– Um dia do 2° Mês, 1547º ano, Calendário Continental –
Nesse dia, o orgulho do Reino da Friedônia, Hakuya Kwonmin, o Primeiro-Ministro do Robe Negro, estava em reunião com a irmã mais nova da Imperatriz e Comandante do grandioso exército do Império Gran Caos, a Princesa Jeanne Euforia, por meio da Transmissão de Voz da Joia e de receptores simples. Nas negociações entre o Reino e o Império, quaisquer assuntos que não parecessem importantes o suficiente para que o Rei Souma e a Imperatriz Maria se reunissem para conversar diretamente eram resolvidos por esses dois.
Desta vez a reunião começou com um pedido de desculpas de Jeanne.
— Sir Hakuya, primeiramente permita-me pedir desculpas pelo atraso para escolher o embaixador do Império na Friedônia — disse ela, antes de prosseguir. — Não há ninguém que pareça adequado ao cargo, entende? Não é fácil encontrar alguém confiável o suficiente para revelarmos nosso acordo secreto e que, além disso, seja capaz de enxergar o Reino como um aliado em pé de igualdade na aliança…
— Está querendo dizer que a opinião geral é de que nosso país não é digno de estar em pé de igualdade com o seu? — perguntou Hakuya.
— Peço desculpas caso tenha te ofendido.
— De forma alguma. Afinal, há, de fato, uma diferença visível entre a força do nosso país e a do Império.
— Não é nem necessário dizer. Tanto minha irmã quanto eu estamos dependendo do reino, de Sir Souma e de você.
Hakuya soltou uma risada forçada.
— Creio que esteja, claramente, nos superestimando.
— Será? Em relação a nossos vassalos… acho que estão mal acostumados por terem nascido em um país grande demais. Muitos deles confundiram o tamanho territorial com poder e dignidade de um país.
— Já considerou que talvez não estejam completamente errados? — perguntou Hakuya.
Quanto mais terra um país tivesse, maior seria a sua população. Aumentos no território e na população estavam diretamente ligados ao aumento da capacidade de produção. A capacidade de produção de um país estava diretamente ligada com a potência militar.
Mas Jeanne balançou a cabeça.
— Está longe de estar correto. Acha que Sir Souma diria algo assim?
— Não, ele não diria… O que Sua Majestade mais procura são “pessoas” — prosseguiu Hakuya, com um olhar ligeiramente pensativo em seu rosto: — Anteriormente, quando perguntei à Sua Majestade: “O que te levou a priorizar a busca por pessoas qualificadas?”, ele me respondeu: “As pessoas são seu fosso1Trata-se de uma escavação profunda realizada ao redor de um castelo para dificultar o acesso de invasores., suas muralhas e seu castelo.”
— “As pessoas são seu fosso, suas muralhas e seu castelo…” entendo. É um bom ditado. — Jeanne murmurou sua aprovação.
Hakuya falou:
— Bom, não é algo que Sua Majestade pensou por conta própria. Aparentemente, essas palavras são de um estrategista militar do mundo do qual ele veio. — Ele estava dando com a língua nos dentes sobre a origem do ditado, mas, em seu coração, conseguia entender o motivo pelo qual Jeanne havia murmurado daquele jeito.
Souma também havia falado: “Isso foi dito por alguém que existiu de fato em meu mundo, um daimyou… Só para te explicar, esse título era dado para quem era um estrategista militar competente e lorde feudal. Mais ou menos nessa época, o filósofo político Maquiavel estava dizendo praticamente a mesma coisa em uma terra distante, ao oeste. No caso dele, dizia que era melhor derrubar muralhas em épocas de paz.”
“Muralhas em épocas de paz somente serão úteis caso o povo se revolte. Se você depende de muralhas e governa com crueldade, a população ficará contra você e irá convidar forças estrangeiras para dentro de suas terras. Então aparentemente é mais seguro, para um príncipe, ganhar o coração das pessoas do que levantar muralhas. É interessante que havia pessoas no Leste e no Oeste dizendo praticamente a mesma coisa na mesma época da história.”
Souma havia rido, mas suas palavras tinham impressionado Hakuya. Era muito parecido com o tipo de coisa que ele, que fazia suas políticas com base no que tinha aprendido com a história, diria. Foi por ele ter estudado os ensinamentos dos antepassados que tinha conseguido juntar um grupo com diversos “dons”, e isso incluía Hakuya.
Jeanne assentiu.
