mas veja como acabou. Tudo deu certo no final, né?
Naoya sorriu presunçosamente.
— Sou um belo casamenteiro, não sou?
— Não sei se posso concordar, mas com certeza não houve tanto drama quanto eu esperava — disse Koyuki com um olhar de insatisfação dando outra mordida em seu crepe. Ela obviamente não estava acostumada a comê-los, pois pequenas migalhas ficavam na ponta de seu nariz toda vez que dava uma mordida. Mas era fofo. Muito fofo.
— Bom, já chega de falarmos sobre nós. Eu quero ouvir sobre vocês dois, Shirogane — falou Yui.
— Nós? — perguntou Koyuki hesitante.
— Isso aí! Então, o que você gosta no nosso Naoyazinho?
Koyuki saltou e, sem querer, esmagou levemente seu crepe, seu rosto mais vermelho do que o morango que ela estava comendo. Logo se conteve e tentou dar um sorriso.
— Haha. Boa piada. Naoya é um perdedor. Não há nada de agradável sobre ele. — Ela menosprezava tentando fazer uma voz despreocupada, gesticulando em direção a Naoya com uma inclinação de seu queixo. — Estou tentando fazê-lo se apaixonar por mim, essa que é a real. Mas isso não quer dizer que eu goste dele.
— Oh. Beleza, então. Sim, imaginei que não gostasse dele — concluiu Yui com um aceno de cabeça.
— Fico feliz em ouvir isso… espere, o quê? — Os olhos de Koyuki se arregalaram.
Yui continuou casualmente:
— Tipo, Naoya sempre fala e diz o que quer que esteja em sua mente nos piores momentos. Além disso, não é dos mais bonitos. Não consigo imaginar alguém como ele e uma gatinha como você sendo um casal, Shirogane.
— Credo, Yui. O cara está na sua frente — repreendeu Tatsumi.
— Sim, por favor, não seja… Por favor, não diga isso sobre ele — falou Koyuki em voz baixa enquanto olhava para Naoya. — Ele não é tão ruim quanto você faz parecer. Ele me ajudou muito, e eu posso ser eu mesma perto dele, e… e também é muito gentil. Por isso não acho que seria um casal ruim… Talvez.
Se o plano era ser a mais adorável possível, pode-se dizer que foi um sucesso completo. Tatsumi e Yui não esperavam uma resposta daquelas — mas que coisa, nem mesmo Naoya esperava — e todos ficaram sentados em um silêncio monótono.
O silêncio longo e constrangedor foi quebrado quando Koyuki gritou:
— Mas eu não gosto dele nem nada! Sério!
— Oh. Beleza, então. Foi mal, Shirogane. Agora entendi. —Yui assegurou-a.
Koyuki deu uma mordida desajeitada em seu crepe em resposta. Naoya de repente sentiu-se apologético em relação a ela — ela estava sendo muito mais honesta com seus sentimentos do que Naoya.
— Siiiim. Eu também entendi agora. Certo, Tatsumi? — Yui continuou em um tom malicioso.
— Claro que sim — respondeu ele. O casal compartilhou o diálogo sinistro com sorrisos igualmente sinistros em seus rostos. No entanto, Naoya estava muito preso em sua própria cabeça para dedicar qualquer pensamento significativo ao comportamento deles.
— A propósito, seu crepe parece ótimo, Naoya — disse Yui.
Naoya olhou para seu crepe — ele pediu uma mistura com feijão vermelho e sorvete de matcha.
— Sim, é muito bom, eu acho. — Ele supôs. Assumiu que ela queria um pouco, pois era um pouco menos doce do que o dela.
E, como já era de se esperar, sua amiga perguntou:
— Poderia me dar um pedacinho? Por favorzinho?
— Uh, não. Você não pega “pedacinhos”. Conheço você há tempo suficiente para saber disso.
— Qual ééé — implorou ela.
— Não. Pega o de Tatsumi.
