Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino

Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino – Vol. 05 – Cap. 05.2 – Souji Lester, o Bispo Quebra-Mandamentos

 

Merula havia nascido cem anos atrás no Reino Espiritual de Garlan, o país dos alto-elfos. Na época, o Domínio do Lorde Demônio ainda não havia aparecido, então os alto-elfos somente protegiam as duas ilhas que formavam o seu reino, uma grande e outra pequena, e viviam sem nenhum contato com outras raças.

Por mais que os alto-elfos vivessem isolados e não tivessem nenhum interesse no mundo exterior, Merula sempre havia sido um poço de curiosidade. Desde nova, sempre procurava saber sobre tudo que chamava sua atenção e pedia para que os adultos a explicassem as coisas. Quando cresceu o suficiente para pensar por si mesma, percebeu que os adultos mentiam para disfarçar que não sabiam de algo. Por esse motivo, começou a desejar ir em busca da verdade por conta própria e, assim, passou vinte anos estudando sobre diversas coisas.

Após obter experiência o suficiente para se considerar uma pesquisadora, encontrou um grande mistério:

O que os espíritos adorados pelos alto-elfos eram?

Os alto-elfos diziam que eram uma raça amada pelos espíritos e que as magias poderosas que conseguiam usar eram a prova disso.

Os alto-elfos conseguiam usar facilmente magias poderosas, as quais apenas aqueles que eram chamados de magos em outras raças conseguiriam utilizar. Essa era a prova de que sempre havia espíritos ao lado de cada elfo para o emprestar seus poderes… ou, ao menos, é o que eles diziam.

Merula tinha suas dúvidas sobre a adoração aos espíritos.

É verdade que os alto-elfos conseguem usar magias poderosas, pensou. Contudo, isso realmente ocorre por causa dos espíritos? Como acreditamos em algo como “espíritos” sendo que não os vemos?

Alguns deles também já afirmaram terem visto tais espíritos, porém suas histórias não faziam o mínimo sentido. Um exemplo seria: “Eu vi os meus avós, que já faleceram, ao lado da minha cama.”

Além disso, mesmo que os alto-elfos consigam usar magias poderosas, como poderiam afirmar que eram os únicos abençoados pelos espíritos sendo que viviam em um país que proíbe a entrada de outras raças?

Poderia ser possível que os espíritos também amassem e auxiliassem membros de outras raças. Por outro lado, o que aconteceria se um alto-elfo saísse das ilhas? Já que os espíritos sempre estariam ao seu lado, ele deveria seguir sendo capaz de utilizar magias poderosas.

Merula não suportava o fato de que os alto-elfos simplesmente acreditavam cegamente que eram um povo amado pelos espíritos sem sequer confirmar isso. Ela não conseguiria obter todo o conhecimento que desejava só vivendo naquele local. Para se aproximar da verdade, teria que ir para o mundo exterior e absorver o conhecimento de diversos locais diferentes.

Pensando assim, Merula deixou as ilhas no seu aniversário de cinquenta anos. Ela usou magia para mudar a cor de seus olhos e aprendeu sobre diversas coisas enquanto viajava por vários países, disfarçada de elfa clara. No meio desse processo, também percebeu algo:

O seu poder mágico havia diminuído após sair do Reino Espiritual.

Ela não sabia se era porque “os alto-elfos somente conseguem manifestar os seus poderes no Reino Espiritual” ou se era porque “a proteção dos espíritos foi perdida ao sair do Reino Espiritual”. Se o seu poder mágico voltasse ao normal quando voltasse ao Reino Espiritual, ela seria capaz de demonstrar a alta probabilidade da primeira opção. No entanto, todos que deixavam o Reino Espiritual eram considerados traidores, então ela não seria capaz de verificar isso porque seria morta assim que voltasse para lá.

Vamos voltar ao foco.

Merula havia continuado com suas viagens e o Estado Papal Ortodoxo Lunariano, que possuía uma fé única, assim como sua terra natal, chamou a sua atenção.

