Se você olhasse o mapa desse mundo, havia um continente em formato de diamante, Landia, e diversas outras ilhas periféricas de tamanhos variados.
No meio desse continente, no chamado Umbigo de Landia, havia as montanhas de trezentos metros que formam a Cordilheira do Dragão Estrela.
Esse era o local onde viviam os dragões, se reunindo em volta da besta divina, Dragão Mãe, que era objeto de adoração. Isso poderia até mesmo ser chamado de uma nação.
As nações da humanidade entendiam que a Cordilheira do Dragão Estrela era a nação dos dragões. Não havia nenhum tipo de fronteira claramente demarcada, mas nenhum país estava tão disposto assim a invadir seu território, a ponto de ter que lutar contra os extremamente poderosos dragões para conquistá-lo. E assim, a humanidade e os dragões naturalmente se mantinham distantes uns dos outros.
Ainda que os tempos estivessem caóticos, desde que o Domínio do Lorde Demônio começou no continente, a Cordilheira do Dragão Estrela era uma fortaleza natural, isolada dos efeitos disso tudo.
No plateau alto, no meio da Cordilheira, havia Dracul, o paraíso dos dragões.
Talvez devido ao Dragão Mãe, o plateau saboreava de uma primavera eterna, mesmo estando a uma altura de mais de cinco mil metros. Era uma terra fértil e verdejante, com uma quantidade abundante de água.
Em Dracul, os dragões viviam um estilo de vida único.
Ainda que tivessem grandes corpos, enormes asas, e poderosos chifres e presas, os dragões podiam falar a linguagem humana. Eles também conseguiam tomar a forma de belos seres humanoides. Eles fizeram contratos de montaria com os cavaleiros de seu aliado – o Reino dos Cavaleiros Dragão Nothung -, que diziam que eles se tornaram a montaria de preferência dos cavaleiros, fazendo um juramento de lutarem juntos no campo de batalha. Simultaneamente, os dragões deveriam se tornar parceiros de vida, dando à luz aos filhos dos cavaleiros.
Os membros da raça dos dragões eram sexualmente ambíguos e incapazes de produzir filhotes entre eles próprios. Em outras palavras, em troca de lutar ao lado dos cavaleiros de Nothung, eles tinham a garantia dos cavaleiros que teriam uma prole próspera.
Cada descendente seria um dragão, um dragonato, ou da raça dos cavaleiros.
Se fosse um dragão, viria em forma de ovo, e seria tirado dos pais para ser cuidado pela Dragão Mãe na Cordilheira do Dragão Estrela. Isso se devia, em parte, para manter segredo em relação à paternidade do filhote, mas também porque não há certeza em relação a quanto tempo um ovo de dragão pode levar para chocar. Pelo fato de, às vezes, levar centenas de anos, não podia ser deixado sem cuidados.
Em todo caso, esses contratos de parceiros eram feitos entre os novos cavaleiros e os dragões na Cerimônia do Contrato, realizada no final da primavera, todos os anos. Esse dia… estava próximo.
No meio do terceiro mês do ano 1547, Calendário Continental
Era uma floresta no lado leste do plateau Dracul, na Cordilheira do Dragão Estrela.
Com sua primavera eterna, as florestas da Cordilheira estavam sempre decoradas com relva fresca. As folhas eram verde-escuras, e quando olhadas de dentro da floresta, elas brilhavam com a luz do sol, que atravessava as copas das árvores. Porém, mais embaixo, no chão, havia pouca luz, e tudo era mais sombrio.
Dentro destes bosques sombrios, havia uma pequena caverna.
Um dragão-fêmea de cor branca aterrissou na frente dessa caverna. Suas escamas brancas cintilavam com a luz. Sua crina balançava com o vento. Na sua cabeça, havia um exótico par de chifres, como os de uma cabra. O dragão- fêmea prateada dobrou suas grandes asas, esticando seu pescoço para olhar dentro da caverna.
— Naden, você está aí? — perguntou o dragão-fêmea branca.
Ainda que ela estivesse falando, não era em voz alta. Dragões conseguiam falar como que por telepatia, sem usar suas vozes. Não se ouve resposta, mas um barulhinho saiu de dentro da caverna. Quem quer que estivesse lá, provavelmente estava fingindo não estar.
O dragão resmungou.
— Pare de me ignorar! Eu sei que você está aí dentro! — ela disse, parecendo irritada, e então respirou fundo. Quando o ar que ela inalou retornou à sua boca, chamas alaranjadas saíam dos cantos de seus lábios. Se abrisse a boca agora, ela iria iniciar o ataque de lança-chamas, conhecido por devastar países inteiros.
— Se você não colaborar, vai se queimar!