— Eu não gosto de natto, entããããão…
— Por falar nisso, por que foi pegar o de natto, Tatsumi? — perguntou ele ao se virar para o seu outro amigo.
— É melhor do que você pensa, na verdade — respondeu Tatsumi. Ele parecia estar satisfeito com seu pedido estranho; sempre foi de fazer as coisas do seu jeito.
Yui decidiu pressionar ainda mais.
— Por favor, Naoya. Será só uma mordidinha, sério mesmo.
— Ugh, beleza. Pega.
— Ebaaaaa! — comemorou Yui. Ela se inclinou e mordeu o crepe de Naoya. Eles são bons amigos por tanto tempo que não se importavam mais com questões frívolas como beijos indiretos. Naoya olhou para seu crepe, que havia diminuído significativamente, e suspirou.
— Me dá um pouco também! — exclamou Koyuki em voz alta ao lado dele.
Naoya olhou para ela incrédulo. Era óbvio que, ao invés de querer um pouco de seu crepe, ela só queria se aproximar dele como Yui tinha feito. De qualquer forma, ia acabar com ele perdendo mais de seu delicioso lanche. Embora não tivesse motivos para negar, foi interrompido por um sentimento incomum. Seu coração batia forte em seu peito, sentia seu rosto ficando vermelho, e sua boca, seca. Logo, viu-se com dificuldades para falar.
— C-Claro. Pegue. — Conseguiu balbuciar.
— Beleza — respondeu Koyuki. Ela se inclinou desajeitadamente, colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e deu uma mordida modesta na borda do crepe. Naoya esqueceu de respirar durante toda a interação.
— Valeu. Está muito saboroso — disse ela. Seus lábios estavam brilhantes devido ao creme, e Naoya se viu incapaz de tirar os olhos dela. Koyuki notou seu olhar e perguntou com remorso: — O quê? Foi muito grande?
Por que não senti nada quando foi a Yui? Isso é… meio incrível. Naoya não sabia bem o que seus sentimentos turbulentos implicavam. Na verdade, sua mente ficou completamente em branco e ele não conseguia pensar com clareza.
Tatsumi notou que o cérebro de Naoya parou e aproveitou a oportunidade para atacar.
— Haha, acho que agora você é um de nós, os abençoados — incitou. — Sorte sua, conseguir flertar com uma garota bonita dessas. Se Yui não estivesse aqui e agora, eu poderia ter tentado dar uma chegada nela.
— Uou, Tatsumi, se a gente morasse junto e tivesse um sofá, você dormiria lá hoje à noite. Mas, sim, ela é bem bonitinha. Estou com tanta inveja da sua pele, Shirogane… — comentou Yui.
— Pois é. Ela tem um ótimo corpo, sem contar que é inteligente. É o combo completo. Não se vê garotas assim todo dia — complementou Tatsumi.
— E-Eu não… — Koyuki não sabia o que dizer. Era bastante evidente que ela não estava acostumada com as pessoas elogiando-a, pois ficou envergonhada de novo.
Naoya notou que outro sentimento estranho começou a brotar dentro de seu peito. Não tem problema se for Yui, mas não sei como me sinto com relação a Tatsumi falando desse jeito com ela. Embora soubesse que ambos estavam apenas dando-lhe elogios genuínos, isso não impediu que uma onda de irritação o invadisse. Pior ainda, não conseguia descobrir o porquê de sentir tanta raiva de seu amigo.
Naoya lançou um olhar para Tatsumi, e ele pareceu notar. Em vez de recuar, no entanto, optou aumentar o flerte falso.
— Você tem as melhores notas do nosso ano, não é, Shirogane? Que tal estudarmos juntos algum dia?
— Quê? — Naoya e Koyuki deixaram escapar ao mesmo tempo. Enquanto a voz de Koyuki continha muita confusão, a de Naoya estava significativamente mais indignada. Koyuki parecia estar perdida.
