Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino

Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino – Vol. 07 – Cap. 07 – A Aliança Médica Tripartite

 

Alguns dias antes da reunião…

Com a Transmissão de Voz da Joia e os receptores simples que haviam sido entregues, entrei em contato com Hakuya no Castelo de Parnam e informei que queria demonstrar a força de Friedonia para garantir que as negociações corressem bem. Apontar que nossa nação poderia ser tanto um amigo confiável quanto um inimigo problemático tornaria a aliança mais forte.

Quando perguntei a opinião de Hakuya sobre o assunto, a primeira coisa que ele propôs foi:

— Você vai posicionar tropas ao longo da fronteira?

— Espere, de repente estamos recorrendo à intimidação aberta em nossa diplomacia? — perguntei, um tanto quanto surpreso.

— Acredito que é uma demonstração de força perfeitamente compreensível. — respondeu Hakuya com um olhar frio em seu rosto.

Hã? Ele realmente está falando sério?

— Você está brincando, certo? Isso só deixaria o outro lado mais receoso sem motivo, não é?

— É uma piada, é claro. Estava apenas apresentando o método rápido e fácil. Se você espera por uma amizade duradoura, essa opção pode funcionar, mas está longe de ser a melhor.

— …

Ele falou tudo isso completamente inexpressivo. Talvez esse fosse o senso de humor do Hakuya.

Suas piadas são difíceis de pegar… pensei enquanto o olhava.

A próxima proposta que ele ofereceu foi:

— Vamos envolver o Império do Gran Caos nessas negociações.

A Imperatriz do Império, Maria?

— Se suas negociações correrem bem nesta ocasião, você pretende propor a aliança médica com o Império também, certo? — perguntou. — Poderia adiantar o cronograma.

— Isso é… bem, sim, é verdade que estava pensando nisso…

Se fossemos desenvolver tratamentos médicos e torná-los amplamente disponíveis, nenhum país poderia lidar com isso sozinho.

Se avançássemos sozinhos, poderíamos ser capazes de criar uma lacuna entre nós e os outros, mas nossos fundos e mão-de-obra têm limites. Se tentássemos forçar apenas um país a fazer toda a pesquisa, o progresso seria lento.

Neste mundo, as lesões externas poderiam ser tratadas com magia de luz, mesmo que graves. Ainda assim, havia muitas pessoas sofrendo de doenças em que a magia não funcionava.

Se alguém próximo a mim cedesse a uma doença enquanto eu perdia tempo…  Definitivamente me arrependeria. Não faria mal ser rápido no desenvolvimento de tratamentos médicos.

Em prol disso, queria que o Império Gran Caos, a maior nação da humanidade, bem como aquela com orçamento e mão de obra consideráveis, lidasse com uma parte desse projeto. Eu tinha um canal diplomático com o Império, afinal, sua líder, a Imperatriz Maria, era uma mulher com quem eu podia conversar. Ela certamente apoiaria a ideia.

No entanto, eu estava querendo colocar as coisas em ordem com a República Turgis antes de abordar esse assunto com o Império. Como o reino e o Império estavam distantes, precisávamos de um país para atuar como intermediário entre nós, ou isso tudo não passaria de um sonho tolo.

Ainda assim, Hakuya queria envolver o Império e Maria em nossas atuais negociações.

— Há mais de uma maneira de demonstrar força. — acrescentou ele. — Nossas conexões são outra forma de poder. Se pudermos introduzir Madame Maria, que é a imperatriz do Império, à reunião, Sir Gouran ficará chocado. Isso iria informá-lo de que as nações a leste e oeste da república têm sua própria linha de comunicação independente.

— Verdade, tenho certeza de que isso o chocaria…

Se o Império e o reino estivessem secretamente envolvidos, a república poderia ser pega em um ataque de pinça no momento em que se opusesse. Bem, dada a sua situação geográfica (eles ficam completamente isolados pelo gelo durante o inverno), dificilmente haveria qualquer benefício em invadi-los e ocupar seu território, mas ainda colocaria pressão sobre eles.

— … Ainda assim. — cocei minha cabeça com força. — Seria incrível se pudéssemos fazer isso, mas provavelmente não é realista chamar Madame Maria. Não restam muitos dias antes da reunião. Não seria impossível, considerando a segurança, os processos necessários e tudo mais?

— O que você está dizendo? — Hakuya se opôs, parecendo exasperado. — Com quem cada um de nós está falando agora e onde está essa pessoa?

— … Ah. — Finalmente entendi o que ele queria dizer.

