Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino

Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino – Vol. 05 – Cap. 04.2 – A Chegada da Santa

 

Fim do 3º mês, 1.547º ano, Calendário Continental

Neste dia, a santa do Estado Papal Ortodoxo Lunariano apareceu diante de mim.

Entendo, pensei, olhando para ela. Sim, ela certamente é uma santa, tudo bem…

Agora, pode estar pensando que eu deveria ter mais a dizer, mas não havia palavra mais adequada do que “santa” para descrever a garota. Isso era apenas o quanto ela incorporava o seu título.

Ela tinha uns dezoito anos, um para mais ou para menos. Suas feições eram regulares e seus olhos úmidos, sensuais. O cabelo era prateado, amarrado para trás em duas caudas. Sua beleza era tal que Aisha, que estava ao meu lado, soltou um suspiro de admiração. Vestida com um hábito, ela realmente parecia uma mulher santa.

No momento, haviam pouquíssimas pessoas na sala de audiências do Castelo Parnam. Isso porque o Estado Papal Ortodoxo havia solicitado que a audiência fosse realizada com o menor número possível de pessoas presentes. A santa do Estado Papal Ortodoxo teria a audiência apenas comigo.

Eu estava sentado no trono com Liscia, candidata a ser minha primeira rainha primária, à minha esquerda; e à minha direita estava Aisha, minha guarda-costas e candidata a ser minha segunda rainha primária; enquanto o Primeiro Ministro Hakuya ficou no meio, entre a santa e eu. Se esta mulher fosse uma assassina disfarçada de santa, eu tinha Aisha ao lado, então provavelmente ficaria bem.

Bem… pelo que pude ver da linda jovem parada no tapete alguns passos abaixo de mim, isso não seria uma preocupação. Se eu não tivesse construído minha resistência por estar perto de Liscia e das outras o tempo todo, apenas olhá-la nos olhos poderia ter sido o suficiente para me deixar apaixonado.

Hm…? Fiquei pensando. Mas… o que era isso?

Achei sua aparência muito atraente, mas por algum motivo não estava nem um pouco interessado nela. Não só isso, quando olhei para ela, algo parecia estranho. Achei que era uma garota encantadora, mas… algo estava me incomodando.

Mesmo enquanto  lutava com esse sentimento, trabalhei para me dirigir a ela com o tom mais calmo que pude.

— Bem-vinda, santa do Estado Papal Ortodoxo Lunariano. Sou o rei, Souma Kazuya.

Quando fiz isso, a santa Ortodoxa Lunariana me fez uma reverência educada.

— É um prazer conhecê-lo, Grande Rei da Friedônia. Sou a humilde Mary Valenti. Estou aqui hoje como emissária do Estado Papal Ortodoxo Lunariano. No lugar de nosso papa, agradeço do fundo do meu coração por atender nosso pedido de audiência, mesmo que tenha sido tão repentino.

Mary… Até o nome dela lembrava o de Maria. A maneira como falava também era educada.

Esperava que ela fosse mais arrogante, ordenando que eu acreditasse em seu deus, então fiquei um pouco desapontado. Bem… Acho que quando estão lidando com o rei de uma nação, não podem se dar ao luxo de ser muito arrogantes na primeira reunião.

Quando Mary levantou o rosto, me olhou nos olhos e disse:

— A notícia de suas façanhas também chegou até nós no Estado Papal Ortodoxo Lunariano. Tendo sido convocado como herói, em apenas um ano, você recuperou Elfrieden, destruiu o Principado da Amidônia e incorporou o território ao seu. Um feito verdadeiramente heroico.

 

 

 

— Você me dá muito crédito — falei. — Não fiz nada heroico. Só consegui reconstruir o país porque fui abençoado com bons subordinados; e embora eu tenha expulsado a Amidônia, a anexação foi apenas algo que aconteceu como parte do fluxo de eventos posteriores.

— O fluxo das coisas é um destino além do conhecimento humano — disse Mary. — Você certamente deve ter estado sob proteção divina, senhor.

Proteção divina, hein… Esse era o tipo de opinião que eu esperaria de uma pessoa religiosa. Não que eu goste disso.

