Fim do 3º mês, do 1547º ano do Calendário Continental – Capital Sagrada Yumuen.
Um membro da corte de inquisição falou:
— Já estamos cansados disso, Bispo Lester.
Nesse dia, um homem estava sendo julgado por uma inquisição dentro da igreja central da fé Ortodoxa em Yumuen, capital sagrada do Estado Papal.
O homem, que se encontrava em um quarto escuro e cercado pelos membros da corte, era um bispo chamado Souji Lester.
Para quem fazia parte da Ortodoxia Lunariana, ficar em frente aos membros da inquisição era o mesmo que ficar na frente de um juiz, o qual possui o poder de declarar alguém culpado ou inocente. Se ele fosse excomungado, perderia todos os direitos e proteção que esse país lhe proporcionava. Neste país, não seguir a religião professada era colocar-se em uma posição onde você poderia ser morto a qualquer momento.
No entanto, Souji não parecia nem um pouco tenso, mesmo sendo o réu. Na verdade, ele estava com um sorriso ousado em seu rosto e parecia se divertir com a situação. Um membro da inquisição reclamou de sua atitude.
— Você entende o quão grave é ser convocado aqui? — disse o membro com um tom intimidador.
Contudo, Souji continuou sorrindo de forma ousada.
— Sim. Aqui é onde julgam se alguém será excomungado ou não. Qualquer pessoa teria medo de vir para cá, caso tivesse feito algo de errado. No entanto, não tenho nada do que me envergonhar, então estou calmo. — Por mais que tivesse falado de forma educada, o homem parecia estar zombando deles.
— Como ousa… — o membro da corte, cuja feição expressava raiva, analisou os documentos que estavam em suas mãos. — Suas malfeitorias são imperdoáveis. A Senhorita Lunaria disse: “Se os membros do clero não viverem em uma pobreza honrável, seus fiéis não os ouvirão.” Contudo, tudo que você faz parece uma afronta a esse mandamento.
— Eu não pareço pobre o suficiente para você? — Souji falou enquanto os mostrava sua túnica, a qual parecia um Samue1Roupa de trabalho dos monges budistas japoneses. Era utilizada para lavar o templo e/ou cortar lenha. devido aos rasgos que havia nas mangas e abaixo dos joelhos. — Eu visto esses trapos e moro em um barraco em ruínas na periferia da cidade. Se isso não é viver em uma pobreza honrável, o que é? Além disso, vocês possuem roupas e casas melhores que as minhas, não?
— … No entanto, fomos informados de que você tem recebido muito dinheiro por meio das doações dos fiéis. — pressionou o membro da inquisição.
Souji deu de ombros.
— Eu não possuo motivos para recusar o que me oferecem.
— Como ousa?! O que você fez com a oferenda dos fiéis?
— Se eu estivesse utilizando esse dinheiro para minha própria satisfação, realmente seria pecado. — disse Souji. — No entanto, olhe para minha barriga; já estou com um tanquinho definido. — ele levantou a parte de cima da sua roupa para mostrar seu abdômen.
Os membros da inquisição ficaram surpresos quando Souji mostrou um corpo que dificilmente parecia ser de um clérigo e começou a dar socos no vento, mas rapidamente ficaram vermelhos de raiva com ele.
— Não é disso que estamos falando! — gritou um dos membros enquanto batia suas mãos na mesa. Souji, por outro lado, parecia indiferente.
— Claro que não, até porque há um cardeal bem cheio aqui.
Os membros da inquisição ficaram sem palavras quando ele os encarou.
Provavelmente estava se referindo ao Cardeal Dourado quando falou sobre um membro da inquisição gordo. Aquele corpo rechonchudo era imperdoável para alguém do clero. Na verdade, a corte já sabia que a maior parte das doações que Souji recebia ia para o cardeal. Em outras palavras, Souji queria dizer que deveriam investigar o cardeal, não ele.