Era isso. Se ela participasse da reunião remotamente com a Transmissão de Voz da Joia, não havia necessidade de convidar Maria para vir aqui. Imaginei que nos encontraríamos pessoalmente, então devo ter ficado um pouco fora de órbita para ignorar algo tão simples.

Me senti um ignorante e, em volume audível, limpei minha garganta.

— Ahem… com isso em mente, mesmo que a reunião seja realizada durante uma Transmissão de Voz da Joia, Madame Maria tiraria um tempo de sua agenda lotada para participar?

— É altamente provável.

— Você parece ter muita certeza disso.

— Durante minhas conversas com a irmã mais nova de Madame Maria, Jeanne, já pedi para “trazer a negociação sobre tecnologia médica à mesa” e disse que estamos “dispostos a compensá-la adequadamente”.

— Você já estava de olho nisso, hein? — Eu disse. — Muito bem.

— Ainda não decidimos sobre a política para tecnologia médica, então viemos apenas compartilhando nossas perspectivas sobre o assunto aos poucos.

Hakuya e Jeanne estão compartilhando perspectivas, não é? Ambos eram afiados, então suas conversas provavelmente eram similares a posicionar as peças em um jogo de Go. Eu duvidava que eles estivessem tensos sobre isso. Com minha permissão e a de Maria, Hakuya até fez coisas como trocar presentes com ela enquanto Piltory estava fazendo seu retorno temporário ao país.

No que diz respeito ao relacionamento deles, Maria me disse uma vez durante uma reunião de transmissão: “Ultimamente, Jeanne se sente tão cheia de vida. Hee hee, você acha que ela e seu primeiro-ministro encontraram algo em comum para conversar?”

Ela parecia bem feliz com isso. No entanto, a única coisa que pude imaginar que tinham em comum para falar eram suas reclamações sobre seus respectivos mestres. Não tinha tanta certeza de que era uma coisa boa caso estivessem se divertindo falando sobre isso.

— Independentemente disso — continuei. — ,Se negociarmos sobre tecnologia médica, podemos chamar Madame Maria para a reunião com Sir Gouran, certo? Dessa forma, ao mostrarmos nossa conexão com ela, vamos chocar Sir Gouran e poderemos levar as negociações em uma direção que seja benéfica para nós?

— Precisamente.

— É como fazer duas coisas ao mesmo tempo, mas… você não está dizendo que devemos convencer dois países separados simultaneamente?

— Acredito que isso dependerá de suas habilidades, senhor.

— Você faz parecer tão fácil.. — resmunguei.

Sinceramente…

Mas, bem, provavelmente era a maneira mais eficaz de fazer isso.

— Vamos em frente com isso. — disse. — Hakuya, negocie com o Império e prossiga com os preparativos. Também se certifique de não cometer erros com o outro assunto que eu pedi para você abordar.

— Entendido.

Hakuya se curvou respeitosamente.

***

E isso nos leva de volta ao presente.

Aqui e agora, os líderes da República Turgis, do Império Gran Caos e do Reino de Friedonia estavam reunidos, mesmo que fosse por uma transmissão.

Sir Gouran ficou estupefato com a aparição repentina de Maria por um tempo, mas sua expressão logo voltou ao normal.

— É um prazer conhecê-la.  Eu sou o líder da República, Gouran Taisei. — Ele acenou com a cabeça para a imperatriz no receptor simples.

A joia estava no lado oposto do receptor simples, então Maria pôde ver que ele estava acenando para ela.

A Transmissão de Voz da Joia de Maria riu e sorriu para Gouran.

— Por favor, perdoe-me pela grosseria de não lhe informar de antemão sobre minha participação nesta reunião. Ouvi dizer que uma aliança médica seria discutida aqui, e o Império gostaria muito de se juntar.

— Eu também gostaria de me desculpar. — anunciei. — Foi decidido tão de repente que não tive tempo de entrar em contato com você com antecedência.

Maria e eu inclinamos a cabeça em uníssono.

Sir Gouran olhou para nós com uma expressão vazia por um momento, mas então soltou uma risada calorosa.

— Gahaha! Parece que Sir Souma me pegou dessa vez! Eu nunca pensei que você estivesse conectado à imperatriz do Império!

Mesmo que estivesse rindo, seus olhos estavam fixos em mim. Era provável que estivesse sondando minhas intenções com cautela.

Corrigi minha postura enquanto me certificava de enfrentar aquele olhar.

