Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino

Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino – Vol. 07 – Cap. 02.1 – Notícias e Reunião Urgentes

 

A República de Turgis.

Era um estado situado no extremo sul do continente de Landia.

Nesse continente, a temperatura média diminuia gradualmente à medida que se avançava para o sul. No extremo sul do continente, onde a República de Turgis estava localizada, predominavam o gelo e a neve..

Um país montanhoso, se comparado com a região da Amidônia, possuía mais planícies e terra cultivável. No entanto, pelos invernos serem longos e os verões curtos, o período para trabalhar a terra era limitado, o que tornava a agricultura pouco próspera.

O povo deste país era sustentado pela pecuária. As pessoas viviam de animais que poderiam manter-se soltos em regiões frias como iaques, rinocerontes-lanudos1Espécie de rinoceronte extinta que vivia em regiões glaciais e possuía um avantajado casaco de pelo, se alimentava de gramíneas e musgos. Viveu junto com mamutes e bois-almiscarados. e mamutes.

Nesta terra, a maioria da população era de homens-fera pertencentes ao que eram chamadas de Cinco Raças das Planícies Nevadas. As cinco raças incluíam o macaco da neve, o coelho branco, a águia branca, o urso da neve e a morsa.

As mulheres se assemelhavam a humanos, porém com orelhas, asas e rabos de animais, já os homens tinham rostos quase idênticos aos animais análogos. O casamento entre raças era permitido, mas parecia que os filhos nascidos de tal união sempre herdavam as características de um dos pais, então não havia, visivelmente, mescla dos atributos dos pais.

A raça mais comum era a do coelho branco, caracterizada por sua alta taxa de fecundidade; a incomum era a morsa, conhecida por ter uma altura média de mais de dois metros.

Essas raças se miscigenaram para formar tribos dentro do país, mas sua distribuição pelo território refletia as diferentes propriedades de cada raça. As da morsa e do urso da neve, podiam mergulhar nas águas glaciais para pescar, constituíam grande parte da população ao longo da costa. As tribos que vivem nas montanhas, por outro lado, eram compostas, principalmente, de macacos da neve e águias brancas, que lidavam melhor com o ambiente. Por fim, muitos dos que viviam nas planícies, trabalhando nos campos no curto verão, eram membros da raça do coelho branco.

Haviam também mercadores humanos e membros de outras variedades, ainda assim, os invernos rigorosos tornavam a tarefa penosa às outras raças no país. Com exceção dos escravos, que geralmente fugiam do país antes que as estradas fossem bloqueadas pela neve.

Similar ao Snu*kin2Snufkin (censurado), personagem da série de livros “Os Moomins”. Nômade, vive numa tenda, fuma charuto e toca gaita. Snufkin, provavelmente o sentido usado no texto, tem grande antipatia por figuras de autoridade, como o guarda do parque, e as muitas placas e cercas que ele ergue. Odeia, também, qualquer símbolo de propriedade privada, chegando a perder a cabeça com o senhor Hemulen, que ergue uma placa escrito “Moominvalley”.

Como o clima era tão severo, este país nunca havia sido atacado por um inimigo estrangeiro.

As correntes de ar no céu eram sempre violentas e frias, mesmo no verão. Tais fatores repeliam forças aéreas, como os wyverns, e as águas gélidas impediam o uso de forças marítimas.

Dessa forma, o único meio de ataque era por terra, mas, se o país posicionasse uma forte defesa que conseguisse resistir durante o verão, o “General Inverno” surgiria, cortando as rotas de abastecimento do inimigo e forçando-os a recuar.

Além disso, há de se considerar o desprezível ganho de se apoderar desse país.

Dizem que, eu seu auge, o Império Gran Chaos poderia ter enfrentado a Cordilheira do Dragão Estelar, mas mesmo assim, o Império nunca considerou uma invasão.

A República de Turgis foi governada sob um sistema primitivo de república.

Haviam os chefes, que eram os representantes de cada tribo, reuniam-se numa Assembleia de Chefes. E então, a Assembleia votava para selecionar o representante nominal do país, o Chefe de Estado.

Questões de assuntos internos eram decididas em debates entre o Chefe do Estado e o Conselho de Chefes, mas questões externas (diplomacia, guerras e afins) eram de responsabilidade exclusiva do Chefe de Estado.

