Aisha na Floresta Protegida por Deus
Após o desastre que atingiu a Floresta Protegida por Deus, Aisha ficou na sua terra natal por algum tempo, mesmo depois das operações de socorro serem concluídas e os reparos serem iniciados. Souma permitiu isso, preocupado com a possibilidade de ela não se sentir bem ao deixar sua família e terra natal para trás em um estado desses.
Ultimamente, Aisha se esforçou muito na reconstrução, mas ainda assim, seus pensamentos continuavam em Souma e nos outros que voltaram para a capital. Havia algo suspeito na atmosfera deste país.
Souma, como o Rei de Elfrieden, estava em desacordo com os três duques que controlavam o Exército, Marinha e Força Aérea. A guerra parecia poder estourar a qualquer momento. Além disso, havia também o Principado da Amidônia, que se posicionou para iniciar uma invasão ao reino. A situação era tensa e não deixava espaço para distrações.
Porém, Aisha sabia que esse confronto não era tão simples quanto parecia ser. Ela estava presente quando Glaive Magna, um confidente próximo de Georg, o General do Exército, revelou as verdadeiras intenções do seu amigo.
Georg pretendia arriscar a vida para ajudar o país. Como companheira de guerra, Aisha respeitava o seu espírito de devoção altruísta. Graças a isso, sentia ainda mais pena de Souma e dos outros.
A princesa o respeitava como um oficial superior, então deve estar sofrendo com isso, pensou Aisha. Sei que Sua Majestade também está sofrendo, já que deve tomar uma decisão que deixará a princesa triste.
Aisha olhou para a carta que Liscia havia lhe enviado pelo mensageiro kui. Nela estavam os detalhes que a elfa gostaria de saber sobre a situação atual de Souma.
O Exército de Georg e a Marinha de Excel, que Juna servia como ponte para contato, não eram problema. No entanto, entre as forças pessoais dos nobres corruptos que se reuniram sob o comando de Georg, a Força Aérea de Castor e as forças da Amidônia se reunindo na fronteira sul, não estava otimista a respeito da situação geral.
Além disso, com tudo o que estava acontecendo, Souma começava a dar sinais de exaustão. A carta de Liscia relatava que ele parecia estar se esforçando demais, dizendo a si mesmo que precisava fazer isso porque era o rei.
Isso me dói, senhor, pensou Aisha. Jurar lealdade a você, mas não ser capaz de estar ao seu lado em seu momento de necessidade…!
Aisha queria voltar para Parnam de imediato. Porém, sabendo que havia coisas que poderia fazer onde estava, ficou.
Senhor… Você não está sozinho. Embora possa não ser muito, farei tudo o que puder por você!
Quando olhou na direção de Parnam, foi isso que Aisha pensou.
Naquela noite.
Mais de dez dos membros influentes da sociedade dos elfos negros se reuniram na casa de Wodan Udgard, pai de Aisha e líder dos elfos negros na Floresta Protegida por Deus. Entre eles estava o irmão mais novo de Wodan, Robthor.
Wodan sentou-se no assento de honra e Aisha ficou atrás dele. Depois de estarem todos reunidos, ele começou a falar com uma voz relaxada:
— Parece que estão todos aqui, então eu gostaria de começar. Nesta ocasião, pedi que todos se reunissem a pedido da minha filha, Aisha. Parece que ela tem algo a pedir e deseja a presença de todos para isso. Por favor, escutem.
Após essas palavras de Wodan, Aisha curvou a cabeça. Ela então se endireitou, movendo-se para ocupar a posição mais inferior entre os reunidos, e voltou a se curvar profundamente antes de abrir a boca.
— Hoje estou diante de vocês, não como a filha do meu pai, mas como serva do rei deste país, Souma Kazuya, para fazer um pedido a Sir Wodan Udgard, o representante da Floresta Protegida por Deus.
— Não como a minha filha… você diz. Então, qual é o pedido? — perguntou Wodan.
Quando ela se apresentou como uma serva do rei, o olhar de seu pai ficou severo. Aisha ergueu os olhos, enfrentando o olhar dele.
— Por favor, empreste-nos os bravos da Floresta Protegida por Deus.
Quando ouviram as palavras de Aisha, surgiram murmúrios entre os líderes reunidos. Os bravos em questão eram como os soldados que protegiam esta terra, e os elfos negros eram conhecidos por seus poderosos arqueiros. Agora, ela estava pedindo-os emprestado. Wodan semicerrou os olhos.
— Vamos ouvir o seu motivo… — disse ele.
— Neste exato momento, o General do Exército, Georg Carmine, está prestes a hastear uma bandeira de revolta contra Sua Majestade, o Rei Souma — disse ela. — Além disso, o Principado da Amidônia está concentrando as suas forças ao longo da fronteira sudoeste e se preparando para uma invasão. O reino está, neste momento, em crise. Peço que ajude a salvá-lo.
Ela escondeu o fato de que a rebelião de Georg era uma farsa. Isso porque precisava manter segredo, então não contou sequer ao próprio pai.
Quando ouviu as palavras de Aisha, o olhar de Wodan ficou ainda mais severo.
— Este pedido vem do Rei Souma…?
— Não, Sua Majestade pretende cuidar de tudo usando apenas as suas próprias tropas — disse Aisha. — Entretanto, do jeito que as coisas estão, não tenho confiança nos números de tropas dele. Parece que o brilhante Sir Hakuya tem algum tipo de plano, mas sem tropas suficientes, podem acabar falhando. É exatamente por isso que estou pedindo ajuda.
— Então você está agindo por vontade própria? — perguntou Wodan.