— Peço desculpas por ficar quieto sobre isso. No entanto, quero formar essa aliança médica entre o Reino de Friedonia, a República Turgis e o Império Gran Caos; as três nações que compõem o sul do continente. — anunciei com clareza para Sir Gouran e Maria. — Acredito que o conhecimento nos campos da medicina e seus tratamentos devem ser compartilhados igualmente com toda a humanidade. A doença atinge a todos, independentemente de suas raças e fronteiras. Se uma epidemia se abater sobre um país, o dano definitivamente se espalhará para seus vizinhos. Caso isso aconteça, se apenas uma nação tivesse o conhecimento, drogas ou equipamentos, seríamos capazes de proteger nosso povo? Eu digo que não. Mesmo que não estabeleçamos relações entre os países, pessoas como comerciantes e aventureiros estão transitando entre eles constantemente. Podemos tentar proteger apenas nosso próprio povo, mas as doenças infecciosas continuarão se espalhando.

— Isso é verdade. — concordou Maria. — Felizmente, não experimentei uma delas, mas a história registra epidemias ocasionais neste continente e quão seriamente elas abalaram os países aos quais acometeram.

Sim, a história recordava a mesma coisa no meu mundo anterior.

Ao estudá-la para meus exames de admissão, aprendi que a Peste Negra havia sido transmitida da Ásia para a Europa ao longo da Rota da Seda, trazendo o caos para muitos países e depois se espalhando para a África, contribuindo para a queda do Sultanato Mameluco1Reino medieval africano que abrangia o Egito, conquistado pelos Otomanos em 1517..

No combate às epidemias, era importante evitar que o surto se espalhasse em seus estágios iniciais. Para fazer isso, precisávamos compartilhar conhecimento médico.

— Enquanto nossos três países compartilharem seus conhecimentos médicos, se uma epidemia começar a se espalhar em um país, poderemos limitar sua disseminação ao mínimo. — disse. — Além disso, se ocorrer um surto em um país que não os nossos, podemos nos coordenar para limitarmos as áreas de nossas fronteiras em que teremos que inspecionar as pessoas.

— Você tem razão. — disse Gouran. — Falando em nome da república, não ter que se preocupar com nossas fronteiras com o Império e o reino seria reconfortante.

— Concordo. — assentiu Maria. — Nossas fronteiras são desnecessariamente longas, então não há nada que gostaríamos mais do que uma ligeira redução no número de postos de controle.

Sir Gouran e Maria acenaram com suas cabeças. Provavelmente poderia supor que eu tinha o apoio deles até agora.

— Tendo confirmado a necessidade de compartilhar conhecimento médico entre nossos três países, voltarei à conversa que tive com Sir Gouran antes. — continuei. — A discussão onde o reino terá como objetivo treinar médicos e melhorar suas técnicas, a república produzirá e desenvolverá equipamentos médicos e como iremos compartilhar nossos resultados. Estive pensando que é melhor dividir o trabalho, uma pesquisa focada seria eficaz no desenvolvimento do campo da medicina. Ao ter o Império se juntando a nós, espero que eles lidem com a produção em massa de drogas e a melhoria delas.

— Drogas…? — Maria perguntou, e eu balancei a cabeça.

— No meu país, a raça de três olhos desenvolveu o tríocido, um antibiótico. Esse é um medicamento que funciona bem em doenças infecciosas, mas a subespécie de gelin da qual é extraída exigirá terra e mão de obra para crescer, então ainda não chegamos ao ponto de produção em massa. Se não pudermos garantir isso em grande quantidade, as drogas continuarão a ser caras. Por essa razão, quero solicitar que o Império, com sua terra, mão de obra e financiamento, cuide da produção da droga.

— Isso é maravilhoso. — disse Maria com um sorriso. — Se você puder nos dizer como é feito, gostaria de criar um sistema para produzi-lo em massa de uma só vez.

Eu só podia imaginar uma voz sussurrante dizendo algo como “eu quero sua tecnologia” por trás daquele sorriso, então não pude deixar de sorrir com relutância.

— Eu vou te contar sobre como é feito… — continuei. — No entanto, quero algo em troca.

— Claro. Quanto você quer que paguemos?

Refleti sobre o que estava pensando antes.

— Não quero dinheiro. Eu quero outra coisa de você.

— Outra coisa? E o que seria?

— Uma joia para Transmissão de Voz da Joia. Em outras palavras, um núcleo de masmorra. Olhando para a escala do Império, você não tem muito mais do que nós? Eu gostaria que você me deixasse ter um.

— Um núcleo de masmorra, é…? — Maria ficou com um olhar pensativo no rosto, mas deve ter sentido que não perderia nada neste acordo, já que logo assentiu. — Muito bem. Eu aceito esses termos.

— Obrigado — respondi. — Sir Gouran.

— Hm?