“Chefe de Estado” era uma posição que, geralmente, durava uma geração mas, com a aprovação do Conselho de Chefes, o título poderia ser herdado.

O atual governante, no 1.547º ano do Calendário Continental, era, pelo que sei, um da segunda geração.

 Assim sendo, como já dito o funcionamento da política da República de Turgis, se nos lembrarmos de sua relação com o Reino da Friedônia, seria inusitado qualificá-los como cordiais.

Em busca de terras descongeladas e portos de águas quentes, a República sempre se atentou ao norte, visando qualquer oportunidade de expansão. Mesmo durante a recente guerra entre o Reino de Elfrieden e o Principado da Amidônia, moveram suas tropas para a proximidade da fronteira sul do reino, procurando uma brecha para se envolver.

Eu havia mobilizado Excel e a marinha próximos a fronteira, e tal intimidação fora o suficiente para impedi-los de se intrometer. Se a guerra com o Principado escalasse, tornando-se ainda mais difícil, eles certamente teriam atacado.

Não havia como baixar a guarda com eles. Apesar disso, não queria entrar em guerra contra tal país.

Se os atacássemos, não teríamos nada a ganhar. Mesmo que ocupássemos seus territórios, o estilo de vida do povo do Reino da Friedônia e da República de Turgis eram muito diferentes. O Reino era gélido ao sul, mas o inverno na República era ainda mais intenso. O povo da República havia adequado seu modo de viver sob o clima, e não importa quão capaz seja o representante que eu possa enviar, eles não seriam capazes de governar adequadamente um país com uma cultura, valores, e estilo de vida tão diferentes. E, se tentássemos, sem necessidade, usar nosso poder sobre eles, tudo terminaria numa rebelião.

Um país pelo qual não queríamos ser atacados, sendo muito problemático sofrer um ataque deles – essa era a República de Turgis.

Foi assim que, tendo isso em mente, eu, como rei da Friedônia, quis construir relações cordiais com a República de Turgis. Felizmente, durante a recente guerra, nossas forças não entraram em conflito direto. O sentimento dos povos, em relação ao outro, não deve ser tão tendencioso.

Se pudesse conhecer sua cultura e modo de pensar, encontrando uma forma razoável de dar-lhes o que queriam, presumi que poderia construir boas relações.

Estava ciente da ingenuidade dessa esperança. Todavia, uma guerra desnecessária terminaria por exaurir nosso país.

Guerras como a que travamos contra o principado deveriam ser o último recurso, não uma prática a ser normalizada.

Aquela coisa parecida com um cubo que transcendia a compreensão humana, na Cordilheira do Dragão Estelar, também existia como um elemento de incerteza. Não havia como saber o que poderia acontecer ou quando, então queria evitar gastar desnecessariamente o poder do meu país.

Nos dirigíamos à República de Turgis, buscando descobrir se tal desejo poderia ser atendido.

Chegamos a uma cidade na parte oriental da República de Turgis, Noblebeppu. Este lugar, que ficava perto da fronteira do Reino da Friedônia, era um lugar tranquilo, uma cidade de pousadas, cercada por montanhas ao norte e o mar ao sul.

Foi no final de maio, o gelo e a neve bloqueando as estradas finalmente havia derretido. O frio havia diminuído um pouco, e foi um período, nos padrões da região, agradável para se viver. Como consequência, haviam muitos mercadores de outros países, e a cidade se agitava.

Passeamos pela cidade.

Nosso grupo consistia em Aisha, Juna, Roroa, Tomoe, Kaede, Hal, e eu, um total de sete pessoas. O guarda-costas de Tomoe, Inugami, também veio conosco, mas ele estava, no momento, em outro lugar, patrulhando e nos protegendo, junto com o restante dos Gatos Pretos.

Sendo sincero, gostaria que Naden e Liscia viessem também, mas Naden, como era típico de ryuus e dragões, não suportava o frio, e Liscia adoeceu depois de voltar da Cordilheira Dragão Estelar, então ficou no reino, descansando..

Estava preocupadíssimo com Liscia, mas ela mesma disse:

— Vou ficar bem, então vá ver o mundo como é próprio de um rei. — Não poderia ter ficado para cuidar dela depois disso.

