Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino

Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino – Vol. 03 – Cap. 02 – Encontro em uma Esquina de Van

 

Fim do 10° mês, 1.546° ano, Calendário Continental – Capital do Principado, Van.

Passaram-se pouco mais de três semanas desde que o exército do Reino de Elfrieden ocupou Van, a capital do Principado da Amidônia.

O povo de Van olhou severamente para seus conquistadores conforme eles chegavam. Porém, com Souma controlando seus soldados, a ordem pública havia melhorado e, com os bolinhos de raiz de lírio sendo distribuídos, as pessoas não corriam mais o risco de morrer de fome. Como resultado, a desconfiança dos soldados foi gradualmente desaparecendo. O fato de que os nobres e cavaleiros, que normalmente teriam trabalhado para fomentar uma rebelião, acabaram fugindo da cidade, também devia ter ajudado.

Um ar de calma estava começando a tomar conta da cidade.

Porém, dito isso… embora fosse bom que estivesse calmo, parecia que o programa de música que Souma estava transmitindo fazia as pessoas de Van queimarem de paixão pelas artes. Em cada esquina havia menestréis, músicos de rua e artistas de rua de todos os tipos exercendo seus ofícios.

Além disso, havia quem quisesse repintar as casas para deixá-las mais coloridas, e até quem quisesse produzir murais de parede exibindo os belos semblantes de Juna e das loreleis, da apresentadora Chris e de Aisha, que era conhecida por participar da apresentação do programa. As coisas estavam começando a ficar fora de controle.

Quem poderia imaginar que esta tinha sido a capital de um estado militarista há apenas um mês?

Souma chamou esse período de Van de Renascença Amidoniana.

Mudanças repentinas sempre eram acompanhadas por confusão, e em Van havia conflitos diários a respeito dos melhores lugares para realizar apresentações de rua. As tropas do Exército Proibido que haviam ficado para ocupar a cidade eram enviadas para mediar, e os soldados do Exército e Força Aérea que estavam acampados fora da cidade olhavam para eles com pena. Ainda assim, tais desentendimentos nunca levaram a um grande motim, e Van estava mais ou menos pacífica.

Entretanto, este dia começou com Aisha gritando.

— P-Princesa!

— Eek! — gritou Liscia.

Estava de manhã. Liscia estava se vestindo no quarto que usava como seu, até que Aisha entrou sem bater na porta. Isso foi tão repentino que Liscia ficou paralisada de surpresa, mas quando lembrou que estava se vestindo, continuou arrumando seu uniforme e perguntou:

— O-O que foi, Aisha? Por que você está tão nervosa?

— I-Isso… Sua Majestade… Sua Majestade está… — gaguejou Aisha. Talvez porque ela estava sem fôlego, estava tendo dificuldades em pronunciar as palavras.

— Acalme-se — disse Liscia. — Respire fundo.

— C-Certo. — Aisha respirou fundo, conforme instruída. Ela balançou os braços para cima e para baixo, no ritmo de sua respiração ofegante.

Assim que teve certeza de que Aisha havia se acalmado, Liscia tentou perguntar de novo.

— Então, o que está acontecendo com Souma?

— Certo — disse Aisha. — Fui ao escritório de assuntos governamentais para cumprimentar Sua Majestade nesta manhã, como de costume, mas ele não estava lá. Em vez disso, encontrei este bilhete que ele deixou para trás. — Aisha entregou um pedaço de papel para Liscia.

Ela o pegou e leu. Dizia:

— Estou partindo em uma jornada. Por favor, não me procure. Souma Kazuya.

Liscia pressionou a mão na têmpora e suspirou, enquanto Aisha voltava a enlouquecer.

— O-O que faremos? Devemos procurá-lo agora mesmo!

— Já falei, apenas se acalme — disse Liscia. — Souma está tirando o dia de folga.

— Hein? Um dia de folga? — Aisha a olhou sem expressão.

— Certo — disse Liscia, com um aceno. — Ele está com Tomoe. Parecia que estava quase chegando ao ponto de ruptura graças à sua carga de trabalho, então sugeri que tirasse uma folga. Até conversei sobre isso com Hakuya. Quando fiz isso, Souma disse: “Bem, então posso relaxar fazendo bonecos em algum quarto.” Isso não parecia saudável, então pedi para Tomoe arrastá-lo para longe de mim.

— Não ouvi nada sobre isso! — exclamou Aisha. — Sou a guarda-costas de Sua Majestade, entende?! Porque ele não me levou junto?!

Quando viu Aisha com lágrimas se formando em seus olhos, Liscia deu de ombros.

— Você se destaca demais. Este era uma país primariamente humano, então elfos negros se destacam muito, e com sua fama da transmissão recente, não será exatamente capaz de se esconder.

— Não faz muito tempo e este território era inimigo, sabe?! — Aisha reclamou. — Se acontecesse algo a Sua Majestade e Tomoe…

— Não tenha medo — garantiu Liscia a ela. — Eles estão disfarçados, e Juna e uma série de marinheiros de elite vão vigiá-los das sombras.

— Madame Juna também está acompanhando eles? Bem, nesse caso, ele deve estar seguro… — Aisha foi até esse ponto, até que o sorriso maduro de Juna surgiu em sua mente.

Para Aisha, Juna era a mulher ideal. Linda, graciosa, gentil… Ela teria dado qualquer coisa para ser igual a ela. Entretanto… deixando isso de lado, quando imaginou o sorriso de Juna, todos os instintos femininos de Aisha começaram a disparar alarmes.

Se deixarmos nossas guardas baixas, ela vai ficar com todas as peças boas, pensou ela.

— Ele estará seguro… não é? — perguntou ela.

— …

Na verdade, Liscia estava pensando a mesma coisa, então não tinha nada a dizer em resposta.

— Hoje o clima está bom, hein, irmãozão? — perguntou Tomoe.

— Com certeza está, Tomoe — concordei.

Eu estava na rua comercial de Van, andando de mãos dadas com minha irmãzinha honorária, a garota loba mística, Tomoe. Ultimamente havia uma quantidade de trabalho administrativo quase letal a fazer, então Liscia, incapaz de me ver me atormentando por mais tempo, sugeriu que eu tirasse meu primeiro dia de folga desde a época que patrulhei a capital real.

Achei que, se tirasse uma folga, preferia usá-la para descansar, como um pai de férias, mas Liscia disse que isso não seria saudável e ordenou que a pequena Tomoe me arrastasse para a cidade castelo.

Era um lugar que tinha sido território inimigo até recentemente, então estávamos um pouco disfarçados. Meus traços faciais eram supostamente semelhantes aos dos humanos do Arquipélago do Dragão de Nove Cabeças, então eu estava vestido como um viajante de lá. Eu estava usando uma capa de viagem e um chapéu de palha cônico, o que me fazia parecer Kitakaze Kozou1É o personagem de um video-música publicado em 1974. Clique aqui e saiba mais.. Tomoe, por sua vez, usava um robe branco com capuz, como um mago branco de certo jogo. Sinceramente, eu me perguntava se valia a pena nos disfarçarmos para sair, mas…

— Uaau, tem tantas lojas diferentes, irmãozão!

Quando vi Tomoe tão animada, nada mais importava…

— Se você ver algo que te agrada, por que não entramos? — perguntei.

— Certo! ♪ — cantarolou ela.

Quando Tomoe deu aquela resposta enérgica, afaguei sua cabeça. O cabelo entre suas duas orelhas de lobo era fofo e macio ao toque. A sensação era incrível. Ahh… Tão reconfortante.

Tentei falar com a pessoa que também estava do meu outro lado, o oposto ao de Tomoe.

— Juna, você está bem com isso?

— Sim — disse Juna, revelando um sorriso suave. — Se isso lhe agrada, Mestre Kazuya.

Para essas férias secretas, em vez de Aisha, eu iria ter Juna e cerca de dez de seus marinheiros cuidando de mim das sombras.

Sim, das sombras…

— Hm, Juna? Por que você está se agarrando ao meu braço? — perguntei.