— Sim… Sua Majestade recentemente correu ao nosso auxílio em um momento de crise, salvando muitos de nossos camaradas. Além disso, uma aldeia pequena como a nossa só conseguiu se recuperar tão rápido graças aos alimentos que ele forneceu — disse Aisha. — Não deveríamos pagar a nossa dívida de gratidão para com ele?
— Está fazendo este pedido como uma serva de Sua Majestade, não é? — disse Wodan. — Nesse caso, não deve mencionar a nossa posição.
— Urkh… Peço desculpas. — Sendo repreendida por Wodan, Aisha baixou a cabeça, desanimada.
Wodan balançou a cabeça consternado, olhando para os demais ali reunidos.
— Parece que é isso. Gostaria de ouvir as suas opiniões a respeito.
Com Wodan pedindo comentários, cada um dos presentes começou a dar opiniões independentes.
— Sou grato a Sua Majestade. Entretanto, nos envolver com o mundo exterior não seria uma violação às nossas leis?
— Nós já aceitamos ajuda. Se ele nos ajuda em um momento de necessidade, então não fazer nada quando ele está passando por uma crise seria como ignorar tudo.
— Mas, embora lutar contra a Amidônia seja uma coisa, uma batalha contra o Duque Carmine não é uma guerra civil?
— Ouvi dizer que o Duque Carmine está abrigando nobres corruptos. Se esse tipo de gente tiver acesso irrestrito ao poder, seremos capazes de manter a paz nesta floresta? Eu gostaria de ver o Rei Souma continuando no poder.
— Sinto o mesmo, mas não sei quanto a me envolver em uma guerra civil…
Resumindo as opiniões, pareciam ser: “Sentimos que estamos em dívida com o Rei Souma pelo socorro que ele enviou e gostaríamos de enviar reforços. Entretanto, o envolvimento com o mundo exterior, especialmente em uma guerra civil, violaria as leis que seguimos por tanto tempo, e ficamos hesitantes em fazer isso.”
Wodan pediu a opinião de seu irmão mais novo, Robthor, que permaneceu o tempo todo em silêncio.
— Robthor, o que você acha?
Quando Wodan pediu a opinião dele, Aisha ficou nervosa. Robthor mantinha uma atitude negativa em relação à interação com o mundo exterior, claramente se opondo a Aisha ir ao encontro de Souma. Ele olhou para ela e então abriu a boca, ainda em silêncio.
— Me oponho a deixar os soldados com Aisha…
— Tio?! — exclamou ela.
— Silêncio, Aisha — disse Wodan.
Ela ficou em silêncio e Robthor continuou, sem lhe dar qualquer atenção.
— Aisha já se tornou uma serva do Rei Souma. Se entregarmos tropas a ela e tomarmos parte na guerra civil, também seremos vistos como servos do Rei Souma. No que diz respeito à independência dessa floresta, existe o risco de que possa caracterizar a abertura de um mau precedente. Assim sendo, acho que devemos ter os bravos liderados por outra pessoa, e não por Aisha. Deveriam ser um exército voluntário que irá ajudar o Rei Souma sem a permissão de ninguém.
— Hein? — questionou Aisha, duvidando dos seus próprios ouvidos. Essencialmente, a opinião de Robthor era de que deveriam ficar do lado de Souma.
Vendo sua sobrinha tão surpresa, Robthor logo desviou o olhar dela.
— Hmph… Tenho uma dívida de gratidão com ele por ter salvado a minha filha. Se eu não pagasse a dívida, iria refletir de forma negativa na honra da nossa raça.
— Tio… — murmurou Aisha.
— Ha ha ha! Se for assim, deixe que eu lidere esses soldados voluntários. — Um elfo negro forte e aparentemente jovem deu um passo à frente.
— Você vai, Sur? — perguntou Wodan.
Sur bateu com o punho no peito.
— Ouvi dizer que Sir Halbert está entre os seguidores de Souma. Foi ele quem salvou a minha filha após o desastre. Se eu não fizer nada enquanto o salvador dela está em apuros, minha filha ficará furiosa.
— Entendo… — Wodan fechou os olhos e pensou em silêncio, então, tomando uma decisão, voltou a abri-los. — Concordo com todos vocês. Quero pagar a nossa dívida ao Rei Souma. Para fazer isso, gostaria de adotar a proposta de Robthor e fazer com que Sur lidere um exército voluntário. O que acham?
Todos os presentes baixaram a cabeça para Wodan. Este era o sinal de que aprovavam.
— Pai! — O rosto de Aisha estava cheio de alegria. Wodan, então, finalmente revelou um sorriso para ela.
— O homem pelo qual você se apaixonou está em apuros. Não posso ficar sem fazer nada, não é?
— O-O homem pelo qual me apaixonei…? Isso não… — gaguejou Aisha.
— Mas, como pai, meus sentimentos em relação a isso são complicados… — Wodan sorriu com ironia.
Aisha levou a mão ao peito. Senhor, as políticas que você executou estão lhe trazendo força. Seu povo está observando o que você faz. É por isso que… Tenho certeza de que não será derrotado.
Então, certa da vitória, Aisha ficou ansiosa para lutar.
Juna e Excel
Aconteceu na noite do dia em que Souma deu o ultimato aos três duques.
Enquanto Excel estava na cidade de Altomura, preparando-se para lidar com as tropas Amidonianas concentradas na fronteira sudoeste, sua neta, Juna, fez uma visita. Juna não estava vestida com seu traje habitual de cantora, e sim com o uniforme de uma comandante da Marinha.
Ela parou diante de Excel, que estava sentada a uma mesa tomando chá, e a saudou.
— Pois bem, Vó… não, Princesa do Mar. Para realizar a emboscada contra as forças da Amidônia, partirei agora com 2.000 marinheiros e ficarei à espreita no Vale Goldoa.