Continuava aflito, mas havia providenciado os melhores médicos do país, Hilde e Brad, para cuidar dela, então certamente ficaria bem. Se algo acontecesse, Naden viria me avisar. E para corresponder aos seus sentimentos, tive que fazer uma viagem adequada ao redor da República.

— Ouvi dizê que era muitu friu, intão pensei que só tinha nevi por aqui, mas nem é assim tão ruim.3Roroa ao adotar sua identidade de comerciante costuma ter um jeito informal de falar. — comentou Roroa.

— Estamos no fim de maio, afinal. — disse Juna. — Entretanto, ainda está bem frio. Roroa e Juna estavam vestidas com roupas mais pesadas do que no reino. Tecnicamente, para esta viagem, eu estava fazendo o papel de filho de um jovem mercador à procura de potenciais bens comerciais de alto valor. Tomoe era minha irmãzinha, e Aisha, Hal e Kaede eram aventureiros que havíamos contratado. Quanto às duas restantes, Roroa era uma funcionária que trabalhava na loja da minha família e Juna era minha esposa.

Juna se inclinou e me perguntou.

— Hum, Isso vai dar certo? Me fazer interpretar o papel de esposa ao invés das rainhas primárias…?

— Foi uma escolha feita tendo nossa segurança em mente. — respondi. — Você é habilidosa tanto com a caneta quanto com a espada, Juna, então quero que mantenha suas habilidades de luta escondidas caso algo aconteça.

Ainda que fôssemos atacados por bandidos, é provável que voltem sua atenção para Aisha, Hal e Kaede, que estavam vestidos como aventureiros. Assumiriam, então, que Juna era apenas uma menininha inofensiva. Então ela iria pegá-los por trás, aproveitando a guarda baixa.

É um pouco tarde para dizer isso, mas minhas noivas também tinham certa habilidade em combater. Agora que Naden havia se juntado a elas, seu nível médio de poder havia aumentado muito, também.

— E, bem, com isso em mente, havia um número limitado de pessoas que poderíamos levar conosco nessa viagem que não tenham habilidades de combate. — disse. — Você não parece alguém que empregaríamos, Juna, e não tenho certeza sobre forçar você no papel de empregada doméstica, como Carla.

— Eu não me importaria com isso. — disse ela. — Dê-me qualquer ordem que desejar, meu senhor.

Ela levou as mãos ao peito, sorriu inclinando um pouco a cabeça, meu coração acelerou. — Quando foi que a Lorelei se transformou em uma funcionária de “maid-cafe4Não há termo correspondente no português. Maid Café, predominante no Japão, é um tipo de restaurante em que as garçonetes se vestem com roupas de empregada, agindo de forma servil, tratando seus clientes como mestres que chegaram em casa.”?! — exclamei.

Ela ia me deixar no clima, então desejei que parasse.

— É, Juna, você tambeim é noiva dele, então num acho que é grande coisa não —  disse Roroa.

— Sério?

— Issu miesmo. E é tu que vai fazê o papel da esposa, intão por que num deixa ele ti mimá? Tá certo? — Roroa abraçou meu braço.

— E você é a funcionária, não é? — Juna retrucou. — E, sendo sincera, é mesmo condizente você abraçar o jovem mestre assim?

— Claro que é. — declarou Roroa. — Sô uma funcionária, concordo, mas eu sô “a funcionária” que tá tentano se torná a esposa secundaria, dano apoio pro jove mestre, e talveiz tirano a primera esposa de cena, si as coisa derem certo.

— Não fique mudando a história que combinamos! — discordei. — Sério mesmo, é uma versão tão esquisita e, no mínimo, confusa.

— Então Juna vai me xinga dizendo ”sua raposa”’.

— É-É esse o tipo de papel que estou interpretando?

— Não a leve tão a sério, Juna. — disse. — Além disso, no caso dela, Roroa deveria ser mesmo é um tanuki…

— Ponpokopon!5Som da batida na barriga. De um modo geral, nos contos folclóricos, costuma ser usado quando o guaxinim bate na própria barriga.

— Sim, sim. É muito fofo.

Quando acariciei a cabeça de Roroa, que estava dando um tapinha na barriga, ela sorriu. Será que o Tanuki neste mundo dava tapas na barriga…? Bem, não é como se eu pudesse ver, com meus próprios olhos, aqueles em meu mundo fazerem isso.