Juna se enrolou no braço que eu não estava usando para afagar a cabeça de Tomoe. Ela estava incrivelmente perto. No momento, Juna estava usando uma espada longa nas costas, com uma armadura peitoral por cima das suas roupas. Com ela vestida como uma típica aventureira, não senti aquelas coisas voluptuosas pressionadas contra mim. Ainda assim, eu podia sentir o calor de Juna diretamente em meu braço.

Juna parecia ter percebido como eu estava nervoso e me lançou um sorriso malicioso.

— Ah, é errado fazer isso?

— Não é questão de certo ou errado… Você não deveria estar me protegendo das sombras? — perguntei.

— Estamos te protegendo como deveríamos — disse Juna. — Agora mesmo, meus marinheiros de elite estão protegendo você das sombras. Também estão circulando à nossa frente para observar possíveis pontos cegos.

— Não, mas… seu rosto também não está por todo lugar? — protestei.

O povo da Amidônia devia conhecer o rosto de Juna graças ao programa de música. Mesmo que ela não fosse tão reconhecível quanto a elfa negra, Aisha, Juna não estava escondendo seu rosto. Será que ninguém iria notá-la?

Quando perguntei isso para ela, Juna soltou uma risadinha.

— Deve estar tudo bem. Eu estava usando maquiagem naquela hora. Devia estar passando uma impressão bem diferente.

Agora que ela mencionou isso… Juna estava usando apenas uma maquiagem básica. Sempre que ela subia no palco ou ficava diante da joia como uma lorelei, usava uma maquiagem charmosa que seria reconhecível mesmo de longe. A Juna que eu via nesse momento tinha uma beleza natural, mas a remoção da maquiagem a tornava ainda mais jovem do que o normal. Neste momento, parecia ter mesmo a sua idade.

— Isso mesmo — disse Juna, como se estivesse lendo a minha mente. — A razão pela qual pareço uma adulta madura é por causa da maquiagem, entendeu…?

— Não, tenho quase certeza de que a maneira como você age também tem influência nisso… — falei. — Então isso te incomoda?

Sou uma garota, afinal — disse ela. — Te incomoda me dar os braços, senhor?

Juna estava com uma expressão que parecia um tanto incerta. Aquele rosto… Ela não estava jogando limpo.

— Não é que isso me incomode — falei. — Vamos lá.

— Hee hee — riu ela. — Obrigada.

— Uff… Você com certeza é incrível, Juna — disse Tomoe. — Eu gostaria de poder ser como você.

— Você não acha que está bem do jeito que está, Tomoe? — disse Juna incisivamente para a garota que estava olhando para ela com muito respeito. Tomoe era fofa, e poderia se tornar uma beldade como Juna à medida que crescesse. Depois que ela crescesse e aprendesse a brincar com os homens, isso poderia ser o nascimento de uma incrível tentação.

Enquanto pensava nisso, acabei com a mão de Tomoe na minha e com Juna agarrada ao meu outro braço. Ninguém percebeu nossas verdadeiras identidades, mas os olhares de ciúmes dos homens que passavam e os sussurros das donas de casa tentando adivinhar a relação entre nós três começaram a fazer meu estômago doer.

Para me distrair, tentei falar com Juna.

— Bem… Aonde vamos? Ao contrário de Parnam, Van não tem muitas atrações, então não há muitos lugares que eu queira patrulhar.

— Quando você está na cidade em seu dia de folga, não sei se deveria pensar nisso como patrulhamento. — Juna riu ironicamente do meu processo de pensamento de um viciado em trabalho.

Foi mal por ser tão obcecado por trabalho, pensei.

Então, Juna deu uma olhada em Tomoe antes de sussurrar ao meu ouvido:

— Que tal dar algumas roupas novas de presente para Tomoe? Já que ela é sua irmãzinha honorária, você pode chamar isso de presente de família.

— Ohh, boa ideia.

Com o comentário dela, notei que desde que aceitei Tomoe como minha irmãzinha (embora, tecnicamente, fosse a irmã adotiva de Liscia e minha futura cunhada), estive ocupado com o trabalho administrativo e não fui capaz de agir como um irmão adequado. Tomoe vinha trabalhando duro para negociar com os rinossauros e os shoujous, então seria bom mimá-la um pouco.

— Juna, conhece algum bom lugar para isso? — perguntei.

— Fiz minhas pesquisas — disse. — Deixe isso comigo. — Ela colocou a mão no peito, curvando-se um pouco.

Juna recomendou uma loja de roupas que ficava em uma esquina.

A pequena placa na frente tinha palavras que significavam “A Corça Prateada” escritas em uma fonte estilosa. Pelo que estava exposto na vitrine, parecia não se tratar apenas de roupas, mas também sapatos e ornamentos. Era difícil julgar com meus olhos destreinados, mas todos os produtos expostos pareciam ser de alta qualidade. Era uma loja de primeira classe. O tipo de lugar que um cara como eu, que sempre comprava suas roupas em grandes varejistas, nunca entraria.

Aliás, desde que cheguei neste país, usei tudo o que podia conseguir ou o que já tínhamos em mãos. Ultimamente, o trabalho que eu tinha feito criando e mantendo os bonecos Pequenos Musashibos tinha melhorado minhas habilidades de costura, então eu estava fazendo tudo, menos minhas roupas íntimas. Tecnicamente, tinha o que seria considerado uma posição muito bem paga, então podia me dar ao luxo de fazer pedidos sob encomenda, mas não tinha interesse em me dar a esse luxo no momento. A camisa e a calça que eu estava usando por baixo da capa de viagem, bem como o robe com capuz que Tomoe estava vestindo – foi tudo feito por mim.

— Você pode fazer até coisas assim. Você é incrível, irmãozão — disse Tomoe.

Quando ela me lançou aquele olhar de respeito, pude sentir minha cabeça inchando de orgulho.

— Bem, não posso comprar as roupas que estava acostumado a usar no meu mundo por aqui. Embora eu esteja fazendo isso meio que por hobby — falei para esconder meu constrangimento, então olhei para A Corça Prateada. — Mesmo assim, isso é uma surpresa. Uma loja estilosa como esta na Amidônia, dentre todos os lugares.

— Ouvi dizer que originalmente tratava de roupas e vestuários masculinos — disse Juna. — Depois da transmissão, quando as mulheres começaram a se vestir melhor, começaram a também estocar roupas e acessórios femininos.

Parecia que a coleção mudou em resposta à demanda do cliente.

— Ainda assim, é uma seleção e tanto, não acha? — perguntei. — De onde acha que eles pedem tudo?

— Existem guildas comerciais — disse Juna. — Embora possam não ser capazes de fazer muita coisa em relação à comida, que é escassa, a guilda pode providenciar para que comprem qualquer outro tipo de mercadoria. Para os comerciantes, Elfrieden e a Amidônia são fontes de mercadorias e também clientes valiosos.

— Que astucioso…

Claro, eram aqueles mercadores astutos que mantinham o equilíbrio entre oferta e demanda… mas isso não era nem aqui nem ali, e imaginei que não devíamos ficar na frente disso para sempre.

— Bem, que tal entrarmos? — perguntei.

Quando entrei, gesticulando para que as duas me seguissem, um homem de cabelos grisalhos que estava vestido como um bartender estava arrumando os produtos nas prateleiras. Ele parecia o tipo de cavalheiro de meia-idade que combinaria bem com o aroma de chá preto. Quando nos notou, ele ficou de pé e juntou os pés, levou a mão ao peito e fez uma reverência.

— Bem-vindos. Será que vocês são viajantes?

— Ah… Erm… — gaguejei um pouco. Embora revelar minha verdadeira identidade estivesse fora de questão, como eu poderia explicar a combinação de um homem com um chapéu de palha cônico, uma bela aventureira e uma garota loba com um capuz branco? Enquanto eu tentava pensar em algo, Juna deu um passo à frente.