— Deve ser inconveniente ter apenas uma joia para usar em transmissões domésticas. Estou pensando em dar esta que receberei do Império para a república. Como você fornecerá equipamentos médicos sem custo, imaginei que este seria uma boa retribuição, não concorda?

— Hm… certamente é verdade que não podemos simplesmente adquirir uma joia sempre que quisermos. — Gouran pensou por um tempo, depois deu uma palmada no próprio joelho. — Muito bem! No entanto, vou querer discutir os valores exatos a serem fornecidos mais adiante.

— Sim. Tudo bem.

— Esta é uma negociação terrivelmente direta. — apontou Maria, parecendo um pouco exasperada.

Dei outro sorriso amarelo e encolhi os ombros.

— Fiz o meu melhor para fazer as coisas darem certo para as três partes. Se a república só tem uma joia, isso é inconveniente para a coordenação entre os três países. Suspeitei que eles realmente iriam querer uma.

— Gahaha! — Sir Gouran riu. — Parece que você viu através de mim.

— Entendo… — Maria tinha um olhar sério no rosto. — A propósito, Sir Souma, tenho uma pergunta para você.

— E sobre o que seria?

— Em relação aos três países, com cada um assumindo um campo de pesquisa, ainda seria permitido pesquisar os outros campos? No meu país, por exemplo, eu não seria capaz de treinar médicos ou confeccionar equipamentos?

— Não, você é livre para pesquisar outros campos. Na verdade, espero muito que faça isso.

— Tudo bem, então? — Sir Gouran verificou para confirmar, e eu assegurei.

— A razão pela qual eu digo que quero que cada um de nós se especialize é em nome da eficiência. — declarei. — No entanto, se isso é tudo o que cada um de nós faz, no momento em que um dos três países é negligente em suas funções, a coisa toda desmorona. Além disso, para melhorar nossos medicamentos e equipamentos médicos, tenho certeza de que o conhecimento dos médicos e suas técnicas serão necessários. Por favor, eu gostaria que tanto a república quanto o Império enviassem qualquer um que queira se especializar no campo da medicina para o nosso país. Eles estudarão conosco, ensinarão o que aprenderam aqui quando voltarem para casa e darão à luz mais médicos. Se fizerem isso, então o Império e a república devem ser capazes de educar seus próprios médicos também. Por outro lado, eu gostaria que a república enviasse um número de artesãos que podem produzir equipamentos médicos para nós também. Quero ter um sistema que nos permita produzir nosso próprio equipamento se a situação exigir, afinal.

— No entanto, se fizermos isso, em última análise, cada um de nós não vai acabar estudando todos os campos? — Sir Gouran perguntou. — Isso não anula o propósito de dividir a pesquisa entre nós?

— Não, Sir Gouran. — respondi. — Isso é uma meta e também  uma corrida. Se dividirmos totalmente as coisas, tudo estará acabado no momento em que um país decide romper esse relacionamento. Agora, quando todos nós estudamos cada campo, podemos nos preparar para essa situação, caso ela surja. Além disso, o fato de que outros países também estão estudando significa que, se você negligenciar sua pesquisa, os outros países podem ultrapassá-lo.

— Entendo… — respondeu Maria, pensativa. — Para evitar isso, você introduziu o elemento de uma raça.

Você realmente pensou bastante sobre isso, ela parecia estar implicando.

Bem, claro. Tinha debatido isso até a morte com Hakuya. Passamos quase todo o tempo entre a convocação desta conferência e a minha saída para matar ogros discutindo isso.

 — Hm… — disse Gouran, com uma expressão pensativa no rosto.

— Houve algo que não ficou claro? — perguntei.

— Não, acho que você pensou muito nisso, mas… ainda há um problema.

— Um problema?

— Tenho certeza de que você está ciente, mas nossas rotas são bloqueadas pela neve e nossos mares cobertos pelo gelo durante o inverno. Nesse período, os meios de transporte são inutilizáveis e só podemos realizar comércio no verão.

Em outras palavras, Sir Gouran estava preocupado com o transporte.

Neste mundo, quando você tentava enviar grandes volumes, significava transporte terrestre usando criaturas grandes como rinocerontes ou transporte marítimo usando barcos. Nenhum desses era adequado para o inverno da República Turgis.

Os mares congelavam no inverno, impedindo que os navios entrassem, e a terra estava coberta de neve, o que barrava a entrada de criaturas suscetíveis ao frio como os rinocerontes. Haviam animais de clima frio como o numoth, mas a quantidade que um deles podia carregar era limitada, e eram lentos também. Era exatamente por isso que os comerciantes só rumam para este país no verão.