O Reino Espiritual adorava os espíritos, porém não conseguia provar que eles existiam. Seguindo essa lógica, como seria o Estado Papal Ortodoxo em relação à deusa da lua, Lunaria? Essa Senhorita Lunaria e o Lunólito1Monólito que recebe as profecias de Lunaria., no qual diziam que as profecias eram entalhadas, realmente existiam?

Se ela conseguisse descobrir a relação entre o Estado Papal Ortodoxo, a Senhorita Lunaria e o Lunólito, talvez conseguisse entender melhor a relação de adoração entre o Reino Espiritual e os espíritos. Com isso em mente, Merula se infiltrou na igreja central da Ortodoxia Lunariana para ver o Lunólito que diziam estar lá.

 

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— E-Espera, por favor. — interrompeu Inugami. — Você não está dizendo que a Madame Merula conseguiu invadir a igreja central, certo? A segurança de lá é conhecida por ser muito reforçada. Não é o tipo de lugar que um amador conseguiria entrar sozinho, não é?

— Bom, você está certo, mas… — disse Souji enquanto coçava a sua nuca. Em seguida, colocou uma mão na cabeça de Merula. — Normalmente seria difícil, mas… Merula tem uma habilidade especial, sabe?

Souji parecia estar tentando convencer Merula a fazer algo enquanto passava a mão por sua cabeça e a balançava.

Merula, que havia ficado irritada, jogou sua mão para o lado, sussurrou algo e desapareceu no mesmo instante.

— Quê?! — gritou Inugami.

Ela não havia se movido, mas já não era possível ver nenhum sinal dela. Ainda assim, Inugami conseguia detectar a presença de Merula pelo seu olfato. Ela definitivamente estava lá, por mais que não fosse possível vê-la.

Ao ver que Inugami estava inquieto e olhando ao redor, Souji riu e colocou a mão onde Merula estava há alguns segundos.

— Sei que parece que a Merula desapareceu, mas ela não saiu de onde estava. Vou ter certeza disso assim que eu a tocar… Gueh!

Souji subitamente caiu de sua cadeira. Ao ver isso, Inugami se assustou e tentou entender o que havia acontecido e, nesse momento, Merula reapareceu com um olhar bravo e um punho fechado. Ela provavelmente havia dado um soco nele.

— Não se aproveite da situação para pegar no meu peito, seu tarado! — gritou para Souji, que estava no chão.

— Ah… Seu peito? Pensei que era sua costela… Gueh!

— Desculpa por ser uma tábua!

Souji foi pisoteado por falar demais.

Inugami estava estupefato, porém ainda conseguiu perguntar:

— A Madame Merula consegue ficar invisível?

— Isso mesmo. — confirmou Merula. — Não sei como funciona, mas eu consigo camuflar a cor do meu corpo e das minhas roupas de acordo com o ambiente. No Reino Espiritual, eu conseguia fazer o mesmo com as pessoas ao meu redor, mas… desaparecer sozinha é tudo que eu consigo fazer agora.

Ao se levantar, Souji disse:

— Ela parece um camaleão, não é? — Isso somente lhe rendeu um chute. No entanto, a camuflagem dela era perfeita, se comparada a dos camaleões.

Caso Souma estivesse lá, provavelmente diria que ela tinha a habilidade de controlar a refração da luz e produzir a camuflagem óptica perfeita, porém, infelizmente, nenhum dos presentes conseguiria fazer essa observação.

Souji voltou para sua cadeira e, tentando retomar o assunto, disse:

— Enfim, sua habilidade fez com que ela conseguisse se infiltrar na igreja central e chegasse até o Lunólito.

— Mesmo que ela consiga ficar invisível, eles deveriam ser capazes de sentir sua presença ou seu cheiro. — disse Inugami. — Fico surpreso que ela tenha conseguido chegar até lá.

— Tenho certeza de que ela teve um pouco de sorte, porém lá também é um local que ninguém tem acesso, a não ser a Sua Santidade e os cardeais. — explicou Souji. — A segurança é reforçada na entrada, mas é improvável que você seja descoberto depois de entrar. Esse foi o caso da Merula, que entrou enquanto a Sua Santidade e os cardeais estavam saindo. Contudo, a segurança aumentou consideravelmente depois que ela se infiltrou.

