Parnam, capital do Reino de Friedônia.
De telhado laranja — realçando a cor da cidade — e cercado por muralhas reforçadas, o antiquado, mas ainda impressionante, Castelo Real surgia. Diante desse cenário, a cidade passava uma sensação de melancolia, de saudade por uma terra ou um tempo de outrora, de uma certa nostalgia.
Entretanto, sob as ruas pavimentadas, um observador atento pode captar sinais de desenvolvimento e modernidade; as reformas na saúde, higiene e bem-estar públicos, iniciadas por Souma, como instalação de um sistema de esgoto e elaboração de uma rede de transporte público eficiente, são sinais de uma inconformidade em oposição ao provincianismo característico das cidades seculares. A capital, símbolo do Reino de Friedônia, começou a acumular extraordinário poder e considerável riqueza.
Porém, ainda que Parnam estivesse passando por rápidos avanços, haviam também, ocasionalmente, rumores bizarros que se espalhavam pela cidade. Certos boatos eram amplamente divulgados de forma oral, tornando-se, em pouco tempo, verdadeiras lendas urbanas.
No último ano, surgiram rumores de bonecos que se moviam por vontade própria, além do aventureiro kigurumi;1Kigurumi: Termo japonês para cosplay de pijamas de um personagem (geralmente relacionado a fantasias). Isso naturalmente diminuiu quando os avistamentos de bonecos em movimento chegaram ao fim, e quando as pesquisas sobre o aventureiro kigurumi começaram a trazer respostas como:
— Certo, você está se referindo ao Pequeno Musashibo.
No entanto, ultimamente, um novo boato começou a alcançar fama entre os habitantes da região.
— A Sombra Negra que se move pelo céu noturno.
Foi assim que um vendedor de produtos de metal, o Senhor A, continuou a história:
— Não me recordo de todos os detalhes, pois bebi durante o dia inteiro. Mas, à noite, enquanto relaxava entorpecido pela embriaguez, deitado de costas pude perceber que algo passou voando sobre a minha cabeça. Não consegui discernir bem, mas era algo preto, espiralado e longo.
Aqui vai a história de outro mercador, o Senhor S.:
— Numa noite de céu claro, onde era possível discernir perfeitamente a forma da lua e algumas nuvens, eu voltava para casa após uma entrega no castelo real. Porém, de repente, o lugar por onde passava escureceu completamente. Ao olhar para cima, percebi que uma sombra negra bloqueava a luz da lua. Assustado, tropecei e caí após minhas pernas perderem as forças, mas a sombra voou sobre o castelo e desapareceu. Espero que isso não seja um mau presságio.
Após alguns avistamentos como esses, uma incerteza começou a pairar sobre os habitantes da cidade, aflitos com a possível vinda de um monstro. Somente a partir do momento que Chris Tachyon começou a divulgar a verdade por trás desses rumores, que as coisas começaram a se acalmar.
Dizem que os dois responsáveis pelos boatos receberam, mais tarde, uma dura repreensão de seus guardiões.
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Estava agora nas costas de Naden, voando pelo céu noturno. A fantástica sensação de voar pelo mar de nuvens abaixo de um céu estrelado, no dorso de um ryuu2Nihon-no-ryu ou ryu, é um dragão japonês que se assemelha a uma serpente, possui pequenos braços, pernas e chifres, voa em serpenteado, mas não possui asas. arrebatou meu coração. Me deixou tão extasiado que, sem nem mesmo querer, comecei a cantarolar3O verbo usado é “humming” a abertura de um anime que assisti há um bom tempo.
A propósito, em nossa rota de volta ao reino, passamos por cima do Estado Papal Lunariano. Em meu mundo original, teria sido justo perguntar se estávamos infringindo seu espaço aéreo, mas aqui, mesmo que algumas civilizações possam ter dominado os céus, ainda não existe o conceito legal de espaço aéreo restrito. Nesse mundo, teria ainda de existir um sistema de leis internacionais que permitiriam países de se opor à wyverns, e outras criaturas semelhantes, de serem usadas para atravessar seu território em elevadas altitudes.
Havia, porém, uma razão clara e simples para tal regra não existir.: Não havia como colocá-la em prática.