— Hee hee! Quando olho pra Roroa, parece idiotice me conter. — Juna abraçou meu braço livre. — Não temos essa oportunidade com frequência, então me mime também, querido.

— Erm… Claro. Farei o meu melhor.

Enquanto conversávamos sobre isso, Kaede, que pertencia a uma raça de homens-fera-raposa, estava nos observando à curta distância com a cabeça inclinada para o lado, em dúvida.

— Raposa? É disso que Ruby vai me chamar também?

— No seu caso, ela não estaria errada. — disse um cansado, Halbert. — Por favor, apenas tente se dar bem.

— Bem, então teremos que levar um presente para ela. Mas, antes que você me diga isso, tente ser atencioso você mesmo, Hal.

— Sim, senhora… — Os ombros de Hal caíram.

Desde que tomou Ruby como sua segunda esposa, ele perdeu completamente o controle da situação. Bem, longe de mim julgar.

Ao lado de Hal e Kaede, Tomoe estava montada nos ombros de Aisha.

— Olha, Aisha! Tem um lugar que vende batatas cozidas no vapor ali!

— Ah, tem razão. Parecem deliciosos. — respondeu Aisha, babando.

Tendo sido impedida de ir para a Cordilheira do Dragão Estelar, e ignorando a dificuldade que passou como refugiada, esta foi a primeira vez de Tomoe viajar para fora do país. Ela tinha onze anos agora, então devia estar tão animada quanto uma estudante do ensino fundamental em sua primeira excursão noturna à floresta ou ao mar. Ela estava se destacando um pouco, mas parecia que estava se divertindo, então deixei passar.

— Ah! Ei, queridinho… Er, ispera, jove mestri. Vem aqui, só um instantin. De repente, Roroa me puxou pra frente da banca de um certo mercador.

Observei, imaginando o que poderia ser, e se parecia com uma loja de roupas.

— Viu algo que quer? Se não for tão caro, posso comprar para você…

— Num é isso. Não, se você quise me compra alguma coisa, fico feliz, mas num é isso. Dá uma olhada no que elis tão vendeno aqui.

Roroa pegou um dos itens à venda e o estendeu para mim.

Quando peguei dela, percebi que era um grampo de cabelo ornamentado de metal. Foi feito como um símbolo de árvore, mas… Isso é incrível. Os padrões usados foram altamente detalhados. Os detalhes de cada folha foram esculpidos, e pude até distinguir o pássaro sentado nos galhos.

— Este brinco de peixe aqui também tem todas as escamas cuidadosamente esculpidas. — disse Juna.

— Esse broche de burro também. — disse Aisha, colocando Tomoe no chão.

— As rédeas foram feitas com uma corrente, mas são bem detalhados.

Elas continuaram expressando como estavam impressionadas. Era de se concordar; cada um dos produtos foram finamente detalhados.

A velhinha com orelhas de coelho que cuidava da loja falou.

— Oia só, olá, meu jove. Essas que tão contigo são umas belas moças. Pur que tu num compra uns desses prudutus de presenti? Isso vai mostrá pra elas o homem que tu é, num é?

A velhinha com orelhas de coelho ria de forma tão inocente e falava naquela gíria comercial que eu sempre ouvi como dialeto de Kansai6Grupo de dialetos de região de Kansai, região centro-sul da ilha principal do Japão.. Se tinha essas orelhas, isso significava que ela pertencia à raça do coelho branco? Tendo ouvido sobre homens-fera coelho, imaginei garotas coelho, mas… Sim, bem, havia toda uma raça deles, então é claro que haveria pessoas da idade dela também.

Peguei um de seus produtos e perguntei:

— Gostei deste e queria comprá-lo, mas seria uma obra de um artesão famoso?

— Qui nada, fazem isso ai em todo lugar qui tem oficina. Num é nada tão caro não.

— Huh? Nas oficinas daqui?

Poderia algo tão detalhado ser feito com tamanha facilidade? Tive minhas dúvidas. Roroa estufou o peito e explicou com orgulho.

— Os enfeite feito na República de Turgis são famoso pela atenção nos detalhe. Um monte de mercado vem pra cá no verão querendo coloca as mão neles.