— Nah, isso tudo foi criado por uma pessoa em particular — falei. — Não sou eu quem você deve elogiar, mas a Soberana Princesa da Amidônia, que tomou a decisão de uma vida inteira.

— Roroa Amidônia, você quer dizer. Embora ainda jovem, ela enfrentou dois países e encontrou o caminho de maior benefício para seu povo. Admiro-a como companheira mulher.

Eu tinha certeza que Roroa odiava seu país, no entanto.

Quando o irmão mais velho de Roroa, Julius, era Príncipe Soberano da Amidônia, o Estado Papal Ortodoxo incitou seus seguidores no país a uma rebelião. Essa rebelião foi reprimida por Julius, mas Roroa estava com raiva porque o sangue de seu povo havia sido derramado no processo.

Honestamente,  queria que Roroa estivesse presente, como candidata a se tornar minha terceira rainha primária e aquela que arcava com as finanças deste país; mas em consideração à sua inimizade para com o Estado Papal Ortodoxo, decidi que ela esperasse no escritório de assuntos governamentais com Juna e todos os outros. Roroa não era do tipo que deixava transparecer, porém não queria fazê-la segurar suas emoções.

Mas… quão séria estava esta garota quando disse isso?

Seu tom de voz era simples, e não consegui detectar nenhuma emoção em particular nela. Ela também não parecia estar tramando nada.

Se pudesse falar assim sabendo o que seu país havia feito, era uma grande atriz, mas era perfeitamente possível que tivesse vivido uma vida protegida e nada soubesse das ações de seu país.

Não, se tivesse sido qualquer uma dessas opções, teria demonstrado mais emoção. Ela estava apenas quieta demais.

Se fosse a primeira opção, ela provavelmente teria apelado mais para sua sinceridade na tentativa de me enganar. Se fosse a última, deveria estar mais entusiasmada por estar aqui para fazer a coisa certa. No entanto, a atitude de Mary parecia dizer que estava ali para fazer algo perfeitamente normal.

Podia ser assim que a emissária de um país deveria agir, mas no caso dela, senti que levou isso ao extremo. Eu podia sentir aquela sensação estranha que tive mais cedo crescer em meu peito.

A fim de evitar que esse sentimento aparecesse em meu rosto, perguntei diretamente a ela.

— Bem, então, Madame Mary, a que negócios você está aqui hoje?

— Ah, isso mesmo — disse Mary, e inclinou a cabeça humildemente. — Vim aqui hoje com um pedido a você, Vossa Majestade.

— Um pedido? — perguntei, tendo um mau pressentimento sobre o rumo que as coisas estavam tomando; e Mary me respondeu com um sorriso que não me deixou perceber nenhuma má intenção.

— Gostaríamos que você adotasse a Ortodoxia Lunariana como a religião estatal do Reino da Friedônia.

Uma religião estatal…

Religiões estatais. Eram um conceito que havia sido largamente abandonado nos países desenvolvidos da Terra. Acho que os países costumavam usar recursos estatais para a defesa e adoração de uma determinada fé. Transformavam as festas religiosas em funções estatais, se bem me lembro.

Seja qual for o caso, enquanto fôssemos um estado multirracial, não era uma proposta realista.

— Madame Mary, você entende o que está me pedindo? — perguntei. — Se um país multirracial como o nosso der tratamento preferencial a uma religião, isso acabaria dividindo o estado. Você está me pedindo para cometer este tipo de erro tolo?

Tomei um tom um pouco mais ríspido quando disse isso. Fiz isso para indicar que estava irritado com o que ela havia dito. Posso nem sempre parecer assim, mas ganhei autoridade suficiente para que as pessoas me chamassem de grande rei. Se eu não fosse tão importante, ficar bravo com uma coisa tão pequena provavelmente teria funcionado contra mim. No entanto, a expressão dela não mudou nem um pouco.

— Não estamos pedindo que nos dê tratamento preferencial. Agradeceríamos se você pudesse, mas, por enquanto, apenas nos adotar como sua religião estatal é suficiente. Na Ortodoxia Lunariana, pregamos a tolerância para com os outros. Isso também se aplica a outras religiões. Não expulsamos seguidores de outras religiões ou exigimos que se convertam.

