A capital do principado, Van, carecia de uma praça com fonte e equipamento de visualização para a Transmissão de Voz da Joia, igual àquela que ficava na capital real, Parnam.
O receptor estava no limite da cidade, em um campo aberto que recebia o nome de praça, mas que na verdade não era uma. Isso porque, neste país, a Transmissão de Voz da Joia era usada apenas uma vez, ao início de cada ano, quando o Príncipe dizia: “Nunca devemos esquecer nossos ressentimentos por Elfrieden. A retomada das nossas terras roubadas é a prioridade nacional”, ou coisa assim, indicando os rumos em que o país seguia.
Já que quem não comparecia à transmissão na abertura do ano poderia ser acusado de crime de desrespeito ao estado, mesmo em caso de doença, mesmo que fosse velho ou acamado, todos precisavam assistir àquela transmissão, ainda que isso significasse que tivessem que ser amarrados a uma cadeira e carregados até lá. E então, neste dia, o jovem rei de Elfrieden, aquele que capturou Van, disse que usaria a Transmissão de Voz da Joia.
A maioria das pessoas, tendo passado por décadas de doutrinação, não tinha uma impressão favorável a respeito do reino. Entretanto, neste momento, muitas dessas mesmas pessoas estavam reunidas no campo para assistir à transmissão. Provavelmente acreditavam que, caso não assistissem, seriam acusados de um crime, assim como os anos de costume ditavam. Surgiram até alguns que tentaram carregar seus entes doentes, apenas para ouvirem os gritos dos guardas dizendo para não se esforçarem tanto, e serem dispensados.
À luz do entardecer, com o sol baixando no horizonte, o povo de Van, então reunido, exibia expressões que variavam entre apreensão e indignação. Por todos aqueles da cavalaria e da nobreza terem saído de Van, apenas a população geral, que não tinha para onde ir, ficou.
Aqui e ali, dentre a multidão, as massas podiam ser ouvidas sussurrando umas para as outras sobre suas preocupações com o que estava por vir.
— Maldito Rei de Elfrieden… O que ele planeja fazer, reunindo todos nós aqui?
— Tive um vislumbre dele enquanto ele estava entrando no castelo, mas não parecia ser muito forte…
— Não se deixe enganar pelas aparências. Este é o homem que fez o Príncipe Gaius dançar na palma da sua mão.
— Ele vai usar a Transmissão de Voz da Joia, certo? O que diabos será que quer nos dizer?
Sem qualquer informação adequada para explorar, a especulação foi ficando cada vez mais selvagem.
— Não… Não me diga que ele está planejando conquistar a Amidônia toda, se for assim, então todos nós, homens, seremos recrutados e enviados para a linha de frente…
— Não! Sem mim aqui para o ganha-pão, o que a minha família vai fazer?!
— Somos um povo ocupado. Não podemos ser pegos de surpresa se isso for acontecer.
— Não, isso nem é a pior coisa que poderia acontecer. Ele pode exigir que entreguemos nossas mulheres e crianças como escravas. Ou que entreguemos todas as mulheres bonitas deste domínio.
— Ouvi que caras fortes costumam também ter impulsos fortes.
— Isso é sério? Eu devia ter escondido a minha esposa antes de vir para cá.
— Seu idiota. Ninguém nunca vai querer sua esposa.
— O que foi que você disse?! Ah…! Ei, está começando.
De repente, o receptor no meio do campo começou a exibir uma imagem.
As pessoas pensaram que veriam a imagem uniformizada daquele jovem rei, mas ao contrário de suas expectativas, viram uma bela mulher com cabelo castanho escuro e feições de elfa sentada em uma cadeira. Ela descansava os braços cruzados na enorme mesa à sua frente e, por algum motivo, a transmissão não a mostrava diretamente, mas sim de um ângulo à esquerda. Isso, naturalmente, indicava que a cabeça dela estava inclinada.
