Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino

Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino – Vol. 06 – Cap. 04.2 – A Parte de Si Que Naden Não Conhecia

 

Três dragoas pousaram em nossa frente: uma vermelha, outra azul e a última, verde. Eram a Ruby, a Sapphire e a Emerada.

Sinceramente… Por que elas tinham que aparecer justo agora?

Logo após assumirem as suas formas humanas, se aproximaram e começaram a me olhar da cabeça aos pés.

— Ouvi dizer que você estava com um humano, então vim ver… É ele? — perguntou Ruby.

Não falei nada.

O olhar de Ruby mudou para Kazuma.

— Que roupas estranhas. Você não é de Nothung?

— Não… eu vim de Friedônia. Me chamo Kazuma Souya.

Kazuma, que havia ficado um pouco perplexo pela atmosfera hostil entre nós, se apresentou rapidamente.

Eu estalei a minha língua.

— Não precisa se apresentar para esse tipo de pessoa.

— Nós conseguimos te ouvir, Naden — reclamou Ruby.

— Eu falei com essa intenção, sua asquerosa.

— Quem você está chamando de asquerosa? Já se olhou no espelho, sua larva?

Fogo estava saindo da boca dela e eletricidade, do meu cabelo. Era uma situação delicada e Kazuma, que ainda não havia entendido o que estava acontecendo, começou a coçar sua cabeça.

— Hm… Vocês não se dão bem?

— Você teria que ter problemas de visão para achar que isso é “se dar bem”. A vermelha se chama Ruby, a azul é a Sapphire e a verde é a Emerada. Elas gostam de me chamar de “falha que não voa”, de “larva” e de outras coisas para implicar comigo.

— “Que não voa”, né…? — Kazuma cruzou os seus braços enquanto parecia pensar profundamente em algo.

O que será que ele queria dizer naquela hora…?

Independentemente do que fosse, me virei para Ruby e suas lacaias e disse:

— Vocês vieram ver o Kazuma, não é? Não acham que já está na hora de irem embora?

— Não gostei desse seu tom condescendente — zombou Ruby. — Não é com você que eu quero falar.

Após isso, Ruby passou por mim e caminhou até Kazuma.

— Eu ouvi dizer… que você foi convidado pela Senhorita Tiamat. É verdade?

— Hm? É sim. — Kazuma, que parecia estar imerso em pensamentos, respondeu como se tivesse acabado de notar ela.

— Isso significa que você vai participar da Cerimônia de Contrato, certo?

— Bom… aparentemente é isso mesmo, por mais que eu não me considere digno.

— A Senhorita Tiamat achou importante te convidar, então você é digno.

Eu engoli a seco. Ruby, a mesma que me chamava de larva, reconheceu Kazuma. Será que ela queria dar em cima dele?

A Senhorita Tiamat o havia convidado, então ele devia ser alguém digno de respeito, mesmo não parecendo. Geralmente o cavaleiro era que pedia a mão de um dragão durante a Cerimônia de Contrato, porém os dragões também poderiam se apresentar para um cavalheiro que gostassem para o encorajar a escolhê-los.

O Kazuma… iria dançar com algum dos dragões durante a cerimônia?

Eu acho que… não iria gostar disso.

O que eu havia imaginado fez o meu peito modesto doer. Por mais que eu não tivesse a intenção de participar, quando pensei que a pessoa que havia me dito que eu era uma ryuu poderia formar um contrato com algum dragão, senti uma pontada no meu coração.

Enquanto eu sentia angústia por pensar nisso, Ruby se aproximou de Kazuma.

— Ei, que tal você ficar na minha casa?

Levantei minha cabeça rapidamente pelo susto. Quando olhei, vi que ela havia estendido a sua mão para Kazuma.

— Eu te achei fascinante. Amaria saber mais sobre você.

— Sobre mim? — repetiu Kazuma.

— Isso mesmo. Você deve ser especial para a Senhorita Tiamat te reconhecer. Se conseguisse cumprir as minhas expectativas, eu até mesmo te daria a honra de formar um contrato comigo.