Por exemplo, se um wyvern entrasse no espaço aéreo de um país, não haveria radares, neste mundo, capazes de detectá-lo. Não seria possível monitorar o espaço aéreo por completo usando apenas patrulhas, sem um sistema de detecção.
Portanto, tais patrulhas são limitadas às áreas sobre grandes cidades. Assim foi feito para prevenir invasões ao espaço aéreo, que poderiam jogar bombas na cidade, ou facilitar a entrada de espiões. Além disso, se um grupo voasse em formação próximo à superfície, eles seriam rapidamente avistados por aqueles no chão, e seria possível capturá-los.
Então, no nosso caso, enquanto não voássemos em baixa altitude, ou ao alcance da patrulha de alguma cidade, seria possível atravessar outro país.
Enviei Poncho, no passado, a outras nações para recolher ingredientes de culinária. Nessas ocasiões, despachamos mensageiros aos países para assegurar a permissão de entrada e a devida recepção assim que ele chegasse. Entretanto, ao sobrevoar outro país em elevadas altitudes como estávamos fazendo, não havia necessidade de permissão e tampouco de um comunicado prévio.
Dito isto, se qualquer coisa acontecesse com os viajantes, o país em questão não poderia ser responsabilizado. Era uma situação em que não poderíamos reclamar mesmo se fôssemos abatidos em pleno ar. Mas Naden estava voando mais alto que o possível para um wyvern, então eu não estava preocupado com isso. É por isso que, ao viajar da Cordilheira do Dragão Estrela ao Reino de Friedônia, nós sobrevoamos o território do Estado Papal Ortodoxo Lunariano.
Naden voou pela rota, que nossa viagem de ida tomou quase uma semana, em meras duas ou três horas.
— Hey, Kazuma… Isso é realmente certo?— Naden perguntou. Quanto mais nos aproximávamos de Parnam, mais aflitas suas perguntas pareciam.
— Parnam é a capital do Reino de Friedônia, certo? Voar por dentro do território é uma coisa, mas se eu sobrevoar as cidades, não poderia se tornar um problema diplomático, onde podemos ser atacados?
Acariciei as costas de Naden para tranquilizá-la e disse: — Vai ficar tudo bem. Já os notifiquei.
— Você diz tê-los notificados, mas… Estivemos no ar esse tempo todo!
— É um pouco trabalhoso explicar, mas, bem, apenas pense nisso como minha mágica.
Havia usado um boneco com o Braço Fabricado no qual deixei parte da minha consciência juntamente dos Poltergeists Vivos para que ele pudesse fazer a papelada enquanto eu estivesse fora e impossibilitado de escrever a mensagem. A mensagem dizia: “Voltarei em breve, montado numa criatura longa e serpenteada. Não fiquem surpresos.” Então, eles sabiam que eu estava voltando. O Braço Fabricado era espantosamente assustador de se olhar, mas poderia ser usado para fazer mensagens como essa, então era bastante útil.
— Entretanto, estou ainda mais curiosa em como você foi capaz de explicar a situação a um reino inteiro…— disse Naden.
Quando ela estava em sua forma ryuu, eu não conseguia ler suas expressões, mas sua voz parecia duvidosa.
— Bem, vamos apenas dizer que… Estou em posição de fazer isso. — disse.
— Você diz ter quatro noivas, então você não é uma pessoa normal, não é, Kazuma? Talvez você seja alguém realmente importante no Reino? Tipo um alto nobre?
— Sou um cara normal.— disse. — Um que foi forçado a assumir uma posição extraordinária, isso é tudo.
Quando dei a ela uma resposta na qual poderia inferir o quanto desejasse, a cidade de Parnam, com seus postes de luz com um leve musgo e o Castelo de Parnam, iluminado pela lua, ficou à vista.
Estou de volta, pensei.
A forma com que senti, ainda que tenha saído por apenas metade de um mês, era prova de que esse castelo já tinha se tornado meu lar.
— Naden, pouse no pátio do castelo.— disse.
— O castelo?! Tem certeza?
— Está tudo bem.
Era ali que as pessoas esperavam que eu desembarcasse.
Naden continuou flutuando no ar, me segurando na boca até poder me colocar no chão. Então, imediatamente se transformou em sua forma humana e pousou.