— Sim. Essas duas pessoas vieram de um reino do Arquipélago do Dragão de Nove Cabeças. São Kazuya, o herdeiro de um comerciante de tecidos de crepe no Reino Echigo, e sua irmã mais nova, Tomoe. Sou sua humilde serva, Silvia. Mestre Kazuya um dia herdará os negócios da família, por isso estamos viajando por vários países para ampliar seus horizontes.

Ela foi bem eloquente.

Bom trabalho, Juna, pensei. E, espera, estou impressionado por você se lembrar da minha história absurda de ser o herdeiro de um comerciante de tecidos de crepe do Reino Echigo. Até eu tinha esquecido dessa história. Além disso, quem é Silvia?

O homem de meia-idade não demonstrou nenhum interesse particular.

— Entendo — disse ele com um aceno suave de cabeça. — Peço desculpas por demorar tanto para me apresentar. Sou Sebastian, o proprietário deste estabelecimento.

Com esse nome, tem certeza de que não é o mordomo, em vez do proprietário?, pensei por um momento, mas lembrei de que nem todo Sebastian precisava ser mordomo.

Sorrindo, ele perguntou:

— E em que posso ajudar?

— Bem… você tem algo que ficaria bom na minha irmãzinha aqui? — perguntei.

— Eh?! — Tomoe reagiu com surpresa.

Coloquei minha mão sobre sua cabeça, acariciando-a por cima de seu capuz.

— Bem, é assim que as coisas são, então se você encontrar qualquer coisa que goste, me avise, certo?

— Hm… Mas…

— Tudo bem. Deixe-me agir como uma irmão adequado de vez em quando.

Com essas palavras, empurrei Tomoe em direção de Juna.

Ela acenou para mim, pegando Tomoe pela mão e indo dar uma olhada nas mercadorias em exposição. Tomoe estava rígida no início, mas era uma garota. Enquanto olhava para os diferentes itens com Juna, pude sentir que ela estava gradualmente começando a fazer compras.

Isso, então, me deixou como um homem com pouco a fazer. Gostei de ver a linda mulher e a garotinha se divertindo nas compras por um tempo, mas me cansei de ficar esperando e comecei a vagar sozinho pela loja.

Eles tinham roupas, sapatos, acessórios e até maquiagem. Havia uma seleção realmente ampla de itens a disposição. Na verdade, era a 1092É uma loja de departamentos em Shibuya. da Amidônia… Bem, não que eu já tivesse ido na 109, ou mesmo a Shibuya, para falar a verdade. Talvez porque as mulheres de Van tenham começado a despertar para a moda, mais de oitenta por cento da área de vendas era dedicada a produtos femininos. Esta loja costumava supostamente atender apenas homens, mas agora tinha casacos para eles, e isso era tudo.

Olhando ao redor, encontrei vários produtos de meu interesse.

O primeiro foi um batom. Era de uma cor mais clara do que rosa claro.

O segundo era um acessório de cabelo. Era feito com ouro e pedrinhas, fazendo com que parecesse uma peça de qualidade, mas tinha formato de joaninha, o que o fazia parecer absurdamente infantil.

O terceiro era uma gargantilha. Era feita de couro azul com uma folha de prata com desenhos de estrelas. O fecho era feito de ouro, com o desenho de um pássaro abrindo as asas.

Pareciam todos bons.

Então, finalmente… a última coisa que chamou minha atenção foi um par de mocassins feitos para garotas. Tinham clipes com fitas e eram absolutamente adoráveis.

Esses mocassins… Acho que podem ficar perfeitos na Tomoe, pensei.

— Ei, Tomo…

— Mestre Kazuya.

Quando eu estava a ponto de chamá-las, Sebastian me interrompeu. Me virei, pensando que isso era suspeito, e Sebastian disse:

— Sinto muito pela interrupção repentina — e fez uma reverência. — Há algo que quero te perguntar, Mestre Kazuya. Isso seria aceitável?

— Pois não…? — perguntei.

— Suponhamos que, no campo de batalha, os generais se reúnam para um conselho de guerra.

O quê? Campo de batalha? Conselho de guerra? Por que ele está de repente falando sobre isso?, pensei.

— Suponhamos também que a primeira ideia levantada naquele conselho de guerra fosse boa. Se você fosse o comandante supremo desse exército, adotaria essa ideia no mesmo instante?

— Eu não faria isso… — falei. — Acho que podem surgir ideias melhores.

— Exatamente — disse ele. — É por isso que, se você fosse um dos generais e desejasse que sua ideia fosse adotada, em vez de apresentá-la na mesma hora, deveria esperar até que o conselho chegasse a um impasse.

— Entendo… Entendo…

— O que quero dizer é que os jogos disputados entre homens e mulheres também são uma batalha.

— Ah… — falei. — Entendi.

Finalmente entendi o que Sebastian estava tentando dizer. Ele estava dizendo que eu deveria esperar um pouco mais antes de apresentar os mocassins que achei que ficariam bons em Tomoe.

Isso era bastante justo, já que Juna e Tomoe estavam gostando de olhar os outros produtos. Se eu aparecesse com algo bom nesse momento, seria como despejar um balde de água fria sobre elas enquanto estavam se divertindo. Se decidissem escolher isso, o tempo de diversão acabaria, e se decidissem que não, seria estranho para mim. Elas não queriam nenhuma dessas opções.

Fiquei profundamente grato pela consideração de Sebastian.

— Você, senhor, é um maravilhoso estrategista.

— Fico honrado pelo seu elogio. — Sebastian colocou a mão direita na barriga, curvando-se respeitosamente para mim. Foi um gesto teatral, mas executado sem qualquer problema, então não me ofendeu.

Então, pensei em algo.

— A propósito, você acabou de usar um conselho de guerra para uma analogia… — Será que ele estava ciente de nossas verdadeiras identidades? Mencionei isso porque pensei que poderia ser possível, mas Sebastian balançou a cabeça com pressa.

— Minha nossa… Perdão por isso. Até outro dia, eu só tinha lidado com a nobreza, sabe. Não consigo perder o hábito. Se te ofendi de alguma forma, peço desculpas. Tenho um cliente regular que gosta dessas brincadeiras.

— Não, não é grande coisa… — falei. — Esse cliente é um soldado?

— Não, não, está mais para um adorável tanuki — disse Sebastian.

Um tanuki, hein. Entre o proprietário que eu não conseguia ler e essa pessoa que ele chamou de tanuki… Fiquei intrigado. Mas, deixando isso de lado por um momento, comprei algumas coisas em silêncio para que as outras duas não notassem. Depois disso, esperei as duas terminarem de examinar as coisas, então recomendei aqueles mocassins fofos para Tomoe. Ela hesitou em aceitar, conforme esperado, mas parecia que gostou deles, então meio que forcei como um presente.

Tomoe segurou a caixa com os mocassins apertada contra o peito.

— O-Obrigada… irmãozão… Vou tratar isso como um tesouro…

Quando ela disse isso, lágrimas se formaram em seus olhos, então acariciei sua cabeça. Talvez agora tivéssemos sido capazes de agir de acordo com um irmão e irmã. Se eu pensasse nisso, antes, os únicos que poderia chamar de família eram meus avós. Mas agora havia Liscia, Tomoe, Aisha e Juna.

Sim, é bom poder se sentir conectado às pessoas… Enquanto eu afagava a cabeça da minha irmãzinha, esse pensamento começou a me afogar.

Juna estava parada ao nosso lado, um sorriso em seu rosto.

— Ah, Juna — falei. — Espera um segundo.

Já era pouco mais do meio-dia quando saímos da loja de Sebastian. Enquanto estávamos em movimento, procurando um lugar para talvez almoçar, pedi para que Juna parasse por um segundo.

— Algum problema? — perguntou ela.

Entreguei-lhe uma sacolinha enquanto ela me olhava com curiosidade.

— Eu queria te dar isso.

— Para mim?

Juna aceitou, abrindo, e dentro estava aquele acessório em forma de joaninha. Foi um dos que comprei em segredo.