— Vai ser um trabalho difícil, Juna. — Excel largou a xícara de chá, sorrindo para ela. — Tenho certeza de que você vai lidar bem com isso, mas não seja imprudente. Você ainda é jovem. Não vou permitir que desperdice a sua vida. Tenho certeza de que a pessoa que você ama também ficaria triste se isso acontecesse.
— V-Vó! — As bochechas de Juna ficaram um pouco vermelhas.
Com um sorriso distraído para sua envergonhada neta, Excel pensou nos dias do passado distante.
— Daquela vez também te enviei assim…
— Sim, enviou…
Excel estava se referindo a quando havia enviado Juna para ficar com Souma pela primeira vez.
O anterior rei de Elfrieden, Albert, repentinamente cedeu o trono a Souma, que era dito ser um herói invocado de outro mundo. Quando seu genro e General da Força Aérea, Castor, ouviu a notícia, suspeitou de usurpação e se opôs a Souma. Excel, entretanto, considerou que, por mais medíocre que Albert pudesse ter sido como rei, jamais cederia o trono sem motivo, então primeiro trabalhou para reunir informações.
Assim sendo, quando soube que Souma não usurpou o trono e que Albert abdicou por vontade própria, despachou Juna para ficar com o novo rei. Embora ele não fosse um usurpador, ela queria saber se era ou não bom o bastante para ser rei. Aconteceu na época em que Souma fez um enorme apelo para que pessoas competentes trabalhassem para ele. Excel imaginou que se enviasse Juna, com a beleza que herdou dela, além de seu talento natural para o canto, a garota poderia facilmente se aproximar de Souma.
Juna tinha visitado Excel no dia em que tentou enviá-la até Souma.
— Pois bem, Vó. Agora irei para a capital real.
Naquele dia, ao contrário deste, Juna usava a sua roupa de cantora. Aquilo era para que pudesse ficar diante de Souma como uma simples cantora do café cantante Lorelei.
Excel olhou para Juna, desculpando-se, e disse:
— Sinto muito por isso. Por te fazer agir como espiã…
— Não, esse tipo de missão de infiltração me cai bem — disse Juna.
— Realmente aprecio que você diga isso. Tenho certeza de que será capaz de se encontrar com o Rei Souma.
Ela tinha ouvido que Souma estava à procura de pessoas talentosas. E ele também era homem. Excel tinha certeza de que não deixaria o belo rosto e voz de Juna de lado.
— Contudo… Não tenho intenção de fazer você agir como uma prostituta — disse Excel. — Se o novo rei enlouquecer de luxúria e colocar a mão em você, não hesite em voltar para cá. Se ele te criticar por isso, irei derrubá-lo.
Naquele momento havia uma expressão perigosa no olhar de Excel. Ela parecia uma bela mulher com não mais que 25 anos, mas ainda era a avó de Juna. Era natural que se preocupasse com a segurança da neta.
No entanto, indo contra as preocupações de Excel, a expressão de Juna estava relaxada.
— Não acho que você precise se preocupar com isso. Segundo os relatórios, ele se dá bem com a sua prometida, a Princesa Liscia. Não a conheço, mas todas as pessoas deste país conhecem a personalidade correta da nossa princesa. Se o Rei Souma tentasse se forçar para cima de uma mulher, tenho certeza de que a princesa o puniria de imediato.
— Acho que sim… — disse Excel.
Quando lembrou de Liscia, que entrou no exército mesmo sendo uma princesa, e da sua personalidade, Excel concordou. Enquanto ela estivesse lá, não precisaria se preocupar com Souma tentando afundar suas presas venenosas em Juna. Disso, pelo menos, sua neta estaria protegida.
— Pois bem… Suponho que minha outra única preocupação é que o rei possa “te pegar” enquanto você estiver ao lado dele — disse Excel.
— Acha que eu iria traí-la…? — perguntou Juna.
— Hee hee… ah, não é disso que estou falando — disse Excel para sua neta ofendida enquanto soltava uma risada irônica. — É só que você não tem tanta experiência com o amor quanto faz parecer, estou correta?
— Urkh… Está. — Juna passava uma atmosfera madura, mas como estava na Marinha desde que era adolescente, não se envolveu em nada. Comparada a Excel que tinha quinhentos anos e já havia passado por vários casamentos, às vezes ficando com os parceiros até que morressem, Juna não tinha experiência.
— As pessoas podem se unir pelas coisas mais estranhas — disse Excel. — Se você estiver o servindo e sua cabeça do nada começar a girar… tem certeza de que isso não vai acontecer?
— T-Tomarei cuidado… — gaguejou Juna.
— Hee hee… Bem, se isso acontecer, aconteceu. Seria, de certa forma, interessante — disse Excel com um sorriso entretido.
— Vó! — Juna protestou em voz alta, seu rosto adotando um tom vermelho profundo. — É simplesmente impossível que eu esqueça do meu dever e deixe algum homem me conquistar.
— Ah, é mesmo? — perguntou Excel.
— É mesmo!
Juna foi capaz de dizer isso com firmeza… ao menos naquele momento.
— “É simplesmente impossível que eu esqueça do meu dever e deixe algum homem me conquistar” — citou Excel de forma provocativa enquanto Juna corava e olhava para baixo.
Agora seria difícil para ela afirmar que Souma não a conquistou.
Excel olhou para a sua neta com uma expressão gentil no rosto.
— Isso é bom, não é? Que Souma seja um rei capaz de entrar no seu coração.
— Vó…
— Trabalhe duro, Juna — disse Excel. — Se você puder se destacar, tenho certeza de que Sua Majestade ficará grato por isso. Sua Majestade, eventualmente, precisará de outras rainhas além de Liscia, tenho certeza. Quando a hora chegar…
— Não… Se eu conseguir alguma coisa nessa batalha, o crédito será seu, Vó — disse Juna, sorrindo. — Temos que levar o Duque Castor e a Senhora Carla em conta. Por favor, quando a guerra acabar, use as minhas realizações a seu favor.