— Afinal, Turgis acaba ficano interrada na neve durante o inverno todinho. — se meteu a velhinha coelho. — Num dá pra ir muito longe não, a maioria de nois fica em casa, trabalhano lá. Nois viveu assim por uns século, então nois povo Turgi samo bom no trabalho cas mão.

Entendo… faz sentido. Enquanto estava ocupado me impressionando, Roroa sorriu confiante.

 — Ei, jove mestre. Se os artesão Turgis pode faze um trabalho tão preciso, tu num acha que eles seria bom pra faze aquelas coisa que tu fico pensano em faze por um tempo?

— Aquelas coisas…? Ah, aquelas!

Era verdade, havia uma coisa em que estive pensando em fazer há um tempo, mas o projeto de desenvolvimento não tinha avançado muito, dado o nível dos artesãos no nosso país. Mas talvez os deste possam fazê-los. Se o que a velha disse for verdade, haviam artesãos altamente capacitados em todos as partes daqui. Podemos  conseguir não apenas desenvolvê-los, mas também colocá-los para a produção em massa.

A República de Turgis… Pensei que eles não tinham nada, mas estavam escondendo seu imenso potencial. Virei-me para a velha senhora que cuidava da loja.

— Senhora, vou comprar uma grande quantidade, então poderia me apresentar a um artesão que mora perto daqui e é bom no que faz?

— Fico feliz por te escolhido minha loja. Bom, pur que tu num tenta ir na oficina do Ozumi? A Taru pode se jove, mas é muito boa. A menina é um pouco tímida e pode se teimosa quando é sobre seu trabalho, mas se eu escreve uma carta de apresentação pra ti, vão te trata bem.

— Por favor faça. Oh! Roroa, Juna, Aisha, Tomoe, se houver algo aqui que vocês gostaram, podem comprar.

Roroa reagiu imediatamente.

— Esse é meu queridi… Er, espera, meu jove mestre! Ufa, tão generoso!

— Obrigada, querido. — adicionou Juna. — Tomoe, quer escolher o nosso juntas?

— Huh…? Oh, claro!

Juna, que sabia que o homem pareceria melhor se ela não hesitasse em momentos como esse, curvou-se uma vez, então convidou Tomoe, que tendia a se conter em momentos como este, para olhar as mercadorias da senhora com ela.

Eram mulheres com origens complicadas, mas quando você as via em frente a uma loja de acessórios, rindo desse jeito, era reconfortante saber quão semelhantes a qualquer jovem as duas eram.

— Isso é perfeito, Hal. — disse Kaede. — Você deveria comprar aqui seu presente para Ruby.

— Certo. Oh! Mas você poderia me ajudar a escolher um? Vou comprar um para você também, é claro, Kaede.

— Pelo visto vou ter que te ajudar mesmo. Mas espero que você mesmo escolha o meu, certo?

— Uh, certo.

Parecia que Kaede e Hal estavam planejando comprar algo também.

— Acho que dourado vai combinar bem com o cabelo ruivo de Ruby, sabe. — sugeriu Kaede.

— Sim, você pode estar certa. Sinto que o prateado combinaria com seu cabelo dourado.

— Hee hee, acho que você tem bom gosto, Hal.

Os dois tiveram aquele tipo de conversa doce enquanto olhavam as mercadorias da loja.

 Espera, hein…? Para onde foi a Aisha?

Parando para pensar, não via Aisha há algum tempo. Olhei ao redor e vi Aisha um pouco longe com dois mensageiros kuis empoleirado em seus ombros. Parecia que ela havia recebido uma carta.

Por alguma razão, lembrei-me do dia em que ela recebeu a notícia de um desastre natural que atingiu a Floresta Protegida por Deus. Por mais que eu tentasse esquecer o olhar de angústia no rosto de Aisha daquela vez, não consegui.

Esperei tenso, imaginando que tipo de notícia havia chegado, mas não houve mudança na expressão de Aisha. Então, tendo terminado a carta, Aisha veio até mim.

— Havia uma mensagem para nós? — perguntei.

— Sim. Duas cartas de Lady Liscia.

— Da Líscia?

— Sim. A primeira foi endereçada a mim e a segunda a você, senhor.