— Hein?! — murmurou ela. — Hm, isso é…

— Você sempre faz muito por mim — falei. — É a minha forma de dizer obrigado.

— Não, eu não poderia aceitar algo assim. Não tenho o direito…

— Dá isso aqui. — Peguei a joaninha de Juna e coloquei no cabelo dela.

Sim, parecia exatamente como eu imaginei que ficaria. Era um modelo infantil demais para a Juna de costume, mas quando a Juna de aparência mais jovem o usava, parecia uma garota tentando ser um pouco mais madura. Isso era fofo.

— Realmente combina com você, Juna — falei.

— Ahh…

Quando agi como se fosse maduro, Juna corou de forma incomum. Senti como se finalmente tivesse conquistado uma pequena vitória sobre ela, aquela que sempre parecia mais madura. Juna virou a cabeça para o lado e desviou o olhar.

— Majestade. Se você for dar presentes para mulheres, certifique-se de dar à princesa e a qualquer outra pessoa simultaneamente. Em sua posição, provavelmente acabará tendo várias esposas. Se isso acontecer, não poderá escolher favoritas. Você tem que amar todas elas igualmente ou aceitar que o casamento é apenas uma ferramenta política e não amar nenhuma delas. De qualquer forma, não causar discórdia entre as mulheres da sua vida é mais uma das suas funções, certo?

Juna falou rapidamente, tentando me distrair. O fato de ela ter falado tanto era uma prova de seu constrangimento.

— Tá tudo bem — falei. — Também tenho algo para Liscia e Aisha.

Quando se tratava de acessórios, Liscia tendia a preferir aqueles que poderia usar na batalha aos que eram simplesmente bonitos. Escolhi a gargantilha de couro azul para ela por ser estilosa, mas não atrapalharia. Para Aisha, que, como Juna, estava sempre me ajudando, planejei dar aquele batom que achei que combinaria com sua saudável pele morena. Enquanto apresentava o programa de música, parecia que ela estava preocupada com o quão feminina era.

— Então não precisa se preocupar com isso — expliquei.

— I-Isso é um fato…? — perguntou ela.

— Sim, é. E, falando nisso, Juna?

— Pois não…? — perguntou ela.

— Não é “senhor”, é “Mestre Kazuya”, lembra?

— Ah…

Já fazia algum tempo que Juna estava me chamando de “senhor”, e não de “Mestre Kazuya”. Parecia que quando começou a falar bastante comigo, estava realmente tentando esconder seu constrangimento.

Juna tinha uma expressão carrancuda em seu rosto vermelho.

— Mestre Kazuya… é surpreendentemente um grande valentão.

— É mesmo? — perguntei.

— Sim. E bastante mulherengo — disse ela, mais uma vez se agarrando ao meu braço. Com ainda mais força do que da última vez.

Por cima do meu ombro, pude ver o sorriso envergonhado de Juna, com aquela mecha de cabelo brilhando acima dele.

— Uau… tem várias lojinhas por aí, irmãozão! — Tomoe chorou alegremente, vendo todas as barracas de rua alinhadas na praça.

Em nossa busca por um lugar para almoçar, Juna nos levou à praça com o receptor da Transmissão de Voz da Joia. Apenas um mês atrás, este lugar costumava ser um campo aberto, mas agora estava lotado de barracas que vendiam comida e produtos variados. Tínhamos acabado de colocar os pés na praça, mas já podíamos ouvir os donos das barracas chamando clientes e os clientes pechinchando por preços melhores.

Os rostos na multidão também eram diversos. As donas de casa estavam presentes para comprar ingredientes para o jantar. Um grupo de artesãos estava presente para almoçar. Mesmo os soldados fora de serviço das forças do reino estavam presentes para comprar lanches.

Devem ser do Exército, pensei comigo mesmo. Os soldados do Exército e da Força Aérea acampados do lado de fora tinham permissão para entrar na cidade quando estavam de folga.

Também pude ver um grande número de não-humanos que pareciam viajantes ou aventureiros. Raça, trabalho, nacionalidade… nada disso importava. Era uma grande mistura de pessoas de todos os sexos e idades.

— Como foi que acabou assim…? — pensei.

— Graças a Sir Poncho, a crise alimentar de Van foi consideravelmente aliviada, mas poucas pessoas podem produzir alimentos bons o suficiente para sustentar um restaurante — explicou Juna. — Entretanto, as pessoas que pensam que podem administrar uma barraca de comida se reúnem aqui. Este é, agora, o maior mercado de Van.

— Em um lugar isolado como este? — perguntei. — Não se sairiam melhor na rua principal?

— É porque o receptor da Transmissão de Voz da Joia está aqui.

— Ah, entendi…

Desde que aquele programa de música foi ao ar, como um teste, estávamos transmitindo o noticiário de Chris Tachyon durante o dia e o programa de canto à noite. Os clientes não se reuniam por haver barracas no local; elas se reuniam ali por haver pessoas esperando para assistir à Transmissão de Voz da Joia.

É como o mercado negro no Japão do pós-guerra, pensei. Talvez algum dia acabe como Ameyoko3É um mercado a céu aberto em Tóquio..

Juna e as loreleis só apareciam no programa de música nos finais de semana. Em dias alternados da semana, realizávamos um programa em que competiam os concorrentes que pretendiam se tornar loreleis. A Transmissão de Voz da Joia estava sempre ao vivo, então se as loreleis fossem as únicas aparecendo no programa, acabariam sobrecarregadas pelo estresse.

Se alguém que aparecia nos programas de concurso fosse considerado como tendo um dom para o canto, poderia ser instituído como cantor, assim como Margarita, ou, se fosse atraente, como lorelei. Se fossem homens, poderiam estrear como um da nova classe de ídolos masculinos: os cavaleiros cantores, orfeus.

O programa era transmitido simultaneamente em dois países, Elfrieden e Amidônia, e poderia ser visto em qualquer cidade em que houvesse um receptor. A reação podia ser diferente na Amidônia, ou as cidades de Elfrieden podiam estar reagindo de forma semelhante.

Depois precisarei estimar o impacto econômico disso, pensei com um sorriso. Foi então que Tomoe puxou meu casaco.

— Irmãozão, estou com fome — disse ela.

— Ah, certo — disse Juna. — Bem, que tal pegarmos algo de uma das barracas?

— Sim! ♪ — cantarolou Tomoe.

— Então é isso que faremos — disse Juna.

Nós três olhamos pelas diferentes barracas. Quarenta por cento delas vendiam comida, 20% vendiam acessórios variados, 20% vendiam equipamentos e as demais negociavam com outras coisas.

Parecia que muitas barracas de comida estavam vendendo espetos. Van ficava muito longe do mar, então só podiam colocar as mãos em peixes de rio e, com a crise alimentar, os grãos e vegetais estavam escassos. Por outro lado, para comer carne, tudo o que precisavam fazer era caçar animais selvagens.

Provavelmente estavam vendendo carne que havia sido caçada além das muralhas da cidade. Por isso, nenhuma barraca dizia abertamente que tipo de carne estava vendendo. Isso era pior do que rotular erroneamente a carne para vendê-la a um preço mais alto; saber de quais criaturas qualquer uma delas tinha saído era um completo mistério.

— Parece que comprar qualquer espeto é uma aposta… — murmurei.

Eu provavelmente poderia lidar com carne de coelhos com chifres, mas carne de rato gigante e de lagarto, bem… Acho que minha estatística de sanidade seria gravemente afetada ao comer isso. Além do mais, se estivessem caçando tudo o que podiam nos campos próximos, não havia como dizer que doenças ou parasitas isso poderia ter. Não havia leis de higiene alimentar neste mundo, e nenhum dos cozinheiros era licenciado.

Eventualmente também vou precisar instituir isso…, pensei.

— Está tudo bem — disse Juna com um sorriso muito adorável. — Mandei os marinheiros virem aqui antes de nós e servirem como provadores de veneno. Permita-me guiá-lo para uma barraca segura.

— Provadores de venenos?! E não testadores de gosto?!