Ele encarou Merula incisivamente, o que fez com que ela desviasse o olhar.

Inugami estava espantado. Como uma única mulher pôde fazer algo tão ousado?

— Você disse que a segurança foi reforçada. Isso quer dizer que ela foi descoberta?

— Sim. — disse Souji. — De todas as coisas que ela poderia ter feito depois de conseguir passar pela segurança, foi justamente tocar no Lunólito. Ao fazer isso, aparentemente recebeu um oráculo.

 

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De acordo com Merula, o Lunólito estava em uma sala grande e desprovida de qualquer tipo de vida.

Nesse local, o teto era alto e mal havia iluminação. Em seu centro, estava o que parecia ser um monumento de pedra completamente preto. Ele aparentemente tinha de cinco a seis metros de altura, dois metros de largura e menos de um metro de grossura.

Ao olhar de perto, Merula percebeu que ele estava emitindo uma luz branca.

Então esse é o Lunólito… pensou. Ele realmente existe.

Esse era o objeto de adoração da Ortodoxia Lunariana, aquele que diziam ter sido gravado com os oráculos da Lunaria. Por mais que tivesse antecipado isso, Merula ficou animada por ele, de fato, existir. Ela imediatamente entrou em seu modo de pesquisadora e começou a analisar o Lunólito.

Atualmente, nenhum texto apareceu, mesmo que o objeto esteja emitindo luz, pensou. Contudo, é afirmado na Ortodoxia Lunariana que os oráculos da deusa da lua são transmitidos por meio dele.

Ao começar a agir como uma pesquisadora, Merula passou a pensar de forma analítica. Até mesmo sua feminilidade sumiu, fazendo com que as frases que pensava passassem a se parecer com a escrita de um relatório de pesquisa, sem nenhum excesso.

Ela começou a circular o Lunólito.

Hipótese: os oráculos da Lunaria são transmitidos pelo Lunólito, pensou. Se isso for verdade, eles serão gravados nele de alguma forma. Ainda é incerto se serão transmitidos por palavras ou desenhos. Se essa hipótese não for verdade, os oráculos não serão gravados no Lunólito. Nesse caso, é possível entender que a Ortodoxia Lunariana tenha escolhido esse objeto fosforescente para que representasse o Lunólito e todo o seu peso dentro da ortodoxia. Desse modo, seria possível utilizá-lo para que sustentasse a sua autoridade… mas…

Após pensar nessas hipóteses, Merula balançou sua cabeça.

Também é possível verificar a baixa possibilidade dessa hipótese. Esse seria um método muito indireto de estabelecer sua autoridade. Se fosse para consagrar um monumento que não recebe nenhum oráculo de verdade, teria sido mais simples afirmar que ele era algum tipo de ferramenta utilizada pela Lunaria. Existem diversos exemplos disso em outras religiões, na realidade.

Merula parou de andar onde, aparentemente, era a frente do Lunólito.

Vamos testar a veracidade das hipóteses. Para isso, há alguns possíveis padrões que, em geral, podem ser divididos em:

1º Padrão: Os oráculos são transmitidos sem nenhuma ação necessária, seja periodicamente ou em intervalos aleatórios.

2º Padrão: O receptor do oráculo deve realizar alguma ação para que possa o receber.

Merula observava o objeto enquanto pensava; seu olhar demonstrava tranquilidade.

Se fosse o 1º Padrão, o papa ou qualquer outro receptor não poderia escolher o momento em que receberia os oráculos. Nesse caso, eles seriam um reflexo completo da vontade da deusa da lua, Lunaria.

Se fosse o 2º Padrão, o papa ou qualquer outro receptor poderia escolher o momento no qual receberia os oráculos. Nesse caso, seria possível entender que a deusa da lua não é uma existência que influencia os seus seguidores quando deseja.

Em seguida, Merula levou sua mão ao Lunólito lentamente.