Com isso, Aisha passou uma única carta não lacrada para mim. Ao aceitá-lo, inclinei minha cabeça interrogativamente. Ela enviou cartas separadas para Aisha e para mim?

— Aconteceu alguma coisa na capital? — perguntei.

— Bem… na minha carta, ela me pediu para fazer algo específico.

— Algo específico?

— Eu sinto muito. Ela escreveu para não lhe dizer o que a carta dizia, senhor.

Aisha abaixou a cabeça desculpando-se.

Fiquei ainda mais em dúvida do que estava acontecendo agora. Teria que ver o que minha própria carta dizia.

Vejamos…

Caro Souma, acho que esta carta chegará com  outra para Aisha, então a faça ler a dela primeiro. Certifique-se de ler esta carta depois.

Assim começou a carta.

Sendo sincero, não entendi, mas ela parecia insistente. Aisha parecia já ter lido a dela, então, pelo visto, eu poderia continuar. Continuei lendo, e…

— Hein…?

Quando avistei uma certa passagem, de repente senti como se tivesse levado uma pancada na cabeça. O quê…? Isso era real? Ela estava falando sério? Não… Ela, de fato, estava. Não fazia sentido mentir sobre isso. O que significava que…

O queeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee?!

— O-O que há de errado?!

Eu devia estar com aquela expressão no rosto, porque Aisha começou a sacudir meu ombro. Isso me trouxe de volta aos meus sentidos, mas ainda havia um suor frio escorrendo pelas minhas costas e meus joelhos tremiam.

É sério mesmo? Quero dizer, sério mesmo?

Virei a cabeça para Aisha como um robô de lata quebrado.

— Eu estou indo para casa.

— Huh?

— Vou voltar para o reino agora mesmo! — declarei a todos, com os olhos vermelhos.

 Analisando a situação, acho que não estava muito são no momento. Todos os planos que tinha em mente até aquele ponto desapareceram. Afinal, toda a minha concentração agora estava voltada, por completo, a uma certa sentença escrita na carta de Líscia.

Essa frase me deixou em um estado confuso de choque e regozijo. Dizia…

Estou grávida.

 

Chamei a Dra. Hilde para vir me ver, então tenho certeza. Oh! A Dra. Hilde também estava grávida. Senti-me mal por chamá-la. Ela disse que é do Dr. Brad. Eles não pareciam se dar muito bem, então é meio surpreendente, né?

De fato, fiquei surpreso, mas não me importei com isso no momento!

Ao ler a carta, quis rir de Líscia. A carta continuava:

Mas, de qualquer forma…

Era uma maneira tão indireta de escrever as coisas. Talvez Liscia estivesse se sentindo tensa enquanto escrevia.

Este é o nosso filho. Você está feliz? Você está feliz, certo?

E como estava! Não, não era como se minha mente tivesse processado esse fato por completo ainda, mas eu estava tão feliz quanto surpreso. Se a Líscia estivesse aqui agora, eu a teria abraçado, sem dúvida alguma. Minhas mãos tremiam, enquanto segurava a carta.

A propósito, o mais extasiado com a notícia foi nosso camareiro, Marx, que tem nos pressionado constantemente para ter um herdeiro. Ele derramou uma torrente de lágrimas, levantou-se e declarou: ‘Preciso preparar um quarto e roupas para o jovem príncipe imediatamente!’ e foi direto ao trabalho. Mesmo que ainda não saibamos se é menino ou menina.

O que você está fazendo, Marx? Eu pensei. Me senti grato por ele também estar feliz, no entanto.

Estou muito feliz — dizia a carta. , por ser capaz de gerar seu filho. Posso dizer isso agora que estou grávida, mas estava um pouco preocupada. Você sabe, porque você é de outro mundo, certo? Lady Tiamat estava dizendo que, embora fôssemos humanos, nossas origens eram diferentes, então me perguntei se poderíamos ter filhos e o que eu faria se não pudéssemos. Parece que eu estava preocupada em vão, no entanto.

Líscia…

Eu não estava mais aguentando continuar parado. Eu queria estar ao lado de Liscia de imediato. Fui dominado por esse sentimento e tentei declarar, de forma unilateral, a todos que estaríamos voltando para o Reino antes de sair correndo.

No entanto...

P-Perdoe-me!

Aisha de repente pulou em cima de mim por trás, me puxando para o chão.