— Juna… você…
Antes que Excel pudesse dizer qualquer outra coisa, sua neta voltou a saudá-la.
— Pois bem, Princesa do Mar, estou partindo.
Com essas palavras, Juna rapidamente saiu do cômodo.
Deixada para trás, Excel olhou para a porta e soltou um suspiro.
É verdade que Carla é uma neta preciosa… Mas, Juna, você também é uma de minhas netas preciosas, sabe?
Uma avó sempre deseja a felicidade das suas netas.
Sim, ela estava preocupada com Carla. Entretanto, Excel queria que Juna também conquistasse a sua própria felicidade.
— E, para isso, vou precisar fazer minha própria parte nisso tudo — disse Excel para si mesma, agora sozinha.
Ludwin e XXX
Foi um dia antes de Souma dar seu ultimato aos três duques. Naquele dia, o capitão da Guarda Real, Ludwin Arcs, estava visitando um determinado local não muito longe da capital.
A opinião geral era de que um confronto entre o Exército Proibido de Souma e o Exército do General Georg Carmine seria inevitável. Era Ludwin quem comandaria o Exército Proibido. Isso porque, em tempos de crise, a Guarda Real assumia o controle do Exército Proibido.
Esta será a minha primeira batalha real… e mais, a situação está muito ruim, pensou ele.
No momento, o Exército Proibido poderia mobilizar 10.000 tropas, enquanto o Exército poderia mover 40.000. Além disso, a lealdade da Almirante da Marinha, Excel Walter, e do General da Força Aérea, Castor Vargas, permanecia desconhecida. Além disso, era dito que o Principado da Amidônia estava concentrando as suas forças na fronteira sudoeste. A situação estava obviamente muito ruim para o Exército Proibido.
Seja como for, sou o capitão da Guarda Real, pensou ele. A Guarda Real é o escudo e a lança de Sua Majestade. Mesmo que isso custe a minha vida, devo defender Sua Majestade. Mesmo que isso signifique que nunca mais voltarei… Ludwin fechou os olhos em silêncio. Sim…
Com a guerra se aproximando, ele visitou a casa de alguém que conhecia. Era uma casa de toras construída na escuridão, onde, por certo motivo, o sol nunca brilhava. Ele parou diante da porta e, assim que se recompôs, bateu.
Toc, toc.
O som dele batendo na porta ecoou pela escuridão, e então…
— Hmm? É você, Luu?
Ele ouviu uma voz de dentro da casa. Quando ouviu o tom leve e casual, Ludwin começou a se sentir meio tolo por estar tão melancólico e forçou um sorriso.
— Isso mesmo, sou eu, mas não poderia ao menos esperar para ver o meu rosto antes de decidir isso? — reclamou ele.
— Você é praticamente o único que vem até aqui para me ver, não é, Luu? — disse a voz.
— Bem, sim, mas mesmo assim…
A porta foi aberta com um clique.
— Bem, de qualquer forma, agradeço por ter vindo visitar.
Dito isso, uma mulher de jaleco branco que parecia ter vinte e poucos anos saiu de dentro da casa.
Embora parecesse meio esquelética, com cabelos meio longos e despenteados, tinha feições regulares e seria uma verdadeira beldade se cuidasse mais de si mesma. Com os óculos empoleirados no nariz, sua aparência gritava a palavra “pesquisadora”.
Quando viu a aparência da mulher, Ludwin suspirou.
— Genia, você passou um tempo sem tomar banho de novo, não é?
Quando ele disse isso, a mulher chamada Genia respondeu com uma risada estranha.
— Ahaha. Recentemente fiquei absorta nas minhas pesquisas. Estou fedendo?
— Sinceramente… Você é uma garota, então cuide-se direito.
— Acho que sou um pouco velha para ser chamada de garota, mas… Hmm, então, Luu, pode vir comigo e lavar as minhas costas? Igual você costumava fazer.
Quando Genia começou a tirar o jaleco branco e descobrir o ombro, o rosto de Ludwin ficou vermelho e ele gritou com ela.
— Isso foi quando éramos crianças! Você acabou de dizer que não era mais jovem o suficiente para ser chamada de garota!
— Eu não me importo, sabe? — disse ela.
— Bem, eu me importo!
A risada alta de Genia rapidamente fez Ludwin perder a paciência.
Como qualquer um poderia ter, sem dúvidas, percebido por essa conversa, os dois eram amigos de infância. O nome dela era Genia Maxwell, uma filha da Casa de Maxwell, conhecida por sua pesquisa acerca dos artefatos de supertecnologia ocasionalmente encontrados em masmorras. A família de Ludwin, a Casa dos Arcs, era sua vizinha, então cresceram como irmãos.
Genia deixou Ludwin entrar na casa que também servia como seu local de trabalho, servindo-lhe uma xícara de chá.
— Então, Luu? Por que você veio me ver hoje?
— Logo precisarei partir para a guerra, então vim me despedir… — disse Ludwin, tentando de tudo para fazer parecer que estava calmo. Ele depois estaria indo para a guerra, então podia ser a última vez que conversava com Genia. Estava bem consciente disso, mas não queria que ela percebesse e ficasse preocupada com ele.
A expressão dela, porém, continuou imutável.
— Hrm. Parece que vai ser complicado — disse, ainda tomando o seu chá. Ludwin ficou um pouco desequilibrado com isso.
— I-Isso é tudo?
— Mas vou ficar um pouco solitária durante o tempo que não te ver.
— Não, digo, talvez nunca mais nos vejamos…
— Hm? Luu, você está pensando em não voltar? — perguntou Genia com um olhar vazio.