Sua pose, que era como a da Mona Lisa, trazia à tona sua beleza atrativa e foi especialmente eficaz em capturar os corações dos homens de Van. Eles sentiram como se estivessem sentados em um bar, com aquela mulher ao lado deles, virando para conversar com cada um deles. E então ela falou:
— Boa noite a todos. Me chamo Chris Tachyon.
— Este é o Elfrieden Notícias. Neste programa de informações, apresentaremos as últimas notícias de Elfrieden e dos países vizinhos para vocês, o povo. Agora, para nosso primeiro informativo…
Chris começou a ler seu roteiro no estúdio de notícias improvisado que foi montado no escritório de relações governamentais do Castelo Van. Chamo de estúdio de notícias, mas na verdade tínhamos apenas preparado uma mesa comprida e uma cadeira. Ainda assim, com os demais móveis já no lugar, parecia adequado.
Aisha e eu estávamos observando Chris do canto da sala, em um lugar onde não teríamos nossa imagem capturada.
Ela puxou a minha manga.
— Hm… Por que a Chris está sendo transmitida desse ângulo?
— Uhh… Beleza estilística? — falei.
Lembrei de uma apresentadora de notícias do meu mundo que dava as notícias nesta posição, então tentei imitar. Entretanto, durante o ensaio, Chris reclamou para mim, dizendo: “Sinto que vou ficar com o pescoço doendo”, então provavelmente seria a primeira e última vez que filmaríamos o programa deste ângulo.
A notícia que ela estava lendo no momento era um relatório sobre os eventos ocorridos na guerra.
Ela explicou, sempre em tom neutro, que, como ação punitiva contra Gaius VIII e seu filho, Julius, que se aproveitaram da instabilidade do reino para liderar uma invasão, o Rei Souma de Elfrieden lançou uma contra-invasão e derrubou o Príncipe Gaius VIII.
Aisha inclinou a cabeça para o lado, confusa.
— Não seria melhor que você mesmo anunciasse esta informação, senhor? Você poderia elevar a sua imagem neste país, igual naquele programa de coleta de ingredientes.
— Desta vez a situação é diferente — falei. — Não estamos transmitindo apenas para os territórios ocupados ao redor de Van, estamos transmitindo inclusive para o resto da Amidônia. Não importa o que o rei de um estado inimigo diga, o povo do principado não vai ouvir nada. Então é melhor que ouçam de algum terceiro.
Entretanto, quando discuti o roteiro da notícia com Hakuya, tivemos a ideia de usar a frase: “Para todos nós, Sua Majestade, nosso Querido Rei…” e exagerar nos detalhes, mas isso me fazia soar como um ditador barato, então rejeitei a ideia.
Bem, de qualquer forma, enquanto conversávamos, Chris continuou lendo as notícias com aquela habilidade de leitura suave e voz agradável, o mesmo que recebeu o selo de aprovação de Juna.
— Os exércitos do reino estão atualmente ocupando a capital do principado, Van, mas as hostilidades, por agora, cessaram. A respeito deste estado das coisas, Sua Majestade, o Rei Souma de Elfrieden, divulgou a seguinte declaração:
“Esta foi uma guerra de subjugação contra Gaius VIII, que invadiu meu país. Não é de meu desejo espalhar ainda mais chamas pela guerra ou prejudicar os cidadãos do principado. Forneceremos apoio às pessoas que vivem na área ao redor de Van, permitindo que sigam com suas vidas. Além disso, como Van foi anexada como território do reino, prometo que a mesma ajuda alimentar e gastos com infraestruturas serão aqui realizados.”
“Após isso, o Ministro da Agricultura e Florestas, Sr. Poncho Ishizuka Panacotta, estará distribuindo alimentos em Van, começando amanhã. Ele pede que todos os moradores da capital convidem suas famílias e vizinhos para o comparecimento.”
— Como ousam fazer isso?!
Em uma cidade perto de Van, o príncipe herdeiro da Amidônia, Julius Amidônia, gritou de raiva.