— Se algo te acontecesse, seria uma crise nacional — disse ela. — É natural que testemos qualquer coisa do mercado para ver se há veneno. Seu corpo não é mais só seu, sabe?

O que, agora estou grávido? Eu queria brincar um pouco, mas entendi o que ela estava tentando dizer. Eu não sabia se seria capaz de usar os Poltergeists Vivos se ficasse doente por causa de uma intoxicação alimentar. Se não pudesse, isso significaria que a administração do país ficaria sem vários exemplares meus.

Sim, parecia que provadores de veneno seriam necessário, pelo bem do meu povo. Eu teria que simplesmente aceitar.

— E? Qual foi o resultado da degustação de veneno? — perguntei.

— Uma pessoa reclamou de dor de barriga e se retirou.

— Envie um mensageiro para o castelo! — exclamei. — Sempre que for vendido um prato com carne ou peixe, os ingredientes devem estar listados na loja! Informe-os de que, se não fizerem isso, ou se houver um erro nos ingredientes apresentados, o negócio será fechado!

— Entendido. — Juna enviou um dos marinheiros que estavam nos protegendo para passar aquela mensagem ao castelo.

Foi neste momento que o Reino de Elfrieden viu o início de sua primeira lei de segurança alimentar.

Eu pretendia expandir a gama de coisas que exigiam que seus ingredientes fossem listados no devido tempo, mas, antes disso, eu queria reprimir as fraudes com a carne. Se houvesse bactérias ou parasitas, poderia ser uma questão de vida ou morte.

— Ó, marinheiros caídos — lamentei. — Não deixarei que suas mortes sejam em vão.

— Não, eles não morreram. É só intoxicação alimentar — disse Juna, revirando os olhos.

Não, não, mesmo a intoxicação alimentar pode ser questão de vida ou morte, você devia saber, pensei. Uma vez, meu avô comeu alguns ovos crus que estavam com a data de validade vencida. Pegou salmonella e ficou hospitalizado por dias. Felizmente, não era muito sério, mas sua recusa em jogar alguns ovos que custaram dez ienes cada no lixo custou dezenas de milhares de ienes em taxas hospitalares. Vovó o provocou por causa disso por um bom tempo.

Bem, deixando isso de lado, compramos nossos espetos em um lugar sugerido por Juna, junto com um pouco de suco misturado de um vendedor de frutas, e nos sentamos em um banco simples para comer.

Tomoe mordeu seu espeto.

— Sim, isso é delicioso, irmãozão.

— Sim. Esta carne é muito boa — concordei.

— O suco também é delicioso, Mestre Kazuya — disse Juna.

A carne estava gostosa e suculenta. Não ficava muito longe dos espetos de carne que eram vendidos em festivais, então perguntei qual carne era. Acontece que era de um tourão, um grande animal parecido com um búfalo.

O suco não estava gelado, mas já era final do outono, então não estava tão quente. Estava um pouco azedo, mas foi refrescante após comer o espeto de carne gorduroso. Com nossos estômagos agora cheios, respiramos e relaxamos um pouco.

Tomoe começou a cochilar ao meu lado, então decidi deixar que tirasse uma soneca. Ela descansou a cabeça no meu colo, se enrolou como uma bolinha e sua respiração ficou leve. Quando acariciei a sua cabeça, estava suave como seda, como o pelo de um cachorro de verdade.

— Hee hee, ela não é a mais fofa? — disse Juna enquanto olhava para o rosto adormecido de Tomoe. Depois, aproximando-se o bastante para que nossos ombros se tocassem, ela sussurrou baixinho e com uma expressão triste no rosto: — Espero que esses dias de paz durem para sempre…

— Por favor, não vá dizendo coisas que sinalizem eventos assim — falei. — Você sabe que isso não pode acontecer, certo?

Juna balançou a cabeça.

— O Exército Imperial está quase aqui. São quase 50.000.

— 50.000? Isso é menos do que imaginei — falei.

Tínhamos uma força de 45.000 soldados do Exército Real de Elfrieden estacionados em Van, então nossas forças estavam mais ou menos igualadas. Claro, uma vez que as tropas da Amidônia fossem adicionadas à equação, sem dúvidas teriam uma força superior, mas eu esperava que tivessem três vezes o nosso número.

Para o Império Gran Caos, que havia chamado a humanidade para se unir contra a ameaça do Domínio do Lorde Demônio, duvido que quisessem abrir uma nova frente contra nós, mas se movessem tropas suficientes para tornar possível que tomassem Van, serviria para nos intimidar.

Ainda assim, Juna balançou a cabeça.

— Os Amidonianos provavelmente estavam hesitando em permitir isso. Devem ter ficado preocupados que, se o Império chegasse com um enorme exército, haveria o risco de tomarem o país.

— Como o país que emitiu a Declaração da Humanidade, eu de alguma forma duvido que o Império faria isso, sabe? — falei.

Se dissessem que não reconheceriam nenhuma mudança no traçado da fronteira, e então lançassem uma guerra de invasão, a Declaração da Humanidade não valeria sequer o papel em que foi escrita. Se isso acontecesse, perderiam a confiança dos países em sua aliança, e a estratégia do Império de unir a humanidade em face do Domínio do Lorde Demônio entraria em colapso.

— Digo, é exatamente por isso que o Império se ofereceu para mediar — acrescentei.

— A Amidônia já foi contra a Declaração da Humanidade — disse Juna. — Tendo traído a confiança do Império, podem ficar nervosos com a possibilidade de serem traídos.

— Como ser pego em sua própria teia de mentiras, hein…

Eles foram apanhados em sua própria armadilha. O principado agiu contra a vontade do Império, mas teve que se agarrar à sua autoridade agora que estava em uma crise. Devem ter se sentido um pouco culpados por isso.

Além disso, ninguém respeita os oportunistas, por isso perderam a confiança dos outros. Deviam estar tremendo de medo de acabarem abandonados pelo Império.

— Meio que faz você querer revirar os olhos… mas é conveniente para nós — falei. — Se houver uma cisão entre o principado e o Império, pode haver espaço para agirmos.

— Hee hee hee, é hora de nosso rei mostrar suas habilidades — disse Juna.

— Eu gostaria que você não colocasse tanta pressão em mim, sabe? — perguntei.

— Ora, que coisa, e eu pensando que você agora fosse o Mestre Kazuya, hein? — respondeu ela em tom de brincadeira.

Ela provavelmente queria se vingar de mim por mais cedo. Essa era a Juna – justamente quando pensava que tinha uma vantagem sobre ela, as coisas mudavam.

— Bom dia a todos. Está na hora do Notícias Elfrieden.

Então, de repente, ouvimos a voz de Chris Tachyon.

Parecia que estava na hora do noticiário da tarde. Quando olhei para cima, a imagem de Chris lendo as notícias foi exibida na névoa no ar.

Uau… Então é assim que nossas transmissões parecem para as pessoas da cidade, pensei. Foi a primeira vez que vi isso em um dos receptores de fonte. Como a tela era tão grande quanto a de um cinema, causava um grande impacto.

— Agora, nossa primeira notícia do dia. A nova cidade costeira em construção na Elfrieden Oriental, Venetinova, está atualmente em fase de conclusão. Com Venetinova instalada, o transporte por terra e mar se tornará mais eficiente, permitindo a entrega mais rápida de mercadorias para…

Essas notícias foram coletadas em todo o Reino de Elfrieden (incluindo Van), usando kuis mensageiros, igual aos que Aisha costumava usar para entrar em contato com a Floresta Protegida por Deus. (Mensageiros kuis eram pássaros, como pombos-correio. Usando seu instinto de retorno e sua capacidade de detectar as ondas emitidas por seu mestre a longas distâncias, permitiam que um indivíduo e local específico entrassem em contato um com o outro.) Sua força era que mesmo as aldeias nas montanhas que não recebiam as Transmissões de Voz da Joia ainda poderiam receber informações. No entanto, ao contrário da Transmissão de Voz da Joia, que poderia comunicar informações em tempo real, essas informações chegariam com um ou dois dias de atraso.