O Lunólito está emitindo uma luz, o que pode significar que ele está ativo. Se eu recebesse um oráculo de alguma forma, a possibilidade de ser o 2º Padrão seria maior. Seguindo isso…

Ao sair do mar de pensamentos, Merula tocou o Lunólito. Após alguns segundos…

— Ah!

O brilho do Lunólito ficou mais forte e algumas linhas douradas surgiram em sua superfície escura. Merula ficou surpresa e pulou para trás, porém, ao se acalmar e observar atentamente, foi capaz de ver certa regularidade em seus padrões. Desse modo, ela percebeu que se tratavam de letras. Esses padrões claramente eram os oráculos do Lunólito.

Ela tentou decifrá-los, porém as letras não eram as utilizadas na língua oficial do continente. Além disso, elas eram tão diferentes das letras que ela já havia visto em outros países que não foi possível entendê-las.

Merula ficou um pouco desapontada, porém se recuperou rapidamente.

O importante é que consegui receber um oráculo. Agora, o próximo tópico é se o papa ou algum fiel da Ortodoxia Lunariana conseguem ler isso…

Ela estava imersa em seus pensamentos, até que, de repente, ouviu passos de diversas pessoas se aproximando. Era possível perceber que estavam correndo pelo barulho que faziam.

Droga… Fui descoberta porque toquei no Lunólito?! Merula rapidamente usou sua habilidade para desaparecer e se encostou em uma parede.

Logo após isso, seis homens fortemente armados invadiram a sala. Devido aos seus escudos possuírem o emblema da Ortodoxia Lunariana, ela percebeu que eles eram membros da Ordem de Cavaleiros Sagrados, a unidade de elite do Estado Papal Ortodoxo.

Um dos homens, o qual aparentava ser o líder, olhou ao redor.

— Eu ainda consigo sentir a presença de alguém aqui… A pessoa está escondida! Dois de vocês devem ficar na porta! O resto irá vasculhar a sala comigo!

Que droga!

O líder deles havia detectado Merula; era uma questão de tempo até que ela fosse encontrada, visto que a saída estava fechada.

Após chegar a essa conclusão, Merula começou a correr. Ela conseguiu empurrar um dos cavaleiros sagrados para o lado e sair antes que a porta fosse totalmente fechada.

— Ah! Ela está fugindo! Mirem na saída! — gritou o líder.

— Sim, senhor!

Ao receber a ordem do líder, um dos cavaleiros sagrados que estavam na porta retirou uma adaga da parte de trás do seu escudo e a jogou em Merula.

— Guh…

Ela não foi capaz de desviar, em partes por causa do corredor ser estreito. Com isso, a adaga se alojou em seu ombro. A dor fez com que ela perdesse a concentração e, consequentemente, ficasse visível.

Quando os cavaleiros sagrados a viram, gritaram:

— Uma elfa?! Pare!

— A-Até parece… — Merula utilizou sua magia para desaparecer de novo e fugiu.

A perseguição continuou por bastante tempo por causa do rastro que estava sendo feito com o sangue de seu ferimento. No entanto, ela eventualmente conseguiu despistar seus perseguidores ao entrar em um rio pequeno que circulava a igreja central.

Contudo, por ter entrado na água com o ferimento aberto, Merula começou a sangrar mais rápido e perdeu a consciência enquanto era levada pela correnteza.

 

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— Então, quando eu a encontrei sendo arrastada rio abaixo como um pedaço de pano esfarrapado, decidi acolhê-la. — finalizou Souji. — Desde então, eu venho a escondendo.

— … Hmmgrr. — Merula estava batendo nas costas de Souji. Ela parecia estar incomodada, mas não podia reclamar porque Souji realmente havia a salvado.

Inugami inclinou sua cabeça para o lado.

— Você não deveria ser um bispo da Ortodoxia Lunariana? Estou surpreso que tenha decidido ajudá-la.

— Na época eu pensei que ela fosse apenas uma pessoa aleatória desmaiada, sabe? Fiquei surpreso quando estava andando pela cidade depois de alguns dias e vi cartazes de uma certa “bruxa”.