— C-Calma, Pai! Você vai queimar os livros! — disse uma voz, em pânico, de dentro da caverna.
Quando ela ouviu aquela voz, Pai engoliu as chamas, e então soltou um suspiro zangado.
— Honestamente… Pare de ficar se metendo aí dentro, e venha até mim.
— Mas eu estava ouvindo Porta da Música…
— Porta da Música? O que é isso?
— É um programa de música do Império Gran Caos.
— O Império Gran Caos?! — A dragoa branca exclamou.
O Império Gran Caos era uma nação forte com base de poder bastante forte, no oeste do continente. Ainda que eles estivessem mais defensivos desde a aparição do Domínio do Lorde Demônio, ainda eram efetivamente a mais poderosa dentre todas as nações da humanidade.
Durante o tempo que o Império Gran Caos tentava estabelecer sua hegemonia sobre o continente, ele invadiu a Cordilheira do Dragão Estrela. Isso ocorreu durante o auge do Império, com um exército de centenas de milhares, enfrentando cerca de mil dragões. Como já se deve ter imaginado, considerando que um único dragão era capaz de destruir um pequeno país, as forças imperiais foram sobrecarregadas, deixando-os sem opção que não fosse recuar. Desde aquela batalha, era difícil chamar as relações com o Império de cordiais.
— Você entende que o Império é hostil para nós, certo? O que você estava pensando?! — gritou Pai.
— Não é como se nós estivéssemos em guerra. — respondeu Naden, — A Imperadora Maria é linda e parece pacífica. Eu acho que nós devíamos tentar fazer amizade com eles.
— Você diz isso, mas… Lady Tiamat ficaria brava se ela te ouvisse, não ficaria? — protestou Pai.
Tiamat era a líder da Cordilheira do Dragão Estrela, aquela que a humanidade conhecia e adorava como Dragão Mãe. Ela era como uma mãe para todos os dragões que viviam nesse local, e quando seu nome foi dito, a menina na caverna parecia ter ficado com medo.
— Ahaha… Isso é um pouco assustador… Você está me deixando com medo, então fique quieta quanto a isso, ok?
— Ah, por Deus… — suspirou Pai. Todo seu corpo emitia uma luz brilhante, ela instantaneamente se transformou em uma linda menininha de pele pálida e cabelo branco, longo, e solto, vestindo um vestido branco. Ela parecia sem dúvida alguma humana, mas os chifres de cabra saindo de dentro de seu cabelo e a cauda branca saindo de suas costas claramente mostravam que ela era o dragão branco de antes.
Pai entrou na caverna. Não era tão úmida quanto parecia. Na verdade, o ar lá era fresco. Isso era comum nas cavernas da Cordilheira do Dragão Estrela.
Pai foi andando pela caverna, até chegar a uma área que se abria.
Na frente dos seus olhos, havia um quarto que, completamente diferente das paredes de pedra da caverna até aquele ponto, era bem feminino. Havia uma fofa cômoda e uma cama. As estantes estavam cheias de livros das nações da humanidade (em sua maioria, romances). Pai se dirigiu à pessoa ouvindo o radinho no meio daquele quarto.
— Ah, Naden, aí está você, ouvindo aquele receptor simples de novo…
— Sim, e? — a menina chamada Naden respondeu. Ela tinha cabelo preto e estava usando um macacão preto. — Eu posso ouvir o que eu quiser.
Havia um par de chifres de veado saindo de seu volumoso cabelo preto, nos dois lados de sua cabeça, e uma cauda preta saindo de sua parte traseira. Olhando de relance, ela parecia ter por volta de quinze anos. Ela era baixa, e dava a impressão de ainda não estar completamente desenvolvida. Entretanto, quando olhada de perfil, seu jovem rosto tinha um quê de beleza, e se, se vestisse bem, provavelmente iria parecer bem fofa.
Sabendo disso, Pai suspirou ainda mais fundo e desapontada com sua amiga.
— Eu não sei o que é pior: isso, ou quando você tinha sua cabeça cheia de sonhos, lendo aquele monte de histórias românticas.
Com o passado sendo trazido de repente, Naden gaguejou, surpresa — E-Eu só estava lendo livros! Não é como se eu estivesse lendo somente histórias românticas, ok?
— Você estava obcecada com elas. Dizia coisas como: “Eu colocaria amor na frente do dever!”
— Eu lia histórias comuns de aventura, também!