Tendo fugido da batalha anterior, ele estava em uma cidade perto de Van, esperando pela chegada dos exércitos do Império Gran Caos com as forças restantes do principado. Julius esmagou o receptor com um golpe de espada e na mesma hora deu uma ordem aos seus subordinados:
— Enviem mensagens para todas as cidades com ordens para que não assistam esta transmissão ridícula.
— Sim senhor!
Todos seus subordinados correram para despachar os mensageiros o quanto antes. Assim que viu que tinham todos partido, Julius se virou para olhar na direção de Van. Ele espera conquistar não apenas o povo de Van, mas de toda a Amidônia, com essas palavras doces, não é? Não vou deixar!
Julius reafirmou a sua resolução.
Ainda assim, embora tivesse enviado mensageiros, não era como se pudessem alcançar todas as cidades no mesmo instante. Além disso, com sua derrota na batalha, ele perdeu muito de sua influência e suas ordens só foram seguidas na cidade em que se encontrava e nas que ficavam muito próximas dela.
Em outras palavras, a maioria dos cidadãos da Amidônia estava assistindo à transmissão de Souma.
As reações dos cidadãos Amidonianos que assistiram isso poderiam ser amplamente divididas em duas categorias.
Primeiro, havia o povo em Van, que ficou aliviado ao saber que não seria recrutado e enviado para lutar na linha de frente, nem que teria seus bens tomados, assim como filhas ou esposas.
Nas cidades e aldeias agrícolas fora de Van, o que chamou a atenção do povo não foi a morte de Gaius VIII, ou a justa causa de Souma, mas sim o fato de que aquelas áreas que haviam se tornado território do reino de Elfrieden receberiam o mesmo apoio que as cidades de dentro do reino.
Claro, o povo da Amidônia mal acreditou nessas palavras. Afinal, eram as palavras do rei inimigo. Todos pensavam que ele estava apenas tentando comprar a lealdade deles.
Porém, também era verdade que as palavras de Souma devoravam os corações do povo Amidoniano, que atualmente lutava contra uma crise alimentar ainda mais grave do que a do reino… Quanto mais dura fosse a situação, mais profundamente as palavras os afetariam.
— E, assim, atualmente, a medicina em nosso país está…
Passaram-se cerca de dez minutos desde o início do programa informativo de Chris.
A seção que ela estava atualmente lendo era a última informação a ser divulgada. Terminando esse programa de informações, o de música por fim começaria.
Enquanto estava ao meu lado, visivelmente ansiosa, Aisha agarrou o meu braço. Neste dia, ela não estava usando sua armadura leve de sempre; em vez disso, usava um vestido de festa. Até eu estava usando um smoking.
Aisha virou para mim com a expressão de um cachorrinho abandonado no rosto.
— O-O que eu faço, senhor? Não consigo parar de tremer.
— Fique calma, tá? — falei. — Esta é a sua segunda transmissão, não é?
— Da última vez, fiquei bem porque só precisava comer…
Foi decidido que eu seria o apresentador do programa de música, e Aisha seria minha assistente.
Eu, é claro, não planejava ser o apresentador de um programa de música, mas Poncho, para quem eu pretendia empurrar o serviço, estava ocupado com a distribuição de comida, e Hakuya recusou por isso não combinar com ele.
Também era a minha primeira vez, então, se minha parceira, Aisha, ficasse petrificada de medo do palco, isso seria um problema.
— Para onde foi a bravata que você mostrou no campo de batalha? — perguntei.
Quando falei isso em tom de exasperação, Aisha gemeu pateticamente e deixou seus ombros caírem.
— Estou confiante de que ninguém é páreo para mim nas artes marciais. Entretanto, em um evento vistoso como este, não tenho tanta confiança. Tem muita gente por aí que é mais bonita do que eu, sabe. A princesa e a Madame Juna são magras e de pele clara, como lindas jovens donzelas. Enquanto isso, minha pele é escura e também sou toda musculosa…
— Sério? — perguntei. — Acho que sua aparência é bonita e saudável.