Eu não poderia culpar Sir Gouran por estar preocupado. No entanto, eu já tinha ouvido isso de Kuu.

— Tenho algumas ideias sobre isso. — anunciei. — Roroa.

Ela, que estava quieta até aquele ponto, ergueu o braço como se dissesse: Estive esperando por isso!

— Finalmente é a minha vez. Vamos mostrar aquela coisa para eles, então!

Maria e Gouran se espantaram com seu entusiasmo repentino, mas era muito cedo para se surpreender.

Afinal, ainda tínhamos uma carta na manga.

Solicitei uma suspensão temporária da reunião para que eu pudesse me preparar.

Tendo obtido a permissão dos presentes, expliquei a situação a Sir Gouran e recebi permissão para levar uma certa coisa do reino.

Assumi que se eu trouxesse isso sem autorização, causaria um grande alvoroço. Se as coisas dessem errado, poderiam até pensar que foi uma invasão.

Pedi a Sir Gouran que emitisse um documento para mostrar na fronteira, e ordenei a um mensageiro kui que carregasse esse documento para a fronteira onde aquela coisa deveria estar esperando.

— Eu dei minha permissão, mas… acho difícil de acreditar. — admitiu ele.

— O mesmo aqui. — acrescentou Kuu. — Mas não que eu ache que Souma esteja mentindo.

O pai e o filho Taisei deram suas reações honestas enquanto observavam o mensageiro kui voar para longe.

Dei de ombros com um sorriso irônico.

— Você pode achar difícil de acreditar, mas não há mentira ou exagero em nada do que dizemos, sabe?

— Sim, vocês dois só precisam esperar pra ver. — Roroa tinha voltado ao seu estilo de fala menos formal em algum momento, mas ainda falou com confiança.

— Hmm, nesse caso, acho ainda mais difícil de acreditar. — disse Sir Gouran.

— Oookyakya! — Kuu riu. — Se for verdade, vai valer a pena ver, não vai?

Gouran estava em dúvida, enquanto Kuu ria com entusiasmo. Eram reações contrastantes.

Independentemente disso, até que isso chegasse, decidimos relaxar e beber chá.

Cerca de duas horas depois, talvez, houve uma repentina agitação do lado de fora, permitindo-me confirmar que havia chegado.

Quando todos saímos da pousada, isso já estava visível.

Era um objeto grande, cujo fundo era preto, o topo era laranja e tinha o tamanho aproximado do ginásio de uma escola primária. Estava parado na entrada da cidade onde nada havia estado antes.

Quando nos aproximamos, tornou-se aparente que tinha uma estrutura de duas camadas. A metade superior, de cor laranja, era como um grande navio, e era sustentada pela metade inferior, que era feita de uma substância preta, semelhante à borracha.

Isso também fazia um som constante como se o ar estivesse sendo expelido dele.

— O que acham? Este é o navio anfíbio, Roroa Maru! — Roroa gritou alto o suficiente para poder ser ouvida apesar do barulho alto.

Gouran e Kuu ficaram de boca aberta diante da aparência majestosa de Roroa Maru.

Era um navio anfíbio. Sim, era um navio. Além disso, um que poderia viajar por terra ou mar.

 

 

 

Expliquei como funcionava para Gouran e Kuu, que ainda estavam espantados.

— Como Roroa disse, este é um navio que pode correr tanto em uma superfície de água sem ondas ou em terra. Ao enviar constantemente ar para a parte preta de borracha, esse corpo grande flutua e, mesmo que haja água por baixo, ele é capaz de atravessar. No mundo de onde eu vim, teria sido chamado de hovercraft.

— Hovercraft… — Gouran repetiu a palavra desconhecida.

Este objeto maciço era o hovercraft Roroa Maru, que eu havia enviado do reino.

Hovercraft Roroa Maru era o único, sendo construído como um experimento enquanto estávamos à procura de usos para a invenção do supercientista Genia, o pequeno Susumu Mark V.

O Pequeno Susumu Mark V era uma máquina em forma de anel que criava propulsão empurrando água ou ar que estava na frente dele pela parte de trás. Pensei que seria possível criar um hovercraft que flutuasse do chão se esse anel estivesse voltado para o solo e o ar fosse explodido em um invólucro feito da recém-descoberta borracha.

E assim, com o projeto de Genia e imbuído do financiamento da empresa de Roroa e Sebastian, O Cervo Prateado, o Roroa Maru estava agora completo. Aliás, quando perguntei a Roroa como ela queria nomeá-lo, já que foi ela  quem investiu o dinheiro para desenvolvê-lo…

— Ei, ei, querido, no mundo de onde você veio, como eram os nomes dos navios?