Então Mary levantou a palma da mão em direção ao teto.

— A lua no céu muda com as estações, e seu rosto muda dependendo do dia e do lugar de onde você a vê. Além disso, os padrões da lua parecem um animal para alguns e uma pessoa para outros. A fé é da mesma forma. Mesmo que nossos pontos de vista sejam diferentes, todos nós ainda adoramos a Deus. O que vemos como Lady Lunaria, os de outras religiões simplesmente veem como outra coisa.

Fiquei em silêncio.

Essa foi uma opinião terrivelmente poética. Se ela estava falando seus verdadeiros sentimentos, então isso certamente era tolerante, mas… Eu só não achava que a maneira como o país dela agia estava de acordo com isso.

— Mas vocês não reconhecem a adoração à Mãe Dragão, não é? — perguntei.

— Deus está no céu e em nossos corações — respondeu Mary. — Se você adora algo que existe, é puramente por medo dessa coisa. O que a Mãe Dragão vai fazer por seus adoradores? Não é verdade que a Cordilheira do Dragão Estelar não mantém relações com nenhum país exceto o Reino dos Cavaleiros Dragão Nothung?

— É natural que o medo de algo maior  que você evolua para a fé religiosa — falei. — A Mãe Dragão não é um símbolo da própria natureza, além do domínio do conhecimento humano?

— É uma diferença na maneira como pensamos — explicou Mary com indiferença. — Pensamos na fé como o vínculo que surge de Deus pensando na humanidade, e a humanidade pensando em Deus. Para nós, a adoração à Mãe Dragão parece um amor ilícito pela Mãe Dragão. Não podemos reconhecer isso como uma fé legítima. Claro, entendemos que há pessoas que pensam assim.

Ela não estava dizendo nada especialmente fora do comum, suponho. No máximo, fez uso de lógica. Se essas fossem suas opiniões pessoais, eu quase queria conversar mais com ela sobre isso algum dia. Mas havia algumas premissas sobre as quais ela estava errada.

— Esta parece ser uma boa oportunidade, então gostaria de ouvir sua opinião sobre algo — falei.

— E sobre o que seria?

— Ouvi dizer que algum outro país tem enviado espiões para a capital real recentemente…

— Para este país, você quer dizer? Parece terrivelmente estável, então é uma surpresa ouvir isso. — Mary disse isso mantendo a expressão inabalável, é claro. Não houve flutuação em suas emoções durante todo esse tempo.

Ao ir tão longe, tive que começar a pensar que ela poderia não saber nada sobre o lado sombrio do Estado Papal Ortodoxo.

— Quando um dos meus subordinados despachou um desses espiões, me foi dito que o espião falou: “Maldito seja, seu infiel.” Devia ser um seguidor de alguma religião. Você também acredita em Deus, então talvez entenda o que as palavras do espião significavam, Madame Mary?

— Não sou esse espião, então não posso te dizer, mas… — Mary pareceu pensar por um momento, então respondeu sem ficar particularmente preocupada com isso. — Provavelmente viram sua própria vida como uma provação dada a eles por Deus. Aqueles que se opunham a eles eram incrédulos. Em suma, foi assim que julgaram seu subordinado como um infiel.

— Então, basicamente, não importaria se fosse seguidor de outra religião ou não?

— Pelo que você me disse, essa foi a sensação que tive. Peço desculpas pela minha visão egocêntrica.

— Não, isso foi educativo… — concluí.

O que era isso? Percebi que sentia cada vez menos coisas por ela. Eu não conseguia sentir nada parecido com um motivo por trás das palavras de Mary. Ela deu respostas sinceras às minhas perguntas.

Nesse caso, isso era uma negociação?

Nas negociações, os dois lados tinham objetivos, e ambos trocavam ideias até que acertassem suas diferenças. Por isso ocultavam informações que lhes eram desvantajosas, a fim de conduzir a discussão para uma direção que lhes fosse vantajosa. Eu não podia sentir nenhum tipo de tentativa de conduzir a conversa, pelo jeito que ela estava falando e agindo.

— Vamos voltar ao assunto — falei, por fim. — Você queria fazer da Ortodoxia Lunariana a nossa religião estatal, certo?