Mesmo com ela tendo alguns músculos, não era toda trincada feito uma fisiculturista. Na verdade, seu corpo era tão bem torneado que eu me perguntava como ela conseguia balançar aquela espada gigante com tão poucos músculos. Além disso, Aisha era alta o suficiente para ser uma modelo e, embora fosse difícil dizer isso quando estava de armadura, sua aparência era acima da média, boa o suficiente para que Liscia ficasse propensa a sentir ciúmes.
— Sim — falei. — Você é bonita, Aisha.
— E-Eu sou?!
O elogio deixou Aisha em êxtase. Entretanto, ela logo retomou os sentidos.
— M-Mas, sério, Madame Juna ou a princesa seriam anfitriãs melhores…
— Juna é uma das cantoras, então teria que ficar correndo para todo lado se a fizéssemos também servir de anfitriã — falei. — Quanto a usar Liscia como minha assistente… Achei que seria melhor não fazer isso desta vez.
— Hm? Mas, por quê? — perguntou ela.
— Ah. Há uma coisinha que me preocupa agora que acabei me tornando o anfitrião — falei. — Para ser bem honesto, te escolhi porque acho que você será uma boa assistente, e mais ainda por contar com suas habilidades como minha guarda-costas. Se acontecer alguma coisa, caso esteja ao meu lado, você poderá me proteger, certo?
— Claro que sim, mas… Hã?! Vai acontecer algo perigoso?! — perguntou ela.
Aisha parecia preocupada, então coloquei a mão na sua testa e ri.
— Provavelmente vai ficar tudo bem. Mas, por mais patético que seja para mim ter que perguntar isso, já que sou homem, você vai me proteger no caso de algo acontecer?
— Vossa Majestade… Sim! Mesmo que custe a minha vida, farei isso, mmmph.
Eu rapidamente cobri a boca de Aisha.
— Você está falando muito alto. Estamos no meio de uma transmissão.
— Mmph… S-Sinto muito.
Em momentos assim, ela realmente se provava uma elfa negra decepcionante…
— … é o que disseram. E assim acaba o Elfrieden Notícias. Agora, depois desse programa, estaremos transmitindo o primeiro programa de entretenimento de Elfrieden. Se não tiver compromissos urgentes ou pressa, espero que continue assistindo esta transmissão.
Whoa, parece que o programa da Chris já acabou, pensei. Certo, agora é a nossa vez.
O cenário para o programa de músicas não ficava no mesmo lugar: era um átrio que provavelmente tinha sido usado para dar bailes. Organizamos mesas ali, levando alguns soldados para sentar e ouvir, no estilo do Prêmio Televisivo Japonês. Isso porque ter um público faria grande diferença no nível de empolgação.
Peguei minha assistente pela mão.
— Bem, vamos, Aisha.
— Senhor, vou segui-lo a qualquer lugar!
Com o programa de informação de Chris Tachyon concluído, houve uma breve pausa. Em seguida, o receptor na praça de Van mostrou um jovem e uma mulher. Eram um jovem com um smoking preto e uma elfa negra usando um vestido de festa vermelho, todo extravagante. Enquanto o jovem parecia confiante, a garota parecia um pouco tensa.
Então, uma pessoa na multidão disse:
— Ei, espera, esse cara não é o rei de Elfrieden, Souma?
Quando as pessoas ao redor do homem o ouviram, aqueles que tinham visto o exército do Reino de Elfrieden marchando pelos portões da cidade começaram a gritar, um após o outro: “Sim! Vi ele quando entraram pelo portão”, “Aquele é o Rei Souma de Elfrieden”, “Sem dúvidas”, todos confirmando as suspeitas do primeiro homem.