— Hmm. A maioria usava os nomes de pessoas ou lugares.

— Hmm, não é bem assim que fazemos as coisas aqui.

—  Sim. Ah, e para navios de pesca, muitos deles tinham Maru nas extremidades de seus nomes.

— Maru? ei, isso tem um som bonito… beleza então, eu decidi! Este navio vai ser o Roroa Maru!

— Roroa Maru?! Você está colocando seu próprio nome nele?!

E foi assim que terminou com esse nome.

Foi registrado para O Cervo Prateado, que era o investidor. Tendo lidado com tudo, desde roupas até os pratos da Terra que Poncho e eu tínhamos recriado, eles tinham vários negócios, mas agora  planejavam entrar no ramo de comércio também? Já possuíam roupas, comida, transporte… quase tudo neste momento.

— Um navio que navega em terra… — Maria disse, suspirando de admiração, do outro lado do simples receptor que Aisha estava carregando. — O reino pode até fazer coisas assim, hein?

Estávamos tendo a joia carregada atrás de nós para que ela pudesse ver esta cena claramente, também.

— Você nos venderia este navio? — Maria perguntou. — Estou preparada para pagar uma bela quantia, sabe?

— Ele usa tecnologias que são um segredo de Estado, então eu não posso vendê-lo.

— Você não pode? Isso é um infortúnio. — Maria parecia uma criança que tinha sido informada de que não poderia adquirir um brinquedo. Ela era uma beleza tão estonteante quanto Juna, mas suas ações eram um pouco infantis.

— Bem, parece impressionante, mas é difícil de usar. — comentei com um sorriso envergonhado. — Ele tem uma má relação custo-desempenho, e é preciso uma boa quantidade de trabalho para movê-lo.

— Tem certeza?

— Sim. Sua velocidade máxima é apenas um pouco maior do que um rinoceronte indo a toda velocidade, e sua capacidade de carga não é tão alta. Tecnicamente, é um veículo anfíbio, mas usar outros meios terrestres ou navios é uma opção menos custosa.

Tinha um Pequeno Susumu instalado, e funcionava com poder mágico armazenado em minério amaldiçoado. Para o Pequeno Susumu Mark V Light, que era levado em wyverns, tínhamos pessoas carregando-o, mas o carregamento do grande modelo Pequeno Susumu usado em navios e afins era realizado por vários magos ligados aos militares.

Por causa disso, a quantidade de poder mágico que poderia ser carregada em um dia era limitada, então priorizei a implantação do Roroa Maru em navios de guerra ou porta-aviões, sendo um substituto para o trem rinoceronte em terra.

Estas também foram as razões pelas quais era difícil aplicar o Pequeno Susumu para uso em navios de transporte civis. Para fornecer propulsão a essas embarcações, tivemos que esperar pelo desenvolvimento de um motor como tecnologia alternativa.

Bem, deixando isso de lado, o Roroa Maru tem seus benefícios.

— Não é eficiente o suficiente como meio de transporte em tempos de paz, mas como não faz contato com a superfície, tem o benefício de ser dificilmente afetado pelo terreno. — comentei. — Para ser mais específico, em lugares onde normalmente é difícil se mover, como pântanos, areia e até planícies nevadas, ele avança suavemente.

— Planícies nevadas… entendo. Então é isso. — Sir Gouran pareceu perceber onde eu estava querendo chegar.

— Sim. Este Roroa Maru é o único que temos por enquanto, mas mesmo que seja apenas no inverno, tenho certeza de que servirá como um meio de transporte viável que liga meu país, a república e o Império.

— Certamente, se puder unir os três países como um meio de transporte de inverno que é mais rápido que um rinoceronte e tem a mesma capacidade que um navio, mesmo que haja apenas um deles por enquanto, se tornará uma rota comercial valiosa. — Sir Gouran cruzou os braços e grunhiu.

Então, como seria de esperar de um Chefe de Estado, ele começou a pensar sobre a rota comercial criada por este Roroa Maru.

— Mesmo no inverno, internamente, podemos usar nossos numoths militares e outros animais para garantir o transporte. Se reunirmos todas as nossas mercadorias em uma cidade portuária, podemos usar esse navio anfíbio para negociar com outros países? Parece que precisaremos expandir uma cidade portuária como Moulin.

— Hee hee! — Maria riu. — Acho que precisaremos abrir uma cidade portuária perto da nossa fronteira com a República de Turgis, também… acho que quero um desses navios, afinal de contas.