— E você não a denunciou mesmo depois disso?

— Bom, eu não poderia simplesmente mudar de ideia e denunciá-la para a igreja depois de já ter ajudado. — Ao dizer isso, Souji tomou um gole de seu vinho. — Até porque nós aprendemos na Ortodoxia Lunariana que, além do papa, somente os escolhidos conseguem receber oráculos. Contudo, ela ainda assim conseguiu obter um pelo Lunólito. Se fosse espalhado o rumor de que uma alta-elfa pagã conseguiu obter um oráculo, a Igreja seria afetada, já que seus representantes deixariam de ser tão especiais. Se a Igreja perdesse sua autoridade, a centralização de poder desse país seria reduzida. Esse é o motivo de terem classificado Merula como uma bruxa e estarem tão desesperados para encontrá-la: querem que ela desapareça.

— Entendi… — disse Inugami.

— Sou grata ao Souji. — Merula falou sinceramente dessa vez, mesmo que tivesse ficado irritada antes. — Sou grata por ele ter curado minhas feridas e me protegido, mesmo eu sendo uma fugitiva. Além disso, também não sei como  agradecê-lo por me dar um abrigo quando eu não tinha para onde ir.

— Ei. — Souji se intrometeu. — Você está sendo dócil demais agora.

— Só estou sendo sincera. Eu também quero fazer algo para te compensar e é por isso que estou cuidando da casa enquanto você me abriga, mas…! — Merula levantou de sua cadeira e apontou o dedo para Souji. — Você é muito desorganizado! Se fosse um pouco mais organizado, não passaria tanto tempo procurando as coisas!

— Você diz isso, mas não é tão melhor assim. — Souji não se abalou. Ele se levantou e encarou Merula enquanto falava. — Eu deixei você cuidar um pouco da casa e, quando vi, minha adega havia sido transformada em um local de experimentos estranho. Já te falei que não pode remodelar uma casa sem a permissão do dono.

— Eu tinha que fazer isso, já que sou uma pesquisadora. Os materiais saíram do meu próprio bolso, então qual é o problema?

— Está falando do dinheiro que conseguiu ao me fazer vender os acessórios que você aparentemente havia trazido da sua terra natal? Foi difícil fazer com que não pudessem nos rastrear por meio deles, sabia? — Talvez Souji tivesse se lembrado de todo o trabalho que teve, já que começou a coçar sua nuca.

Quem estava cuidando de quem…? Era difícil saber a dinâmica de poder desse casal.

Souji disse:

— Sinceramente… — Logo após isso, se sentou bruscamente em sua cadeira e continuou: — Como pôde ver, não posso ir para o reino antes de saber o que fazer com ela.

— Hã?! O que? Como assim “ir para o reino”?!

Inugami explicou para Merula que Souji havia sido convidado a se tornar o bispo do Reino de Friedônia para ser uma contramedida contra o Estado Papal Ortodoxo.

Ao ouvir a explicação, Merula pensou por um tempo, pareceu decidir algo e assentiu. Ao se virar para Souji, disse:

— Essa é uma bela oportunidade. Também quero ir para o Reino de Friedônia.

— Ah, sério? Tem certeza de que quer decidir algo assim tão fácil?

— Se você for, não vou ter nenhum lugar seguro nesse país. — disse Merula. — Sendo assim, quero ir para o reino com você enquanto ainda estou segura. Já investiguei quase tudo que era possível nesse país, então é uma boa hora para passar a fazer pesquisas em um outro local.

Após dizer isso, Merula olhou diretamente para os olhos de Inugami.

— O que você acha, Sr. Inugami? Acredita que o seu rei aceitaria uma mulher que o Estado Papal Ortodoxo está caçando e chamando de “bruxa”?

Poderiam ocorrer problemas diplomáticos sérios se ela fosse para o reino e o Estado Papal Ortodoxo descobrisse de alguma forma. Merula queria saber se ele iria aceitá-la mesmo sabendo desse risco.