— Sim. — Tatsumi continuou com seu estímulo amigável. — Acabei de me ferrar bonito em nossa prova de matemática. Eu estava pensando em tentar estudar mais. Você arrasou, não é?
— Tipo, fui bem — respondeu ela.
— Então, o que acha? Seja minha professora, Shirogane. Vou até te pagar alguns crepes na próxima vez.
— Hm…
— Também pode ser outra coisa. Do que você gosta, Shirogane? Pode me dizer. Vou te dar o que quiser — ofereceu, inclinando-se de leve para frente. Era como se estivesse genuinamente tentando dar em cima dela, e Koyuki não fazia ideia de como reagir. Sua namorada, por sua vez, não dava bola. Ela estava sentada ao seu lado e dava mordidas em seu crepe. Tatsumi estendeu a mão, agarrou a de Koyuki e disse: — Diga, que tal amanhã nós…
— Cai fora — rugiu Naoya, encarando Tatsumi com olhos furiosos. — Você não vai chegar perto dela.
— Ora, ora, ora. — Tatsumi sorriu tão casualmente que era como se seu amigo não tivesse surtado com ele.
Koyuki inclinou a cabeça para o lado, sem saber o que fazer com a situação.
— E aí, Naoya? Alguma coisa te deixou bravo?
— Não, não bravo — murmurou Naoya enquanto notava suas ações. Mergulhou em seus pensamentos, dando pequenas mordidas em seu crepe. — Agora há pouco, me senti estranho…
— Estranho como? — perguntou Tatsumi.
— Bem, não pensei em nada quando Yui comeu um pouco do meu crepe, mas meu coração ficou muito estranho quando foi a vez de Shirogane. E quando você estava dando essa de estranhão pra cima dela, meio que me irritou. O que há de errado comigo?
Koyuki decidiu que este era o momento ideal para entrar em cena.
— Bem, talvez possa ser… — Ela sugeriu com uma engolida em seco audível, encarando-o com seriedade direto em seus olhos. — Um resfriado, Sasahara. Isso pode fazer seu estômago ficar estranho e uns sintomas estranhos aparecem.
— É, pode ser. Vou medir minha temperatura quando chegar em casa, eu acho — concordou ele.
— Que porra é essa, vocês dois?! — gritou Tatsumi. — Armei tudo com maestria. O que mais poderia ter feito?!
— Está tudo bem, Tatsumi. Todos nós sabemos que Naoya é um idiota quando se trata de si mesmo. — Yui o assegurou.
— Parem de falar como se eu não estivesse aqui, pessoal — reclamou Naoya, virando um olhar desconfiado para seus dois amigos.
Yui falou com uma voz exasperada, como se estivesse advertindo uma criança:
— Então você não se importa quando são outras garotas, mas quando outro cara se mete com Shirogane, isso te incomoda. Caramba, eu me pergunto o que isso pode significar.
— Sim, estou resfriado, ou… Oh — declarou Naoya, finalmente percebendo o que eles estavam fazendo. — Então é isso que está rolando, hein?
— Parece que sim, Naoya — afirmou Yui.
— Demorou, bocozão — disse Tatsumi sarcasticamente.
— Oh, uou… — murmurou Naoya. Ele parecia estar bastante surpreso.
Koyuki parecia ser a única entre eles que não estava na mesma frequência. Ela franziu as sobrancelhas e inclinou a cabeça.
Naoya virou-se para ela com uma expressão séria e declarou:
— Shirogane. Eu não acho que um resfriado seja o problema.
— E qual seria, então? — perguntou ela.
— Eu acho que gosto de você.
— Bem, isso explicaria tudo… QUÊ?! — Koyuki tentou manter-se tranquila, mas não conseguiu reprimir sua explosão repentina.