Ela olhou furtivamente na minha direção, mas eu me repeti

— Não posso fazer isso. — E dei de ombros. — Por favor, não faça nada como apreendê-la quando ela chegar aos seus portos. É difícil construir um, e você estará nos forçando a autodestruir ele apenas para manter nossos segredos.

Eu disse isso para indicar sutilmente aos dois que se eles tentassem roubá-lo, nós mesmos o destruiríamos. Não estava blefando. Quando usássemos este Roroa Maru para o comércio, pretendia ter um mecanismo no lugar que faria com que ele se autodestruísse se apreendido.

Não podia deixar o Pequeno Susumu e outras tecnologias caírem nas mãos de outros países ainda. Para enviar Roroa Maru para nações estrangeiras, tinha que estar preparado para destruí-la, se necessário.

— Eu sei. — Maria deu um sorriso nervoso. —  Eu não posso colocar a relação entre nossas nações em perigo por causa de um navio. Realmente quero um desses, no entanto.

Essa foi a terceira vez que ela disse que queria. É importante, então ela disse isso três vezes?

Seja qual for o caso, queria encerrar este tópico agora.

— Com o uso deste Roroa Maru, gostaria de concluir uma aliança médica entre nossos três países, como eu estava dizendo antes. O que acha?

— Gahaha! — Gouran riu de coração. — Se você foi tão longe, não vou dizer não. Aceitarei sua aliança.

— Nós do Império Gran Caos também aceitaremos.

Com o consentimento de Gouran e Maria, foi formada a Aliança Médica Tripartite entre o Reino de Friedonia, a República de Turgis e o Império do Grande Caos.

A formação dessa aliança não apenas prometia que o campo da medicina se desenvolveria aos trancos e barrancos, mas também era significativo que, nesta era de incerteza, com o Domínio do Lorde Demônio estabelecido ao norte, estavam formadas as bases para nossas três nações coordenarem.

Enquanto eu estava silenciosamente dando um suspiro de alívio por ter concluído com sucesso a aliança médica, Sir Gouran estendeu a mão para mim.

— Sir Souma… agora somos amigos jurados. Eu não vejo a hora de trabalharmos juntos.

— Sim, Sir Gouran. — Estendi minha própria mão e trocamos um aperto firme. — Não vejo a hora de trabalharmos juntos.

— É uma pena. — disse Maria, que estava nos observando. — Se eu não estivesse do outro lado de um receptor, também poderia ter apertado as mãos com vocês.

Sir Gouran e eu olhamos um para o outro e rimos.

Assim que terminamos de rir, Sir Gouran de repente assumiu uma expressão séria.

— Então. Desde que você se tornou meu amigo jurado, há um favor que eu gostaria de pedir a você.

Ele tinha um semblante pesado no rosto.

— Um favor? — perguntei.

— De fato. O favor diz respeito ao meu garoto, Kuu. Posso pedir-lhe para manter Kuu com você no reino por dois a três anos?

— Huh…

— Quêêêê?! — exclamou Kuu.

O olhar em seu rosto era uma mistura de choque e perplexidade. Ele tinha ouvido seu nome ser mencionado, e agora havia conversas repentinas sobre ele ser deixado em um país estrangeiro, então era difícil culpá-lo.

Uma vez que Kuu voltou aos seus sentidos, cercou Sir Gouran com raiva.

— Do que você está falando assim do nada, pai?! Você quer que eu seja um refém no reino?!

— Não é isso. — disse Gouran com um olhar sério no rosto. — Quero que você seja meus olhos e ouvidos no reino. — Ele fez uma pausa. — Tenho pensado sobre isso desde a noite passada. Quando a jovem imperatriz do Império, Maria, foi convidada a participar de nosso encontro hoje, me decidi.

— Se decidiu? O quê? — Kuu exigiu saber.

— Que há um “novo vento” soprando por todo este continente. — respondeu Sir Gouran, virando-se para mim logo depois. —Se você me desculpar pela minha grosseria, Sir Souma, posso perguntar quantos anos você tem?

— Farei vinte este ano.

Sir Gouran assentiu satisfeito.

— Pelo que posso ver, Madame Maria deve ter mais ou menos a mesma idade. — (Se bem me lembro, ela tinha vinte e um anos.)  — O Império no oeste é governado por uma jovem rainha, e um jovem rei surgiu no reino no leste. Quando você envelhece como eu, você começa a sentir algo parecido com o destino nessas coisas.

Kuu, Maria e eu ouvimos atentamente o que Sir Gouran, o único membro de uma geração mais velha que estava presente, tinha a dizer.