— Sim.

— Então, que mérito há para o nosso país em fazer isso? E também, se você diz que é tolerante com outras religiões, não importa quem está adorando o quê. Por que a Ortodoxia Lunariana está tentando se tornar nossa religião estatal?

— Vou responder à sua primeira pergunta — disse Mary. — Se você fizer da Ortodoxia Lunariana a sua religião estatal, estamos preparados para reconhecer Vossa Grande Alteza como um santo. Você já é um rei, então se tornaria um rei sagrado. Além disso, provavelmente serei enviada pelo Estado Papal Ortodoxo para servir como sua bispa pessoal. O servirei como serviria a Deus.

Com isso dito, Mary inclinou a cabeça.

Estava indo mais ou menos como Roroa havia dito que seria. Entretanto, nunca esperei que a própria santa fosse me servir.

— Do jeito que você diz isso, é quase como se fosse se casar comigo — comentei.

— Se Vossa Majestade Sagrada desejar, pode fazer com meu corpo o que quiser. Oferecerei meu corpo e meu coração a você como faço no serviço a Deus.

— Eu ainda não disse que vou aceitar essa coisa de rei sagrado.

— Perdoe minha presunção. — Mary inclinou a cabeça mais uma vez. Ela não parecia se sentir culpada… ou melhor, o olhar em seu rosto me fez pensar que nem percebeu que tinha feito algo errado.

Quando mencionei a coisa do casamento, Aisha remexeu-se um pouco, mas Liscia não pareceu nem um pouco surpresa. Tudo o que ela fez foi olhar para Mary com um olhar sério no rosto. Como Mary parecia aos olhos de Liscia?

— E? — perguntei. — Se eu me tornar um rei sagrado e mandarem uma santa para mim, que mérito você está dizendo que dará a este país?

— Este país cresceu a uma escala comparável ao Império Gran Caos. Isso é um produto de sua virtude, sem dúvida. Se você também ganhar a influência da Ortodoxia Lunariana, este país terá ganho um grau de poder que supera o do Império.

— Outra afirmação ousada — falei. — Mas o Império ainda tem mais território e mais poder do que nós, sabe?

Bem, havia áreas em que nossa tecnologia estava à frente da deles, mas eu não ia deixar isso escapar.

Mary balançou a cabeça silenciosamente.

— Quatro em cada dez das pessoas que vivem no Império são seguidores da Ortodoxia Lunariana. Esses números são o resultado da adoração à Mãe Dragão sendo incapaz de ganhar muito apoio porque o Império lutou contra a Cordilheira do Dragão Estelar durante o período em que estavam se expandindo. Em outras palavras, cerca de metade da população são seguidores da Ortodoxia Lunariana. Se este país entrasse em conflito com eles, com nossa influência seria possível derrubar o Império.

— Você diz algumas coisas bem assustadoras como se não fossem nada — comentei. — Não temos intenção de entrar em conflito com o Império.

— Foi apenas uma hipótese. Resumindo, estou lhe dizendo que você pode ganhar o poder para rivalizar com o Império; o poder de ser o mais forte entre as nações da humanidade.

É… Bem, olhando para a relação entre os príncipes da Europa da Idade Média e a Igreja Católica Romana, isso não era impensável. Com o poder do governante e da igreja combinados, governariam o país e expulsariam os inimigos estrangeiros. Era uma maneira fácil de lidar com as coisas. Mas isso era apenas se fechasse os olhos para a luta pelo poder entre o governante e a igreja que ocorreria depois.

No momento, estávamos tentando avançar para uma nova era. Eu não queria imitar algo que as pessoas faziam no passado.

— Se eu posso dizer uma palavra — disse Hakuya, que estava silenciosamente observando as coisas se desenrolarem até então. — Lamento fazer isso com a Madame Santa, mas gostaria de falar um pouco com Sua Majestade.

— Como queira.

Com a permissão da santa, Hakuya se aproximou de mim. Então, inclinando-se e levando sua boca ao meu ouvido enquanto eu me sentava no trono, ele sussurrou para mim:

— Você parece indisposto, senhor.

— Sim… — sussurrei de volta. — Por alguma razão, não consigo manter a mentalidade adequada. Sinto que há algo estranho sobre ela.