Entretanto, na Ortodoxia, o poder dos cardeais somente ficava abaixo do poder do papa, então não era possível investigá-lo. Para que isso ocorresse, seria necessário um pedido do próprio papa ou de uma decisão unânime de todos os outros cardeais, porém nenhum deles desejava fazer algo que pudesse ser feito contra eles no futuro. Por esse motivo, o Cardeal Dourado conseguiu manter a sua posição mesmo sendo odiado.
A corte de inquisição queria pressionar Souji, o qual tinha conexão com o Cardeal Dourado, para que o papa começasse a agir. No entanto, Souji estava sob a proteção do cardeal; se os demais cardeais agissem de forma irracional para tentar condenar o sacerdote, sofreriam uma represália por transpassarem suas autoridades. Por causa disso, nunca houve a possibilidade de Souji ser excomungado por causa das doações. Esse também era o motivo dele poder agir daquela forma.
A corte decidiu mudar de assunto.
— Além disso, também recebemos relatos de que você frequenta diversos bares à noite.
— Beber é um pecado? Pensei que o vinho fosse sagrado.
— Ainda existem limites.
— Bom, peço desculpas. — disse Souji. — Boa parte das pessoas que escutam minhas pregações são alcoólatras. Eles geralmente pedem para que eu vá conversar com eles no bar, não na igreja. Depois disso, uma coisa leva à outra e eu acabo bebendo além da conta.
Coincidentemente, os sermões nos bares sempre aconteciam no mesmo dia que as festas…
— A Senhorita Lunaria uma vez disse: “Viva a vida e seja grato por ela.” Então brindem! Saúde!
…No entanto, a única coisa que Souji fazia nos bares era citar alguma passagem da escritura como se fosse parte de um discurso. Ele era famoso entre os fiéis preguiçosos porque eles assumiram, de forma egoísta, que era melhor escutá-lo no bar do que ir à igreja para escutar um sermão entediante de um padre no dia de folga.
Os inquisidores pareciam bravos, então decidiram trocar a acusação novamente.
— Isso não é tudo! Ouvimos que uma prostituta visita sua casa frequentemente! Você é um membro do clero! Deveria se envergonhar disso!
— Minha nossa. — disse Souji — Está dizendo que as mulheres são impuras? De onde acha que você nasceu? Não me diga que foi da terra porque, nesse caso, você não poderia comer vegetais; seria canibalismo.
— Já chega desse sofismo sem sentido! A Senhorita Lunaria é quem nós realmente devemos amar e respeitar. É por isso que seus devotos se sentem culpados até mesmo após passarem pelos procedimentos de casamento. Você se encontrar com prostitutas é imperdoável!
Os membros da corte perderam a paciência, mas Souji somente os respondeu:
— Será? A Senhorita Lunaria falou: “Meus seguidores devem ser honestos.” Nosso desejo de dormir com uma mulher é algo natural, porque ela foi quem nos criou desse jeito. Sendo assim, quem é mais honesto: alguém que, mesmo após realizar os votos matrimoniais, esconde sua posição dentro do clero e visita prostitutas escondido ou eu, que as convido abertamente para me visitar?!
Ele os respondeu de forma tão orgulhosa que os membros da corte não souberam o que dizer. Se fossem racionais, perceberiam que era um argumento falho. Contudo, a seriedade de Souji enquanto dizia tais coisas ridículas deixou eles tão bravos que não conseguiram dizer mais nada.
Percebendo isso, Souji aproveitou o silêncio para desenhar o formato do corpo feminino no ar de forma entusiasmada, principalmente ao representar a região dos seios. Dessa forma, ele conseguiu acabar com a atmosfera da inquisição com toda a bobagem que havia dito.
— …Chega. — um dos membros finalmente desistiu. — Tome cuidado com suas ações, de agora em diante.
No final das contas, a inquisição foi encerrada sem que nada fosse feito contra Souji.
Após sair da sala, ele cantarolou conforme caminhava no corredor até se deparar com uma freira jovem e atraente. Seu cabelo era prateado e estava preso em duas mechas.
Essa roupa… então ela é uma das santas que estão em treinamento? Souji pensou enquanto olhava para a garota.