O pátio do castelo era bem grande, considerando padrões humanos, mas ainda era apertado para que coubesse Naden em sua forma ryuu. Se ela tentasse pousar dessa forma, os jardineiros reais provavelmente chorariam. Nós, tecnicamente, tínhamos um espaço semelhante a um heliporto para que wyverns pousassem, mas o pátio era bem mais próximo à parte interna do castelo.
Quando pousamos no pátio, os guardas ficaram rígidos como se não acreditassem no que viam, mas então imediatamente nos saudaram e correram para dentro.
Não muito depois, Líscia, Hakuya, Juna e Roroa saíram.
Quando Roroa me viu, imediatamente correu e, usando toda a velocidade, pulou em mim e me abraçou ao estilo futebol americano.
— Bem-vindo de volta, querido!
— Urgh… E-Estou em casa. Consegui dizer.
Roroa era leve e delicada, então não acabei com o traseiro no chão ou algo do tipo, mas tive que girar algumas vezes para dissipar sua velocidade. Os braços de Roroa estavam firmemente presos em volta da minha cintura, e ela estava se aconchegando em mim como um gato, pressionando o rosto no meu peito.
— Querido, fiquei tão solitária sem você.
— Solitária? — Contestei. — Foi quase uma semana, apenas.
— Se não puder ver seu rosto, seja um dia ou um ano, é a mesma coisa. Juna estava inquieta também, e enquanto a irmãzona Cia fingia estar calma, sua testa estava toda enrugada.
— Roroa! Liscia e Juna gritaram.
Enquanto ambas gritavam com ela por revelar os detalhes de como ficaram no período que eu havia saído, Roroa riu e se escondeu atrás de mim.
— Liscia, Juna, estou em casa. disse, sorrindo.
— Oh! Bem-vindo ao lar, Vossa Majestade. — Juna arrumou sua postura e se curvou.
— Bem-vindo ao lar. — Liscia falou num tom irritado. — Você voltou tão de repente, fiquei surpresa.
— De repente? — Perguntei. — Você não recebeu a mensagem sobre minha chegada?
— Você demorou muito para chegar. Tem alguma ideia de quantos mensageiros kuis Aisha enviou, se preocupando com sua segurança, Souma?
Oh. Agora que ela mencionou, deixei Aisha e os outros para trás naquela aldeia. Acho que poderíamos tê-los apanhado no caminho para cá, hein.
— Porém, ouvi dizer que a Cordilheira do Dragão Estrela iria explicar a situação a eles. — disse.
— Não tem sentido, a menos que você mesmo diga a eles. — retrucou Liscia.
— Na carta que ela me enviou, Carla disse que Aisha quase deu um soco no mensageiro que veio de lá.
— O quê? Isso é assustador…
— Carla e os outros tentaram, desesperadamente, contê-la: Sendo sincera, isso quase se tornou num incidente diplomático. Entretanto, parece que eles reconheceram que a falha em boa parte ocorreu devido terem te levado tão de repente, e então o mensageiro começou se desculpando.
— Aisha… Quando se trata de mim, ela consegue ser tão inconsequente. — Suspirei.
Começar uma guerra pra valer com os dragões não seria engraçado. Mostre um pouco de autocontrole, por favor.
— Isso apenas exemplifica o quanto ela se importa com você, não é? — Liscia devolveu. — Faça as pazes com ela na próxima vez que vocês estiverem juntos.
— Certo…
Então me dirigi a Hakuya, que até agora esteve fora da conversa.
— Algo estranho aconteceu enquanto eu estava fora?
— Nada de importante. Mas, se você me pressionasse a citar algo, nós demos ao Senhor Piltory, que foi enviado como embaixador ao Império, permissão temporária de retornar.
— Piltory? Algo aconteceu com ele?
Piltory Saracen. Ele era um de meus serviçais e, visando fortalecer nossa coordenação com o Império Gran Caos, o despachei para ser nosso embaixador por lá.. Se Piltory retornou, isso significa que algo aconteceu no Império?
Mas Hakuya balançou a cabeça negativamente, com um olhar calmo em seu rosto.
— Parece que uma de suas esposas, que levou consigo, ficou grávida. Ele apenas retornou, de forma temporária, para deixá-la com sua família, que possuía mais tempo e pessoal para cuidar dela. Uma vez que a tenha entregue para receber cuidados, o Senhor Piltory retornará imediatamente ao Império.
