No meio do terceiro mês, 1.547° Ano, Calendário Continental – Capital Real Parnam
Quando o sol se pôs e o véu da noite caiu, três figuras sombrias correram pela capital real. As sombras pareciam evitar a luz, descendo por ruas secundárias não iluminadas com postes de luz. Podiam ser vistas virando e olhando para trás de novo e de novo, como se estivessem sendo perseguidas por algo. Então…
— Guh!
— Urkh!
Uma das sombras tropeçou e caiu. Havia uma faca kukri (uma adaga com lâmina curva) saindo de suas costas.
Nossos perseguidores estão quase nos alcançando! Instantaneamente percebendo que era perigoso ficar em grupo, as outras duas sombras se separaram para a esquerda e para a direita, indo em direções diferentes.
As presenças que os seguiam foram atrás daquela que havia fugido para a esquerda. Embora aquela que se viu livre sentisse pena de sua companheira, estava bastante aliviada que provavelmente seria capaz de fugir. No entanto…
— …?!
A sombra parou. Havia um homem enorme que emitia uma aura imponente bloqueando o seu caminho.
A aparência dele era bizarra e inquietante. Ele usava uma armadura toda preta que cobria seu corpo grande e musculoso, além de uma máscara em forma de tigre espada sobre o rosto. Era como uma espécie de monstro.
— O Tigre Negro de Parnam… — sussurrou a sombra contra a própria vontade. Ultimamente, ele era alvo de rumores por aí.
Diziam que havia um tigre negro no Reino da Friedônia, e que ninguém que o viu retornou com vida. Bem, vocês podem questionar como alguém sabia que tal pessoa existia se aqueles que o viram jamais voltaram, mas o tigre cuidou da relva sem colocar as mãos em um certo mercador que o viu fazer isso. Com base nas vagas declarações do comerciante combinadas com um sujeito desaparecido exatamente no momento mencionado, espalharam-se rumores de que havia tal ser na capital real.
Também disseram o seguinte:
Se um espião encontrasse o Tigre Negro de Parnam, deveria deixar tudo para trás e fugir, pois não era um inimigo que poderia ser superado em combate. Esses rumores também sempre terminavam com: “Bem, isso se conseguir fugir, é claro…”
Quando a sombra reconheceu o Tigre Negro dos rumores, teve certeza de que eram todos realidade. Ele estava parado ali, mas a sombra não conseguia encontrar aberturas para atacar. Sua postura era como a de um velho guerreiro que defendeu as linhas de frente por décadas.
— Renda-se — disse o Tigre Negro. — Meu mestre é misericordioso. Se não resistir, garanto que não será ferido.
Talvez graças à sua máscara, o Tigre Negro estava com a voz abafada. Ele não disse isso por consideração ao seu inimigo. Era pura formalidade; estava dando um ultimato.
No entanto, a sombra que estava perseguindo sorriu.
— Maldito seja, seu ********* — disse a sombra. — Nós não imploramos por nossas vidas.
Com isso dito, a sombra puxou as duas espadas curtas em seus quadris e atacou o Tigre Negro.
As duas espadas se aproximaram do Tigre Negro. No entanto, ele calmamente sacou a odachi pendurada em seu quadril e dividiu o homem em dois com um corte diagonal. Quando fez isso…
— ?!
No momento seguinte, o corpo do homem abatido foi envolto em chamas. Devia ter pretendido morrer para silenciar a si mesmo e incinerar seu corpo para eliminar as evidências desde o início.
Desapontado, o Tigre Negro sacudiu o sangue de sua tachi e a devolveu à bainha. Houve um tempo em que ele teria pensado que esta era uma esplêndida demonstração de lealdade. Agora, no entanto, não podia mais ver as coisas desta maneira. Se havia algum significado em morrer por lealdade, tinha que ser por um mestre que lamentaria sua morte. Morrer por um mestre que usava e depois abandonava seus seguidores assim era morrer em vão.
Quando parou de divagar, o Tigre Negro… Kagetora foi cercado por homens com máscaras pretas. Eram a elite que servia diretamente sob as ordens de Souma, protegendo a Friedônia das sombras: a unidade de operações clandestinas, os Gatos Pretos.
— Mestre Kagetora — disse um Gato Preto.