— Minha irmã também disse algo parecido. “As pessoas são o alicerce do país.”
— Parece que nós dois servimos a bons mestres.
— Mesmo que, no meu caso, ela também seja uma parente… a vejo como uma boa mestra. Por mais que às vezes não dê para contar com ela.
Quando ele viu um sorriso sarcástico no rosto de Jeanne, Hakuya lembrou de seu próprio mestre, o qual normalmente focava na eficiência, mas nunca descartou a sua compaixão por aqueles que eram próximos. Às vezes ele pensava de forma ineficiente, e também era um pouco difícil de lidar de vez em quando, mas, estranhamente, não sentia vontade de fazê-lo abandonar essa compaixão.
— Eu me sinto, mais ou menos, da mesma forma… — disse Hakuya. — É nosso dever dar suporte a eles nesses momentos.
— Você está certo. Agora, vamos aos negócios.
As negociações começaram.
Jeanne falou primeiro:
— Bom… acredito que era para discutirmos a troca do nosso trigo por suas especiarias, como molho de soja, missô e outros. Não temos nada contra isso. Minha irmã gostou muito do que vocês chamam de “molho de soja”. Combina bastante com peixe.
— Também combina com carne — disse Hakuya. — Depois deixe-me te ensinar algumas receitas simples.
— Eu ficaria muito grata. Bom, vocês querem trigo em troca, mas nos foi dito que sua crise alimentícia tinha sido resolvida, não foi?
— Isso está correto, porém ainda possuímos algumas dúvidas em relação ao que pode exceder ou não. Queremos importar comida para caso a colheita seja insuficiente.
— Entendi… A propósito, gostaríamos de, eventualmente, produzirmos essas especiarias nós mesmos. Eu poderia pedir para que despachassem alguns artesãos?
— Os lobos místicos ainda possuem o monopólio de vendas dentro do país, então… dependeria da compensação oferecida — disse Hakuya.
— Entendo. Que tal um método para misturar e gerar um composto que aumenta a produtividade da safra?
— Acredito que isso seria o suficiente. Acho que vou falar disso com Sua Majestade para conseguir sua permissão.
— Próximo… seguindo o exemplo da Transmissão de Voz da Joia do Reino, também tentamos produzir programas no Império.
— Hmm… Como as coisas prosseguiram com vocês?
— Os programas de canto e afins foram os mais bem recebidos, mas eu jamais imaginaria que o mais popular de todos seria um programa que segue a minha irmã durante o dia. Não tenho ideia do que deveria ser interessante nisso…
— Bom, eles a chamam de santa — disse Hakuya. — Tenho certeza de que a Madame Maria deve ser tão amada quanto a Prima Lorelei é em nosso país.
— Por mais que a vida pessoal dela seja uma bagunça, pelo menos ela tem um rosto bonito — admitiu Jeanne. — Nisso, eu a elogio.
— Não sei se é somente seu rosto… mas a irmã dela, a Madame Jeanne, também é bonita.
— Eu jamais esperaria uma bajulação dessas saindo de sua boca, Sir Hakuya…
— Hm? Eu não bajulo ninguém durante as negociações, sabia? — disse Hakuya.
— Aah…
— Hm?
Dez minutos depois…
— Hm, sobre Sir Souma; por acaso ele já está desenvolvendo algum tipo de tecnologia que nunca imaginaríamos?
— Também me pergunto. Será? — disse Hakuya.
— Hee hee. Podemos pagar uma quantia considerável de dinheiro, então você poderia, por acaso, divulgar, nem que seja uma pequena parte dos detalhes, para nós?
— Bom… se você nos revelar como a força principal do Império, o esquadrão de grifos, cria e treina suas montarias, além de nos dar uma quantia de pares reprodutores, eu consideraria.
— Aah, isso não vai acontecer — disse Jeanne, com um sorriso largo em seu rosto.
— Sendo assim, por favor, desista — respondeu Hakuya, com um sorriso
— Hee hee hee.
A partir daí, as negociações prosseguiram tranquilamente, mantendo aquela atmosfera descontraída (?).
Normalmente, as negociações prosseguiam com pechinchas persistentes e com cada lado buscando vantagens para encontrar o acordo mais benéfico para seu próprio país. No entanto, tanto Hakuya quanto Jeanne eram perspicazes e sabiam qual era o meio-termo desde o início, então só ficavam falando suas ideias até chegarem nesse ponto. Por causa disso, a maior parte dos assuntos já havia sido resolvida trinta minutos após a negociação começar.