Um contrato de montaria de cavaleiro-dragão… A Ruby não se apaixonou pelo Kazuma à primeira vista, não é?

Ruby adicionou enquanto olhava para mim:

— Eu sou uma dragoa muito superior àquela reclusa. Diferente dela, eu consigo voar e soprar fogo também. Além disso, poderia te mostrar cada canto da Cordilheira do Dragão Estrela pelos céus.

— Ugh…

Não poder negar o que a Ruby havia dito era extremamente frustrante.

Era verdade que ela era uma dragoa vermelha, o tipo preferido pelos cavaleiros. Diziam que a cor intimidava os inimigos, o que tornava mais fácil obter méritos militares. Além disso, ela possuía as grandes asas que me faltavam e conseguia soprar fogo, como o esperado de todo dragão. Quando olhei para ver como Kazuma estava reagindo à sinceridade dela… vi que ele estava com um sorriso sem graça em seu rosto.

— Bom, fico feliz que você ache que sou alguém tão bom assim…

Fiquei sem chão. As palavras de Kazuma fizeram com que eletricidade percorresse o meu corpo e a ponta do meu cabelo ficasse de pé.

Ouvir a maneira feliz com que ele respondeu Ruby fez o meu peito se encher de raiva… e tristeza. Eu não queria ouvir essas palavras da pessoa que me disse que eu era uma ryuu. A vontade de chorar estava enorme. Pensei em lançar uma corrente elétrica no grupo de Ruby e partir para o massacre.

— Mas… — Kazuma balançou sua cabeça e continuou — Ser capaz de voar e soprar fogo é tão valioso assim?

Hã…?

— Hã? O que você quer dizer? — demandou Ruby.

Todo mundo estava olhando para Kazuma. Enquanto isso, ele coçou sua cabeça e disse:

— Bom… Eu vim de um país que não tem muito contato com os dragões, então perdoem a minha ignorância. Pode me confirmar o que falou mais cedo? Ser capaz de voar e soprar fogo é o que torna um dragão valioso?

— É claro que sim — retrucou Ruby. — Os dragões não são somente os parceiros dos cavaleiros, como também os seus companheiros de batalha. Eles buscam, acima de tudo, asas para voar alto e rápido pelo campo de batalha e chamas para incinerar seus inimigos.

— Entendi, então a aparência não é levada em conta. Bom, parece haver muitas pessoas bonitas na raça dos dragões, afinal. — Kazuma assentiu para a resposta dela. — E todas vocês conseguem voar e soprar fogo, certo?

— Isso mesmo, exceto aquela larva ali.

— Entendi…

Em seguida, Kazuma olhou diretamente nos olhos de Ruby e perguntou:

— Então me diga… o que te faz ser, particularmente, valiosa?

O valor delas não era a capacidade de soprar fogo e voar?

— Hã? Como assim? — perguntou Ruby, parecendo descontente com aquela pergunta.

Kazuma balançou sua cabeça.

— É natural que os dragões consigam soprar fogo e voar, certo? Bom, nesse caso, não é nada fora do comum que você também consiga. Se é uma habilidade que todo dragão possui, então não há um motivo especial para que eu deva te escolher, não é?

Ruby e seu grupo ficaram boquiabertas e não souberam como reagir quando ele falou dessa forma. Eu provavelmente estava com a mesma expressão em meu rosto.

Kazuma continuou, sem se importar com nenhuma de nós.

— Não há motivo para que eu tenha que escolher você, especificamente, se outros dragões também conseguem fazer isso. Ter uma habilidade universal como essa é algo valioso, mas nada especial. Se todos tiverem as mesmas habilidades, o dragão mais forte ou o mais belo não seria a melhor opção? Ser igual a todos os outros não é vantajoso para você.

Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

— Kazuma… Você…

A crítica dele era tão exata que eu comecei a duvidar de que ele realmente não estava familiarizado com as tradições desse país. Na Cerimônia de Contrato, ser escolhido ou não determinaria o restante de suas vidas, então era natural que ela realmente virasse uma competição entre os dragões.