— E o resto? — perguntou.
— Queimaram da mesma forma.
— Entendo…
Kagetora pensou por um momento, então deu uma ordem aos seus Gatos Pretos:
— Limpem tudo. Vou relatar isso a Sua Majestade.
— Sim senhor!
Uma vez que Kagetora viu os Gatos Pretos se espalharem, lembrou das palavras que a sombra havia falado.
“Maldito seja, seu infiel.”
A sombra havia falado essa última palavra baixinho, e Kagetora mal conseguiu ouvi-la.
Infiel, hein. Isso… pode ser problemático, pensou enquanto se fundia à escuridão.
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Meia hora depois — Gabinete de Assuntos Governamentais no Castelo de Parnam
Era uma noite de março, quando o clima começou a esquentar bastante.
Desta vez, como na maioria dos dias, Liscia estava me ajudando enquanto eu cuidava da minha papelada. Estava perto da hora do jantar quando algo aconteceu, então optamos por encerrar o dia.
A porta de vidro do terraço foi aberta. Quando me virei, surpreso, lá estava Kagetora, sua armadura preta metálica manchada de sangue. Ainda bem que éramos os únicos na sala. Se uma das criadas que ocasionalmente aparecia tivesse visto isso, provavelmente teria desmaiado. Ele sem dúvidas estava esperando por um momento em que ninguém mais estaria presente.
— Sangue?! — Liscia tentou limpar o sangue com um pano que tinha à mão, mas Kagetora ergueu a mão para que ela parasse.
— Não é meu. Nada com que se preocupar, minha princesa.
— Oh… Entendo.
— Também… a odachi que Vossa Majestade me presenteou tem um corte incrível. — Kagetora colocou a mão na odachi que usava no quadril, então inclinou a cabeça para mim.
Ah, sim. Dei a odachi que desenvolvemos enquanto pesquisava as katanas do Dragão de Nove Cabeças para Kagetora, não foi? Eu a criei para melhorar o fio e o alcance dos ataques cortantes, mas seu comprimento acabou trabalhando contra isso. A menos que a pessoa fosse alta, teria problemas para usá-la bem. (Era difícil tirar da bainha, dentre outras questões.) Para alguém tão alto quanto Kagetora, imaginei que isso não seria problema, então dei a ele. Foi bom ouvir que estava servindo bem.
— Bem, contanto que você esteja bem, isso é bom o suficiente para mim — falei, meio exasperado.
Ouvi uma leve risada por baixo de sua máscara.
— O quê? Falei algo estranho? — perguntei.
Ele riu novamente.
— Eu estava pensando que fui abençoado com um bom mestre.
— Hm? Você está sendo sarcástico comigo?
— Não, quis dizer isso sinceramente.
Talvez tenha tocado em algo que ele estava pensando, porque Kagetora parecia contente quando disse isso. Não fiquei totalmente satisfeito, mas… Bem, isso não era importante no momento. Não havia como o chefe da unidade de operações clandestinas de elite, os Gatos Pretos, estar presente para me envolver em brincadeiras ociosas.
— Então, tem algo a relatar? — perguntei.
— Sim, senhor. A relva ficou mais ativa ultimamente.
A relva… Espiões, hein. Em outras palavras, haviam espiões de outra nação operando na cidade castelo.
— É o Império Gran Caos? — perguntei.
— Se fosse o Império, não teríamos tantos problemas com eles. Nós possuímos algumas “conexões” com eles e chegaríamos a um acordo antes de nos matarmos.
— Conexões…? Você faz acordos com eles?
— Frequentemente trocamos informações sobre outros países.
— Acho que a escuridão tem suas próprias regras…
Esta era uma área onde seria melhor manter minha boca fechada e deixá-lo fazer suas coisas.
— Então, esses espiões que temos por aí, de que país são? — perguntei.
— Destruíram as evidências, então não temos provas, mas… provavelmente, do Estado Papal Ortodoxo.
— O Estado Papal Ortodoxo Lunariano, hein… — murmurei.
Era uma teocracia governada pelo papa Ortodoxo Lunariano. A coisa mais recente que ouvi sobre eles foi que incitaram seus crentes na Amidônia a se revoltarem, então tentaram intervir.
