Na manhã após Naden e Souma se encontrarem, em um lugar próximo à caverna, feixes de luz irradiavam pelas folhas das árvores, iluminando uma pessoa que se limpava em um pequeno rio. Provavelmente, tal pessoa não se preocupava em ser observada, visto que estava na floresta. Por conta disso, vestia somente sua roupa íntima enquanto mergulhava no rio e jogava a água em seu corpo.
Esse era mais um dia ensolarado na primavera eterna da Cordilheira do Dragão Estrela.
Na verdade, nunca choveu durante o dia nesse local. Provavelmente graças aos poderes da Mãe Dragão, todo dia chovia a mesma quantidade de água, sempre no mesmo horário. Esse era o motivo da natureza abundante do planalto conseguir sobreviver, mesmo que durante a maior parte do dia fosse ensolarado.
Por ser um dia quente, a refrescância da água cristalina do rio faria qualquer um relaxar. A pessoa seminua sentou em uma rocha e secou seu rosto com um tecido que havia colocado lá.
— M-Mas o que você está fazendo?! — exclamou Naden.
Naden, que estava sonolenta, despertou por completo após ver essa pessoa subitamente.
— Ah. Oi, Naden. Acabou de acordar?
— Não olhe para cá, seu tarado!
A pessoa que tomou banho no rio era Souma. Seu corpo ainda estava exposto e, graças aos esforços de seu preparador físico e instrutor de combate, Owen, não havia nenhuma gordura excessiva nele.
Naden virou o rosto, incapaz de manter o olhar fixo nele.
— P-Porque você está nú?!
— Eu estou com a minha cueca, sabia?
— O problema não é esse!
— Bom, eu pensei que seria grosseria se permanecesse sujo enquanto estou recebendo tanta hospitalidade, então estava me limpando…
— Mesmo assim… Você não deveria aparecer dessa forma na frente de uma dama…
Naden o fitou com o canto de seus olhos algumas vezes, mesmo estando de costas para ele. Por mais que os dragões fossem sexualmente ambíguos, não era comum que vissem alguém do sexo oposto. Por isso, ela não conseguia parar de olhar.
Sem se importar com a reação inocente de Naden, Souma começou a se vestir e perguntou:
— Aliás, você e a Madame Tiamat são enormes quando estão na forma dracônica ou de ryuu, mas ao passar para forma humana, sempre aparecem vestidas, não é? Além disso, as roupas também não parecem rasgar quando vocês crescem… Elas são partes do seus corpos ou algo assim?
Após escutar a dúvida de Souma, Naden respondeu com um olhar neutro em seu rosto.
— Bom… Sim. Nós transformamos nossas escamas, então acho que está certo. Não conseguimos escolher a cor, mas podemos fazer em formatos diferentes. Se quisermos, podemos até mesmo fazer com que elas desapareçam. Além disso, é possível limpar o corpo e a roupa ao mesmo tempo, se tomarmos banho em nossa forma dracônica.
— Hm… Parece conveniente. Mas, e se a roupa rasgar? Não é dolorido?
— Kazuma, você sente dor quando corta suas unhas ou seu cabelo?
— Ah, entendi.
Basicamente, os dragões não tinham nervos em suas escamas. Na verdade, elas pareciam ser um tipo de carapaça que cobria e protegia os seus corpos completamente, além de que podiam ser controladas livremente.
— Hm? Então isso quer dizer que, mesmo vestidos, os dragões ainda estão nús… — murmurou Souma.
— Fique quieto!
Créck, créck.
Ruídos de estalo podiam ser ouvidos enquanto a ponta do cabelo de Naden se arrepiava; ao mesmo tempo, uma luz azul iluminava através de seus fios. A raiva de Naden fez com que Souma se assustasse um pouco.
— Eletricidade?! Ei, espera! Eu estou todo molhado, sabia?!
Bzzt!
Logo após Souma conseguir sair da correnteza, a corrente elétrica de Naden atingiu a água. Em seguida, o corpo de um pobre peixe, atingido pela eletricidade, passou a boiar no rio.
Souma ficou surpreso com o que presenciara, mas imediatamente largou o resto de suas roupas e começou a correr. Ele não poderia levar um choque enquanto estava molhado.
Naden o perseguiu enquanto gritava:
— Ei, espera!
Mesmo sentindo medo do som da eletricidade que o perseguia, ainda havia uma parte da mente de Souma que pensava racionalmente nas possíveis aplicações práticas da habilidade de Naden.