Enquanto estávamos ocupadas com a nossa surpresa, Kazuma suspirou:

— Um sistema de avaliação padronizado, a rejeição daqueles com individualidades… Eu estava tentando me lembrar onde que havia passado por uma situação parecida com essa, mas é basicamente a mesma coisa que a guerra de vestibulares. De verdade, eu sofri dois anos atrás… — murmurou Kazuma com um olhar distante em seu rosto.

Guerra de vernaculares…? O que é isso? Era alguma batalha que havia se passado em outro país? Por que ele estava falando sobre isso agora?

— B-Bem, é melhor do que não ser escolhida por ninguém! — disse Ruby, logo após recobrar o juízo, com seu rosto tremendo. — Quem escolheria a Naden, que não consegue fazer o mesmo que todo mundo?

Ela apontou para mim enquanto me depreciava.

Kazuma imediatamente respondeu:

— É verdade que, como uma dragoa, a Naden não tem habilidades comuns. No entanto, algo que ela tem de sobra é individualidade.

— I-Individualidade?

— Algo que a torna diferente dos outros. Quando avaliamos o valor de algo, o normal é buscar algo que “é o único do mundo inteiro”. Se só há um no mundo inteiro, mesmo sendo um brinquedo de criança ou uma tampa de pote, vai fazer sentido isso ser valioso, certo? Essa lógica também se aplica às pessoas. Eu… Não, o rei do meu país se dá o trabalho de buscar essas pessoas com habilidades específicas.

O rei do seu país… Ele estava falando do rei-herói de Friedônia?

— Então você está dizendo que… a Naden tem esse valor? — perguntou Ruby, parecendo atordoada.

— Tem algum dragão aqui na Cordilheira do Dragão Estrela que consegue criar descargas elétricas, além da Naden? Ela consegue fazer algo que mais ninguém consegue; isso, por si só, é valioso. No entanto, você tem noção do que está acontecendo?

— O-O que…?

— O motivo de você sempre incomodar Naden — disse Kazuma. — É porque você tem inveja da individualidade dela, né?

— Mas o q… — Ruby parecia chocada com o que ele havia dito.

Hã? E-Era verdade?

Nem eu, nem Sapphire e Emerada, que estavam um pouco atrás, sabíamos como reagir depois de a verdade ser esfregada em nossos rostos.

Enquanto Ruby continuava abrindo e fechando sua boca, Kazuma continuou a falar.

— Eu diria que os outros dragões que não gostam da Naden têm o mesmo motivo. Da perspectiva deles, que estão sofrendo em um sistema de avaliação padronizado, a existência de alguém como a Naden, que ignora completamente esse padrão e segue seu próprio caminho, é um motivo de ressentimento e inveja, consequentemente fazendo com que não consigam aceitá-la, certo? Se houvesse um estudante nos cursinhos para o vestibular que dissesse que iria “assumir os negócios da família”… Bom, é claro que iriam se destacar. Obviamente, ele passaria por problemas que as pessoas ao seu redor não passariam, mas aqueles que foram colocados em uma situação competitiva não tinham a calma para parar e pensar nisso.

Kazuma parecia ser o único satisfeito com sua explicação. Eu também havia parado de o entender no meio do caminho; o que ele estava falando não fazia mais nenhum sentido, mas algo que eu havia entendido era que ele estava dizendo que eu era especial.

Eu olhei para as costas do Kazuma. Talvez fosse por termos nascido em países diferentes, mas fui forçada várias vezes a ver que eu e ele víamos as coisas de formas diferentes nesses últimos dias.

No entanto, ele estava me oferecendo uma nova visão de mundo; mais especificamente, uma em que eu tinha valor. Meu peito ficou quente e eu senti como se fosse chorar, por um motivo diferente de antes.

“Eventualmente vai aparecer alguém que sabe o seu valor.”

A profecia da Senhorita Tiamat estava certa. Essa pessoa estava na minha frente nesse momento.

— Hunf. Isso não muda o fato de que um dragão que não voa é inútil! — declarou Ruby, parecendo ter recuperado a sua postura.