— Em relação a isso, acho que precisamos pensar nela como algo separado deles — sussurrou Hakuya.

— Precisamos?

Hakuya acenou com a cabeça.

— Tenho observado todo esse tempo e acredito que ela está demonstrando falta de emoção.

— Sim, eu também percebi isso.

— Tenho certeza de que o Estado Papal Ortodoxo teve algum motivo para mandá-la aqui, mas talvez a própria Madame Mary não tenha ideia do que seja, não? Ela poderia ter vindo aqui apenas como uma santa, só para comunicar a vontade dos altos escalões do Estado Papal Ortodoxo, como uma espécie de mensageiro kui, não acha?

— Huh?! Então ela é apenas uma mensageira?

Mary, então, não era uma negociante?! Isso fez muito sentido… Nunca pareceu que eu estava negociando enquanto falava com ela.

Eu tinha assumido que ela tinha recebido perguntas modelo e treinado o que responder se eu perguntasse certas coisas, e ela estava negociando comigo com base nisso. Isso explicaria por que, quando fiz perguntas que não esperavam, como sobre a mentalidade daquele espião, ela me deu respostas francas e honestas.

Ou isso, ou era possível que lhe tivessem dito para responder a perguntas como essa honestamente. Mesmo que seu parceiro de negociação tentasse extrair informações vitais dela, se ela não soubesse nada, apenas responderia honestamente: “Eu não sei.”

Isso nem era mais uma negociação. Era como ter um leitor de texto lendo meu e-mail para mim.

Olhei para Mary. Quando ela notou meu olhar, inclinou a cabeça um pouco para o lado, sem expressão.

Entendo…, percebi. De certa forma, ela é como uma Diva.

No meu mundo, havia um programa de leitura de texto antropomorfizado chamado Divaloid. Ficou famoso porque podia usar a voz feminina sintetizada para ler trechos, ou para cantar músicas, e causou um grande boom, especialmente em sites de compartilhamento de vídeos. Adicionaram ilustrações de uma linda garota, e ela até fez shows ao vivo como uma ídolo virtual.

Quando eu estava falando com Mary, senti como se estivesse falando com uma dessas.

— Hakuya… Como acha que devemos negociar daqui em diante? — sussurrei.

— Acredito que seria bom pedir uma resposta à sua segunda pergunta de antes — sussurrou ele. — No entanto, o que você deve se atentar não é para a própria reação dela, mas as intenções do Estado Papal Ortodoxo.

— Entendi…

Uma vez que Hakuya estava de volta à sua posição anterior, falei com Mary.

— Sinto muito pela demora. A propósito, nunca obtive uma resposta à minha segunda pergunta anterior. Por que a Ortodoxia Lunariana está tentando se tornar nossa religião estatal?

— Pelo bem de toda a humanidade — disse Mary sem hesitação. — O norte do continente agora se tornou o Domínio do Lorde Demônio. Embora sua expansão tenha parado momentaneamente, enquanto o Domínio do Lorde Demônio existir, a humanidade nunca terá paz. Para alcançar a paz, será necessário invadir o Domínio do Lorde Demônio e exterminar a raiz do problema. No entanto, os demônios do Domínio são poderosos e é impossível para qualquer país enfrentá-los sozinho. Todas as nações da humanidade devem cooperar.

Isso destacou-se como uma posição de linha dura, mas… era compreensível, suponho.

Mary continuou:

— É por isso que queremos que você se torne um rei sagrado. Com seu poder e nossa autoridade combinados, será possível unir todas as diferentes nações, tenho certeza. Se solicitar a cooperação depois de unificar os outros países, até mesmo aquele império seguirá seus comandos. Dois em cada cinco cidadãos seguem a Ortodoxia Lunariana, então não poderão te ignorar. Dessa forma, toda a humanidade será unida e invadiremos o Domínio do Lorde Demônio. Então, com o Lorde Demônio que é a raiz de todo mal morto, libertaremos o norte do continente.

Mary falou tudo isso sem hesitação. Parecia até que estava falando sobre as Cruzadas. Para recuperar nossa terra perdida, estaríamos unindo países pelo poder da religião. E assim, queriam que eu me tornasse um rei sagrado e agitasse a bandeira por essa causa.