Uma ryuu que manipula eletricidade?! Tem até mesmo esse tipo de habilidade na Cordilheira do Dragão Estrela? Se tivéssemos eletricidade, conseguiríamos fazer diversas coisas no reino. Se a Naden fosse para lá, não facilitaria nossas pesquisas sobre a eletricidade?
A primeira coisa que Souma fazia, ao conhecer alguém que possuía um dom, era pensar em como utilizar efetivamente esse talento. Este era um dos malefícios de ser um rei.
— Pare, Kazuma! Não fuja!
Será que eu conseguiria fazer com que ela fosse para o reino sem precisar de um contrato ou parceria…?
Mesmo sendo perseguido por Naden, era nisso que Souma estava pensando.
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Seguindo o desejo da Madame Tiamat, permaneci na caverna da Naden.
Faltavam cinco dias para a Cerimônia de Contrato, a qual haviam solicitado que eu participasse. Por isso, ela sugeriu que eu ficasse na caverna da Naden até então. Pelo visto, por mais que o Castelo de Cristal fosse grande, havia poucas maneiras de se entreter, então seria muito provável que eu ficasse entediado caso ficasse lá.
Naden, por outro lado, havia coletado escrituras sobre o mundo afora, além de ter alguns itens incomuns em seu quarto. Além disso, provavelmente seria melhor para mim se ficasse em um quarto feito para o tamanho humano.
Na verdade, tudo isso parece ser somente uma desculpa… Percebi.
A Madame Tiamat parecia querer que eu e Naden nos conhecêssemos melhor.
Quando nossa reunião terminou e ela estava prestes a me teletransportar para onde Naden estava, a fim de que eu ficasse aos seus cuidados, Madame Tiamat me olhou de forma sincera e disse:
— Por favor, ajude aquela garota por mim. Ensine-a o que ela não sabe sobre si mesma.
— Hã? O que você quis dizer com isso?
— Você já sabe o que fazer. Por favor, guie ela.
Ao dizer isso, Madame Tiamat tinha o olhar de uma mãe preocupada com sua filha. Justo quando eu estava prestes a perguntá-la sobre o motivo de ela estar com aquela expressão, o cenário mudou e vi uma ryuu negra gritando “Seu Sol estúpidoooooooo!” a plenos pulmões.
Após isso, Madame Tiamat enviou uma mensagem formal à casa de Naden, apontando-a como minha responsável durante o tempo em que eu permanecesse aqui. Naden parecia pensar que era um incômodo, mas consentiu relutantemente porque não podia desobedecer uma ordem da Madame Tiamat.
Desde então, fiquei na caverna da Naden enquanto tomava um chá e lia as coisas que ela havia recolhido dos países mais próximos… As quais, honestamente, se tratavam somente de histórias de romance escritas pelas nações da humanidade.
Naden estava na minha frente, deitada em sua cama enquanto olhava para um receptor simples. Uma ryuu estava assistindo a Transmissão de Voz da Jóia… Ela aparentemente o encontrou em uma loja de antiguidades do Império e fez com que ele funcionasse novamente eletrificando-o um pouco. Espera, realmente era como uma televisão velha, que voltava a funcionar após uma pancada?
Naden me encarou e perguntou:
— Ler histórias de romance feitas para as mulheres é divertido para os homens?
— Mais do que você imagina. Elas mostram o que diversas mulheres do mundo veem como ideal.
Quando ouvi que eram livros de romance, esperei que tivessem histórias parecidas com as de uma novela de televisão: contos bagunçados de amor e ódio. No entanto, elas eram suaves e tranquilas, como uma série de mangás shoujo.
Com um simples olhar, percebi que boa parte deles eram contos de cavalaria. Em sua maioria, havia um cavaleiro que havia jurado lealdade à uma bela senhorita e realizava atos honrosos em prol do seu amor… Por outro lado, também havia histórias como a da Cinderela, nas quais uma simples camponesa ajudava um jovem lorde ou príncipe que havia saído escondido de seu castelo, fazendo com que ele se apaixonasse por ela e, por fim, eles se casassem. A maior parte das tramas podiam ser divididas nessas duas opções.
— Esse é o tipo de coisa que você deseja? — perguntei em tom de brincadeira.
— Bom… — disse Naden enquanto virava sua cabeça para o lado e refletia — Eu gostaria de deixar um belo cavaleiro subir nas minhas costas e voar pelo céu com ele.