“Um dragão que não voa.” Essas palavras teriam sido um grande incômodo para mim antes. No entanto… por mais estranho que fosse, agora elas não me incomodavam nem um pouco. O Kazuma havia dito que eu era uma ryuu; que eu tinha individualidade.

Kazuma inclinou sua cabeça com um olhar perplexo em seu rosto.

— Isso está me incomodando já faz um tempo, mas quem decidiu que a Naden não consegue voar?

— Hã? Deveria ser óbvio que essa verme áptera1Antiga categoria de classificação de insetos, na qual aqueles que não tinham asas integravam. não consegue voar.

— Mas por quê uma ryuu precisaria de asas para voar?

— Hããã?

— Hm?

Tive a impressão de ter escutado uma conversa assim há pouco tempo…

Eu havia cansado do clima daqui, então puxei levemente o Kazuma, que parecia estar com um ponto de interrogação acima de sua cabeça, pelo colar de sua camisa.

— Para com isso… Vamos.

— Hm? O que foi, Naden? Suas bochechas estão super vermelhas.

— É-É impressão sua! Vamos logo. Eu não terminei de te mostrar a Cordilheira do Dragão Estrela, lembra?

— Ah, é verdade.

Nos viramos e fomos pelo caminho que viemos, deixando Ruby e seu grupo estupefatas para trás.

— Naden, é melhor você ir para a Cerimônia de Contrato! — Ruby gritou para mim. — Não ouse fugir! — Ela parecia ter recobrado o juízo.

Minha resposta foi me virar, puxar minha pálpebra para baixo e mostrar minha língua para ela.

— Agora, para onde quer ir? Já viu o Castelo de Cristal, certo? — perguntei.

Assim que saímos de perto da Ruby e seu grupo, fiz com que Kazuma subisse em mim novamente para que eu o mostrasse da Cordilheira. Não via mais isso como um incômodo. Na verdade, eu queria que as coisas seguissem assim e eu visse todo tipo de coisa com ele. Não só na Cordilheira do Dragão Estrela, como também no mundo exterior.

— Eu fui teletransportado para entrar e sair — disse Kazuma. — Gostaria de ver a sua tão-falada beleza exterior, mas… antes disso, tem um lugar que eu quero que me leve — acrescentou com um olhar pensativo em seu rosto.

— Tem algum lugar em mente?

— Madame Tiamat disse que eu já sabia como o fazer. Se meu raciocínio estiver certo… eu diria que vale a pena tentar — disse com um olhar confiante.

Dez minutos depois de correr com a forma de ryuu…

— Aqui realmente está booooom?! — gritei.

— Siiiiim, está boooom! — ele gritou de volta.

Estrondo, estrondo, estrondo…

Nós dois estávamos gritando. Graças ao barulho sem fim, não conseguiríamos nos ouvir sem fazer isso.

A fonte dos estrondos era a Grande Cachoeira, que estava em nossa frente com sua forte corrente d’água, responsável pela criação de diversos arco-íris ao longo do dia. Era uma cortina de água muito alta, mas ainda mais larga, a qual criava uma névoa que se espalhava por uma grande distância. Até mesmo entre os vários locais famosos da Cordilheira do Dragão Estrela, que tendiam a ser de grande escala, ela e a Grande Árvore de Ladão se destacavam.

Incapaz de permanecer quieto na frente de algo tão lindo, Kazuma gritou:

— Ooh, o cenário daqui é liiindooooo! Maravillhosoooo!

— Hã? O queeee? Não consegui te ouviiiiiir!

— Eu falei que o cenário é lindooooo! Além diiiissooo, tem uma coisa que eu quero que você façaaaaa!

— Entendiii! E o que você quer que eu façaaaa?!

— Aaaah, me lembreeeei!

Parece barulhento demais, então acho que é melhor parar com as vogais prolongadas a partir daqui.2Sim, isso é parte da novel

Kazuma começou a tirar suas roupas tão de repente que eu me virei de costas para ele e gritei:

— E-Ei! Por que começou a tirar suas roupas do nada?!