— Gwah!

Com seus braços em volta das minhas costas, eu parecia um fugitivo sendo contido pelas autoridades.

Debaixo de Aisha, lutei para me libertar de seu aperto.

— M-me solte, Aisha! Eu tenho que estar com a Líscia…

— Não sei porque, mas a Senhorita Líscia me pediu para fazer isso!

Huh? Líscia pediu?

Quando parei de resistir, Aisha enfiou sua própria carta na minha cara.

Querida Aisha — dizia — ,se Souma disser que vai para casa depois de ler minha carta, detenha-o. Então diga a ele para ler sua carta com atenção e fazer o que diz. Além disso, até que você o tenha contido, mantenha o que esta carta diz em segredo.

Parecia que Liscia havia previsto minha reação ao ler a carta. Desisti e, levantando-me, continuei a leitura.

Você pode ser superprotetor quando se trata da família, então tenho certeza que vai querer voltar para casa quando ler isso, mas… você não pode, ok? Você não terá muitas chances de viajar, com tamanha liberdade a outro país, então certifique-se de fazer isso desta vez.

Você não precisa se preocupar comigo. Tenho Serina e Carla, que correram para cá quando souberam, atendendo à cada necessidade minha, e estou pensando em ficar com meus pais até o bebê nascer. O antigo domínio de meu pai é mais silencioso do que a capital e fica num campo rústico. Farei a eles todo tipo de perguntas sobre como criar um filho. Então, Souma, faça o que precisa fazer agora, também.

Parecia que Liscia havia planejado, com cuidado, as coisas por conta própria. Pelo visto não havia com que me preocupar, mas… Mesmo com isso dito, era da minha natureza como homem me preocupar de qualquer maneira, sabe?

Ainda assim, com Líscia me contando tudo isso, imaginei que não poderia abandonar o que estava fazendo e voltar agora.

Quando meus ombros caíram, a última linha da carta chamou minha atenção.

 

P.S. Você já pode colocar as mãos em suas outras noivas agora.

 

Liscia… No final, foi isso que ela resolveu escrever? Talvez fosse sua maneira de esconder seu constrangimento.

Seja qual for o caso, decidi mostrar a carta a todos. A velhinha que cuidava da loja nos olhou em dúvida quando nos afastamos por um minuto para sussurrar sobre isso, mas agora nossos problemas familiares tinham prioridade.

Quando viram a carta, todos ficaram surpresos por um momento, logo me parabenizaram.

— Oh, céus!— Aisha exclamou.

— Este é, com efeito, um acontecimento maravilhoso!

— Que maravilha. — Juna disse, sorrindo. —Parabéns, senhor.

— Pelo visto o próximo rei tá garantido por agora, eim?— Roroa sorriu. — Geh heh heh! Tu num acha que uma de nois vai se a próxima?

— Parabéns, irmãozão! — gritou Tomoe.

Parabéns. — concordou Kaede. — Agora sua casa está segura. Se este não fosse um país estrangeiro, gostaria de gritar, ‘Glória à Friedonia,’ você sabe.

Aí sim — Disse Halbert. — ,Souma como pai, huh… Isso é bem comovente, sendo da mesma geração que ele.

— Será que isso te põe no clima de, por fim, fazer um herdeiro para a Casa de Magna? — Kaede o perguntou.

— Meu velho ainda tá como o cabeça da casa. Mas… Isso me faz pensar que seria bom…

Hal e Kaede pareciam estar num bom clima. Eles, então, iriam usar as boas notícias de outra casa para começar a flertar, huh? Bem, não que me importasse.

Enfiei a carta no bolso e acenei para Roroa.

— Roroa, venha aqui um minuto.

— Ein? E aí… Ispera, uoa?!

Enfiei minhas mãos sob suas axilase a levantei como uma criança. Roroa era pequena, então, mesmo com meus braços fracos, consegui levantá-la com facilidade. Se eu tivesse escolhido a alta Aisha ou a tão atraente Juna, duvido que teria conseguido.

Com Roroa erguida no ar, dei uma volta.

— Calma calma calma calma!

Roroa parecia estar, atipicamente, confusa. Depois de dar algumas voltas, soltei minhas mãos e a peguei em meus braços quando ela caiu. Os olhos de Roroa estavam girando.