Mas… Tenho certeza de que é apenas a face pública disso.

Só quando eu visse as pessoas por trás de Mary é que seria capaz de ter uma visão completa de quais eram suas intenções. Ela provavelmente acreditava honestamente que isso era para retomar o norte, mas as pessoas por trás dela provavelmente pensavam diferente.

A parte sobre unir as nações da humanidade chamou minha atenção. Já havia um sistema neste mundo tentando unir toda a humanidade: aquele que Maria estava liderando, a Declaração da Humanidade. Era um tratado falho, mas, no momento, parecia estar cumprindo sua função.

Para o Estado Papal Ortodoxo, não poderiam estar felizes com uma situação em que Maria, que era (da perspectiva deles) uma “falsa” santa, fosse a líder desse pacto e ganhasse respeito por ele. Quanto mais Maria fizesse para se distinguir, mais fraca seria a influência da própria santa. Uma teocracia governava por meio de sua autoridade religiosa. Em outras palavras, a perda de autoridade era uma questão de vida ou morte para o estado.

Foi por isso que o Estado Papal Ortodoxo provavelmente quis estabelecer outro órgão de cooperação internacional separado da Declaração da Humanidade. Eles precisavam criar um novo sistema onde pudessem afirmar sua autoridade. E me escolheram para fazer isso.

Olhei para Hakuya. Quando ele me notou olhando, fechou os olhos e assentiu uma vez, então balançou a cabeça. Provavelmente chegou à mesma conclusão que eu.

À luz disso, estava me insinuando que “Não devemos aceitar esta oferta”.

Bom, é óbvio que não. Sendo esse o caso, havia algo que eu deveria perguntar.

— A propósito, o que acontecerá se eu me recusar a adotá-la como nossa religião estatal?

— Seria decepcionante, mas não teríamos escolha a não ser aceitar — disse Mary. — Não podemos forçá-lo a aceitar.

Estavam recuando surpreendentemente fácil. Achei que diriam algo como: Se não aceitar nossas exigências, teremos todos os nossos seguidores em um motim no seu país, ou algo assim.

Enquanto eu pensava nisso, Mary continuou:

— No entanto, suspeito… — Sua expressão ainda não mudou. — Suspeito que acabaríamos esperando.

— Esperando? — perguntei.

— Sim. Só poderíamos esperar até que você mudasse de ideia ou um novo candidato para se tornar o rei sagrado aparecesse.

Inspirei com muita surpresa.

Urkh… Então é assim que vão jogar, hein. Basicamente, se algum país começasse a ficar mais forte, ou um governante começasse a se tornar famoso, ela estava dizendo: “Nós levaremos exatamente a mesma oferta para eles.” Se o fizessem, seu comentário anterior de que “Dois em cada cinco cidadãos do Império são seguidores, então, se quisermos, podemos dividir seu país” seria algo que também poderia acontecer com nosso país.

Mary podia não ter pretendido que fosse assim, mas era uma ameaça e tanto.

Isto é… Eu não deveria decidir sobre isso de imediato.

Não queria aceitar isso, mas se fosse recusar, precisava dizer isso somente depois de considerar cuidadosamente as contramedidas disponíveis para mim. No mínimo, queria ter uma longa discussão com Hakuya sobre o assunto.

Levantei-me da cadeira e disse a Mary:

— Compreendo seu pedido, Madame Mary. No entanto, não posso dar uma resposta imediata devido à gravidade do pedido. Eu gostaria de tempo para pensar sobre isso. Vamos continuar essa discussão em uma data posterior.

— É claro — disse ela. — Estarei rezando para que você tome uma boa decisão.

Mary humildemente se despediu. As negociações não haviam sido concluídas, mas ela não me pareceu nada desapontada.

Olhei atentamente para o rosto de Mary. Eu estava olhando para ele o tempo todo em que estávamos negociando, mas parecia que a expressão dela quase nunca havia mudado. Era como uma boneca.

Uma boneca… Artificial…?!

Foi quando percebi. O que exatamente parecia “deslocado” sobre ela.

 


 

Tradução: Sahad

Revisão: Lacerda

 

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