Se um incidente ocorresse na Cidade Lagoon, por exemplo, no extremo nordeste de Elfrieden, a informação não seria entregue diretamente a Van. Em vez disso, esperaria pelos kuis que levavam notícias a cada cidade em intervalos regulares. Então, quando o kui levava a notícia para outra cidade, outros kuis deixavam a cidade para levar a notícia para outros destinos. Os kuis tinham que voar longas distâncias, então isso era para evitar que a comunicação fosse cortada no caso de um kui ser atacado por um predador no meio do caminho. A propósito, notícias urgentes seriam entregues não pelo mensageiro kui, mas por cavaleiros wyvern.

Por conta disso, não era possível entregar todas as notícias que aconteciam em um dia dentro de tempo hábil.

— Agora, para nossa próxima notícia. Nas primeiras horas da manhã de ontem, um pequeno incêndio estourou em Van…

A partir daí, Chris relatou os vários acidentes e incidentes que ocorreram no reino, seguidos por informações sobre como cozinhar bolinhos de raiz de lírio e outras informações úteis para o dia a dia das pessoas.

Quanto a mim, pensei que seria conveniente se pudéssemos incorporar uma previsão do tempo no programa, mas parecia que seria muito difícil. Havia uma certa quantidade de conhecimento sobre o clima neste mundo, e havia gente que podia prever o tempo lendo as nuvens, tudo com base em muitos anos de experiência. Porém, como acabei de mencionar, sem um meio de comunicação de alta velocidade, não poderíamos transmitir essa informação em tempo real.

Notícias sobre tufões podem ser uma questão de vida ou morte, então gostaria de descobrir algo… pensei.

Enquanto pensava nisso, ouvi um suspiro repentino.

— E pensar que usariam a Transmissão de Voz da Joia assim…

Na minha frente, uma garota vestida como aventureira estava de costas para mim. Ela ficou com as costas retas, seu rabo de cavalo dourado balançando em suas costas. Por um momento, achei que ela se parecia muito com Liscia, mas essa garota estava com o cabelo preso em uma posição mais alta, e o cabelo de Liscia agora estava meio curto. A garota se virou para me mostrar seu lindo rosto de perfil.

— É absolutamente necessário implementar este sistema em nosso país — disse ela. — Quando eu voltar, vou fazer uma proposta para isso. Ainda assim, como você teve uma ideia tão avançada?

Ela me perguntou isso com uma cara séria.

O que é isso, do nada? Eu estava pensando quando Juna se prontificou ao meu lado. Ela então se colocou entre a garota e eu.

— Juna? — perguntei.

— Tenha cuidado — advertiu Juna enquanto estava lá para me proteger. A expressão em seu rosto estava sombria, e era evidente pelo seu tom de voz que ela estava preocupada. — Essa garota é uma guerreira talentosa. É lamentável que Aisha não esteja aqui. Mesmo se eu estivesse pronta para morrer a derrubando, não sei se poderia impedi-la…

— Ela é tão forte assim? — perguntei.

Vendo a reação cautelosa de Juna, a garota com o rabo de cavalo sorriu.

— Não precisa se preocupar, não tenho nenhuma intenção hostil, Lorelei Juna Doma.

Juna respirou fundo.

— Você me conhece…

— É claro — disse ela. — Me aproximei de você por estar ciente de quem você é. Afinal, temos nossos próprios agentes.

Isso significa que ela também sabe quem eu sou, hein, pensei.

Ela devia ter planejado fazer um contato já sabendo que eu apareceria disfarçado. Isso aconteceu porque o estabelecimento de um corpo de inteligência para o reino foi adiado por minhas dúvidas a respeito do pessoal que eu tinha para dirigi-lo.

Mas, se ela diz que não tem intenção hostil…

— Você é do Império? — perguntei.

— Sim — disse a garota, levando a mão ao peito e abaixando a cabeça. — Prazer em conhecer, Sir Souma Kazuya. Sou a irmã mais nova da Imperatriz Maria Euphoria do Império Gran Caos, e aquela que cuida dos assuntos militares no lugar dela, Jeanne Euphoria.

Sussurrei para Juna:

— O que aconteceu com nossos guardas?

— Parece que ela também tem guardas, então eles não podem se mover — respondeu Juna.

— É por isso que ela veio sozinha, hein — falei. — Cuide da Tomoe por mim…

Deixei Tomoe, que estava grogue após ser repentinamente acordada, com Juna e fiquei de frente para Jeanne Euphoria. Ela estava nos relatórios que recebi. Havia uma princesa que cuidava dos assuntos militares para a Santa do Império, a Imperatriz Maria Euphoria; e, como Maria ainda não era casada, também era a primeira na linha de sucessão. Deve ser a irmã dela, pensei.

— A irmã mais nova da Madame Maria tem algo a tratar em nosso país? — perguntei.

Fui direto ao ponto ao falar com ela. Por nosso país não ter assinado a Declaração da Humanidade, não tive que prestar respeitos à Imperatriz Maria como minha líder. Em outras palavras, como éramos líderes de nações independentes, minha posição era igual à de Maria. E visto que Jeanne era a irmã mais nova da imperatriz, sua posição era a de vassala e, portanto, eu estava acima dela. Eu não tinha vontade de me gabar dos meus próprios vassalos, mas, ao lidar com estrangeiros, era importante que nossas posições ficassem claras.

Jeanne respondeu como se isso fosse perfeitamente natural.

— Nenhum negócio particular. Eu apenas queria ver como a pessoa com quem estarei negociando regras pessoalmente, mas meus agentes receberam a informação de que você estaria se esgueirando pela cidade castelo, então pensei que poderia muito bem vir me apresentar.

Então seus planos originais não incluíam me encontrar. Ela acabou descobrindo que eu estava tirando um dia de folga enquanto estava por perto, então tentou fazer contato.

— Mesmo assim, foi bem ousado da sua parte entrar em Van enquanto estávamos a ocupando — falei.

— Sou do tipo que só acredita no que vê com os próprios olhos — respondeu Jeanne. — Os rumores sobre você chegaram até o Império, muitos deles sem fundamento, então eu queria descobrir por mim mesma.

Rumores? Existem rumores sobre mim no Império?, pensei.

— Que tipo de rumores seriam esses? — perguntei.

— Dizem coisas como: você é “o governante brilhante que resgatou uma economia à beira do colapso”, ou que “inventou formas de preparar alimentos que não eram acostumados e salvou o país de uma crise alimentar”, ou que você “demonstrou uma força incomparável em batalha, derrubando pelotões de inimigos, um atrás do outro”… e muito mais.

— Parece que as coisas foram bem embelezadas por aí, hein — comentei.

Nenhuma dessas coisas foi alcançada com apenas a minha força. A reestruturação econômica havia sido o trabalho árduo dos burocratas, e reunir os ingredientes e ensinar a prepará-los era uma conquista de Poncho. Quanto à guerra, eu só coloquei os exércitos em movimento, depois deixei a luta para pessoas mais fortes. No final das contas, se fosse nomear uma coisa que fiz, seria que “deleguei tarefas a pessoas que poderiam cuidar delas”.

— Ah, e existiam rumores de que você também é um “demônio sexual insaciável” — acrescentou Jeanne.

— Espera, calma aí!

Quem você está chamando de demônio sexual?!

— De onde saíram esses rumores?! — exclamei.

— O boato diz: “Apesar de ser noivo da bela filha do rei anterior, ele reuniu beldades de todo o reino para selecionar uma concubina”, ou algo assim. Madame Juna não foi a escolhida para ser sua concubina?

Que mal-entendido horrível! Deviam estar falando sobre o Grande Prêmio Garota Bonita Elfrieden, que fiz como parte da minha busca por pessoas talentosas. Quando falei que eu estava procurando por pessoas com talentos, existiam muitas aplicações nos campos das artes marciais, beleza e artes. Tudo o que fiz foi criar um formato de torneio para que competissem.