— O-O que cê tá fazeno comigo… assim do nada?!

— Desculpe. — Eu disse. — Fiquei meio empolgado. Sério, eu queria fazer isso com a Liscia, mas ela não está aqui. Fiz isso com você por ser mais parecida com ela.

— Murgh… num to tão interessada em sê a substituta da irmãzona Cia, mais, bem, achei qui foi bem divertido, então vo deixa tu se safa. Mas, oia só, num é meio dificil vê você se solta assim, queridinho?

— Sim… Bem, é só por hoje, então deixe para lá.

Quero dizer, vou ter um bebê. Um novo membro da família. Com a morte do vovô e da vovó, perdi as últimas pessoas que poderia chamar de família. É por isso que, sentindo que Liscia e Tomoe eram uma espécie de família, quis protegê-las.

Agora, com Liscia e eu tendo concebido um filho, passamos do ‘algo como’ uma família para uma de verdade. Não havia nada que pudesse me deixar mais feliz.

— Se estivéssemos no castelo agora, é bem provável que estaria propondo um sistema de auxílio-creche! — Eu declarei, segurando meus punhos e falando apaixonadamente.

— Oia, num consigo ve isso como nada além de algo forçado. — disse Roroa, expressando surpresa. — Talveiz tenha sido bom a gente te tirado tu do castelo por um tempo pra se acalma.

Sim, tive que concordar.

Hal perguntou exasperado:

— Então? Afinal, o que faremos agora?

— Hmm… — murmurei. — Quero viajar para casa, mas Liscia disse que ainda não…

 — Você é o rei, então deveria priorizar dar uma olhada neste país, como Lady Liscia havia dito. — Juna aconselhou.

— Isso mesmo! — repreendeu Roroa. — Tu precisa mante o desenvolvê do reino. Pros que tão lá agora, e pelas criança que vai nasce também.

Pelas crianças que vão nascer, não é… Colocando dessa forma, não conseguia replicar. — Tudo bem. — Eu disse. — Não há mudança de planos. Vamos começar por ir àquela oficina que nos foi falado.

Tendo resolvido isso, voltamos para a mulher e sua loja.

— O que que foi, jove? — perguntou a lojista. — Tu já cabo de conversa ai?

— Sim. Agora, onde está essa Oficina Ozumi que você mencionou?

— Dá pra ve ela daqui. Oia, é naqueli morro. — disse a mulher, apontando para o morro na fronteira da cidade.

Era uma colina gramada com um declive suave. Havia bosques em ambos os lados e parecia uma colina de esqui durante o verão. Ainda tinha neve aqui e ali na floresta; mesmo se observássemos o ano todo, era provável que não derreteria tudo.

Havia um prédio de tijolos vermelhos no meio daquela colina. Podia ver que ficava ao lado da floresta. Aquilo seria a Oficina Ozumi?

Pagamos a conta pelo que estávamos comprando, pedimos à velha senhora que nos escrevesse uma carta de apresentação e nos dirigimos de imediato para aquele prédio.

Deixando a cidade de Noblebeppu, passamos os trinta minutos seguintes viajando a bordo de uma carruagem instável. Então terminamos o caminho, parados do lado de fora de um prédio de tijolos: a Oficina Ozumi.

Essa oficina, que ficava no meio de um campo de grama alta com uma floresta atrás dela, tinha uma chaminé. Parecia que, além de produzir acessórios aqui, eles também lidavam com ferraria. Conveniente.

Tendo sido informado de que Taru era tímida, era provável que eu a surpreenderia se  arrastasse comigo um bando de pessoas vestidas como aventureiros comigo para sua loja, então deixamos Aisha e os outros na carruagem enquanto Juna, Roroa, Tomoe e eu entramos.

Pelo que parece, eles não tinham um balcão de vendas. O prédio ficava longe, então, com segurança, vendiam seus produtos no atacado na cidade. Podia ouvir o som de algo sendo martelado lá dentro.

Bati à porta, mas ninguém veio atender. Ninguém me ouviu? Parecia haver alguém lá dentro, então tentei bater de novo e, depois de um tempo, a porta se abriu lentamente. Uma garota com uma bandana enrolada na cabeça saiu.

— Quem é…?

 


 

Tradução: Moist

Revisão: Pride

 

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