Ela seria morta caso fosse entregue para o Estado Papal Ortodoxo. Por esse motivo, não poderia ir para o reino até que fosse prometido que ela estaria segura.

Inugami percebeu a seriedade em sua pergunta, então pensou cuidadosamente antes de responder.

— Bom… Sua Majestade sempre fala: “Se tiverem um talento, eu o colocarei em uso”. Tenho certeza de que ele aceitaria de bom grado alguém com um vasto conhecimento como o seu.

Eles estavam conversando sobre Souma, aquele que era conhecido por ser louco para acumular pessoas talentosas. Ele não hesitaria em empregar alguém inteligente como a Merula, mesmo que isso significasse correr um certo risco.

— Só para garantir, vou te enviar para o reino com uma carta assinada por mim e pelo Kagetora, recomendando que vá para o castelo. — disse Inugami.

— Então está decidido. — disse Merula. — Vamos, Souji.

Ao ser incitado por Merula, Souji somente conseguia sorrir ironicamente.

— Agora você está decidindo algo tão importante para mim também? Sinceramente… — Contudo, ele não parecia estar tão incomodado. — Bom, mesmo que eu permaneça aqui, esse país é muito sufocante para mim. Já que não tenho muita escolha, acho que vou conhecer esse seu rei.

Mesmo que tivesse agido como se tivesse sido forçado, ele concordou facilmente em ir para o Reino de Friedônia. Dessa forma, o Reino obteve mais dois membros talentosos em sua equipe.

Souji Lester, o Bispo Quebra-mandamentos do Estado Papal Ortodoxo de Lunaria, e Merula Merlin, a Alta-elfa Pesquisadora. No que esses dois afetariam o futuro do reino?

Isso era algo que ninguém conseguiria saber, talvez somente o Lunólito.

 

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E, com isso, a retrospectiva se encerra. Vamos voltar ao presente.

Após vir para o Reino, o Bispo Souji Lester estava aparecendo para o povo de Friedônia pela primeira vez por meio da Transmissão de Voz da Joia.

Souma havia acabado de anunciar que toda religião que se registrasse seria reconhecida como uma religião estatal. Seguidores de todas as religiões, incluindo os da Ortodoxia Lunariana, estavam ansiosos para saber o que o bispo de uma religião monoteísta como a Ortodoxia Lunariana iria dizer sobre isso.

No entanto, Souji se apresentou rapidamente e começou a falar de um jeito despreocupado, como se quisesse dizer que não ligava para o que todos esperavam.

— Bom… o Rei Souma falou que ele reconheceria qualquer religião que se registrasse como uma religião estatal, mas a nossa Ortodoxia Lunariana teve um pouco de sorte e foi aceita como uma religião estatal antes das outras. Além de nós, parece que a adoração à Mãe Dragão também foi aceita e a adoração à besta sagrada, praticada pelos elfos negros na Floresta Protegida por Deus, já foi registrada pela Madame Aisha, a segunda rainha primária. Esperamos que os membros de outras religiões e seitas as registrem logo.

Os cidadãos ficaram surpresos pela maneira tranquila que Souji falou. No entanto, os que mais haviam se surpreendido eram os seguidores da Ortodoxia Lunariana, porque o representante dos fiéis do Reino de Friedônia, o bispo, estava falando como se reconhecesse as outras religiões.

Devido ao reino ser um estado multirracial, a grande maioria dos fiéis eram calmos e abominavam os conflitos com outras raças. Mesmo assim, ficavam receosos de se envolver com seguidores de outras religiões. A forma como Souji falou, no entanto, removeu esse receio.

Ah… Acho que está tudo bem se formos amigos…

O olhar no rosto dos fiéis dava a impressão de que eles haviam sido libertados de algo que os possuía.

Souji prosseguiu.

— Além disso, a Pequena Senhorita Roroa havia perguntado se não tínhamos nenhum tipo de evento religioso. Tenho certeza de que nossos fiéis já sabem disso, mas já estamos na época do Festival de Anunciação da Primavera.