Ludwin arregalou os olhos.
— Não, meu plano é voltar vivo, é claro…
— Bem, então não tem problema — disse ela. — Dê o seu melhor para se destacar enquanto estiver com aquele rei — falou, como se isso não fosse nada.
— Genia… Você não tem dúvidas a respeito da vitória de Sua Majestade? — perguntou Ludwin.
— Hein? Bem, não é óbvio?
— Por que? A situação está me parecendo bem ruim.
— É verdade, de acordo com as informações que recebi, as coisas não parecem boas. Mas, e se tentarmos olhar para isso de uma perspectiva diferente? — Genia se levantou e começou a preparar algo. Ela despejou água em um béquer e adicionou folhas de chá.
Ludwin olhou para ela de modo interrogativo.
— Genia? O que isso deveria significar…?
— A situação atual deste país — disse ela. — Existem inúmeras folhas de chá na água, então você não consegue ver do outro lado do béquer, certo? Bem… e se eu fizer isso?
Genia usou uma vareta de vidro para mexer o conteúdo do béquer. Essa ação criou uma corrente dentro do béquer e, em um instante, as folhas de chá se amontoaram em um montinho no fundo do recipiente.
— Quando eu faço isso, consigo separar a água das folhas de chá, certo? Agora, se eu pegar só o que está por cima, tudo o que terei será água limpa. Acho que é isso que o rei deve estar tentando fazer.
Genia parecia satisfeita com a sua explicação, mas Ludwin não fazia ideia do que ela queria dizer.
— Foi mal… Poderia explicar isso de uma forma menos abstrata?
— Os atuais inimigos do rei são os nobres corruptos e os seus exércitos pessoais, bem como o Duque Carmine e seus subordinados que não juraram lealdade, correto? — disse Genia. — Essas pessoas estão atualmente todas reunidas no Ducado Carmine. Assim como as folhas de chá no meu béquer.
Com isso, Ludwin finalmente conseguiu entender o que Genia estava tentando dizer.
— Acha que há uma armadilha para capturar todos os inimigos dele de uma vez?
— Existem muitas condições para isso — disse ela. — Devemos considerar que alguém preparou isso. Agora, se foi o rei, o primeiro-ministro do robe preto ou… a vontade alheia é algo que eu desconheço. — Genia olhou fixamente para as folhas de chá. Era como se estivesse olhando para algum segredo que elas escondiam.
Sem perceber que Genia estava fazendo isso, Ludwin riu.
— Você é mesmo inteligente, Genia. É como se visse coisas que eu não vejo.
— Bem, eu sou da Casa dos Maxwell, famosa por produzir nada além de gênios e excêntricos — disse ela com orgulho enquanto colocava o béquer cheio de folhas de chá sobre o fogo. Ela parecia estar pensando em preparar um chá.
Ludwin sorriu ironicamente.
— Obrigado. Agora estou me sentindo um pouco melhor com isso tudo.
— Bem, que bom. Então tá.
Ludwin levantou e colocou o capacete que costumava nunca usar.
— Obrigado pelo chá… Estou indo.
— Tome cuidado. Espero que volte logo.
— Sim. Prometo que voltarei.
Genia estalou a língua.
— Essa frase de agora faz parecer que você não vai voltar.
— Não diga coisas assim. Vou voltar por pura teimosia. Afinal, prometi te apresentar a Sua Majestade. — Ludwin ergueu a mão. — Até mais.
— Hmm. Bem, aguardarei ansiosamente pelo dia que conhecerei esse seu rei. — Genia tomou um gole de chá enquanto observava Ludwin partir.
A superfície do líquido na sua xícara estava tremendo um pouco.
Sendo Vestido por Liscia
– Final do 9° Mês, 1.546° Ano, Calendário Continental – Capital Real Parnam –
Neste dia, no quarto de Liscia no Castelo Parnam, eu, o rei provisório deste país, estava tendo as medidas tiradas para um uniforme. Isso estava sendo feito no quarto dela, já que eu ainda não tinha um só meu e porque o traje que estava sendo preparado para o meu uso era um uniforme militar.
A batalha contra o General do Exército Georg Carmine, bem como as forças da Amidônia que estavam sendo concentradas ao longo da fronteira, estava se aproximando, então o uniforme que eu usaria no campo de batalha estava sendo preparado. Eu não poderia ficar no campo de batalha com meu traje casual de sempre, é claro. Era por isso que estava preparando um uniforme militar para mim, mas era um uniforme intrincado com todos os tipos de floreios, e eu não fazia ideia de como vesti-lo.
Originalmente, as criadas iriam me vestir, mas Liscia se ofereceu.
— Deixe isso comigo. Digo, eu sou… sua noiva.
Então, decidi pedir para ela fazer isso. Mesmo sendo o trabalho delas, eu me sentia mais confortável com Liscia, que conhecia tão bem, fazendo isso por mim do que um bando de criadas.
— Isso não combina comigo… — reclamei.
Enquanto ela estava me ajudando a me vestir, vi o meu reflexo no espelho e essas palavras escaparam da minha boca.
O uniforme que foi preparado para mim tinha um modelo parecido com o que Liscia costumava usar, mas era quase todo preto e com botões, bordados e cintos dourados.
Parecia tão… auto-engrandecedor.
— Sinto quase como se agora eu tivesse me tornado um rei — falei.
— Do que você está falando? Já faz algum tempo que você virou rei — disse Liscia, desanimada. Não sei por que, mas parecia já fazer algum tempo que não tínhamos uma conversa como essa. Ela deu a volta na minha frente, me olhando de perto e depois balançando a cabeça, satisfeita. — Mas, verdade, isso faz você parecer um rei.