— Para entrar na água, é claro.

— Quee?! Por quê?!

— Vamos, Naden. Você também tem que entrar.

— Mas para quê?!

Kazuma tirou a parte de cima de suas roupas e ficou somente com sua calça folgada. Em seguida, começou a fazer alguns exercícios leves e, então, entrou na água. Eu também experimentei a água, tocando-a com a ponta do meu pé. A temperatura estava perfeita: não muito quente, nem muito fria. Ela estava boa… mas, antes disso…

— Há lugares mais calmos para nadar, como o lago, sabia? — falei.

— Precisa ser em um lugar assim. Vem logo, Naden.

— Está me pedindo para ficar nua?

Abracei meu corpo com força. A ideia de fazer minhas roupas desaparecerem e entrar na água com o Kazuma… Eu pensava que iria morrer de vergonha só por pensar nisso.

Enquanto eu ficava envergonhada, ele riu sarcasticamente e disse:

— Não, não. Pode fazer isso na sua forma de dragão, tá bom?

— Ah… É-É verdade, né? — Corei por ter tirado conclusões precipitadas.

Enquanto eu continuava daquela forma, Kazuma me chamou para entrar:

— Você é uma ryuu, então deve ser boa de natação, não é?

— Não sei se é por ser uma ryuu, mas… confio na minha capacidade. Mas por que essa pergunta tão repentina?

—  Tem uma coisinha que gostaria de tentar. Certo, Naden. Vamos para o fim da cachoeira.

A pedido do Kazuma, me transformei em minha forma ryuu e mergulhei na água com um grande respingo. Houve uma grande onda que jogou o Kazuma para cima e para baixo. Perguntei ao Kazuma, à deriva:

— Por que a parte de baixo da cachoeira? Você quer que eu treine, ou algo do tipo?

Ouvi dizer que esse tipo de método de treinamento existia no mundo de baixo. Será que eles tentavam se concentrar enquanto eram atingidos pelas quedas? Ainda assim, mesmo se eu fizesse o mesmo na Grande Cachoeira, que provavelmente quebraria os ossos de um humano normal se ele tentasse treinar sob, com a maior massa e poder defensivo da minha forma ryuu, provavelmente não seria muito mais do que uma massagem.

— Provavelmente ajudaria com meus ombros rígidos — comentei por fim.

— Você não fez nada para ter ombros rí… Certo, estava enganado. Por favor, sem raios.

— Sinceramente! Quando os pelos das minhas costas na forma ryuu levantaram, mostrando algumas faíscas elétricas, Kazuma levantou as mãos.

— Se você não quer tomar um choque, apenas evite dizer coisas que vão me deixar com raiva.

— Nah… Quando estou com você, me lembro de uma amiga de minha terra natal— disse Kazuma, coçando timidamente a bochecha. — É por isso que acabo fazendo o tipo de piada que teria feito lá atrás.

— Sério? — perguntei.

— Sim. As mulheres desse mundo estão vivendo suas vidas restringidas por algo, seja grande ou pequeno. Pode ser uma família importante, na necessidade de produzir um herdeiro… Para aqueles nascidos suficientemente bem, pode até ser sua cidade natal ou país. Essas restrições também oferecem proteção, de qualquer forma. Mas, Naden, você não tem nada disso, certo? Você é forte por ser uma ryuu, e se você se dedicar a isso, poderá até viver sozinha. Livremente. Em todo este continente, você provavelmente é a mais próxima das mulheres de minha terra natal.

Não entendi muito bem o que o Kazuma queria dizer. Mas…

— Até eu… me sinto solitária quando estou sozinha.

A palavra saiu de forma natural: Solitária. Fiquei mais surpresa do que qualquer um por ter dito isso. Eu nunca, sendo sincera… pensei assim antes. Fiquei feliz por não me envolver com nenhum dragão além do Pai, porque era menos incômodo dessa maneira. No entanto…. Tinha acabado de dizer que era solitária.

— Bem, é claro — respondeu Kazuma com um sorriso. — Mesmo que você possa viver por sua conta, será realmente solitário.