— Mas… Que notícias maravilhosas. — disse. Então ele voltou porque conceberam. Estava feliz em ouvir que não eram notícias ruins.
Se bem me lembro, quando Piltory foi para o Império, ele levou apenas suas duas esposas e um pequeno número de seus serviçais. Então Piltory se sentia mais seguro deixando-a em casa. Parecia suficientemente razoável.
Porém, havia ainda uma coisa mais que me preocupava.
A expressão de Hakuya.
Apesar de ela ser normalmente calma e ter autocontrole, hoje ela parecia um pouco mais feliz.
— Hakuya, algo de bom aconteceu? — Perguntei de forma cautelosa.
— Hum? Nada em particular. Por que a pergunta?
— Nada, você aparenta estar mais alegre.
— Você acha?
Com isso, Hakuya retornou à sua calma usual e comportamento formal. Hmm, será que imaginei algo? Isso me incomodava um pouco, mas… Bem, era melhor do que tê-lo resmungando.
Uma vez que Hakuya terminasse de me dar um relatório detalhado do que aconteceu enquanto me ausentei, Roroa, que ainda estava agarrada a mim e parecia cansada de esperar, falou.
— Então, querido, seria essa a garota dragão que você dizia querer firmar um contrato?
Quando ela me perguntou isso, percebi que havia negligenciado Naden completamente.
— Não, quero dizer, sim, ela é um dragão, mas não um dragão, em si… Espera, Naden?!
Quando olhei, Naden estava congelada, olhando para mim sem expressão com o queixo caído. Como um computador que travou porque havia muito para processar. Provavelmente havia todo tipo de coisa acontecendo dentro de sua cabeça, e passou um tempo desde que sua expressão ficou imóvel, provavelmente porque suas emoções não conseguiram acompanhar
Tirei Roroa de cima de mim e acenei com a mão na frente do rosto de Naden.
— E-Ei, Naden?
— Kazuma é o Souma, e o Souma é a Vossa Majestade, então ele é… A Vossa Majestade Kazuma? — Naden hesitou.
— Tenho um apelido esquisito agora?! Ei, Naden, se recomponha!
— Huh?!
Quando peguei Naden pelos ombros e a chacoalhei enquanto a chamava, ela finalmente recobrou os sentidos. Então, com uma expressão enraivecida em seu rosto, Naden de repente me pegou pela gola.
— Calma aí, Kazuma! Eles estão te chamando de Souma, e de Vossa Majestade, e que droga está rolando aqui?!
— Souma… Não me diga que você não disse nada a ela. — Liscia falou, claramente irritada.
— Dada minha posição, não sabia se seria certo que eu desse meu nome ou não — respondi. — Mas… você está certa. Já estava na hora de dizer. Erm… Naden?
— S-Sim?
— Meu nome real é Souma Kazuya. Sou o rei desse reino, o Reino de Friedônia.
— …
Os olhos de Naden arregalaram e ela congelou. Ouvi dizer que, quando as pessoas ficam tão chocadas, perdem a capacidade de falar; parecia que o mesmo era verdade para ryuus também.
Se continuássemos conversando no pátio à noite, provavelmente entraríamos resfriados, então decidimos ir para uma sala de conferências. Sentamos em volta de uma mesa redonda e dei uma explicação grosseira de como as coisas tinham acontecido.
Como Madame Tiamat escolheu que eu fosse à Cordilheira Dragão Estrela antes dos outros.
Como havia uma “tempestade” se aproximando da Cordilheira Dragão Estrela.
Como ela aproximou eu e Naden numa tentativa de lidar com isso.
Como Naden foi a única ryuu num grupo de dragões de estilo ocidental.
Como Naden queria firmar um contrato de montaria comigo… Basicamente, tudo.
Liscia e os outros não sabiam sobre o que aconteceu após eu ter ido à Cordilheira Dragão Estrela, enquanto Naden não sabia como eu tinha chegado lá, então acabei tendo que explicar tudo.
Roroa foi a primeira a abrir a boca depois de ouvir tudo o que tinha a dizer.