Naquele momento eu sequer tinha um plano para o Projeto Lorelei. Pensando bem, na época existiam rumores de que “O torneio de beleza pode ser para o rei encontrar amantes”, e todos os nobres tentaram enviar suas parentes para participar. Os outros países viram da mesma forma?

— U-Uma concubina, eu…? Bem, sim, eu sabia que existiam esses rumores — disse Juna, seu rosto ficando vermelho.

Ela estava falando sério?

Eu não sabia sobre a existência de rumores assim… e isso era meio difícil de aceitar. Desde que assumi o trono, estive lutando contra uma carga de trabalho tão extrema que até minhas relações com Liscia permaneceram completamente castas. Na verdade, já era um pouco tarde para dizer isso, mas meu relacionamento com ela havia pulado várias etapas importantes, não foi? Estávamos noivos para nos casar e, ainda assim, nem tínhamos estado em um encontro adequado, tampouco nos beijamos.

Enquanto eu pensava nisso tudo, Jeanne me olhou pensativa.

— Hm… Se esse boato for falso, suponho que não posso usar esse método.

— Qual método? — perguntei.

— Bem, se você fosse um rei lascivo, pensei que se minha linda irmã o recebesse e te pedisse da devida forma, você aceitaria nossos pedidos com bastante facilidade.

— O que você estava planejando obrigar a Santa do Império a fazer?! — gritei.

— Parece que minha irmã não gosta muito desse título de “santa”, mas… os homens talvez achem que ela ser uma “santa” seja bem atraente, sabe? — perguntou ela.

— Bem… Posso entender isso — falei. “A Santa do Império, Maria”… As palavras, por si só, tinham um impacto incrível. Por um lado, se uma mulher estava sendo chamada de santa, já dava vontade de vê-la. Isso aumentaria a expectativa de que ela fosse bonita e nobre.

Espera, parando para pensar, eu também tinha aquele título de “herói”. Mesmo tendo sido convocado como um herói de outro mundo, eu não tinha feito nada particularmente heroico, então tinha me esquecido por completo.

— Títulos, hein? — perguntou Juna. — Acha que também pensam que “lorelei” seja atraente?

— Por que você está se interessando por isso, Juna?! — resmunguei.

— Ah, não… Foi só uma pergunta…

Jeanne gargalhou.

— Hee hee! Você é mais divertido do que pensei que seria.

Ela estava nos observando gracejar com um sorriso.

— Mas não estamos fazendo isso porque queremos te divertir — falei.

— Não, não, a proximidade entre você e seus vassalos é uma marca da estabilidade em seu país, tenho certeza — disse ela. — Não poderíamos nos safar com isso em casa.

— No Império é diferente…? — perguntei.

— Nosso território é desnecessariamente grande e o poder da imperatriz é enorme — disse Jeanne. — A chamam de santa e meio que a adoram, então costumam ser muito reservados ao redor dela. As únicas pessoas com quem ela pode conversar de forma tão casual são da nossa família. Além disso, minha irmã leva o fato de ser uma imperatriz muito a sério, então tenta tratar todos com igualdade, o que a deixa em uma posição em que não pode se abrir com ninguém.

Jeanne encolheu os ombros e olhou para a multidão na praça.

— Isso foi a mesma coisa. Mesmo que não exista nenhum benefício para nós em ajudar a Amidônia após ignorarem a Declaração da Humanidade…

— Para a irmã mais nova da Madame Maria, com todos os ideais que ela tenta defender, você tem uma perspectiva terrivelmente realista — falei.

— Se a irmã mais velha é uma sonhadora, a mais nova precisa ter o pé no chão — disse Jeanne com um sorriso irônico.

Hm… Parecia que Jeanne estava mais perto da minha forma de pensar do que Maria. Em vez de abraçar ideais elevados, ela era do tipo que poderia apresentar soluções pragmáticas.

Quando se sustenta ideais, as pessoas se reúnem ao seu redor. Entretanto, se mantivesse esses ideais por muito tempo, mais cedo ou mais tarde perderia o rumo. Alguém tem que estar de olho no caminho à frente. Ter a Jeanne, mais realista, ao seu lado, devia permitir que Maria continuasse sustentando seus ideais.

O Império tinha a maior população do continente. Eu não sabia quantas pessoas extremamente talentosas existiam por lá, mas em termos numéricos relativos, deviam ter muito mais do que em meu país.

Jeanne apontou para a imagem de Chris projetada no ar acima de nós.

— A propósito, essa é uma forma incrível de usar a Transmissão de Voz da Joia. Ao liberar informações regularmente, você as usa para ajudar a aliviar os medos de seu povo. Se importa se fizermos o mesmo em casa?

— Faça o que quiser… — falei.

Digo, isso não seria difícil de imitar. E também não era algo que eu pudesse proibi-la de fazer.

— Obrigada — disse Jeanne. — Como você consegue essas ideias avançadas?

— Isso é avançado? — perguntei. — Era bastante normal no mundo de onde vim.

— O mundo de onde você veio… Claro. — O sorriso de Jeanne de repente sumiu.

Enquanto eu me perguntava o que estava acontecendo, Jeanne endireitou a postura e fez uma reverência profunda. Ela se curvou até que seus quadris ficassem em um ângulo reto. Foi uma reverência profunda o suficiente para que, se existisse o costume neste mundo, pudesse ter feito uma reverência formal.

Fiquei confuso por sua repentina ação.

— O-O que houve? Isso é tão repentino.

— Você foi terrivelmente incomodado por nossa causa — disse Jeanne. — No lugar de minha irmã ausente, peço desculpas.

— Você está se desculpando? — perguntei, assustado.

Quando Jeanne ergueu o rosto, exibiu uma expressão de dor.

— Isso é por causa da invocação do herói. Foi nosso pedido que fez com que o Reino de Elfrieden te invocasse para este mundo. Minha irmã Maria lamenta profundamente que você, que não nos fez nenhum mal, tenha deixado sua pátria e chamado a este mundo. Por favor, nos perdoe.

Com essas palavras, Jeanne mais uma vez abaixou a cabeça.

Ah, é isso…?, pensei.

— Erga a cabeça. Isso está no passado.

— Mas… — disse ela.

— Sim, no começo fiquei bravo e me esforcei ao máximo para não ser entregue ao Império — falei. — Agora, porém… quando penso nisso com mais calma, noto que o Império não tem razão para querer um herói.

No começo, pensei que queriam um herói para lutar contra a ameaça do Domínio do Lorde Demônio, mas quanto mais eu passava a entender este mundo, mais percebia que provavelmente não era isso.

Neste momento, o Domínio do Lorde Demônio não estava mais se expandindo. A expansão da fronteira significava que os monstros indo para o sul se espalharam ainda mais, e os vários países poderiam lidar com eles. Era um impasse; sem que nenhum dos lados pudesse avançar, a situação era mais ou menos estável.

Em outras palavras, o Império não estava em uma situação em que desejasse um herói. Uma superpotência como o Império não precisava se apegar a um ritual de invocação que o próprio reino não teria certeza de que poderia realizar.

Além disso, quando convocaram um herói, me pegaram.

Enquanto um cara que poderia usar magias incríveis com poder comparável a uma arma de destruição em massa seria algo, ou um cara que poderia usar espadas e armaduras invencíveis, um cara de outro mundo com um poder que tornava as tarefas administrativas um pouco mais fáceis não teria nenhum valor para o Império, com sua enorme população e o grande número de pessoas que tinham à sua disposição.

Entretanto, mesmo sendo esse o caso, o Império havia pedido ao reino para realizar a invocação do herói. Depois de pensar no assunto por algum tempo com Hakuya, chegamos a uma certa conclusão. E era…

— Foi uma tentativa de mostrar consideração, certo? — perguntei. — Em direção a um reino que não poderia pagar pelos subsídios de guerra.

Jeanne reagiu com surpresa, assustada.

— Sim… — disse, resignada.