Não importava quão pouca experiência Naoya tivesse no amor, agora ele tinha uma resposta para as sensações bizarras. Ele sabia. Então continuou:
— Já faz um tempo que estou preocupado com o que sinto. Eu sabia que gostava de você, mas não tinha certeza de que maneira. Mas agora sei. Eu gosto de você romanticamente, Shirogane! Não tem outra explicação!
— Tá cheio de gente aqui, seu idiota! Cala a boca! — gritou ela, atraindo mais atenção dos outros clientes do que Naoya tinha.
Tatsumi mostrou a Naoya um sorriso largo e comentou:
— Com você é sempre tudo ou nada, né?
— O amor deixa as pessoas loucas, Tatsumi. — Yui continuou sem perder o ritmo.
Naoya tinha coisas mais importantes para lidar do que responder a seus ataques. Ele perguntou:
— Você disse que me faria me apaixonar por você, certo, Shirogane?
— Hmm, sim, mas… — Ela parou, hesitante.
— Disse que me faria confessar a você, sim?
— S-Sem chance…
— Com chance — afirmou Naoya com um aceno profundo. — Shirogane! Você quer sair com… Ei! Shirogane?!
Enquanto Naoya tentava confessar, Koyuki disparou e correu em direção à porta.
— Não posso lidar com isso agora. Não aqui! — gritou ela.
Ela conseguiu andar alguns metros antes de tropeçar em uma cadeira e se esborrachar no chão.
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— Consigo andar sozinha, fique sabendo — resmungou Koyuki.
— Isso é minha culpa, então deixe-me ajudá-la, pode ser? — respondeu Naoya. Ele andava lentamente enquanto carregava Koyuki nas costas pela cidade noturna.
Após o acidente de Koyuki, os dois voltaram para a escola — eles se separaram de Tatsumi e Yui na loja de crepes. Embora o casal estivesse preocupado com Koyuki, deixaram a responsabilidade de lidar com a situação nas mãos de Naoya por algum motivo. Na enfermaria, a enfermeira os informou que Koyuki havia torcido de leve a perna e que precisaria ficar de repouso por cerca de um dia. No começo, ela recusou a ideia de ser carregada quando Naoya se ofereceu, mas logo se rendeu depois de tentar andar sozinha por alguns metros.
Naoya podia ver que Koyuki estava tomando cuidado para não o machucar com os braços em volta do pescoço, e ele apreciou sua preocupação. Enquanto a carregava nas costas, as palavras de despedida de Yui se agitavam em sua mente sem parar: “Talvez da próxima vez, vá um pouco mais devagar, Naoya!”
— Hm, sinto muito por mais cedo. Fui muito precipitado — desculpou-se ele.
— Até demais. Agora não vou poder ir àquela loja por um tempo — resmungou Koyuki. Depois de um momento de silêncio, ela se mexeu e perguntou baixinho:
— Você estava falando sério sobre o que disse antes?
— Estava. Eu gosto de você romanticamente — afirmou.
— Ugggh, pare de falar assim… — reclamou ela. Ainda assim, Naoya podia sentir seus batimentos cardíacos acelerados e suas respirações irregulares diretamente em suas costas. — Mas você, tipo, realmente gosta de mim?
— Quê? — perguntou ele. Não esperava essa pergunta.
— Quero dizer, nós mal acabamos de nos conhecer. Deve haver algum mal-entendido, ou você está apenas brincando… certo? Sua voz estava trêmula enquanto falava. Ele não podia vê-la direito, mas a imagem do seu rosto franzido de vergonha surgiu em sua mente. — Quero acreditar em você…, mas não consigo.
— Tudo bem — respondeu ele depois de uma pausa.
Embora tivesse tentado parecer calmo e controlado, não podia negar a sensibilidade em suas palavras, nem a sensação de choque que sentiu quando as ouviu. Faz sentido que confessar a alguém tão rápido acabaria assustando a pessoa…
Era como acariciar um gato de rua antes que ele se acostumasse com você. No final, agir de precipitadamente só serviu para esmagar o sentimento de confiança.