— Bem, droga, parece que a Mãe Dragão teve você dançando na palma de sua mão por todo esse tempo. Parece até que seu encontro com a Nadie, e tudo isso, foi arranjado por ela.
— N-Nadie? — Naden arregalou os olhos pelo repentino apelido.
Elas se conheceram menos de uma hora atrás e ainda assim ela era tratada como uma amiga. Fiquei maravilhado, como sempre, em quão hábil em socializar a Roroa era. Ela vai se aproximar da pessoa e não deixá-la sentir nem um pouco de distância dela, afinal.
— Bem, a Mãe Dragão da Cordilheira do Dragão Estrela é conhecida como uma deusa casamenteira, sabia? — Liscia entrou na conversa.
Roroa deu de ombros. — Ainda que ela seja, isso tudo não é um pouco preciso demais? Para a maior parte das pessoas desse continente, se você disser a palavra ‘dragão’, eles vão imaginar um grande lagarto com asas. Diria que o Querido é a única pessoa por aí que conseguiu perceber que Nadie era um tipo diferente e especial de dragão, um ryuu. Desde que ela o levou ao lugar exato onde Nadie estava, tenho que dizer que tudo parece um pouco forçado.
— Creio que a Senhorita Roroa esteja certa. — Hakuya disse em apoio à opinião de Roroa.
— Se eu puder adicionar, poderia ser que a Mãe Dragão… Madame Tiamat… Seja, em algum grau, familiar com seu mundo. Se ela estava certa que você saberia sobre ryuus, isso significa que ela deve saber que, do mundo de onde você veio, havia o conceito do que seja um ryuu.
— Madame Tiamat… sabia sobre o mundo de onde eu vim? — Perguntei lentamente.
Ela sabia que eu era um humano vindo da “Terra” ou do “Japão”. Estava certo quanto a isso. Sendo esse o caso, ela talvez tenha assumido que eu sabia sobre os ryuus e as lendas sobre eles subirem cascatas. Seria esse o motivo dela ter nos aproximado?
— Hrm… Não havia pensado nisso. — disse. — Deveria ter feito mais perguntas específicas, hein.
— Acho que teria sido difícil. — Hakuya respondeu. — Pelo que você nos disse, Senhor, se Madame Tiamat alegasse não ter a ‘autoridade’ para lhe dizer algo, você não poderia perguntar.
Percebi que ele estava provavelmente certo. Parecia que ela estava fazendo o mínimo possível em influenciar a humanidade, afinal. Era bem provável.
Notei que Juna estava encarando o rosto de Naden.
Naden se inclinou um pouco para trás. — O-O quê? Tem algo no meu rosto?
— Não, eu só pensei que seus chifres se parecem com os que a vovó tem.
— São parecidos?
— Sim. — disse Juna. — Ela é um membro do que é conhecido como a raça das serpentes marinhas, mas seus chifres são menores que os seus.
Excel, hein? Se me lembro bem, a raça das serpentes marinhas4Tipo de dragão ou monstro marinho gigantesco, Exemplo: Leviathan do Final Fantasy 14, só que sem asas. tinham caudas e pequenos chifres, e tinham aparência similar à de Naden em sua forma humana. Porém, eu tinha uma teoria quanto a isso.
— Dizem que Excel e os outros membros da raça das serpentes marinhas descendem de um tipo de serpente do mar que também é chamada de kouryuu5Ou Dragão Amarelo, é a encarnação zoomórfica do Imperador Amarelo do centro do universo na religião e mitologia Chinesa. Essa deidade é o centro do cosmos e representa o elemento da terra, a quintessência chinesa, assim como a mudança das estações. O Dragão Amarelo não aparece na mitologia Japonesa, sendo o quinto elemento o vazio. ou jiaolong,6Dragão da mitologia Chinesa, frequentemente definido como um “dragão sem escamas”; não possui chifres de acordo com certos estudiosos e é dito ser aquático ou ribeirinho. certo? — perguntei. — Acho que essas serpentes do mar talvez tenham sido ryuus como Naden.
Por exemplo, com a família de Juna, os Domas, dizia-se que seus ancestrais eram loreleis.7Lenda germânica sobre uma bela donzela que se jogou no rio Reno em desespero por um amante infiel e foi transformada em uma ‘sereia’ que atraía pescadores e marinheiros para a morte.