Sem saber o que diziam sobre ele, Souma tinha uma expressão relaxada no rosto enquanto segurava um objeto de vinte centímetros ou mais, possuindo uma extremidade arredondada (sem dúvidas destinado a ser um microfone, mas como a Transmissão de Voz da Joia capturava todo o som, era apenas um suporte) e aproximando ele da boca para dizer a todos um “Olá”.
— As músicas mudam com os tempos e os tempos mudam com as músicas — disse. — Estas são as canções que queremos ver transmitidas através dos tempos.
— O-O que, de onde saiu isso?! Você não disse isso na hora do ensaio, não foi?! — exclamou a elfa negra.
Parecia que a última frase dele foi improvisada, já que a garota ficou confusa.
— Eu, Souma Kazuya, serei o anfitrião deste programa.
— E-Eu sou Aisha Udgard!
— Vamos lá, Aisha, sua expressão está rígida — disse o rei. — Sorria, sorria.
— E-E quanto a você, senhor? Por que está falando tão educadamente?! — exclamou ela.
— Bem, eu sou o anfitrião, sabe — disse ele. — Mesmo sendo o rei, não posso agir de forma presunçosa.
— Você diz isso, mas já voltou a falar normalmente!
— Ooopa, perdão.
Souma estava adotando um humor brincalhão enquanto Aisha só conseguia apresentar suas reações estabanadas.
O povo do Reino de Elfrieden olhava para essas brincadeiras com sorrisos. O povo do Principado da Amidônia, entretanto, exibia olhares de perplexidade.
Os rumores sobre o Rei Souma diziam que ele era um homem que fez o grande guerreiro, Gaius VIII, de bobo, usando sua engenhosidade estratégica, e que depois o derrubou em uma exibição de valor. O rei dos rumores, abençoado com sabedoria e habilidade marcial, simplesmente não combinava com aquele jovem atiçando e brincando com a elfa negra na transmissão.
Na verdade, sua estratégia foi elaborada com a ajuda de Hakuya, enquanto os que atacaram Gaius VIII foram uma unidade de arqueiros que chegou atrasada, mas as pessoas não tinham como saber sobre essas coisas.
— Nosso príncipe foi derrotado por essas pessoas? — perguntou-se alguém entre a multidão.
— Já sei… isso deve ser tudo atuação para nos fazer ficar de guarda baixa!
— Para que? Van já caiu, não viu?
— Bem, isso é para que possam… É mesmo, para quê?
Enquanto o povo de Van ficava confuso, Souma continuou apresentando o programa.
— Pois bem, esta transmissão é o primeiro programa de música de Elfrieden. Para esta transmissão, reunimos garotas com diferentes tipos de vozes. Cada uma das três é maravilhosamente dotada, sério, todas merecendo ser chamadas de “lorelei”.
No momento em que Souma disse aquelas palavras, o equivalente a idol neste mundo, nasceu o conceito de uma “lorelei”.
— Espero que este seja um programa que ajude a acalmar o coração daqueles que estão exaustos pelo trabalho diário — disse o rei. — Por favor, ouçam essas canções de loreleis e aproveitem-nas até o fim.
— Er… Hoje temos apenas três pessoas, mas estaremos sempre em busca daqueles que se orgulham de sua voz no Reino de Elfrieden — disse Aisha. — H-Homeme…
— Você está gaguejando, Aisha.
— P-Por favor, fique quieto — disse ela. — Hm… Homens e mulheres de todas as idades, por vontade própria ou nomeados por outras pessoas, podem todos se inscrever.
— É, eu também gostaria que aparecessem alguns cantores — disse Souma. — Porém, esses caras, seria estranho chamá-los de loreleis. Bem, então como devemos chamá-los? Tritões ou o que?
— Então eles seriam só monstros marinhos comuns — disse Aisha. — Não pode escolher algo de fora do mar? Ah! Erm… Para aqueles que se orgulham de seu canto, ou que simplesmente gostem de cantar, deveriam ir ao café cantante Lorelei na cidade mais próxima e fazer um teste.