— Eu gosto muito de você, de verdade — insistiu ele. — Só preciso fazer com que acredite em mim.
— Faça o que quiser. Eu não ligo. De qualquer maneira, você é um esquisito — respondeu ela. Naoya fingiu não a ouvir fungar para si mesma.
Acho que estava falando sério sobre querer acreditar em mim, mas não ser capaz. Não há necessidade de entrar em pânico, porém, vou começar a levar as coisas devagar e com firmeza, assegurou a si mesmo. O primeiro passo já havia sido dado: agora entendia como se sentia. Mas a verdadeira batalha estava apenas começando.
Ele continuou com um tom leve em sua voz:
— Mas se eu estiver convencido de que acreditou em mim, vou me confessar na mesma hora. Talvez queira começar a pensar na sua resposta agora mesmo.
— Sem pressão, então… O que vai fazer se eu te rejeitar? — perguntou ela, hesitante.
— Vou confessar de novo.
— Temia que dissesse isso. Você é esse tipo de idiota — murmurou ela com um suspiro cansado. Sua voz logo voltou a ter ânimo e disse: — Se vai insistir em confessar, é problema seu. Tudo bem?
— Entendido. Já estou trabalhando nas minhas melhores falas para quando chegar a hora — respondeu ele.
— Não se esforce tanto. Se fazer com que sejam vergonha alheia demais, vou morrer de vergonha.
— Eu sinto que quando se trata de coisas como essa, é melhor pensar grande. Ah sim, aliás, eu trabalho em um sebo. Eu provavelmente poderia pagar um anel ou algo assim com cerca de 3 meses do meu salário. Quer que eu faça isso ou nem?
— Credo, já ouviu falar sobre nunca colocar a carroça na frente dos bois?! Não preciso de nada do tipo, ainda! — gritou ela.
— Ainda? Beleza, você que manda. — Naoya recuou, feliz por ela não ter notado seu lapso freudiano1Lapso freudiano é um equívoco na fala, na memória, em uma atuação física, provocada hipoteticamente pelo inconsciente, isto é, através do ato falho o desejo do inconsciente é realizado. O “ainda” da Koyuki pode hipoteticamente indicar que em seu inconsciente já haveria uma certa predisposição ao relacionamento romântico com o Naoya..
Eles finalmente chegaram a uma área residencial. Enquanto navegava pelas ruas, Naoya logo chegou a um bairro tranquilo. Foi quando Koyuki disse a Naoya para parar. Quando ele deu uma boa olhada ao redor, percebeu que estava do lado de fora de uma formidável casa de estilo ocidental cercada por grandes muros.
— Esta é sua casa, Shirogane? É enorme — disse ele, espantado.
— Quê? Eu acho que é normal. — Ela acenou para ele.
Era basicamente um palácio aos olhos de Naoya. Quando entraram, Naoya foi recebido por tetos altos e paredes totalmente mobiliadas com pinturas elaboradas e de aparência cara. Naoya colocou Koyuki com cuidado perto da entrada.
— Obrigada por me trazer para casa. Quer entrar, talvez? — Ela se aventurou nervosamente.
— Hoje não. Obrigado pela oferta, no entanto.
— B-Beleza, então — disse ela.
Naoya percebeu que ele a estava decepcionando — e todos os homens do mundo — por não aceitar o convite da linda garota para que entrasse em sua casa.
— Seus pais não estão em casa, certo? Vou esperar até voltarem. Dessa forma, posso vir com presentes e outras coisas e me apresentar de maneira adequada — explicou.
— Quero perguntar como sabia que meus pais não estavam em casa, ou por que acha que precisa ser tão formal com eles, mas duvido que a conversa chegaria a algum lugar — resmungou ela. Ela também parecia estar aprendendo a ler Naoya agora, pelo menos até certo ponto. Ela suspirou, então olhou para Naoya com um leve rubor tingindo seu rosto. — Sim, está muito tarde. Acho que te vejo… na próxima vez?