Eu sabia…

Na Declaração da Humanidade, que o Império propôs, dizia: “Os países que estão distantes do Domínio do Lorde Demônio darão apoio às nações adjacentes a ele e que estão agindo como uma parede defensiva.”

O Império queria que o Reino de Elfrieden, como um país distante do Domínio do Lorde Demônio, fornecesse apoio aos países adjacentes a ele. Caso contrário, teriam que lidar com reclamações dos outros signatários da Declaração da Humanidade.

No entanto, na época, com a crise alimentar e a crise financeira lentamente levando o reino ao ponto de colapso, teria sido quase impossível conseguir fundos para os subsídios de guerra.

— É por isso que o Império fez com que o reino realizasse a invocação do herói, para fazer parecer que forneceu algum suporte — falei. — A fim de conter as reclamações dos outros signatários.

— É exatamente isso… — disse Jeanne.

— Espera — protestou Juna. — Este país nunca assinou a Declaração da Humanidade. Ainda assim fomos obrigados a fornecer suporte?

Balancei a cabeça.

— É um fato que este país estava se beneficiando do muro de defesa que o Império estabeleceu com a Declaração da Humanidade. Porque temos a União das Nações Orientais ao nosso norte, não precisamos compartilhar uma fronteira com o Domínio do Lorde Demônio. — Também era fato que a União das Nações Orientais estava sendo sustentada por subsídios de guerra sob a Declaração da Humanidade. — Se nos beneficiarmos com isso, mas nos recusarmos a cumprir as obrigações estabelecidas por não sermos signatários, isso vai gerar ressentimento entre os países signatários. Com isso como pretexto, a Amidônia poderia ter conseguido criar uma aliança de várias nações para invadir o reino. Com o Império na liderança.

— Não… — disse Juna, sem palavras, mas isso era a verdade.

Na guerra recente, como a única nação que conspirava para invadir era o Principado da Amidônia, fomos capazes de induzi-los a fazer isso em condições que nos eram favoráveis e os derrotamos.

Da perspectiva da Amidônia, eu tinha certeza de que queriam tomar todas as terras que ocuparam, mas se tivessem amarrado o estado mercenário de Zem, a República de Turgis e alguma parte da União das Nações Orientais, junto com o Exército Imperial, não haveria nada que o reino poderia fazer para evitar um colapso total.

Olhei Jeanne diretamente nos olhos e disse:

— Com seu objetivo de unir toda a humanidade para se preparar para a ameaça do Domínio do Lorde Demônio, o Império queria evitar isso. É por isso que vocês exigiram subsídios de guerra dos não signatários, e para aqueles que não podiam pagar, tentaram encontrar um substituto viável para apaziguar os signatários, certo? No caso do reino, era um herói.

— Não tenho palavras… — disse Jeanne.

— Para ser brutalmente honesto, o Império nem esperava que o herói invocado pudesse trabalhar, não é? — perguntei. — Certo, sendo este um mundo com magia, podem ter pensado que invocariam algo, mas não tinham grandes expectativas para algo que até mesmo o reino pensava que não daria certo. Mesmo se a invocação falhasse, vocês estariam satisfeitos com o fato de que ela foi realizada.

— Isso mesmo. Mas, como resultado, você foi invocado — disse Jeanne, parecendo preocupada. — Além do mais, desde que você foi convocado aqui e recebeu o trono de Sir Albert, trabalhou ativamente para reconstruir este país, até mesmo encontrando dinheiro para fornecer subsídios de guerra. Embora minha irmã estivesse grata, também se arrependeu por ter imposto um fardo tão pesado sobre você, que foi chamado aqui por nossa conveniência. Realmente sentimos muito.

Jeanne curvou-se de novo.

Suspirei, dizendo:

— Já te disse, isso está no passado. Agora que conheço a situação, não me ressinto por isso. Não é como se eu não tivesse algum apego persistente ao meu velho mundo, mas… mas…

Olhei de Juna, com um olhar tenso em seu rosto, para Tomoe.

Não havia mais ninguém esperando que eu voltasse para casa, no meu velho mundo. Desde que cheguei a este mundo, encontrei pessoas e obrigações. Sempre que eu voltava para o castelo, Liscia, Aisha, Juna e Tomoe estavam lá para dizer: “Bem-vindo ao lar.” Tendo sentido a solidão do isolamento, isso era algo que eu não queria mais perder.

— Encontrei pessoas que quero proteger — falei simplesmente. — É por isso que não estou tão obcecado com isso. Veja bem, se você se sentir mal o suficiente a ponto de reconhecer a minha soberania sobre Van, não vou reclamar.

Quando falei isso em tom de brincadeira, Jeanne ergueu o rosto e balançou a cabeça em silêncio.

— Infelizmente, também tenho uma família para proteger.

Nenhum de nós desviou o olhar. Continuamos ambos mantendo o olhar.

— Entendo… bem, então teremos que negociar — falei.

— Sim — disse Jeanne. — Por favor, quando chegar a hora, vá com calma comigo.

Com um “agora me despeço”, Jeanne deu as costas e sumiu na multidão. Ela desapareceu tão rapidamente quanto apareceu.

— As presenças que senti ao nosso redor também sumiram — comentou Juna. — Parece que os guarda-costas de Jeanne se retiraram.

— Ela realmente só veio para dizer olá, hein… — Olhei na direção em que Jeanne havia saído. — Jeanne Euphoria… a irmã mais nova pragmática que apoia a santa idealista.

Se fosse apenas o príncipe coroado da Amidônia, Julius, eu teria que lutar, e senti que não havia como perder nas negociações. Mas com a mediação de Jeanne, eu não seria capaz de explorar muito as fraquezas dele. Se eu tentasse ser astuto demais e me descobrissem, havia o risco de que poderiam virar as coisas a seu favor ao apontar o fato.

Vou ter que deixar Hakuya saber que também vai precisar dar tudo de si nas negociações…

Bati em minhas bochechas, tentando me animar para isso.

Naquela noite…

— Liscia, Aisha — falei. — Trouxe lembranças para vocês duas.

Tendo retornado ao castelo, dei os presentes que comprei para Liscia e Aisha. Liscia ficou com aquela gargantilha de couro azul com uma folha de prata cheia de estrelas, enquanto Aisha ficou com o batom claro.

Liscia colocou a gargantilha no pescoço na mesma hora, tocando o fecho com um sorriso satisfeito.

— Obrigada, Souma. Vou valorizar isso.

O sorriso um pouco tímido não era o normal de Liscia, e eu não pude deixar de olhar para ela, fascinado.

Whew, fiquei aliviado por ela ter gostado. Combinava com ela e fiquei feliz por ter comprado.

Enquanto isso, Aisha…

— Ohhhh, Vossa Majestade! E pensar que você daria um presente até mesmo a alguém como eu, fico maravilhada e encantada! Quando você me deixou para trás, me senti desanimada, mas isso deixou meu ânimo tão elevado quanto os céus!

— B-Bem, bom para você… Aisha… — disse Juna.

— Sim, Madame Juna! Com esse batom, juro que vou lapidar a minha feminilidade! Então, Sua Majestade nunca vai me deixar sair do seu lado… heh heh heh.

— B-Boa sorte com isso…

Aisha ficou um pouco emocionada. A aura feliz irradiando de seu corpo inteiro parecia ser o suficiente para deixar Juna seriamente esgotada. Juna, aliás, também estava usando o broche de cabelo que lhe dei.

— Majestade! Majestade! — gritou Aisha. — E aí? Como ficou em mim?

Aisha passou o batom e começou a flertar na mesma hora. Se Aisha não fosse uma elfa negra e, em vez disso, uma loba mística como Tomoe, sua cauda estaria balançando sem parar.

Quando viu como Aisha estava exuberante, Liscia traçou o contorno de sua gargantilha com um dedo, olhando para mim.

— Não acha que uma coleira seria melhor para Aisha?

— Prefiro ficar “sem comentários” para isso… — falei.

 


 

Tradução: Taipan

 

Revisão: Sonny(Gifara)

 


 

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