— Mas não somos abertamente hostis ao Estado Papal Ortodoxo, somos? — perguntei.
— Os espiões não existem apenas para serem enviados a países hostis. Mesmo que seja um país com o qual você deseja estabelecer laços amigáveis, espiões podem ser enviados para coletar informações e estabelecer as bases para negociações.
— Hm… Bem, se estão se tornando mais ativos, isso significa…
— É provável que possam fazer algum movimento no futuro próximo.
— Isso é problemático…
Lembrei de algumas coisas que Roroa havia dito quando a conheci.
“Porque esse país odeia a Cordilheira do Dragão Estelar e o Império Gran Caos, é por isso.”
“Na Ortodoxia Lunariana, o papa é o único que pode reconhecer alguém como santo. Na verdade, há uma mulher na Ortodoxia Lunariana que é chamada de santa. É por isso que o Estado Papal Ortodoxo Lunariano vê Madame Maria como uma vilã imperdoável que está se passando por uma.”
“É por isso que, agora que Elfrieden cresceu absorvendo a Amidônia, o Estado Papal Ortodoxo não vai deixar você em paz. Em algum lugar, de alguma forma, tentarão fazer contato. Pode ser que ofereçam a você algum título inventado como “Rei Sagrado” e tentem arrastá-lo para o conflito deles com o Império.”
Se fosse como Roroa disse… isso seria outro aborrecimento.
E alguns dias depois, um pedido de audiência chegou da santa do Estado Papal Ortodoxo Lunariano.
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— E foi assim que acabei concordando em realizar uma audiência com a santa do Estado Papal Ortodoxo Lunariano — concluí.
— Entendo…
Eu estava na Sala da Voz da Joia no Castelo Parnam. Por algum motivo, o rosto da Santa Maria Euforia do Império Gran Caos que se projetava no receptor simples tinha um ar de ansiedade. Embora o Império fosse a mais poderosa de todas as nações da humanidade, as manobras do Estado Papal Ortodoxo Lunariano devem tê-la preocupado.
Eu tinha recebido o pedido de uma audiência há uma semana, e ontem fui notificado de que a santa do Estado Papal Ortodoxo havia entrado no país. No dia seguinte, eu estava programado para realizar uma audiência com ela.
Quando essa situação surgiu, imediatamente usei Hakuya e a irmã mais nova dela, Jeanne, como meus intermediários para estabelecer conversas urgentes com Maria. Não havia como a santa Ortodoxa Lunariana visitar apenas para jogar conversa fora.
Eu ainda não sabia quais eram as intenções do Estado Papal, mas fosse bom ou não para o meu próprio país, certamente não seria bom para o Império, ao qual o Estado Papal Ortodoxo era hostil. Foi por isso que quis avisar Maria com antecedência, para fortalecer a cooperação entre nós em nossa aliança secreta. Não queria que posteriormente ela descobrisse esse encontro com a santa e, como resultado, ficasse indevidamente desconfiada.
Perguntei a Maria:
— Até a grande Santa do Império tem problemas com a outra santa?
— Por favor, não me chame de santa, Grande Rei da Friedônia.
— Urkh…
Ela me retribuiu com um golpe em cheio. Sim, ser considerado uma espécie de modelo que eu não aspirava ser nada mais era do que um incômodo… Quer dizer, eu não era uma lula e muito menos o Dedede.
Enquanto pensava nisso, Maria soltou um suspiro sedutor.
— Nunca encontrei a santa do Estado Papal Ortodoxo, então não posso falar muito sobre ela, mas… Visto que as pessoas do meu país começaram a me chamar de algo por conta própria, parece injusto que ela reclame comigo sobre isso.
— O Estado Papal Ortodoxo não tentou descobrir como você se sentiu sobre isso? — perguntei. — Se eu estivesse no Estado Papal Ortodoxo e você tivesse se tornado famosa como santa, não seria mais prático nomeá-la como santa oficial do que tentar forçar minha própria candidata?
— Oh… Agora que você mencionou, falou-se em talvez fazer isso. No entanto, eu recusei — disse Maria com indiferença.
— Você recusou? — questionei, assustado.
— Deixe-me responder isso com uma pergunta. Você aceitaria?
— É, eu definitivamente recusaria.