O Festival de Anunciação da Primavera era o maior evento primaveril para a Ortodoxia Lunariana. Era um festival que celebrava o fim do inverno e a chegada da estação do ano em que as flores desabrochavam.

Nesse evento, as crianças dos fiéis se vestiam como fadas e caminhavam com cestos de flores, entregando-as aos adultos. Em outras palavras, as crianças se tornavam os “enviados da primavera”. Os adultos, por sua vez, dariam doces como agradecimento pelas flores e rezariam por uma colheita abundante naquele ano.

Bom, esse festival parecia uma versão primaveril do Halloween.

— Enfim, eu… tenho boas notícias sobre o nosso festival. — disse Souji. — A Pequena Senhorita Roroa aceitou o reconhecer como um evento nacional. Pode ser um pouco repentino, mas ele ocorrerá no próximo final de semana. As vilas e cidades que possuem igrejas da Ortodoxia Lunariana já devem ter sido avisadas de que é permitida a participação de todos. Todas as crianças vão receber doces, sejam fiéis ou não. Caso seja possível, também gostaríamos de pedir ajuda aos adultos que seguem outras religiões. Se uma criança vier até você, aceite a flor e a entregue um doce; só isso. Simples, não? Acredito que também será divertido para os adultos, então participem.

A multidão eclodiu em palmas com as palavras de Souji. Aparentemente, estavam achando que seria divertido.

Parece que a tendência de gostar desse tipo de evento se enraizou na população do reino após Souma criar os programas de transmissão. Quando chegasse o dia, muitos deles certamente iriam aproveitar o festival.

Antes de dar um passo para trás, Souji falou:

— Obrigado pela atenção.

Em seguida, Roroa caminhou para frente novamente.

— Dessa vez, será realizado um festival Ortodoxo Lunariano, mas se alguém de outra religião tiver um festival interessante, pode nos dizer. Vamos deixar esse país mais colorido com eventos de todos os tipos de religiões. Acho que isso vai ser maravilhoso. Fiéis e ateístas, vamos animar esse país juntos!

Todos festejaram após Roroa levantar seu punho para o alto.

— Que as preparações para o festival comecem!

 

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Último dia do 3º mês, 1.547º ano, Calendário Continental. – Dia do Festival de Anunciação da Primavera.

Nesse dia, levei Aisha e Tomoe para a cidade do castelo comigo. Lá estava cheio de pessoas por causa do festival. Eu estava com a roupa que sempre utilizava para me disfarçar, a vestimenta de viajante da União do Arquipélago do Dragão de Nove Cabeças, mas talvez eu nem precisasse me incomodar com isso, visto o tanto de pessoas que estavam lá.

— E-Eu vim trazer as bençãos da primavera… — gaguejou Tomoe. — Ok!

Após toda essa agitação, Tomoe, que estava vestindo um robe de mago branco com penas, foi oferecer uma flor para uma senhora que estava em uma banca de rua.

A senhora sorriu e disse:

— Minha nossa, mas que fadinha adorável. — Ela aceitou a flor com um sorriso gentil em seu rosto e entregou um saco cheio de doces para Tomoe.

Ao aceitar o doce, Tomoe se inclinou várias vezes para agradecer a senhora e correu com seus passos curtos para me mostrar o que havia recebido.

— Olha o que eu ganhei, Irmão!

— Sim, eu vi. Que bom, não é?

— Sim!

A cauda de Tomoe balançou de um lado para o outro quando eu afaguei sua cabeça. Aisha, que estava se disfarçando com um uniforme escolar, deu um grande sorriso ao ver Tomoe dessa forma.

— Aaaah. — disse Aisha. — A Madame Tomoe é tão fofa.

— Aqui estão alguns para você também, Aisha. — ofereceu Tomoe.

— Mesmo?! Eu te amo, Madame Tomoe!

— Eek!

Aisha levantou Tomoe e encostou sua bochecha na dela. Assim como sempre, era como se eu pudesse ver um rabo invisível em Aisha, balançando de um lado para o outro.

Espera… ela estava sendo domesticada por uma garota de onze anos?