— Não acha que colocar isso dessa forma é um pouco exagerado? — perguntei.
— Bem, o problema é a maneira como você costuma se vestir. Não parece com um rei.
— Se vai dizer isso, Liscia, então você também não parece nada com uma princesa.
Desde o momento em que nos conhecemos no escritório de relações governamentais, Liscia estava quase sempre usando seu uniforme militar. Nunca tinha visto ela com um vestido de babados, do tipo que esperaria ver em uma princesa. Quando falei isso, as bochechas de Liscia ficaram um pouco vermelhas, ela cruzou os braços e desviou o olhar.
— N-Não importa. Essa roupa é a que mais combina comigo.
Ela parecia estar só dando desculpas, mas… era a verdade. Para Liscia, com suas proporções bem equilibradas, o uniforme militar justo combinava com sua silhueta.
Bem, e quanto a mim? Estiquei o braço para a frente, como se estivesse dando algum tipo de ordem. O bordado dourado nos punhos dava aos meus movimentos uma vibração que não costumavam possuir.
— É, acho que realmente não combina comigo… — falei. — Parece que estou tentando parecer mais importante do que sou.
— Eu já falei, você é importante — disse Liscia. — Você não pode liderar um exército sem essa aparência. Pense em como isso afetaria o moral das suas tropas e subordinados.
— Mas quem dará as ordens serão Ludwin e os demais — falei.
Os deveres de um rei eram basicamente decidir os objetivos antes da guerra e, depois, cuidar de colocar as coisas em ordem quando ela acabasse. O Príncipe Gaius da Amidônia provavelmente iria liderar as suas tropas, mas um novato igual eu não precisava ter esperanças de fazer igual. Quando a batalha começasse, eu provavelmente deixaria o comando do exército para Ludwin e os demais.
— Meu único trabalho é ser uma figura representativa no acampamento principal — falei.
— Se você é uma figura representativa, então é mais um motivo para se vestir de forma adequada para a ocasião — disse Liscia. — Você precisa ser o tipo de rei magnífico que todos irão querer carregar nos ombros, certo?
— Acho que isso faz sentido…
— Faz. Além disso, este uniforme também serve para a sua proteção. — Liscia foi para trás de mim e me colocou um manto opcional.
Neste mundo existem coisas chamadas de “feitiços fixáveis”. Para explicar de forma prática, até mesmo uma roupa poderia servir de defesa contra magia e flechas, desde que fosse aprimorada com o uso de magia.
Entretanto, mesmo se anexasse o mesmo feitiço a dois itens diferentes, uma armadura resistente desde o começo ofereceria um efeito maior. Por outro lado, uma armadura era pesada e reduzia a mobilidade, então alguns costumavam ir para o campo de batalha com um uniforme. As preferências pessoais individuais e a seção do exército a que pertenciam (cavaleiros montados escolheriam armaduras, enquanto aqueles que ficariam no fogo indireto, como arqueiros e magos, usariam uniformes) influenciariam nessa decisão.
O manto que fazia conjunto com este uniforme tinha um feitiço anexável nele.
— Mas você não pode ser descuidado — disse Liscia, apontando o dedo para o meu rosto enquanto olhava para o manto que colocou em mim. — Este uniforme pode te proteger de uma flecha perdida, mas não pode bloquear magia muito poderosa ou um ataque direto de um soldado capaz. Nem pense em ir para a linha de frente.
Liscia parecia preocupada. Descansei a minha mão sobre a sua cabeça.
— Não vou. Conheço as minhas fraquezas melhor do que ninguém.
Suavemente acariciei a cabeça de Liscia. Ela, entretanto, parecia ainda ter as suas dúvidas.
— Mas você às vezes se esforça demais… Ei, Souma?
— Hm? — perguntei.
— Você tem mesmo que ir para o campo de batalha? — perguntou ela, seu rosto se contorcendo de ansiedade. — Você é uma figura representativa, igual você mesmo já disse. Não existem muitos reis que vão para o campo de batalha, sabe? Existem os reis como Gaius, que querem liderar as tropas nas expedições, mas um rei costuma fazer com que o povo que serve sob o seu nome lute por ele. Você não pode deixar isso para Ludwin e os demais?
— Você deve saber que não posso fazer isso, certo…? — perguntei.
Quando dei essa resposta, Liscia não conseguiu dizer nada.
— Ainda faz pouco tempo desde que subi ao trono — falei. — Além disso, ainda sou só uma criança. Se eu não for para o campo de batalha, mesmo sendo só uma figura representativa, as tropas começarão a me desprezar. Se quero que Ludwin seja capaz de comandar as tropas no meu lugar e sem qualquer arrependimento, preciso estar lá.
— Eu sei disso! — gritou Liscia, então enterrando o rosto no meu peito. — Eu sei disso, mas… mesmo assim, estou preocupada! Quando penso no que faríamos se te perdêssemos… Eu… não, todo mundo…!
Colocando meu braço ao redor de Liscia enquanto ela lutava para encontrar as palavras certas, gentilmente a puxei para mais perto de mim.
— Obrigado pela preocupação.
— Souma… — Quando ela ergueu os olhos, eles estavam úmidos.
Tentei sorrir.
— Mas acho que nós dois estamos preocupados, sabe? Você também está planejando ir para o campo de batalha, não é? E, ao contrário de mim, planeja dar comandos na linha de frente.
— Não precisa nem falar — disse Liscia, balançando a cabeça como se isso fosse natural. Isso fez a minha cabeça doer um pouco.
— Da minha parte… Gostaria que você ficasse só no acampamento principal — falei. — Quando penso no que faria se te acontecesse alguma coisa, fico perdido de tanta preocupação.
— Não. Este país está passando por uma crise. Deixe-me fazer a minha parte — contestou Liscia.