— Sim. Mal posso esperar por isso. Tchau. Cuidado com a perna — comentou ele, pronto para sair.
— E-Espere um pouco — falou ela.
Naoya se virou e viu Koyuki vasculhando sua mochila. Quando encontrou o que estava procurando — um pequeno caderno —, o entregou a Naoya.
— Pode não precisar disso, mas, hã, pegue. São anotações que fiz sobre a última prova de matemática. Pode ser que ajudem — explicou ela.
— Uau, sério mesmo?! Tem certeza?! — exclamou Naoya. Ele pegou o caderno e começou a folhear seu conteúdo. Pontos importantes foram sublinhados com nitidez com canetas coloridas, e instruções para cálculos foram metodicamente escritas em sequência. Parecia mais útil do que a maioria dos livros didáticos. Havia mais de dez páginas de anotações, e Naoya ficou sem palavras.
Koyuki parecia preocupada com o seu silêncio.
— Desculpe se isso foi rude da minha parte. Só achei que você iria querer. Eu queria te dar no portão da escola, mas tivemos que ir comer crepes, e acabei esquecendo. Além disso… — Ela parou enquanto olhava para Naoya. — O que foi?
— Não, é só… — murmurou Naoya. Ele encontrou sua mão subindo para cobrir a boca, mas fez pouco para esconder seu sorriso crescente. — Você tem certeza que eu não posso simplesmente confessar para você agora?
— O quê?! Você disse que ia procurar um momento melhor, certo?! — gritou ela.
— Mas eu já gosto muito, muito de você — disse ele com seriedade e sem um pingo sequer de constrangimento. Um pensamento lhe ocorreu: quando se encontraram na escola mais cedo, ela disse que estava estudando na biblioteca. Devia estar fazendo as anotações então, só para Naoya.
— Você já é para casar. Qual é, deix-
— Cala a boca! E dá o fora daqui! — gritou Koyuki. Ela arrancou o caderno de suas mãos e começou a utilizá-lo para bater na cabeça dele, sem parar até que tivesse o expulsado da casa. E, então, jogou o caderno na sua direção e bateu a porta.
Apesar de suas ações duras, ele rapidamente recebeu uma mensagem de texto. — Se não entender algo, pergunte-me a qualquer hora. Até. — afirmou.
Naoya alternava olhares entre o caderno e a tela do celular. Então, olhou para os céus e declarou:
— Sim, estou apaixonado.
Ele certamente levou um tempo para descobrir, tanto tempo, na verdade, que a afeição que tinha guardado por ela ameaçava jorrar a qualquer momento como uma represa rompida.
Sentiu um sorriso surgir em seus lábios, o qual suspeitava que jamais desapareceria. Enquanto voltava para casa, murmurou palavras de amor em voz alta para si mesmo.
— Eu preciso ter cuidado. Tenho que esperar até que ela esteja pronta… Mas quero me confessar agoraaaa…
O crepúsculo estava tomando conta, e os profundos tons carmesins do início da noite eram lentamente substituídos pelos tons de índigo. As mudanças no céu podem ter parecido melancólicas para alguém que estava de mau humor, mas Naoya era imperturbável. Mal prestava atenção aos arredores enquanto praticamente ia para casa saltitando.
De repente, sentiu um par de olhos em suas costas e se virou. Não havia ninguém lá, embora sentisse como se a presença viesse da direção da casa de Koyuki.
— Deve ter sido minha imaginação — murmurou para si mesmo. Deu meia-volta e voltou a andar em direção à sua casa, agora um pouco mais rápido do que antes.
Levaria alguns dias até que Naoya soubesse a verdade sobre o que sentiu, e tudo começaria com uma carta deixada em sua sapateira.
Tradução: Taiyo
Revisão: Guilherme
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