— Espera, Lorelei agora tem filiais?! — exclamou Souma.
— Por que você está parecendo tão surpreso, senhor?!
— Bem, deixei as audições inteiramente por conta de Juna…
— A propósito, me contaram que aquele que fica na Cidade Lagoon é a sede deles — disse Aisha.
— O quê, o de Parnam é uma filial?!
Quando Souma falou essa última frase, um dos espectadores de Van soltou uma risada e se apressou a cobrir a boca. Se alguém o criticasse por rir enquanto assistia à transmissão, ele poderia ser linchado pelo resto dos telespectadores. Por causa disso, a praça de Van tinha um estranho ar de tensão pairando sobre ela.
Sem a menor ideia do que estava acontecendo, Souma continuou apresentando.
— Pois bem, vamos colocar este show para andar. Nossa primeira lorelei tem um corpo de criança e espírito de adulto. Ela é uma loli legalizada da raça kobito, Pamille Carol.
— O maior prazer da Madame Pamille é tirar uma soneca à tarde — acrescentou Aisha. — Entretanto, recentemente, tivemos dias tão agradavelmente ensolarados que ela tem dormido só até de manhãzinha, e depois voltado a dormir… Hm, senhor? Esta informação é realmente relevante?
— Agora, vamos ouvi-la cantar — disse Souma. — Aqui está Pamille Carol.
Quando Souma disse isso, as luzes diminuíram e uma melodia relaxada começou a tocar.
A próxima coisa que apareceu na projeção foi uma sacada em um átrio. Lá, envolta em um vestido de babados, estava uma garota que parecia ter cerca de doze anos. Era Pamille Carol. Ela cruzou as mãos na frente do peito e começou a cantar numa voz que, conforme sua aparência, era tão adorável quanto o ressoar de um sino.
Era uma garota fofa cantando uma música fofa. Vendo aquela cena, até o povo da Amidônia a achou fofa. Entretanto, em vez de debater sobre a qualidade da música, simplesmente não sabiam o que fazer. O que fazer com o fato de que a Transmissão de Voz da Joia estava sendo usada para mostrar uma garotinha cantando, digo.
— Quem é aquela garota? Ela é tão adorável.
— Bem, sim, claro, ela é fofa, mas… usar a Transmissão de Voz da Joia para isso é mesmo correto?
— Não me pergunte. Não é como se eu soubesse.
— Lorde Gaius quase nunca a usava, você sabe.
— Será que isso é normal em Elfrieden?
Conversas do tipo estavam surgindo por todas as partes. Era essa a diferença entre a Amidônia e Elfrieden? Eram transmissões assim que passavam no Reino de Elfrieden? O povo de Van, sob ocupação dos soldados do Reino de Elfrieden, sofreu um forte impacto pelo que viu.
— Entendo… Então este lugar agora faz parte de Elfrieden? — sussurrou um dos telespectadores de Van.
Esse comentário impensado infiltrou-se pela multidão, assim como água despejada em uma vasta planície desértica.
— Van se tornou parte do Reino de Elfrieden?
— Bem, estamos ocupados por eles.
— Então, isso não faz mais parte do Principado da Amidônia?
— Bom, isso significa que não tem problema em transmitir esse tipo de vídeo?
Mesmo com a reação confusa do povo de Van, a transmissão continuou. Quando Pamille terminou de cantar a música, cheia de charme, Souma e Aisha voltaram à tela.
— Essa foi Pamille Carol — disse Souma. — Nossa, música não é uma coisa maravilhosa?
— Hein, acha mesmo? — perguntou Aisha. — Ouvir isso me fez pensar: “Isso não pode ser música”.
— Bom, para uma mudança de ares, teremos uma música bem enérgica cantada por esta pessoa aqui — disse Souma. — Tendo treinado sua voz para cantar em uma aldeia de pescadores com nada além de homens, o poder da sua voz é incrível. É uma garota simples e inocente com orelhas de gato que veio do Arquipélago do Dragão de Nove Cabeças. Nanna Kamizuki.