Ele a olhou sem nenhum pensamento estranho em sua mente. Por gostar de garotas mais maduras e volumosas, Souji não se sentiu nem um pouco atraído pela bela garota em sua frente; olhou para ela por pura curiosidade.
No entanto, a garota de cabelos prateados, que estava inexpressiva enquanto caminhava, franziu levemente a sua testa ao vê-lo. Além disso, quando se cruzaram, ela virou a cabeça para não o olhar e passou a caminhar mais rápido.
Quando Souji a viu fazendo isso, coçou sua nuca e sorriu de forma irônica.
— Olha só… parece que alguém me odeia.
Mesmo que tivesse uma personalidade desleixada, Souji ainda era estranhamente popular com homens e mulheres mais velhas. Por outro lado, as garotas mais jovens o odiavam com todas as suas forças.
Bom, acho que não se pode esperar que uma garotinha daquelas entenda o charme maduro que esse velho aqui emana, pensou enquanto inventava desculpas para si mesmo e acariciava sua barbicha.
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Por volta de duas semanas após isso…
Naquela noite, Souji estava em um certo “bairro do prazer” da capital sagrada.
Yumuen podia ser chamada de “Meca2Centro de alguma atividade ou das atenções de algum grupo. Nesse caso, onde a maioria dos seguidores dessa religião se reúnem. da Ortodoxia Lunariana”, mas onde havia pessoas, teria um bairro do prazer para que pudessem beber álcool e se divertir com as mulheres. No entanto, não era possível ver nenhum clérigo lá; provavelmente estavam utilizando roupas comuns para se misturar com os clientes. A única pessoa ousada o suficiente para ir naquela região com sua vestimenta de sacerdote, que já havia sido modificada, era o Souji.
Ele não desejava grandes quantias de dinheiro e precisava de alguém poderoso o apoiando para que pudesse viver livremente naquela cidade de puritanos. Souji dava a maior parte das doações que recebia para o Cardeal Dourado, justamente para proteger esse seu estilo de vida.
Conforme ele caminhava pela rua, um velho que estava bebendo em frente a um dos bares o chamou.
— E aí, bispo delinquente. Tudo bem?
Souji se virou para o velho e acenou.
— E aí, velhote. Obrigado pelas doações.
— Bom, não tenho ninguém que dependa de mim. — disse o velho. — Já que o país vai pegar tudo quando eu morrer, prefiro gastar com o meu amigo de copo.
— Ha ha ha. — riu Souji. — Que bom. Vamos beber juntos de novo, qualquer dia.
Ele se despediu do velho, mas uma senhora bem vestida o chamou antes que conseguisse dar dez passos.
— Nossa, você ainda não foi demitido? Não consigo entender o por que a Senhorita Lunaria deixou alguém como você virar bispo…
— Pensei ter escutado alguém sendo maldoso. Então era você, vovó? — provocou Souji. — Ainda está de pé? Tem certeza de que a Senhorita Lunaria não está te chamando para ficar perto dela?
— Hunf! Você vai rezar por mim se eu morrer, não é? — ela rebateu. — Não quero ficar perdida no reino dos mortos porque um padre horrível rezou por mim, então não vou antes de você!
— Ha ha ha. Então continue vivendo enquanto pode, sua velha.
Ambos estavam dizendo coisas horríveis um para o outro, mas pareciam felizes. Eles somente conseguiam conversar dessa forma porque se conheciam bem.
Em seguida, uma mulher com roupas reveladoras o chamou.
— Soujizinho, meu amor, por que não está vindo brincar conosco ultimamente? As garotas estão sentindo a sua falta, sabia?
— Eu vou visitá-las assim que puder. — prometeu Souji.
— Você diz isso, mas eu ouvi rumores de que encontrou alguém especial.
— Ha. Você acha que alguma mulher iria me querer com uma cabeça dessas? — Souji deu um tapa em sua cabeça lisa e bronzeada, fazendo com que todos que ouviram começassem a rir.
Souji era popular no bairro do prazer, por mais que fosse um incômodo para a igreja central.
Após caminhar um pouco pelo bairro, ele parou de repente. Em seguida, se virou e falou enquanto olhava para um beco escuro:
— Tem como você sair daí logo? Não tenho fetiche em ser seguido.