— Ah, então esse é o tipo de coisa que ryuus e dragões sonham…
Uma garota normal pensaria “quero andar a cavalo com um homem bonito”, mas uma da raça dos dragões aparentemente pensava: “eu quero ser o cavalo e deixar o cavaleiro subir nas minhas costas”.
Ao interagir com diferentes culturas e raças, era interessante observar essas pequenas diferenças de visão de mundo.
— Enfim, o que você está assistindo aí, Naden? — perguntei.
Eu havia escutado sons vindo do receptor simples que a Naden estava segurando, então fiquei curioso. Ela disse que tinha o encontrado no Império, então era um programa musical de lá?
— Hm? É um programa musical do Império Gran Caos. Quer assistir comigo, Kazuma?
— Oh! É claro.
Eu estava interessado em ver que tipo de programa musical o Império estava fazendo.
Naden sentou perto de mim e colocou o receptor simples em um lugar que nós dois conseguiríamos ver. Para evitar que as notícias do país vazassem quando estivesse em um outro, somente era possível ver transmissões nas joias que eram utilizadas para reuniões. Quando Jeanne, general e irmã mais nova da Imperatriz Maria, viu nossas transmissões durante as negociações do pós-guerra com o Principado e o Império, disse que gostaria de replicá-las em sua pátria. Por isso, eu me perguntava que tipo de programas eles estavam fazendo.
Ao pensar nisso, tomei um pouco de chá, olhei para o receptor simples e…
— Olá, pessoal! Aqui é a Maria.
— Pfff?!
— Ei, Kazuma?!
Eu simplesmente cuspi o chá que havia acabado de tomar. Quem havia aparecido na tela, com um vestido cheio de babados e parecendo uma idol, era a própria Imperatriz Maria, líder do Império Gran Caos.
— Agora, gostaria que escutassem a minha música.
Após isso, Maria começou a fazer uma dança tranquila enquanto cantava em alto e bom tom.
Por mais que sua capacidade de canto e dança não fosse tão boa quanto a da Juna, nossa Prima Lorelei, ela conseguia atrair as pessoas com seu enorme carisma.
Espera um pouco… ela estava gostando disso? Era como se ela pudesse começar a brilhar a qualquer momento.
Hm… O que é que eu estava assistindo?
Fique calmo. Para tudo há uma causa e efeito.
Pelo que Hakuya me disse, o programa mais famoso no Império era um que transmitia o que a Maria fazia ao longo do dia, como no O Álbum da Família Imperial.1Referência a um livro chamado The Royal Family Album, lançado na década de 1990, no qual há fotos (tanto formais quanto informais) de diversos membros da família real inglesa. Sua irmã, Jeanne, havia reclamado dizendo: “Como as coisas ficaram assim?”
Talvez as coisas tenham seguido dessa forma:
Bom… provavelmente deve ter sido algo assim. O Império parecia estar em um processo de tentativa e erro para tentar encontrar maneiras de entreter sua população, e esse programa parecia um erro.
Bom, o programa em si era divertido, então eu o assisti com a Naden por um tempo, mas…
— Ah, não. Agora tem mais um…
Ouvi uma voz atrás de nós.
Quando me virei para olhar, vi uma garota usando um único vestido branco e encarando de forma irritada. Ela tinha chifres parecidos com os de uma cabra em sua cabeça, além de um rabo branco em suas costas. Essa garota também era um dragão?
A garota suspirou ao olhar para mim.
— Bem que eu vi que aqui parecia estar animado… Então você também começou a trazer homens para casa, Naden? Não esqueça de levá-lo de volta para onde quer que tenha o encontrado.
Eu era o quê? Um cão abandonado…? Isso fez com que eu me imaginasse em uma caixa de papelão com a seguinte frase escrita nela: “Sou um rei provisório abandonado. Por favor, me leve para casa.” Era uma cena um pouco difícil de imaginar.
Enquanto isso, Naden, que havia sido acusada de trazer homens para sua casa, ficou emburrada.
— Não me faça parecer tão dissimulada assim! Ele é um convidado!
— Convidado?
— Isso! A Senhorita Tiamat ordenou que eu fosse sua responsável.
— Responsável, né…? Para mim, só parece que vocês dois estão se divertindo juntos.