— O peixe favorito da Madame Nanna é o peixe-espada gigante, o sonho dela é algum dia comer um inteiro sozinha, mas já que ficam preocupados com ela roubando a pesca, os pescadores não a deixam ir junto com os navios para o oceano… — começou a falar Aisha. — Hm, essa informação também é necessária?
— Agora, vamos ouvi-la cantar — anunciou Souma. — Aqui está Nanna Kamizuki!
— Você só está me ignorando, não é…?
A próxima pessoa a aparecer na tela estava usando uma roupa ligeiramente ousada. Era a enérgica garota com orelhas de gato, Nanna Kamizuki. Sua blusa sem mangas e calças curtas deixavam seus braços e pernas saudáveis expostos, enquanto a forma como seu umbigo ocasionalmente aparecia ajudava a acentuar o apelo da sua fofura, mesmo com sua aparência andrógina.
E, quando Nanna começou a cantar, ela saltou da sacada.
— Quê?! — gritou alguém na multidão.
— E-Ei…
A multidão de espectadores engoliu em seco ao ver aquela cena. Isso não devia estar nos planos da programação.
Podiam ver que toda a equipe começou a correr para mover a joia fixada. Ainda podiam ouvi-la cantando, então sabiam que devia estar bem, mas Nanna ficou um bom tempo sem aparecer na tela. Quando finalmente reapareceu, estava se divertindo muito enquanto dançava nas escadas do andar de baixo. Mesmo enquanto a multidão suspirava de alívio, estava sendo gradualmente atraída para o ritmo da sua música e dança.
— Vai fundo, garota! Continue assim!
— A música também é boa. Isso é realmente animador.
Por ser a segunda vez que isso acontecia, talvez estivessem se acostumando, já que vozes como aquela podiam ser ouvidas até mesmo da tensa multidão de Van. Havia uma linda garota se divertindo enquanto cantava e dançava. Nenhum homem ficaria aborrecido assistindo isso. E isso, surpreendentemente, teve um impacto ainda mais forte nas mulheres da Amidônia do que nos homens.
O que chamou a atenção delas foi o estilo de Nanna.
— Ela não sente frio usando essas roupas?
— Ela está dentro de algum lugar, então não deve ter problema.
— Mas, se ela ficar vestida assim… será que não vão ficar chateados por isso distrair e seduzir os homens?
A Amidônia era, acima de tudo, um país militarista. Esperava-se que os homens fossem, em primeiro lugar, fortes, enquanto as mulheres deviam estar sempre dispostas a apoiá-los, e a maior virtude que buscavam era a modéstia.
Como resultado, no Principado da Amidônia, exceto em ocasiões especiais, a opinião pública não permitia que mulheres se vestissem com elegância. Isso partia da ideia de que seria problemático se tentassem os homens, tornando-os fracos. Para não mencionar o fato de que se usassem roupas que mostrassem muito o corpo (mesmo as que mostravam os ombros ou coxas já eram vistas como mostrando muito) em locais públicos, corriam o risco de serem presas por atentado ao pudor.
— No reino não se zangam com isso? — perguntou uma mulher.
— Bem, é outro país. O rei deles também parece ser gentil.
— Que inveja…
Na cabeça delas, que queriam se vestir bem e se mostrar bonitas, fronteiras e raças não importavam.
O vestido de babados de Pamille era fofo, e também admiraram a roupa mais ousada que Nanna estava usando. Se pudessem fazer isso, queriam tentar provar aquelas roupas e dançar. As roupas que aquelas duas usaram começaram a acender um fogo no coração das mulheres residentes do principado. Especialmente no das mulheres de Van.
— Aqui não é mais a Amidônia, certo? — perguntou uma mulher.
— Então podemos nos vestir como quisermos?
— Será? Todos os soldados que nos repreenderiam já foram embora.
E, bem, elas até mesmo começaram a dizer essas coisas.