Como as loreleis tinham forma humana, não era tão sem sentido assumir que eles fossem descendentes de ryuus.
Quando se tratava de serpentes marinhas, por serem muito maiores e com formas tão diferentes, que eu tinha dúvidas desde o início se seu acasalamento com humanos era mesmo possível, muito menos se tal relação poderia produzir algo como a raça das serpentes marinhas. Mas se aquelas “serpentes marinhas” fossem ryuus como a Naden, todas essas dúvidas desapareceriam.
— As pessoas desse mundo não sabiam sobre os ryuus. — disse. — E também, Naden era tão habilidosa na natação que ela poderia subir a Grande Cachoeira a nado. Se vissem um ryuu que fosse bom no nado, não seria estranho para uma pessoa pensar que fosse uma serpente do mar. Enquanto isso, como Naden, esses ryuus seriam capazes de assumir forma humana, e assim deixar descendentes na forma de serpente marinha.
Juna bateu palmas como se tivesse entendido. — Compreendo! Então, a raça da serpente do mar não é meio dragão como os dragonewts, mas meio ryuu.
— Bem, no entanto, ainda é apenas uma teoria.
— Mas é completamente razoável para mim. Então, isso faz de Naden minha parente distante.
— Hein? Sério? — Naden perguntou.
Quando Juna sorriu como resposta, as bochechas de Naden começaram a amolecer por um momento, mas então seu olhar acabou por cair sobre os seios volumosos de Juna, e seu sorriso ficou forçado. Ela olhou para baixo, para seu peito modesto, e seus ombros caíram com tanta força que você não podia deixar de imaginar um efeito sonoro exagerado.
— Não há chance alguma de sermos parentes… — Naden murmurou desanimada.
— Não importa o que isso signifique, mas sinto que posso me dar bem com essa garota. — Roroa assentiu com simpatia.
Eu tinha alguma ideia do porquê, mas não estava disposto a me envolver nisso, então não toquei no assunto.
— De qualquer forma, o que me preocupa agora é essa ‘tempestade’ com a qual Madame Tiamat estava alerta. — disse. — Parece que não vai afetar apenas a Cordilheira do Dragão Estrela, mas esse país também.
Trouxe a conversa de volta a um tom mais sério, e a tensão ficou estampada no semblante de todos.
— Ela disse que você era a ‘chave’ para lidar com a tempestade, certo? — Liscia perguntou, e balancei a cabeça em afirmação.
— Sim. Se eu levar em conta como ela sabia sobre a Terra, acho que pode ter algo a ver com como fui convocado de outro mundo. Além disso, parece que ela escolheu Naden como a ryuu que devo montar.
Madame Tiamat mencionou que ela precisava de mim, a chave para lidar com isso, e uma garota que pudesse me carregar. Estava mais ou menos certo de que a garota a quem ela se referia era a Naden. Se houvesse alguma coisa que eu questionaria, seria porque a garota tinha que ser Naden, em particular.
Liscia estava com a cabeça inclinada para o lado. — Isso é bem vago. Essa ‘tempestade’ não parece ser um fenômeno natural, não é?
— Não há chance alguma de ser. — Naden disse em tom firme. Ela parecia terrivelmente segura disso. — Quando estou em minha forma ryuu, meus bigodes são tão sensíveis que posso dizer como será o clima em uma área na próxima semana. Se uma tempestade estivesse chegando em breve, não haveria como eu não senti-la.
— Sério?! — exclamei. — Isso é muito conveniente!
Se tivéssemos a Naden, poderíamos começar um programa de previsão do tempo! Poderíamos criar uma coluna do tempo no programa de notícias do Chris Tachyon e transmiti-lo pelo país. Em sua forma ryuu, Naden poderia, provavelmente, voar pelo país em um dia, então se pudéssemos usar isso para montar, mesmo um grosseiro, boletim meteorológico, seria de grande ajuda para as pessoas.
Eu precisava que Naden viesse ao reino agora!
— Souma… É muito fácil dizer o que você está pensando. — Liscia me disse enquanto estava começando a ficar empolgado. Estava, aparentemente, escrito em meu rosto.