— Ugh…
Naden não conseguiu dizer mais nada, já que a garota estava certa. Ela me deu comida e estava cuidando de mim, mas não fez mais nada que uma responsável deveria fazer. Basicamente, eu havia sido negligenciado.
A garota de branco estendeu sua mão para mim.
— Eu me chamo Pai Long e sou amiga da Naden. Quem é você?
— Sou o Kazuma Souya, do Reino de Friedônia.
Quando sorri e apertei a mão da Pai, ela inclinou sua cabeça para o lado.
— Reino de Friedônia? Não é aquele país do leste que a Naden havia falado antes? Aquele país não tem relação conosco… O que você está fazendo aqui, Kazuma?
— Ah… Bom, por algum motivo, Madame Tiamat me convidou.
— A Senhorita Tiamat te convidou? — Nesse momento, Pai pareceu perceber algo e se virou para Naden. — Ei, Naden, você não acha que a Senhorita Tiamat quer que ele participe da Cerimônia de Contrato?
— Hã? O Kazuma participando da Cerimônia de Contrato? — perguntou Naden com os olhos arregalados. — Ele não pode participar, já que não é cavaleiro de Nothung, não é?
— Você esqueceu? Não houve casos assim recentemente, mas é dito que, às vezes, a Senhorita Tiamat convida aqueles que podem se tornar heróis de sua era e permite que formem contratos independentes com um dragão. Isso foi o que aconteceu com o primeiro Rei de Elfrieden.
— Um herói da nossa era…? — A forma como Naden olhou para mim… Ela não acreditava nem um pouco nisso. — Não sei, ele não parece tão incrível para mim.
— Mesmo que isso seja verdade, ainda é rude. — falei.
— A Senhorita Tiamat não te falou nada, Kazuma? — perguntou Pai, mas eu somente dei de ombros sem confirmar nem negar.
A Madame Tiamat realmente havia dito que gostaria que eu participasse da Cerimônia de Contrato, mas eu hesitei em falar isso para as duas. Elas obviamente perguntariam quem eu realmente era se descobrissem, e explicar que eu era o rei de uma nação me daria dor de cabeça.
— Eu não tenho autorização para falar sobre isso. Caso queira saber, pergunte para a Madame Tiamat.
— Hahaha! — riu Pai. — Falar com ela não é tão fácil assim, sabia? Ah, já sei! — Ela juntou suas mãos. — Naden, você está responsável pelo Kazuma, certo? Como não é algo que acontece com frequência, por que não mostra um pouco da Cordilheira do Dragão Estrela para ele?
— Ah! Isso parece interessante — falei —. Teria problema se fizéssemos isso?
— Uh… — Naden demonstrou abertamente que seria um incômodo. — A Cordilheira do Dragão Estrela é grande, sabia? Não seria complicado para o Kazuma, já que ele teria que caminhar?
— Você pode levá-lo nas suas costas — disse Pai.
— Pai, um dragão só deixa seu companheiro subir nas suas costas. Você tem plena noção disso, não tem?
— Qual é o problema? É só fazê-lo realizar o contrato com você.
— Eu também tenho o direito de escolher meu parceiro — disse Naden —. Esse cara entediante não é o meu tipo. Eu prefiro homens fortes, que todos conseguem admirar.
— Já faz um tempo que você está sendo maldosa comigo, não é…? — reclamei. Era como se meu coração estivesse sendo perfurado… Em seguida, percebi algo. — Ei, deixar que outra pessoa além do seu companheiro suba nas suas costas é visto como algo impudico?
— Sim.
— Bom, onde ficam as suas costas, Naden?
— Hã?
Naden era um ryuu oriental, não um dragão ocidental, então o seu corpo era cilíndrico desde a sua nuca até a sua cauda. Por mais que ela tivesse uma certa protuberância na região que ia desde suas pernas frontais até as traseiras, suas costas não tinham um local bem definido como um dragão ocidental.
— Por exemplo, se eu subisse logo atrás da sua cabeça, não estaria nas suas costas; estaria na sua nuca, certo? — perguntei — Que tal? Não há nada que diga para não deixar ninguém além do seu parceiro montar na sua nuca, não é?
— …
Naden não conseguiu refutar isso, então foi decidido que iríamos sair.
Florestas verdes e refrescantes cobriam mais da metade de Dracul. A maior parte delas não era escura demais, nem clara demais e, devido a falta de vento, as folhas não faziam barulho. Elas eram florestas calmas e não muito úmidas.