Quando ouvi essas palavras, percebi que não era mais a minha versão de até agora.

— A engrenagem parada será forçada a se mover.

Era disso que Tiamat estava falando.

Ao estar com Kazuma, aprendi a sensação de segurança que vinha de estar com alguém que te aceitava. Aprendi sobre a solidão que vem por viver por conta e risco. Agora que sabia dessas coisas… não podia voltar a ficar sozinha. Eu não queria voltar a isso.

Eu não queria voltar a isso.

Eu não queria voltar… Então teria que seguir em frente.

— Naden?

— N-Não é nada!

Bem… Foi bom eu estar na minha forma negra ryuu. Se estivesse na forma humana, Kazuma definitivamente teria notado que meu rosto estava completamente vermelho. Isso não é bom. Precisava pensar em outra coisa.

Então, uh… Oh! Certo. Por que estamos indo para a parte de baixo da cachoeira?

— Huh? Oh. Havia algo que me lembrei agora. Por enquanto, vamos nos concentrar no trajeto à cachoeira.

Com o Kazuma me apressando, subimos para a parte inferior da cachoeira, que estava repleta de névoa. Foi quando Kazuma apontou para o topo da cachoeira e disse:

— Naden, você consegue subir essas cataratas?

— Nadar, por dentro da cachoeira? A queda está muito forte, sabia?

— Bem, sim, é uma cachoeira, afinal.

— Mas por quê?

— Existe um ditado em minha terra natal: ‘Ao subir uma cachoeira, um ryuu ascende aos céus’.

— Ascende aos céus?! Sério?!

Poderia conseguir o poder de voar por subir uma cachoeira?

Ele sussurrou:

— Embora o ditado seja na verdade de que uma carpa que consiga subir uma cachoeira se tornará um dragão…

— Huh? Você disse algo? Não consegui escutar com o barulho da queda.

— Não é nada. Você tem que, pelo menos, dar uma chance. Vamos tentar.

Olhei para o topo da cachoeira.

— Hmm… Acho que lutar contra essa correnteza pode quebrar alguns ossos…

— Você não consegue?

— Eu acho que consigo.

— Oh, e também, Naden, feche os olhos quando estiver na água.

— Huh? Por quê?

— Confie em mim, apenas tente.

Dito isso, Kazuma acenou para mim, como se dissesse, “Tenha uma boa viagem.”

— Por que você age como se tudo isso fosse problema de outro? — Devolvi.

— Talvez seja um problema de “outryuu”, estou errado?- Ele brincou.

— Se eu fizer isso e nada acontecer, você vai, com certeza, tomar um raio!

Tendo me preparado mentalmente, entrei e saí da água repetidamente, como as serpentes marinhas retratadas nas pinturas. Deixei a metade de meu corpo fora da água enquanto avançava em direção ao centro da Grande Cachoeira. Quando entrei na cachoeira, torci meu corpo horizontalmente, subindo cada vez mais e mais.

Naden, feche os olhos quando estiver na água.

As palavras do Kazuma me vieram à mente.

Oh, fique quieto! Preciso apenas fechá-los, certo? Certo!

Com os olhos fechados, nadei contra a correnteza da catarata.

Urkh, nadar com os olhos fechados é bem assustador…

Na escuridão total, continuei nadando, sentindo apenas a água contra minha pele, e o som da queda que haviam sido reduzidos debaixo d’água. Minha noção de direção, para cima ou baixo, estava ficando cada vez mais incerta. Estava nadando para cima, como deveria? Ou já estariam as paredes para trás, e agora nadava horizontalmente?

Eram apenas algumas dezenas de segundos, mas pareciam várias vezes mais para mim. Então… Ah! A pressão no meu corpo desapareceu de repente. Era como ser jogada no espaço. Apesar disso… Ainda estava nadando. Era como se tivesse perdido o tato junto com a visão. Estava nadando, mas não senti a água.

O que era essa sensação? Estava desconfortável, mas, de alguma forma, era agradável.