Sinceramente… que princesa mais moleca.
— Vou mandar Aisha com você, entendido…? — falei.
— Isso não vai enfraquecer as defesas do acampamento principal? — perguntou ela.
— Se eu ficasse com a Aisha, a nossa lutadora individual mais forte, na retaguarda, estaria desperdiçando o talento dela. Tenho certeza de que ela também quer ir para a linha de frente. Então, por favor, certifique-se de que vocês duas… voltarão para casa em segurança.
Quando falei isso, Liscia sorriu e me deu um abraço.
— Você também, Souma. Não quero voltar para casa e descobrir que não tenho para quem voltar.
— Ah… Essa conversa está começando a levantar uma bandeira da morte — falei.
— Uma bandeira da morte?
— Frases como “Quando eu voltar da guerra vou me casar” ou “Quando voltarmos do campo de batalha, você vai ter que cuidar de mim”, sabe?
— Essas deveriam ser coisas bem comuns para se dizer, mas soam estranhamente ameaçadoras… Hee hee.
Nós dois nos olhamos e rimos. Para que pudéssemos espantar as nossas preocupações.
O Trabalho de Tomoe e Poncho por Trás das Cenas
– Final do 9° Mês, 1.546° Ano, Calendário Continental – Uma bacia montanhosa do reino –
Cercada por enormes montanhas, com um belo lago no meio, esta bacia cheia de campos de grama alta abrigava uma “reserva de rinossauros”. Como sugerido pelo nome, era um lugar onde aqueles lagartos gigantescos chamados rinossauros, ou lagartos chifrudos, eram protegidos e se reproduziam.
Os rinossauros eram grandes o suficiente para que qualquer um tivesse que erguer a cabeça para olhar para eles, e cada um deles tinha mais força do que um motor a explosão, então, neste mundo, eram criados para puxar vagões enormes. A habilidade de transporte de carga dos rinossauros chamou a atenção de Souma, então ele procurou aumentar os seus números. Os usaria para criar algo como trens e para melhorar o deslocamento de pessoas e mercadorias por todo o país.
A princípio, demorava muito para treinar um rinossauro para puxar cargas, mas Souma tinha Tomoe e a habilidade dela de falar com os animais, então podia negociar diretamente com eles, permitindo que ela conquistasse a cooperação deles em um tempo bem curto.
Em suas negociações, os rinossauros pediram por um criadouro seguro com muita grama fresca, então, assim, essa reserva de rinossauros foi criada.
Tomoe, no momento, estava naquela reserva de rinossauros.
— Senhor Rinossauro. Senhor Rinossauro. — Ela estava com a mão no nariz de um rinossauro que era grande até mesmo para os padrões deles.
Eles eram uma espécie que parecia ser a combinação entre um rinoceronte e um lagarto gigante, dividido por dois, e então tendo o tamanho aumentado em dez vezes. Tomoe estava tentando chegar a um entendimento mútuo com este.
— Senhor Rinossauro, tenho outra coisa que quero que carregue. Me disseram que desta vez é um navio bem grandão. Só um rinossauro grande e forte como você poderia fazer isso. Por favor, empreste a sua força.
Ela educadamente explicou a situação, mas, embora pudesse conversar com a criatura, os rinossauros não eram muito inteligentes, então tudo que entendeu da parte de Tomoe foi: “Bagagem, carregue, sim?”
— Grrr… — (Eu, carregar. Você, trazer fêmea. Certo?)
Podia ser fragmentado, mas Tomoe entendeu o que ele queria dizer.
— Entendi. Vou pedir para o tratador arranjar uma companheira para você durante a temporada de acasalamento.
— Grrahh! — (Eu, carregar.)
Com a expressão cheia de motivação, o rinossauro soltou um rugido excepcionalmente alto. Enquanto Tomoe ainda se sentia aliviada pelo sucesso em suas negociações, duas pessoas a chamaram por trás.
— Senhora Tomoe, presumo que as negociações tenham terminado, sim!
— Muito bem, irmãzinha.
Quando Tomoe se virou, o Ministro de Estado para a Crise Alimentar, Poncho Ishizuka Panacotta, e a criada que cuidava de todas as outras criadas do castelo, Serina, estavam indo em sua direção. Poncho foi para providenciar o transporte de provisões com os rinossauros, enquanto Serina estava lá como assistente dele. Os dois estavam viajando com Tomoe.
— Poncho, Serina. Acabei de terminar. — Quando Tomoe cambaleou até eles, os dois a cumprimentaram com enormes sorrisos.
— É bom ouvir isso, sim — disse Poncho. — Pois bem, Senhora Tomoe, gostaria de fazer uma pausa e se juntar a nós para o almoço? Sim, sim.
— Trouxemos os almoços que Poncho embalou antes de partirmos. — Serina ergueu a cesta para que ela pudesse ver.
Tomoe revelou um sorriso brilhante para eles.
— Nooossa. A comida do Poncho é sempre tão deliciosa, amo isso.
— Sim. Valeu a pena pressioná-lo para me deixar fazer companhia — disse Serina com indiferença. Parecia que ela só estava fazendo companhia para colocar as mãos nesses almoços. Quando pensou nisso, Tomoe percebeu que era estranho que Serina, a criada chefe e pessoal de sua irmã adotiva, Liscia, não estivesse ao lado da princesa.
— Está tudo bem em você não ir com a Irmãzona Liscia? — perguntou a garota.
— A princesa disse: “Por favor, ajude o Poncho” e me mandou embora enquanto sorria — disse Serina.
— I-Isso não é porque… — Poncho começou.
Ela queria se livrar de você…, quase disse ele, mas se conteve.