— Dragões nem costumam ler livros humanos, para começo de conversa…
A razão por trás disso era simples. Como o único país que tinha relações diplomáticas com a Cordilheira do Dragão Estrela era o Reino dos Cavaleiros Dragão Nothung, não havia muitos produtos das nações da humanidade por aqui. Se alguém quisesse adquirir produtos de alguma nação da humanidade, esse alguém teria que ir pessoalmente até essa nação, deixando a Cordilheira. A maioria dos dragões não estava interessada o suficiente no mundo lá fora, ou em produtos das nações da humanidade, para fazer isso. Aqueles como Naden — que usava toda oportunidade que encontrava para ir lá fora e voltar com produtos estrangeiros — eram uma raridade.
— Onde você conseguiu esse receptor mesmo? — Pai perguntou, ainda espantada.
— Ah, eu achei em uma feira de rua no império. Estava quebrado, era basicamente sucata, mas dei um pequeno choque nele e começou a funcionar. Hehe! Foi um bom achado.
Ao dizer isso, o rabo preto de lagarto de Naden deslizou em direção ao receptor. Quando encostou, ouviu-se um barulho de clique, e a imagem nele desapareceu.
Naden conseguia guardar eletricidade no seu corpo. Ela não entendia direito o princípio por trás de como isso funcionava, mas ela conseguia ligar e desligar o aparelho quando liberava essa eletricidade guardada. Havia outras criaturas que tinham essa capacidade também, mas Naden era provavelmente a única que a controlava com tanta habilidade.
Vendo ela fazer isso, Pai disse, surpresa:
— Você é habilidosa das formas mais estranhas, sabe, Naden?
— Claro! Eu tive sorte o bastante de nascer com um corpo eletrificado. Não vou desperdiçar.
— Eu sei, mas isso é realmente algo que um dragão deveria estar fazendo…?
Em Dracul, com sua primavera eterna, os dragões que ainda não tinham feito um contrato viviam suas vidas como bem entendessem. Na forma de dragões, faziam coisas como voar, brincar na água e caçar.
De vez em quando, as sacerdotisas que serviam Tiamat ensinavam os dragões sobre as tradições sobre, o mundo, também aritmética, a ler e escrever; mas no geral, eles podiam usar o tempo para fazer o que eles quisessem.
Dentre todos aqueles dragões vivendo como antigamente, Naden era provavelmente a única que conseguia usar ferramentas do mundo exterior com tamanha aptidão.
Pai perguntou um tanto quanto exaltada:
— Você é mesmo um dragão?
— … Bem que eu gostaria de saber… — disse Naden, voltando seu olhar para a tela.
Pai tinha uma expressão que dizia: “Ops, falei uma besteira”. Aquele assunto deveria ser sensível para Naden.
— Bem, é… Então, sobre esse programa de música aí? O que é? — perguntou Pai, tentando mudar o tópico da conversa.
— Eles mostram meninas fofas em roupinhas fofas cantando e dançando para as pessoas verem — disse Naden. — É divertido assistir. Pelo que eu ouvi, os reais criadores e chefes da produção do programa não são do Império, eles são do Reino de Elfrieden. É uma pena que eu não consiga assisti-los por esse simples receptor.
— O Reino de Elfrieden? Você está falando daquele país onde um herói foi convocado, e que depois se tornou Rei? — perguntou Pai, surpresa. Quando ela ouviu o nome “Elfrieden”, a imagem que veio à sua mente foi de um reino bem tradicional, ou, de forma menos gentil, antiquado.
Naden levantou o dedo indicador e o balançou, fazendo sinal de “não”:
— Você pode esquecer de tudo que você pensa que sabe sobre Elfrieden. Ah, espera, eles são o Reino da Friedônia agora, não são? Eu não tenho todos os detalhes, com a minha fonte de informação do Império, mas parece que o poder deles têm crescido bastante rápido, por conta do novo programa de reformas do rei.
Naden pegou o receptor com sua cauda e brincou com ele.
— Eu acho que o fato de ele ter usado a Transmissão da Voz da Joia — algo que a família real usava somente para fazer anúncios de coisas já decididas internamente, — para criar uma coisa divertida, como esses programas, mostra uma visão incrível. Diferente deste país, que nunca muda, o Reino de Friedônia está apoiando cada vez mais o progresso. Eu gostaria de encontrar com esse rei herói deles. Talvez eu pouse em Friedônia na próxima vez que eu sair.
Pai bateu seu pé no chão, indignada. — Por Deus! O que você está pensando?! Já é quase o dia da Cerimônia do Contrato, você sabia? Eu duvido que você consiga permissão para fazer isso em um momento tão importante como esse, quando nossos futuros serão decididos!
— Isso não… importa muito. — disse Naden — Eu tenho certeza de que nenhum cavaleiro iria me escolher. Até porque eu não consigo voar, nem cuspir fogo, mesmo.
— …
Os olhos de Naden se encheram de resignação.