— Espere, quanto tempo preciso manter meus olhos fechados… Hein?

Quando abri os olhos, olhando para baixo para reclamar com o Kazuma, o chão estava distante de mim.

Havia alcançado o topo há um tempo. Ainda assim, continuava nadando.

Estava “nadando” no céu. Podia sentir as correntes de ar com nitidez.

Por fazer meu corpo flutuar por elas, podia nadar pelo céu. Eu estava no céu, que antes só conseguia olhar de baixo; agora, olhava por cima a Cordilheira Dragão Estelar, a terra, este mundo.

E pensar que o mundo era tão belo…

Lágrimas começaram a fluir naturalmente dos meus olhos ryuu. Quando secaram, eu estava nadando desajeitadamente no céu, e desci até onde Kazuma me olhava com a boca aberta.

— Kazuma… Eu… Eu consegui voar.

— Uh, sim…— ele disse—Apesar de que aquilo foi mais pra um nado do que um voo. As lendas da minha terra natal diziam que um ryuu subiria aos céus através do vento, nuvens, trovões e chuva, viajando pelo céu como se estivesse nadando no fundo do mar.

— Viajando pelo céu como se estivesse nadando…

— Embora não esperasse que desse assim tão certo.— Kazuma coçou a bochecha, sorrindo ironicamente.

— Huh? Você não estava confiante de que eu poderia voar se subisse pela cachoeira, então?

— Pra mim as chances eram meio a meio. Quero dizer, se você parar pra pensar, até os dragões e wyverns conseguem voar. Mesmo tendo asas, eles não são feitos para isso da mesma forma que os pássaros são. A fim de conseguir colocar aqueles corpos densos em voo, tem de haver algum elemento de magia envolvido. Sendo esse o caso, imaginei que, sendo uma ryuu, ter ou não asas não afetaria sua capacidade de voar. Pensei que talvez você só não soubesse como fazer isso. Isso aliado ao fato de Madame Tiamat ter dito algo que sugeria eu saber como você poderia voar. Praticamente a única coisa que me veio à mente quando pensei em maneiras de um ryuu voar foram as lendas da minha terra natal sobre subir a cachoeira. Por isso que fiz você tentar.

Realmente, parecia que Kazuma estava pensando em algo quando sugeriu isso. Então a Senhorita Tiamat disse algo assim para ele… Isso praticamente garantiu ele como a pessoa que encontraria em mim o valor que nem eu poderia.

Será que isso significa que… Kazuma é aquele por quem esperei tanto tempo?

Fomos para a margem e perguntei ao Kazuma enquanto ele colocava as roupas que havia deixado lá de volta:

— Ei, Kazuma. Diga-me… Se eu não pudesse voar, o que você planejava fazer?

Kazuma considerou minha pergunta por um tempo, então confessou honestamente:

— Se chegasse a isso, teria me desculpado. ‘Desculpe, não deu certo’, é o que teria dito.

— Espera, isso é tudo?

— Isso é tudo. Mesmo se você não pudesse voar, seu valor não mudaria. Não sei o que os cavaleiros do dragão valorizam, mas indo pelo sistema de valores do meu país, quero desesperadamente sua habilidade de controlar a eletricidade. Se ninguém te escolher na Cerimônia do Contrato, por favor, venha ao meu país. Você será bem-vinda lá.

Eu estava em silêncio.

“Venha ao meu país”, ele disse sem o menor constrangimento.

Parecia não haver lugar para mim na Cordilheira Dragão Estelar. Mas Kazuma disse que me queria. Senti como se pudesse nadar pelo céu novamente alegre. Mas, bem… a maneira como ele disse “Se ninguém te escolher” me irritou. Então decidi me distrair disso.

— Whoa, Whoa, Naden?— Agarrei o Kazuma pelo colarinho e o forcei a montar nas minhas costas.

— Whoa?!

Então, com um suspiro, lancei-me para o céu. Em um instante, o chão estava distante, e um Kazuma em pânico agarrou-se às minhas costas gritando:

— Naden, vou cair! Vou cair!