Após isso, um homem saiu da escuridão. Ele estava disfarçado de viajante, cobrindo o seu corpo todo com um manto encapuzado, o qual estava sujo com terra. Seu rosto estava coberto pelo capuz, mas era possível ver um nariz pontudo, característica de um homem-fera.
O homem curvou-se em reverência para Souji sem retirar o seu capuz. — Peço desculpas por isso. Quando me percebeu?
— Você me seguiu desde que entrei no bairro do prazer, não foi? Eu já fui um aventureiro; detectar inimigos era uma das minhas funções dentro do grupo, então consigo saber quando alguém está por perto.
— Por que alguém como você é um bispo? — perguntou o homem-fera.
— Me feri gravemente após cometer um erro em uma masmorra daqui. Ocorreu enquanto eu estava ajudando um bispo antigo, que cuidou de mim depois disso… Foi algo que aconteceu naturalmente: acabei criando laços com os fiéis e os mantive desde que o velho morreu.
— Entendi… — o homem encapuzado assentiu, satisfeito. Em seguida, ele caminhou em direção ao Souji e tentou tirar algo de seu bolso.
Souji pensou que era uma arma e se preparou, porém ficou menos tenso ao ver o que havia sido ofertado. O homem estava segurando uma garrafa de vinho de alta qualidade.
— Se possível, gostaria de compartilhar essa bebida com você em um lugar silencioso.
— Hmm…
Ele não parecia ser um assassino enviado por alguém do alto escalão da igreja para o matar, então Souji abaixou a sua guarda. Não havia muitos homens-fera nesse país, então ele possivelmente teria vindo de outro país, se realmente não fosse um assassino contratado pela igreja. O que um estrangeiro gostaria de falar com ele?
Souji riu.
— Bom, então quer vir para a minha casa?
— Sim, sem dúvidas.
E, então, os dois caminharam em frente aos estabelecimentos noturnos juntos.
Souji vivia em uma casa decrépita na periferia de Yumuen.
Ao entrar no quarto escuro e vazio, o homem encapuzado moveu seu nariz.
— Esse cheiro…
— Está fedendo? — perguntou Souji enquanto ria e acendia as velas. — Sou um homem morando sozinho, então eu sinto muito, mas vai ter que aguentar.
— Não, eu achei organizado.
Para alguém despreocupado e de mente aberta como o Souji, o quarto realmente estava bem limpo: não havia lixo jogado no chão e nem poeira acumulada nas quinas. Contudo, o que mais chamou a atenção do homem foi…
— Esse cheiro… é de remédio?
Quando o encapuzado disse isso, Souji parou de rir e encarou o homem por um tempo. Em seguida, deu de ombros, como se tivesse desistido.
— Você tem um nariz bom.
— Os homens-besta de fato têm narizes mais sensíveis, se comparados com os dos humanos. — o homem retirou o capuz, revelando seu rosto de lobo, e abaixou a cabeça. — Sou conhecido como Inugami. É um prazer te conhecer.
Souji colocou sua mão no queixo e perguntou:
— Não me importo de nos conhecermos melhor, mas… esse é o seu nome de verdade?
— É exatamente o que deduziu: este nome é um pseudônimo.
— Claro que é. Se alguém quer entrar escondido em um país, é óbvio que não vai dizer seu nome verdadeiro, né?
Souji continuou preparando tudo para que bebessem, mesmo falando sobre isso. Ele colocou dois copos, pão e queijo em uma mesa pequena. Em seguida, eles sentaram de frente um para o outro e começaram com a bebedeira despreocupada.
Souji encheu os copos com o conteúdo da garrafa que Inugami lhe deu e, após tomar um pouco, perguntou: — Enfim, de onde você veio?
— Elfrieden… Bom, creio que eu deva dizer “Reino de Friedônia” agora.
— O lugar em que o herói invocado de outro mundo é o rei, né?