Quando a enérgica canção de Nanna chegou ao fim, o povo de Van explodiu em uma salva de palmas. Ninguém se importava se Souma estava apenas tentando conquistar a lealdade deles.
Quando Nanna terminou de cantar, a projeção parou por um tempo. A joia devia ser movida de volta à sua posição original. Quando a tela voltou a ser mostrada, apresentou Souma e Aisha com sorrisos irônicos estampados nos rostos.
— Subestimamos quanta energia a Nanna tem… — disse Souma.
— De fato… — concordou Aisha.
— E pensar que ela sairia do alcance da câmera fixa… Nanna, mas que garota mais assustadora!
— Por que você disse isso como se fosse uma velhota…? — perguntou Aisha.
— Pois bem, vamos colocar as coisas de volta nos trilhos — disse Souma. — Ora, ora, deixamos vocês esperando. A seguir, o orgulho do nosso país, a Prima Lorelei, fará sua aparição!
— Madame Juna é incrivelmente popular, mesmo sendo a primeira transmissão, não é? — perguntou Aisha.
Conforme disseram os dois, Juna já havia assegurado a posição de maior lorelei de Elfrieden durante a última Transmissão de Voz da Joia. Sua popularidade surpreendia e confundia até mesmo a própria Juna.
— Quando o Congresso do Povo, que coleta petições, me fez um pedido dizendo: “Transmita programas com mais frequência e nos deixe ouvir o canto de Juna”, fiquei até um pouco assustado — disse Souma.
— Uau… err, Madame Juna ultimamente esteve procurando por um bom chá de ervas para ajudar a relaxar os ombros rígidos… — disse Aisha. — Parece que quando eles são tão grandes, a vida não é fácil.
— Enfim, vamos ouvi-la cantar… — disse Souma. — E aqui está Juna Douma.
— Qual foi a dessa pausa? — exigiu saber Aisha.
— Eu não estava pensando em nada, sério…
— Parece que você acabou de mostrar quem você é.
A adorável imagem de Souma se virando para desviar o olhar e Aisha o encarando enquanto ele fazia isso sumiu, e então Juna Douma e seu cabelo azul apareceram na tela.
Na parte superior, vestia uma roupa que parecia indicar que tinha acabado de enrolar um pedaço de tecido ao redor de si mesma, enquanto na parte de baixo usava calças brancas soltas que apertavam nos tornozelos. Usando um pedaço de seda fino parecido com um véu na cabeça, parecia uma dançarina que saiu do mundo das Mil e Uma Noites.
Sua beleza cativou todos da plateia, fossem homens ou mulheres, enquanto sua voz intoxicava indiscriminadamente tanto o povo de Elfrieden quanto da Amidônia.
As massas de espectadores começaram a entender por que Souma a chamou de Prima Lorelei. A voz dela não tinha um caráter único como a de Pamille. Seu controle expressivo de seu tom foi, entretanto, gravado ainda mais profundamente na memória das pessoas do que o de Pamille. A voz de Juna também carecia da força que a de Nanna revelou graças ao treinamento com os pescadores. Graças a isso, entretanto, seu timbre suave foi capaz de penetrar ainda mais profundamente no coração das pessoas do que o de Nanna.
O público estava certo disso. Certo de que Juna Doma era a lorelei que estava acima de qualquer outra, a Prima Lorelei.
Os telespectadores da Amidônia ficaram completamente encantados pelas três cantoras. Ficaram surpresos ao descobrir que a Transmissão de Voz da Joia poderia se revelar uma experiência tão agradável. A essa altura, nenhum deles estava preocupado com a possibilidade de essa transmissão ser a forma de Souma tentar conquistá-los.
Em japonês, a palavra “música” era escrita como “para desfrutar do som”. Eles estavam gostando do som. Graças a isso, ninguém percebeu o verdadeiro objetivo de Souma.
Com uma única exceção…
Tradução: Taipan
Revisão: Sonny
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