— Você não vai cair.— Disse ao Kazuma confuso em um tom exasperado. — Você está nas minhas costas, afinal.

— Huh…? Agora que você disse, subimos numa trajetória quase de noventa graus, e não caí.

— Esse é um poder dragão. Protegemos os humanos que montam em nossas costas, assim eles não caem. Isso significa que cavaleiros podem montar sem se segurar, e eles são protegidos do vento e do frio. Note como não está frio, mesmo a essa altitude..

— Agora que disse… Entendo. Não é de admirar que os cavaleiros do dragão sejam tão fortes.

Kazuma parecia impressionado.

Eu ri.

— Sim, não é? Não tinha certeza se uma ryuu como eu seria capaz de fazer isso, mas…

— Huh? Se você não pudesse, eu não teria morrido pela queda?

— Senti como se pudesse controlar isso, e ainda que você caísse, teria apenas que te pegar.

— Eu sei, mas ainda preferiria não ter de fazer um bungee jump de repente se o paraquedas…

— Ahahaha. Considere isso como o troco por mais cedo.

— Pela subida na cachoeira?

— Por dizer, ‘Se ninguém te escolher…’ Ei, Kazuma? — Criei coragem e perguntei. —Você vai participar da Cerimônia de Contrato, não é? Você não vai me escolher?

Quando perguntei, a boca de Kazuma se selou. Firmar um contrato significaria me tomar como sua esposa. Em outras palavras, eu estava propondo a ele. O motivo de ele não ter respondido de imediato era porque estava pensando seriamente no assunto, tinha certeza. Eventualmente, ele abriu a boca de forma lenta.

— Fui convidado pela Madame Tiamat. Não sou do Reino de Cavaleiros do Dragão de Nothung.

— Eu sei.

— Mesmo se você fizer um contrato comigo, não poderei me tornar um cavaleiro do dragão.

— Não sou como os outros dragões, também.

— Além do que, não te disse nada sobre mim. Nem mesmo meu nome verdadeiro.

— Huh?! Kazuma Souya é um nome falso?!

— E eu já tenho quatro noivas no meu país.

— Quatro?!

O-Oh… Mas, bem, até o Reino de Cavaleiros do Dragão de Nothung permitiram poligamia.

Se o dragão era um parceiro que acompanhava o cavaleiro do dragão ao campo de batalha, o cavaleiro precisaria de outro parceiro para ficar e vigiar o povo também. Foi por isso que não tive nenhum problema com o fato de que ele tinha outras noivas em si, mas ter quatro delas era um indicativo de possuir uma posição alta e um certo status. Era completamente diferente de assumir uma concubina depois de já ter se casado com sua esposa oficial.

— Kazuma… Quem é você? — Exigi.

— Bom, não posso dizer isso ainda — Kazuma disse, demonstrando certa dificuldade. — Também não sou capaz de decidir sobre o contrato sozinho.

Acabei de ser… rejeitada? Meu coração afundou quando pensei nisso, mas então…

— Então, você iria ao meu país comigo? — Kazuma perguntou. — Aposto que você pode chegar bem rápido com sua forma ryuu. Gostaria de voltar por um tempo ao Reino da Friedônia e pedir a opinião de todos sobre o assunto. Dessa forma, se acabarmos retornando à Cordilheira Dragão Estelar, estaremos aqui bem antes da hora da Cerimônia de Contrato. Isso… seria um problema para você?

Kazuma soou apologético. Neguei com a cabeça e disse a ele:

— …Não. Por mim tudo bem.

Se isso significasse que havia alguma chance do Kazuma formar um contrato comigo, então eu voaria ao Reino, ao Império, ou qualquer lugar que ele quisesse. Tinha o poder para tal.

— Então, para qual direção devo ir? — Perguntei.

Com uma expressão de alívio em seu rosto, Kazuma respondeu:

— Okay, para Parnam, a capital do Reino de Friedônia, por favor.

— Entendido.

E com isso, nadei pelo céu oriental.

 


 

Tradução: Jeagles & Moisti

Revisão: CastroJr99

 

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