Me senti embaraçado por isso, então, limpei a garganta e voltei ao problema principal no momento. — E-Enfim, para que possamos lidar com essa ‘tempestade,’ ou o que quer que seja, estou certo de que precisarei voltar à Cordilheira do Dragão Estrela novamente.
— Não quero que você arrisque sua vida em algo perigoso. — Liscia disse com um olhar preocupado. Mas, eu não poderia desistir agora:
— Se eu não arriscar meu pescoço nisso agora, poderá ser pior se a mesma calamidade nos acometer mais tarde como resultado. Além de que, não sei se esse é um problema com o qual podemos adiar. Se vou me arrepender disso mais tarde, pensando em coisas como: ‘Porque não fiz algo naquela época?’, então será melhor que eu resolva esse problema agora, enquanto tenho a garantia da Madame Tiamat de que posso.
— Bem, sim… Talvez seja verdade, mas…
Coloquei a mão no ombro da Liscia, que continuava insatisfeita. — Normalmente, eu delego as coisas que não posso fazer para quem for capaz. Mas se tem algo que apenas eu posso fazer, preciso ser proativo sobre fazê-lo. É meu dever deixar um exemplo para as pessoas.
— …Oh, certo, entendo. — Liscia aceitou relutante.
Me levantei e andei até as costas da cadeira de Naden. Então, colocando minhas mãos em seus ombros, disse: — Para lidar com esta situação, quero firmar um contrato de cavaleiro do dragão com Naden. O que, sendo sucinto, significa que tomarei a Naden como minha quinta noiva. Naden não é o tipo de uma rainha primária, então ela provavelmente será uma rainha secundária, o que dará a ela maior liberdade. — Olhei atentamente para o rosto de Liscia, Juna e Roroa enquanto falava.
— Mas não tenho intenção de ignorar seus sentimentos. Se você tiver qualquer objeção, agora é o momento de dizer.
— U-Um… Estou ansiosa em trabalhar com você. — Naden se levantou e inclinou a cabeça.
Liscia e as outras duas se entreolharam; mas Roroa sorriu de forma bem-humorada e jogou ambas as mãos para cima.
— Estou me abstendo. Vou deixar essa para a irmãzona Cia como a primeira rainha primária.
— Faz sentido. — disse Juna. — Sou uma rainha secundária, então também vou respeitar a decisão da Senhorita Liscia quanto a isso.
A primeira rainha primária estava em posição de ter de liderar as demais rainhas , então esse era um resultado natural, de certa forma.
Liscia, que foi confiada em decidir pelas duas, deve ter entendido também, porque ela soltou um profundo suspiro.
—Deixe-me te perguntar, Souma. Essa garota… você quer tomá-la como sua rainha, certo?
— Isso.
— Essa é sua decisão como governante? Ou é baseada em seus próprios sentimentos?
— No momento, acho que é mais como governante. — Não queria dizer isso em frente a Naden, mas mesmo que eu tentasse esconder, Liscia poderia ver claramente através de mim. Então decidi responder honestamente como me sentia neste momento. — Como governante, não quero deixar uma pessoa tão capacitada ir. Ela vai me dar um vínculo com a Cordilheira do Dragão Estrela e, ao firmar um contrato com ela, posso apelar à autoridade do primeiro rei herói. Além disso, as habilidades de Naden também são atraentes. Sua habilidade de prever o clima e manipular eletricidade… ambas permitirão que este país dê grandes passos adiante. Não quero dar alguém tão capacitado para outro país. Eu a quero para o nosso país.
Olhei para Naden, que tinha uma expressão um pouco incomodada em seu rosto. Estava falando dela como algum tipo de ferramenta útil, então dificilmente poderia culpá-la. Sei que foi estranho para eu ser aquele a dizer isso, mas foi necessário. Tinha que levar em consideração coisas como essa no meu processo de tomada de decisão.
Liscia entendeu, então ela apenas acenou com a cabeça. — Então o que você sente por ela num nível emocional?
— Tive uma ótima impressão dela… mas não sei ainda. — admiti. — Acabamos de nos conhecer, afinal.
Naden abaixou a cabeça.
Não, não estava tentando deixar esse tipo de expressão em seu rosto. Queria ter certeza de que ela ouviria o que teria a dizer até o fim, então coloquei uma mão no ombro de Naden.