Servir em um local tão fechado como a igreja geralmente faz com que a pessoa fique alheia ao que está acontecendo em outros lugares, mas até mesmo Souji já tinha escutado rumores sobre o Rei-Herói de Elfrieden. O trono foi cedido a seu favor logo após ter sido invocado; em seguida, ele recuperou o Reino de Elfrieden de sua visível decadência, eliminou pessoas do lado de dentro e de fora do seu país que ameaçavam seu governo e até mesmo anexou o Principado de Amidônia ao reino, tornando seu país numa potência equiparável ao Império.
Qualquer um pensaria que a pessoa com todas essas conquistas devia possuir diversos talentos, porém pouco era falado sobre o quanto o Rei Souma contribuiu para alcançá-las individualmente. Em outros países, somente falavam sobre o Capitão Prateado da Guarda Real e o Capitão Ruivo do Batalhão de Ataque em relação à área militar, sobre o Primeiro-Ministro do Robe Preto e o Deus da Comida, Lorde Ishizuka, em relação à área burocrática e sobre todas as outras pessoas ao redor dele que faziam coisas incríveis.
Talvez fosse diferente se elas pudessem ver as Transmissões de Voz da Joia, mas a única conquista do Rei Souma que as pessoas falavam em outros países era sobre ter sido sábio o suficiente para conseguir essas pessoas sob seu comando. Por esse motivo, Souji não sabia como julgar o rei-herói.
— O país em si parece próspero, mas que tipo de pessoa seu rei é? — perguntou Souji.
— Bom… Eu mesmo não o entendo bem.
— Ah, sério…?
— Não há nada de especial em sua capacidade de luta. — disse Inugami. — Mesmo com um treinamento, ele não passa do nível de um recruta. Além disso, não sei dizer nada em relação à sua habilidade de comando porque ele deixa com os seus subordinados. Ele parece ter muita inocência, porém a usa para criar novos sistemas e leis para o país, além de outras coisas que não são imediatamente notáveis.
— Ele não parece tão grandioso para mim. — disse Souji.
Inugami sorriu.
— No entanto, se eu posso dizer algo é que todos que subestimam a Sua Majestade, sem exceção, sempre acabam em alguma situação desagradável. Nem mesmo a santa da Ortodoxia Lunariana escapou disso.
— A santa? Alguém do alto escalão fez algo?
Inugami relatou o que havia acontecido.
Mencionou que o Estado Papal Ortodoxo havia ofertado o título de Rei Sagrado ao Rei Souma, caso aceitasse a Ortodoxia Lunariana como a religião estatal do Reino. Seria difícil recusar essa oferta, já que havia o perigo da igreja incitar os seus seguidores a se rebelar.
Para sair dessa situação, o Rei Souma recusou o título de rei sagrado e decidiu reconhecer a Ortodoxia Lunariana como uma “religião estatal”. Em seguida, entrou em contato com todas as religiões do país e as notificou de que “qualquer religião que se registrar e passar pela análise do estado vai ser reconhecida como uma religião estatal”. Declarando, assim, que as religiões que estivessem naquele país iriam ficar sob a sua gestão no futuro.
Souji ficou um pouco surpreso, porém logo deu uma risada entusiasmada.
— Ha ha ha, essa foi boa! Tenho certeza de que o alto escalão não soube o que fazer.
De certa forma, ele estava rindo da maneira como seus compatriotas haviam sido derrotados, mas, então, tomou o restante de sua bebida e colocou o copo na mesa.
— Hmm… Mas eles realmente vão ficar quietos depois disso? Eles são persistentes. Mesmo que vocês tenham conseguido um pouco de tempo, eles agirão em breve, não acha?
— Sim. — disse Inugami. — Isso foi algo que a Sua Majestade também se preocupou, o que nos leva até isso aqui. — ele retirou uma carta de seu bolso e a entregou para Souji. — Essa é uma carta do Primeiro-Ministro Hakuya para você.
— Para mim?
— Acredito que vai entender o motivo após ler, mas nosso primeiro-ministro deseja que você venha para o nosso reino e se torne o bispo que vai administrar os fiéis de lá.