Contudo, agora, uma ryuu negra estava costurando por entre as frestas das árvores rapidamente. Era Naden em sua forma de ryuu, é claro. Enquanto isso, eu estava montado em sua cabeça.
Provavelmente por causa de onde estava sentado, eu me sentia como o protagonista de um anime que tinha visto há muito tempo. Enquanto tentava não ser ejetado de lá como se minha vida dependesse disso, eu estava segurando em seus chifres parecidos com os de um veado como se fossem um guidão de uma motocicleta.
Era visível o contraste entre nós e a floresta silenciosa.
— Espera, Naden… Você não está indo rápida demais? — perguntei de maneira tensa.
— Você está ganhando uma carona de graça, então não reclame.
Eu havia falado porque o barulho dos galhos passando por cima da minha cabeça tinha me assustado, porém, parecia que Naden não ia desacelerar tão cedo. O formato do corpo dela dava a impressão de que eu estava em uma montanha russa, mas a barra de segurança era um dos fatores que garantiam a diversão naquele brinquedo. Bom, também não é como se eu fosse do tipo que gostava de máquinas assustadoras…
— Aliás, o que você estava falando com a Pai antes de sairmos, Naden? — perguntei.
Elas haviam sussurrado algo antes de sairmos da caverna e olharam disfarçadamente para mim, então eu fiquei curioso, mas Naden desviou seu olhar.
— N-Nada! — Em seguida, Naden pareceu sussurar algo enquanto mantia sua cabeça virada. — Droga, Pai… “Quem sabe o Kazuma não te escolhe na Cerimônia de Contrato, se você se esforçar e mostrar o seu valor?” E quem te perguntou isso? Não seja intrometida.
— Hã? Desculpa — falei — Você falou muito baixo, então eu não entendi o que você disse.
— Já te falei que não é nada!
Nós continuamos conversando dessa forma enquanto nos movíamos pela floresta e, então, alguns minutos depois…
Saímos da floresta, desci da cabeça da Naden e pisei em um campo.
Normalmente, seria vasto o suficiente para ser chamado de planície, mas a paisagem não passava essa impressão por causa de uma única árvore enorme que estava em seu centro. Suas raízes atravessavam o gramado e seus galhos se estendiam de modo a cobrir todo o campo. Graças a ela, eu não tinha a menor impressão de estar em uma planície.
Ao olhá-la por baixo, a árvore parecia subir aos céus como um enorme castelo. No entanto, suas folhas eram douradas e a forma como brilhavam no sol era deslumbrante.
Eu suspirei a contragosto, admirado.
— É bem… incrível.
— É claro que é. — Naden, que havia retornado a forma humana em algum momento, disse orgulhosamente enquanto estufava seu peito: — Esse é um dos pontos famosos da Cordilheira do Dragão Estrela, a Grande Árvore de Ladão.
— Radão? O átomo ou o Monstro Gigante do Céu?2Souma está perguntando se ela está se referindo ao Radão (elemento químico) ou ao Radon, Monstro Gigante do Céu (nome original do filme chamado Rodan, lançado 1956).
— Do que você está falando? É “Ladão”, o nome do dragão que dizem ter protegido essa árvore há muito tempo atrás.
— Hm…
Então já existiu um dragão chamado Ladão. De acordo com Naden, havia uma lenda de que um dragão chamado Ladão tinha vivido sob os galhos dessa árvore e que a influência de seu poder tinha feito as folhas ficarem com essa tonalidade dourada.
Parando para pensar, também havia um dragão que protegia ouro na mitologia grega…3Esse dragão também se chamava Ladão (ou Ladon, em inglês).
O que ele protegia era o tosão de ouro ou as maçãs douradas? Não era impossível de comparar a maneira como as folhas se agrupavam com um tosão de ouro, mas a árvore era tão grande que as fazia parecer uma nuvem dourada.
— É como se tivesse saído de um mundo lendário — murmurei.
— He he! É incrível, não é? — Naden assentiu, visivelmente contente, e olhou para a árvore em seguida. — Essa grande árvore nunca morreu, nunca soltou nenhuma folha e está aqui desde os tempos antigos. É como se ela fosse um símbolo de como a Cordilheira do Dragão Estrela é eterna e indestrutível.
— Eterna e indestrutível…
— Ela é a materialização do orgulho dos dragões. Não há nenhuma árvore tão bonita como essa em nenhum lugar do mundo — disse Naden de forma confiante.