— Mas acho que posso vir a amá-la.
O rosto de Naden levantou rapidamente. Sorri para ela.
— Diferente de todas as outras mulheres desse mundo, Naden não está presa a coisas como preocupação por uma casa, ou necessidade de produzir um herdeiro. Mesmo em tempos como esses, ela tem o poder de viver por sua conta, sozinha, se ela escolher. Seu espírito me lembra das mulheres de minha cidade natal. Quando estava com Naden, relaxando em sua caverna, lendo livros, ou assistindo programas em seu simplificado receptor, isso me lembrou de minha vida em meu velho mundo. Se eu tiver Naden comigo, sinto como se isso me impedirá de perder de vista quem eu já fui.
Olhei para Liscia bem no olho enquanto falava.
— Além disso, mesmo que a origem e habilidades de Naden possam ser especiais, ela é uma garota incrivelmente normal.
— Whoa, Souma! — Naden se opôs.
Mas não quis dizer de maneira negativa. A forma com que ela riu, chorou, lidou com seus complexos, se aborreceu, apaixonou… Não existem muitas garotas que mesmo após tudo isso, conseguem se manter tão atraentes.
— Considero essa naturalidade charmosa. — disse. — Então… Tenho certeza de que posso amá-la.
— Entendo… — Liscia baixou os olhos, parecia pensar em algo. Então, quando ela olhou para cima novamente, se virou para Naden. — Eu sei como o Souma se sente agora. Então… Naden, é a sua vez.
— O-Okay! — Naden falou, emocionada.
Liscia acenou com a cabeça, então se voltou para mim. — Souma, você poderia nos dar um tempo sozinhas agora?
Sozinhas…Hein? Ela queria entrevistar a Naden de forma privada?!
— Isso é…
— Roroa, Juna, tomem conta do Souma. — Liscia disse.
Roroa e Juna me tomaram firmemente pelos braços. Tentei afastá-las, mas elas definitivamente não iam me soltar.
— Bem, essa é uma ordem da futura primeira rainha primária, afinal, então não há muito o que possamos fazer a respeito. — disse Roroa.
— Hee Hee. — Juna deu risadinhas. — Não temos outra escolha.
Elas dizem não ter escolha, mas elas meio que não pareciam apreciar isso?!
Quando olhei para Hakuya por ajuda…
— Isso parece ser um assunto de família, então me despeço. — Foi tudo que disse antes de sair apressadamente do quarto.
Ele fugiu?!
Liscia tomou Naden pela mão e começou a se afastar de nós. — Agora, Naden, é um pouco estranho fazer isso aqui, então vamos para o meu quarto. Oh, mas antes disso… Que tal um banho primeiro? — Liscia adicionou, passando os dedos pelo longo cabelo preto de Naden.
— Huh? Um banho?
— Seu cabelo está todo embaraçado. Como uma garota, você precisa cuidar melhor dele. Venha, eu lavo para você.
— Huh? Nós vamos juntas? Huh?
Arrastando Naden, que estava totalmente perdida com o que estava acontecendo, Liscia saiu da sala. Tentei impedi-las, mas Juna e Roroa me puxaram com força.
— Não, senhor, você não pode fazer isso. É melhor deixar que as garotas lidem com esse tipo de coisa por si mesmas.
— Deixe isso com a irmãzona Cia, querido. Você fica aqui pelo bem da Nadie.
— Juna, Roroa… — disse lentamente.
Parecia que todos tinham os melhores interesses de Naden em mente. Fiquei feliz em vê-las dando seu melhor para aceitá-la, mesmo que isso as deixasse com sentimentos complicados. No entanto, os sorrisos de Roroa e Juna tinham um tom intimidador que não deixava espaço para disputas.
— Antes disso, vamos fazer você nos contar o que aconteceu entre você e a Nadie na Cordilheira do Dragão Estrela, e o que houve para ela gostar tanto de você! — Roroa gritou.
— Você não vai ter nenhuma brecha para dormir hoje, então prepare-se. — acrescentou Juna.
— Vá com calma comigo, por favor. — Suspirei.
Desculpa, Naden. Por favor, dê o seu melhor.
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Tradução: Moist
Revisão: CastroJr
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