— Me querem como o bispo do reino… — Quando leu a carta, Souji encontrou praticamente a mesma coisa que Inugami havia dito, porém escrito formalmente. Ao terminar de ler, colocou a carta na mesa. — Entendi. Em outras palavras… ao escolherem alguém corrupto como eu para ser o bispo de vocês, será possível afastar os fiéis que estão no reino daqueles que seguem o desejo do Estado Papal Ortodoxo.
Se o Estado Papal Ortodoxo quisesse direcionar os seguidores de outros países, teria que falar com o bispo local antes, já que era a representação dos fiéis de onde estava, para que ele passasse as ordens para as igrejas do país. Então, se o reino escolhesse alguém que não fosse leal à sua terra, à igreja central ou que pudesse ser comprado facilmente, conseguiria se proteger das ordens de lá.
Entendi. Foi um bom plano. Pensou Souji.
— Essa ideia veio do rei ou do primeiro-ministro? — perguntou.
— Foi o primeiro-ministro que pensou em te convidar, Sir Souji.
— Entendi. Eles são astutos… Não… Pensando bem, eles são completos vigaristas, não são?
Souji cruzou os seus braços e pensou.
É verdade que provavelmente não há ninguém além de mim que se encaixe tão bem no critério deles. Também ouvi rumores de que o Cardeal Dourado vai ser expulso em breve. Se isso acontecer, a corte de inquisição finalmente vai ter a chance de me punir por tudo, então parece um ótimo momento para sair desse país… mas…
Souji estava preocupado com algo.
— O que vai acontecer se eu recusar?
— Sinto muito em dizer isso, mas não acho que seja uma escolha sábia. — disse Inugami. — Já pedimos para que a santa comunicasse o nosso desejo de te ter para os chefes do Estado Papal Ortodoxo. Tenho certeza de que os comandantes daqui não desejarão que você seja o representante da Ortodoxia Lunariana para todos que vivem no reino, então…
— Então eu estou correndo perigo… — Souji suspirou com a observação de Inugami. — Que droga, então eu nunca tive escolha, né?
— Desculpe. — disse Inugami. — Contudo, se decidir vir conosco, te escoltaremos até o reino e garantiremos que não sofra um arranhão sequer.
— Esse não é o problema… — Souji coçou sua cabeça careca com força. Após pensar por um tempo, olhou para os olhos de Inugami e o perguntou algo, como se tivesse tomado uma decisão. — Se não me engano, você disse que o Rei Souma é louco por pessoas talentosas, certo?
— Tenho que discordar no aspecto de ele ser “louco”. — Inugami o falou. — Buscar pessoas qualificadas para o servir não faz parte dos deveres de qualquer governante?
— Aah, desculpe se te irritei. Não quis ofender o seu rei, só… quero confirmar se o Rei Souma realmente acolhe pessoas talentosas. Se alguém tiver algum tipo de talento, ele vai colocar em uso independentemente de quem seja?
Após Souji o questionar com uma seriedade que não combinava com a forma com que havia agido até aquele ponto, Inugami pensou na resposta enquanto respondia.
— Bom… essa é somente a minha opinião, mas eu acredito que a única coisa que a Sua Majestade analisa é se a pessoa é qualificada ou não; raça, idade, gênero, história ou aparência não importam. Além disso, também parece que ele consegue extrair o talento de uma vasta quantidade de pessoas.
— Sério? Isso também se aplicaria a uma pessoa que é chamada de “bruxa” pela Ortodoxia Lunariana?
— “Bruxa”? — Inugami repetiu a palavra nefasta com um olhar confuso em seu rosto.
Nesse momento, a porta se abriu de repente. Ao se virar, Inugami viu uma mulher com sua cabeça envolvida por tecidos coloridos e brilhantes.
Vestir roupas comuns e utilizar um belo véu em volta da cabeça era uma característica típica das prostitutas desse país. Esse costume teve início quando elas começaram a cobrir seus rostos para não serem vistas entrando na casa de um homem, porém, devido a vaidade delas, passaram a utilizar cores mais chamativas com o tempo.
Quando a mulher viu Inugami, disse:
— Ah, você estava no meio de uma conversa. Peço desculpas por minha indelicadeza.