Possivelmente toda pessoa que visse essa árvore, reconheceria a sua beleza, visto o quão bela, elegante e impressionante ela era. O orgulho que os dragões tinham dela era compreensível, já que ela esteve aqui desde sempre, porém…
— Talvez seja um exagero dizer que ela é a mais bela de todas — falei.
— Hã? — Minha reação fez Naden arregalar seus olhos.
— Essa realmente é uma paisagem incrível, mas eu também gosto das ameixeiras e cerejeiras.
— Ameixeiras? Cerejeiras?
— Elas eram árvores com belas flores, do meu país. As ameixeiras floresciam enquanto suportavam o peso do frio, enquanto as flores das cerejeiras murchavam após florescer totalmente. Ambas eram belas e tinham o seu próprio charme.
— Mas as flores caem, não é? Elas só florescem por pouco tempo. Enquanto isso, a Grande Árvore de Ladão jamais vai secar — insistiu Naden.
Eu sorri ironicamente e, então, abri meus braços. — É claro que é importante ter coisas que duram, como paisagens naturais, tradições, culturas, entre outros. No entanto, no meu país havia um apreço equivalente, se não maior, por coisas momentâneas.
Eu me agachei e peguei uma das flores felpudas, parecidas com dentes-de-leão, que estavam crescendo lá. Quando eu a sacudi, as sementes foram levadas pelo vento e, graças à primavera eterna de Dracul, foi possível gerar uma paisagem pacífica e arejada. Após isso, sorri para Naden.
— Você não acha que isso tem a sua própria beleza?
— Mas importa o quão bonito foi, acabou em instantes, não? — protestou Naden.
— Você não acha que isso é o que nos torna esperançosos pela próxima vez? — Eu sentei na grama e, então, me deitei. — O fato de não poder ver sempre que quiser não é o que torna o momento mais valioso? Por ele terminar, você consegue esperar ansiosa pela próxima vez que ele ocorrer.
— Eu realmente não entendo isso…
Hm… Os dragões eram de uma raça que possui grande longevidade, então talvez fosse um pouco difícil para eles entenderem a mono-no-aware4Termo em japonês utilizado para expressar o sentimento de empatia e nostalgia por coisas e seres vivos, ao reconhecer sua efemeridade e observar a expressão do tempo sobre eles., a apreciação dos japoneses pelas coisas efêmeras.
— Bom, são diferentes visões de mundo — falei — Sempre há mais de uma maneira de entender as coisas. É o mesmo que acontece com os dragões, não? Para os adoradores da Mãe Dragão, são criaturas sagradas; para os cavaleiros de Nothung, são seus parceiros e companheiros de luta; para o Estado Papal Ortodoxo de Lunaria, não são muito diferentes de monstros. Em meu antigo país, uma ryuu como você seria adorada como uma deusa que controla o clima.
— Eu… uma deusa? — Naden ficou surpresa por um momento, mas então começou a rir. — Pff… Hahahaha!
Naden abraçou sua barriga enquanto ria. Enquanto eu a observava e me perguntava o que havia sido engraçado na minha fala, ela sorriu alegremente e secou o canto de seus olhos.
— Haha… É engraçado pensar que me chamam de verme e me ridicularizam aqui, mas que eu seria uma deusa no seu país. Então isso é o que você queria dizer sobre as “diferentes visões de mundo”.
Logo após dar uma boa e sincera risada, Naden ficou sem expressão e murmurou:
— Eles ficariam felizes com… uma dragoa que não consegue voar?
Hã…? Ela não conseguia voar?
— Hã? Você não consegue voar, Naden? — perguntei.
— Como que conseguiria sem ter asas?
— Mas uma ryuu não ter asas é completamente normal.
— Hã?
— Hã?
Olhamos um para o outro. Como assim? Aparentemente, não falávamos sobre a mesma coisa…
— Não, não. Eu não tenho asas, então, é óbvio que não consigo voar.
— O fato de ryuus não terem asas tem algum tipo de ligação com algum deles não conseguindo voar? — perguntei.
— Hã?
— Hã?
Havia algo de errado. Era como se não estivéssemos na mesma página.
— Kazuma, o que é que você es…
Naden estava tentando dizer algo quando isso ocorreu: Três dragões, um vermelho, um azul e um verde, desceram do céu e pousaram em nossa frente com uma grande rajada de vento.
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Tradução: Jeagles & Moisti
Revisão: CastroJr99
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