Enquanto eu olhava exasperado para Aisha…

— Olha só, o rei veio ver o festival pessoalmente? — Alguém me chamou de repente.

Ao olhar para a direção que a voz tinha vindo, encontrei Souji sentado em frente a um bar enquanto tomava vinho. Ele parecia já estar bêbado, porém seguia com uma caneca de madeira na mão. Esse homem, que estava bebendo em plena luz do dia, realmente era um membro do clero? Em sua frente, havia uma pessoa bebendo em pequenos goles; parecia ser uma mulher.

 

 

 

— Você sabe que ainda é meio-dia, clérigo? — falei. — Ela é a Merula?

— Olá, Rei Souma. — A pessoa encapuzada, Merula, acenou alegremente.

Era a Merula, não era? Seria complicado se descobrissem que ela era uma alta-elfa, então ela provavelmente estava tentando não se destacar.

Souji virou sua caneca e, ao abrir seus olhos cheios de lágrimas, falou:

— Ufa… Não seja tão certinho assim; estamos em um festival, não? E você está segurando uma flor em cada mão, não é? Decidiu passear um pouco com a Aisha e a Tomoe?

— Bom, sim… Tenho que passar um tempo com minha família, sabe?

O motivo de eu ter saído disfarçado foi para verificar como a cidade do castelo estava, mas também foi para ter um encontro com Aisha.

Por mais que minha relação com a Liscia tivesse… é… se desenvolvido, eu ainda não havia tocado em nenhuma das minhas outras noivas. Fiz isso para evitar que meus filhos nascessem em uma ordem problemática, já que isso poderia gerar problemas de sucessão. Isso se aplicava principalmente para a Roroa, que estava em uma situação perigosa por ser a princesa soberana de um antigo país inimigo. Tanto pelo bem dela, quanto pelo bem da criança que iria nascer, eu ainda não poderia tocar nela.

Provavelmente não haveria nenhum problema se eu fizesse algo com a Juna, já que ela era uma rainha secundária e, por isso, nossos filhos não teriam direito de herdar o trono. Também não teria problema com a Aisha, já que ela é de uma raça de grande longevidade e provavelmente teria dificuldade de engravidar. Contudo, elas estavam se segurando em consideração a Roroa.

Sinceramente…  minhas noivas eram mulheres adoráveis.

Bom, o resultado disso era que minhas noivas estavam pedindo para que Liscia “gerasse um herdeiro logo”, o que fez com ela reclamasse para mim dizendo: “Eu te juro que essa pressão está fazendo minha barriga doer”.

Eu me sentia um pouco mal por ela…

Cof cof… Enfim, era importante que eu fizesse algo com minhas noivas, mesmo que ainda não pudesse tocar nelas.

Quando expliquei isso para Souji, ele me respondeu como se não se importasse.

— Hmm… Deve ser difícil ter que cuidar de uma família sendo tão novo. — Em seguida, ele virou sua caneca e bebeu o resto de seu vinho, como se estivesse exibindo a sua liberdade. — Pwah!

— Você não acha que já bebeu o suficiente? — perguntei.

— O vinho é sagrado na Ortodoxia Lunariana. Em outras palavras, ingeri-lo é o mesmo que acumular virtude.

— Isso só parece uma desculpa de um bebum. — falei. — Você é mais irresponsável do que imaginei.

— O fato de eu ser irresponsável é bom para vocês, não é? — Souji sorriu.

Esse velho cabeça-de-polvo…

Eu dei de ombros.

— Hakuya planeja te usar para afastar nossos fiéis da igreja central, então sim.

— Bom, uma mão lava a outra, Vossa Majestade. Vou procrastinar o máximo possível.

— Conto com você. — falei. — Enfim, eu tenho que voltar para a Aisha e a Tomoe.

— Tudo bem. Que a paz e a proteção de Deus permaneçam com você e sua família.

Enquanto voltava para onde Aisha e Tomoe estavam, escutei a oração do bispo delinquente. No entanto, era difícil saber o quão séria ela havia sido.

 


 

Tradução: Jeagles

Revisão: Master Shake

 

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