Ela se curvou e, então, se virou para sair.
No entanto, Souji a impediu de partir.
— Espere, Merula. Não precisa se preocupar. Ele é confiável.
A mulher parou e se virou lentamente.
— Mesmo…?
— Sim. Na verdade, ele está do lado de quem luta contra esse país.
A prostituta parecia surpresa.
— Você não deveria ser um bispo daqui, Souji…?
Por que está bebendo com alguém assim? A mulher parecia querer dizer isso enquanto seus ombros caíam. Em seguida, caminhou até a mesa, se sentou em uma cadeira vazia e tirou seu véu enquanto Inugami ainda estava confuso. Quando o fez…
— Quê?! — gritou Inugami.
Abaixo do véu havia uma bela mulher em seus vinte anos. Sua pele era tão clara que parecia ser transparente, seu cabelo era dourado e suas orelhas, pontudas.
Essas orelhas pontudas eram a principal característica de um elfo. Além delas, outra coisa chamava a atenção: seus olhos vermelhos.
— Uma Alta-Elfa… Não pode ser! Ela realmente é…? — Inugami estava boquiaberto.
Somente os Alto-Elfos possuíam olhos carmesins. Elfos e Elfos Negros não gostavam de ter contato com outras raças, mas, em países multirraciais como o Reino de Friedônia, alguns deles viviam em conjunto com membros de outras raças e outros até mesmo se casavam e tinham filhos. Um exemplo disso era Marx, o chanceler de Souma, que havia nascido de um elfo claro e um humano.
No entanto, os Alto-Elfos eram ainda mais extremos em seu ódio pelo contato com outras raças. Por esse motivo, somente podiam ser encontrados em seu próprio país, o Reino Espiritual de Garlan, que se situava em duas ilhas: uma grande e outra, pequena. O reino ficava ao nordeste do continente e outras raças eram proibidas de entrar lá.
Além disso, por terem a sua própria forma de venerar os espíritos, eles eram a raça que menos teria chance de ter contato com uma país teocrático como o Estado Papal Ortodoxo Lunariano.
Esse foi o principal motivo de Inugami ficar sem reação. Ele não conseguia acreditar que estava vendo alguém dessa raça se disfarçando como uma prostituta em um país que era o centro de uma outra crença.
Ao ver o estado de Inugami, Souji sorriu ironicamente e colocou a mão na cabeça da alta-elfa.
— Vou apresentá-la a você. O nome dela é Merula Merlin e, como pode ver, ela é uma alta-elfa. Sei que não parece, mas ela é uma velha que já tem o dobro da minha idade, então tome cuidado.
— Que rude. — disse Merula, indignada. — Um alto-elfo com cem anos de idade é a mesma coisa que um humano com menos de vinte, sabia? Se eu estivesse no Reino Espiritual e dissesse que tenho cem anos, seria tratada como uma criança.
Ela, então, começou a conversar naturalmente com Souji.
— E… que tipo de relacionamento vocês têm? — Mesmo desnorteado, Inugami conseguiu perguntar.
Merula e Souji olharam um para o outro.
— O que nós somos…? Colegas de quarto, talvez? — perguntou Merula.
— Não, não. Eu sou o dono da casa. — disse Souji. — Sou o seu responsável aqui, entendeu?
— Espera! Quem é que está cuidando de quem aqui?! Você deixaria tudo jogado se eu não arrumasse suas coisas! — gritou Merula.
— Você que é chata demais com isso!
Os dois começaram a brigar como um casal de meia-idade.
Inugami pressionou suas têmporas e, então, pediu uma explicação.
— É… Posso pedir que expliquem desde o início e… me digam o que a Madame Merula, uma alta-elfa, está fazendo aqui?
— Hm? Ah, foi mal. — Ao se acalmar, Souji cruzou os braços e olhou para Merula. — Quer que eu explique?
— Hm… Por favor.
Em seguida, com a permissão de Merula, Souji começou a contar o que havia acontecido com ela.
Tradução: Jeagles
Revisão: Master Shake
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