Não havia nada que Pai pudesse dizer.
Ainda que Naden Delal fosse um dragão da Cordilheira do Dragão Estrela, ela não tinha asas para voar pelo céu, e ela não conseguia cuspir fogo. Sua aparência era bem diferente dos outros dragões também.
Por isso ela era chamada pelos outros dragões de “minhoca” (porque ela era alta, fina e não tinha nada muito além disso) pelas suas costas. Isso era, em parte, o motivo que Naden costumava se esconder na caverna. Pai era uma das poucas amigas de Naden, mas não havia nada que ela pudesse fazer por ela quanto a isso.
— Ah… — disse Pai, pensando rapidamente — M-Mas você pode disparar relâmpagos, Naden!
— Mas de que isso me serve? Nenhum cavaleiro vai me escolher como parceira. E se alguém me escolher, ele será o único cavaleiro que não vai voar, sabe? — Naden abaixou seu rosto.
Os cavaleiros dragões de Nothung tinham fama pelo continente.
Esses cavaleiros, que cavalgavam sobre os já fortes e poderosos dragões, sobrevoavam os céus, destruindo as formações inimigas e queimando tudo pelo caminho com fogo de dragão. Ainda que eles fossem um pequeno país, os cavaleiros dragão tinham sido responsáveis por fazer com que o Reino dos Cavaleiros Dragão Nothung fosse capaz de lutar de igual para igual contra o Império, mesmo que fosse somente na defensiva. Não poderia haver espaço para Naden, a dragão que não voava, nem cuspia fogo, no exército.
— Você é diferente, Pai — suspirou Naden — Uma linda dragão branca como você… Eu tenho certeza de que você vai ser escolhida.
— Estou sentindo um pouco de hostilidade vindo de você.
Nesta cerimônia, que acontecia para realizar contratos com os cavaleiros dragão, o cavaleiro primeiro escolhia uma dragão para se tornar sua montaria, e depois a dragão iria decidir se aceitava ou não. Isso significava que uma dragão que recebesse múltiplas ofertas, teria várias opções. Naden provavelmente estava pensando que Pai teria incontáveis opções dentre as quais escolher.
— Talvez eu devesse sair do país? — Naden questionou, um tanto deprimida. — Eu acho que eu consigo fingir ser uma serpente marinha.
Pelo que Pai ouviu, a raça conhecida como as serpentes marinhas e Naden (na sua forma humana) eram bem parecidas. Quanto às diferenças, os chifres na cabeça de Naden eram maiores, e serpentes marinhas não tinham a habilidade de se transformar, como dragões.
Pai rosnou, zangada: — Se você tomar uma atitude derrotista, você se tornará derrotada!
— Mas…
— Aliás, Lady Tiamat não te deu uma profecia? Tudo vai ficar bem.
Os dragões que iam à Cerimônia do Contrato, todos os anos, eram escolhidos por Tiamat. A vontade do indivíduo e quão velho ele era não importava. Os dragões escolhidos recebiam uma premonição da Dragão Mãe no começo deste ano. Naden havia sido uma delas.
“Eventualmente, aquele que sabe do seu valor aparecerá. Esse será o momento que você deverá deixar seu ninho.”
Isso foi definitivamente o que Tiamat disse a Naden, que tinha desistido de seu futuro. Ela disse isso com os olhos gentis de uma mãe. Naden não conseguia crer que Tiamat estivesse mentindo para ela. Entretanto, ao mesmo tempo, ela também não conseguia crer que a profecia fosse se tornar realidade.
— Isso… deve ter sido algo que Tiamat disse só para me consolar, — Naden disse. — Nem eu sei qual é o meu valor. O que um completo estranho poderia ver em mim?
— Mas, pelo que eu ouvi, Lady Tiamat nunca fez uma previsão que não tenha se cumprido.
— Tá bom, então eu serei a primeira falha. Eba!
Pai resmungou. — Você é realmente uma derrotista.
— Pai, se você continuar fazendo esses sons de resmungo, você vai começar a ficar com pintas pretas, como uma vaca, sabia?
— Mu! Mu! Mu! — exclamou Pai
Enquanto via Pai ficar bravo, pelo canto do olho, Naden suspirou. Se, realmente houver algum valor na minha existência, e se alguém conseguisse encontrá-lo para mim, quão maravilhoso isso seria? Se um milagre como esse ocorresse, e se alguém pudesse me levar desse lugar entediante, onde é sempre primavera e nada empolgante acontece… Bom, isso simplesmente não é possível, certo?
Naden forçou aquele desejo tão sincero dela nas profundezas de seu coração.
Tradução: Gtc
Revisão: Kazuma
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