— Viu? Eu sabia. — Maria sorriu suavemente, mas com uma leve tristeza. — O que querem que eu faça como uma santa? A quem eu daria ordens e sobre o quê? O Estado Papal Ortodoxo sempre encontra alguma causa justa, e então enviam pessoas para a guerra enquanto dizem que estão defendendo os fracos. Eu não quero carregar uma bandeira para pessoas assim.
Nessas palavras, pude ver a determinação de uma mulher que carregava o peso de uma superpotência nos ombros.
— Posso ser uma imperatriz, mas ainda sou apenas um ser humano — disse Maria. — Em vez de ser adorada como uma santa, quero continuar sendo uma pessoa e ser amada como pessoa.
Continuar sendo uma pessoa e ser amada como uma pessoa… hein. Dizendo a ela que eu concordava, gravei essas palavras no fundo do meu coração.
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A sede da Ortodoxia Lunariana era uma teocracia governada pelo Papa Ortodoxo Lunariano e tinha uma história tão antiga quanto a de Elfrieden. Dizia-se que, na época em que o continente estava em caos, o primeiro Rei de Elfrieden, que também era um herói, conseguiu construir um país unindo várias raças diferentes. Enquanto isso, o Estado Papal Ortodoxo Lunariano passou pelo processo de construção da nação unindo as pessoas com o poder da religião. Seus ensinamentos, como oferecer salvação aos fracos, baseavam-se em sua experiência daquela época.
Parece que a Ortodoxia Lunariana foi originalmente a religião referente a uma raça chamada lunarianos, o povo da lua.
Agora, sobre essas pessoas da lua: foi dito que não eram nativos deste continente, e na verdade eram de fora. Não sei se o “fora” neste caso era de uma ilha como o Arquipélago do Dragão de Nove Cabeças, ou de outro mundo como o meu, mas as lendas diziam que tinham chegado da lua flutuando no céu, e foi assim que receberam o nome.
O objeto de adoração dos lunarianos era a lua, que se dizia ser sua terra natal e, também à qual rezavam como sendo a deusa lunar, Lunaria. Porque Lunaria estava brilhando no céu, foi proibido construir ídolos dela. Além disso, no santuário interno da igreja central na capital do Estado Papal Ortodoxo havia algo chamado Lunalith, as inscrições lunares, nas quais as revelações divinas da lua foram esculpidas.
No início, apenas lunarianos pertenciam à fé, mas ela se espalhou para outras raças e povos que se apoiaram nela em tempos caóticos, e o número de adeptos cresceu. Depois disso, houve conflitos entre facções dentro da religião, bem como conflitos entre interpretações ortodoxas e heréticas. No momento em que a Ortodoxia Lunariana se estabeleceu em sua forma atual, ela já havia se tornado uma das duas religiões mais populares do continente, ao lado da adoração à Mãe Dragão.
Suas doutrinas incluíam a salvação dos fracos e a ajuda mútua.
Essas doutrinas sendo tão simples como Vamos todos ajudar uns aos outros em tempos de necessidade provavelmente os ajudaram a ganhar novos crentes. Os adeptos fizeram como seus ensinamentos mandavam e arrecadaram dinheiro para os menos afortunados, fornecendo comida aos pobres, entre outras operações.
Tenho certeza que você pode entender ao ver isso, mas a Ortodoxia Lunariana e os próprios crentes eram inofensivos. No entanto, quando apareceu na forma do Estado Papal Ortodoxo, as coisas de repente começaram a cheirar mal. Pelo que ouvi, usaram seus crentes em todos os países para influenciar a política, ou os incitaram à rebelião.
Deixe-me enfatizar novamente, também havia crentes inofensivos que eram puros na sua devoção em ajudar os fracos. Eu não poderia reprimir isso junto com os encrenqueiros, e religião é o tipo de coisa que queima ainda mais quando se tenta eliminá-la a qualquer custo. Não importa quanto poder militar um país tivesse, se seus soldados fossem seguidores da Ortodoxia Lunariana, no momento em que se tornassem hostis ao Estado Papal Ortodoxo, a ordem pública começaria a se degradar.
Como pode ver, o poder ligado à religião é uma combinação perigosa.
Tradução: Sahad
Revisão: Lacerda
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