Sir Gouran continuou em voz baixa

— No mundo dos homens, há algo como um “fluxo”. Quer queiramos ou não, esse fluxo tem um efeito sobre todas as coisas. Alguns cavalgam esse fluxo, outros lutam contra, e ainda há aqueles que se afogam nele. É assim que um pode se tornar famoso, e outro pode cair. Como um país pode prosperar e outro pode perecer. O feroz guerreiro, Sir Gaius, caiu, e Sir Souma, um homem de cultura, foi vitorioso. Com a ajuda da princesa Roroa, ele anexou a Amidônia e fundou um novo país.

Foi difícil reagir ao que ele estava dizendo. O olhar no rosto de Roroa dizia que ela também não sabia que tipo de expressão deveria estar fazendo.

No entanto, ouvindo as palavras de Sir Gouran, as palavras de Maquiavel sobre a preparação para as mudanças da fortuna vieram à mente.

Gouran colocou a mão no ombro de Kuu.

— É assim que os tempos são. Ninguém pode ler para onde este mundo está indo. No entanto, quando o leste e o oeste são ambos liderados pela geração mais jovem, nosso país pode ser deixado para trás pela era se formos os únicos a nos apegarmos aos velhos hábitos. A fim de evitar isso, eu quero levantar um sopro de nossa própria juventude.

— Um sopro de juventude… se refere a mim? — Kuu perguntou.

Gouran assentiu com firmeza.

— Você ainda é inexperiente, mas tem uma mentalidade flexível. Se você ver como as coisas mudam sob o reinado de Sir Souma, isso funcionará como uma bússola para você quando chegar a hora de você ser líder deste país.

— Não… ainda não decidi se assumirei a liderança ou não…

— Você pode não ser o Chefe de Estado.

— Huh?

Sir Gouran respondeu ao ponto de interrogação pairando sobre a cabeça de Kuu com um olhar sério no rosto.

— Dependendo do fluxo dos tempos, nosso país pode precisar centralizar o poder e abolir o Conselho de Chefes em favor de uma monarquia. Nesse caso, você deve se tornar um rei que pode ficar ombro a ombro com Souma e Maria. Essa pode ser a era vindoura. Essa é mais uma razão pela qual eu quero que você amplie seus horizontes enquanto ainda pode. Desde que você esteja no reino, vou controlar o Conselho dos Chefes e construir as bases para você colocar sua astúcia para trabalhar.

Ele estava dizendo algumas coisas incríveis agora. O olhar no rosto de Sir Gouran agora se assemelhava ao rosto do ex-rei, Albert, quando ele confiou Liscia a mim e deixou o castelo.

Era o rosto de alguém que confiava as coisas à próxima geração.

Mesmo que eu estivesse impressionado com a atmosfera, hesitantemente, levantei minha mão.

— Uma pergunta. Você disse que quer deixar Kuu conosco, mas quer dizer que quer que ele estude em nosso país?

— Não, não como estudante. Quero que o use como vassalo temporário. Acho que será uma experiência melhor para Kuu.

— Um vassalo não convidado, então… — Kuu murmurou.

Em termos de posição, ele seria como Aisha era inicialmente. Basicamente, eu poderia tratá-lo como um vassalo que se mostrou um amigo, como Hal. Poderia deixá-lo ficar em um quarto no castelo.

— Eu não me importo, mas Kuu se importa? — questionei.

— Não importa se eu ligar ou não. Eu não tenho o direito de recusar, tenho? — Kuu olhou para o pai, buscando confirmação.

Sir Gouran simplesmente assentiu sem dizer nada.

Kuu, sentindo a vontade inquebrável do homem, coçou a cabeça.

— Meu velho teimoso já se decidiu, então fazer uma birra não me levará a lugar nenhum. Além disso, também estou interessado no tipo de país que Souma está construindo.

Ele não poderia ter aceitado totalmente a informação repentina de que seria confiado a um país estrangeiro, mas era característico de Kuu já estar pensando nisso positivamente.

— Entendo — falei. — Bem-vindo a bordo.

Quando lhe ofereci minha mão, ele a pegou com firmeza.

— Oookyakya! Mas já que estou me impondo como um vassalo, isso significa que você está numa posição maior que a minha, não é? Ainda assim, sou de um país estrangeiro, então chamá-lo de Vossa Majestade não parece certo. É por isso que vou chamá-lo de “Mano” de agora em diante.

— Uh, Mano?

— Sim. Pense em mim como seu irmãozinho. Bem, até logo. — Kuu colocou a mão no quadril, sorriu como sempre, e continiou — Estou contando com você daqui em diante! Mano!

 


 

Tradução: Black Lotus

Revisão: Pride

 

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