Com o término das negociações…
— Uff — suspirou Jeanne. — Quando negocio com você, tudo sempre prossegue tranquilamente, por mais que isso signifique que não posso abaixar a guarda por um segundo… Gostaria que o pessoal cabeça-dura daqui aprendesse um pouco com você.
— Digo o mesmo, mas… realmente depende da pessoa com quem estou conversando. Não teria sido assim se você não fosse habilidosa o suficiente para encontrar meios-termos e não fosse uma parceira tão boa e confiável.
— Isso é verdade… Bom, vamos pegar um pouco de chá?
— Parece uma boa ideia.
Ambos se levantaram e começaram a preparar seus próprios chás.
Para essas duas pessoas extremamente ocupadas, seus encontros eram programados para que durassem, no máximo, uma hora. No entanto, devido às negociações sempre prosseguirem tão suavemente, praticamente nunca utilizavam esse tempo todo. Então, em algum ponto, se tornou normal que apreciassem um chá juntos e falassem sobre os acontecimentos recentes, além de se queixarem sobre seus respectivos mestres.
Por mais que estivesse sendo feito por meio de receptores simples, ambos gostavam bastante de passar esse tempo juntos.
Jeanne tomou um pouco de seu chá e tomou um tempo para relaxar.
— Ufa… sobre a questão do embaixador, eu mesma gostaria de ir. Se eu fizesse isso, poderia te ver pessoalmente, sem uma tela entre nós, e poderíamos tomar vinho ao invés de chá…
— Não sou muito bom com o álcool — respondeu Hakuya, com um sorriso torto em seu rosto. — Mas também não é como se eu não aguentasse nem um pouco…
— Nossa, isso sim é uma surpresa.
— O álcool sobe para minha cabeça muito rápido — explicou. — Assim que eu tomo duas taças, praticamente desmaio.
— Hee hee. Caso fosse necessário, eu poderia cuidar de você, sabia?
— Eu me sentiria um homem patético, então preferiria que não tivesse que fazer isso.
— Hahaha… haha… — O sorriso de Jeanne diminuiu gradualmente. — Bom… eu falei isso, mas não é como se eu pudesse deixar o Império. Tenho meus deveres. Além disso, se eu não estiver aqui, minha irmã ficaria completamente sozinha.
— Como assim…? — perguntou Hakuya. — Tenho certeza de que há mais pessoas habilidosas no Império do que o céu tem estrelas.
— Não foi isso que eu quis dizer. Há uma diferença entre os vassalos e a família.
Jeanne começou a olhar para baixo; a conversa claramente estava a incomodando.
— Minha irmã está dando seu máximo para manter o império que nosso pai a deixou. Ela tem muitos vassalos que juraram lealdade. No entanto, eles não podem confortá-la. Normalmente esse seria o nosso dever, como sua família, mas geralmente estou ocupada com meus deveres e nossa irmã mais nova é um pouco excêntrica… bom, vamos dizer que não posso contar com ela para isso. Acho que deveria procurar um marido para casar com ela e entrar em nossa família, mas o trono possui uma influência enorme e, com isso, somente homens ambiciosos se aproximariam dela. Tenho certeza de que, mesmo que um homem sem ambição tentasse se aproximar dela, os ambiciosos ficariam em seu caminho…
Hakuya ficou em silêncio.
A solidão da imperatriz. Quando ficou sabendo disso, Hakuya pensou em seu próprio mestre; em Souma, o qual, quando não estava preocupado com a política do país, passava seu tempo rodeado por suas quatro noivas e sua honorária irmãzinha sem se preocupar nem um pouco em manter uma aparência nobre.
Ele reclamou diversas vezes quando o viu agindo de forma nada majestosa, dizendo: “Seus vassalos então vendo. Sei que é seu tempo livre, mas, por favor, se controle um pouco mais.” Mas talvez ter esse tempo fosse importante para Souma; para que ele não se sentisse sozinho.
Após pensar nisso, Hakuya sorriu um pouco.
— Hm? O que foi, Sir Hakuya?
Quando Jeanne perguntou, curiosa, Hakuya fez um grande balanço com sua cabeça e respondeu:
— Nada… só estava pensando que, surpreendentemente, um único sentimento pode ser o suficiente para diminuir essa solidão.
Depois disso, o tempo agradável que passavam juntos durou um pouco mais.
Tradução: Jeagles
Revisão: Sonny
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