Serina era uma criada capaz, mas tinha o péssimo hábito de ser uma sádica com garotas bonitas. Não era nada perigoso; só gostava de fazer elas sentirem um pouco de vergonha. (Fazer coisas como obrigar Liscia a usar vestidos com babados.)
Ultimamente, ela se divertia provocando Liscia ao mencionar o relacionamento dela com o homem que amava e, logo depois, saboreava as suas expressões de vergonha.
Sim, tenho certeza de que ela a enviou com um sorriso no rosto…, pensou Poncho.
Deixando isso de lado, os três foram para outro lugar, encontrando um ponto onde provavelmente não seriam pisoteados por um rinossauro enquanto almoçavam. Quando Serina abriu a cesta, se deparou com um pacote de pães recheados com carne. Tomoe pegou um deles, olhando fixamente.
— Isto é um sanduíche? — perguntou.
— É-É parecido, mas, no mundo de Sua Majestade, são chamados de hambúrgueres teriyaki, sim — disse Poncho. — O frango frito é coberto com a água hishio que os lobos místicos fazem, depois é colocado em um pãozinho com legumes, sim.
— Munch, munch… Entendo, isso é bem delicado. — Serina já tinha acabado com um deles, limpando a boca enquanto fazia essa avaliação. Desde que ela comeu aquele delicioso ramen de gelin durante o pânico acerca dos espíritos vingativos que apareciam no castelo à noite, ficou viciada na comida que Poncho e Souma faziam.
Quando Tomoe viu a expressão satisfeita no rosto de Serina, também deu uma mordida.
— Eh?! Isso é gostoso mesmo, Poncho!
— F-Fico feliz em ouvir isso, sim. — Vendo o sorriso radiante de Tomoe, Poncho soltou uma risada envergonhada. Então…
— Irmãzinha, tem molho na sua bochecha.
Serina usou um guardanapo para limpar o molho da bochecha de Tomoe. Ela ficou à mercê de Serina, incapaz de resistir, mas, quando isso passou, curvou um pouco a cabeça.
— Obrigada, Serina.
— Hee hee. No final das contas, é vergonhoso ver o seu rostinho lindo arruinado pelo molho — disse, revelando um sorriso caloroso. Serina mostrava o seu sadismo quando estava com Liscia, mas era realmente doce com as crianças. Ela podia até não ter consciência disso, mas sempre que estava com uma jovem como Tomoe, queria tomar conta dela.
Por estarem frequentemente juntos, Poncho percebeu isso e sorriu enquanto Serina tentava ajudar Tomoe um pouquinho mais. Se houvesse outra pessoa observando, pareceriam pais com a filha fazendo um piquenique no dia de folga. Mesmo que Tomoe parecesse velha demais para ser a filha de uma mulher aparentemente tão jovem quanto Serina (com a idade incerta).
Sério… não parecia uma cena de um país prestes a entrar em uma enorme guerra.
O irmãozão honorário de Tomoe, que também era o rei deste país, Souma, estava prestes a entrar em guerra com o General do Exército, Georg Carmine. A razão pela qual ela e esse grupo estavam na reserva de rinossauros era para ajudar na preparação para a batalha. Como os rinossauros podiam carregar grandes quantidades de carga de uma só vez, esperava-se que tivessem um papel fundamental a desempenhar no conflito que se aproximava.
— Imagino se o Irmãozão está bem… — murmurou Tomoe enquanto observava os rinossauros preguiçosamente mastigando a grama. Quando a ouviram, Poncho e Serina colocaram as mãos em sua cabeça.
— V-Vai ficar tudo bem — disse Poncho. — Com os músculos de Aisha e o cérebro de Hakuya, Sua Majestade tem muita gente boa reunida ao redor dele. É por isso que vai dar tudo certo, sim… provavelmente.
— Poncho, você tem que dizer isso com mais confiança, ou ela vai ficar preocupada.
— S-Sinto muitíssimo, sim! — Ele se endireitou igual uma vareta.
Observando-o com um sorriso irônico, Serina gentilmente acariciou a cabeça de Tomoe.
— Permita-me acrescentar que Poncho está gerindo o comboio de abastecimento. Ele pode não parecer confiável, mas é. É por isso que Sua Majestade e os outros não têm como falhar.
Por mais estranho que isso fosse, as palavras de Serina revelaram verdadeira fé naquele de quem falava. Tomoe ficou surpresa ao ouvi-la falar assim sobre Poncho, mas quando percebeu que era tudo para encorajá-la, sorriu e fez uma saudação.
— Sim senhora! E também acredito no Irmãozão e na Irmãzona!
Ao ouvir a resposta alegre de Tomoe, Poncho e Serina sorriram.
A Princesinha Tanuki na Noite Anterior à Batalha Final
– Final do 9° Mês, 1.546° Ano, Calendário Continental – Nelva –
No sul do Principado da Amidônia, havia uma cidade murada chamada Nelva.
A capital do principado, Van, estava posicionada para evitar invasões do Reino de Elfrieden vindas do oeste, bem como para servir de praça de armas no ataque ao reino. Nelva, por outro lado, foi construída para se defender da República de Turgis e sua política de expansão para o norte.
No topo das muralhas da cidade, acima do portão sul, o velho general que era o lorde local e a única filha do Príncipe Gaius VIII, Roroa, estavam lado a lado. Aliás, os dois também eram neta e avô. A falecida mãe de Roroa era filha de Herman.
— Vovô Herman… você queria ir com o velhote, não é? — perguntou ela para ele, que estava ao seu lado.
O velhote de Roroa… ou seja, Gaius… estava marchando para o Reino de Elfrieden com seu irmão, Julius. Embora ele pudesse não levar isso ao mesmo nível que Gaius, Herman era um militar, ela então pensou que seu avô poderia querer participar da guerra.
Herman, entretanto, riu da pergunta.
— Verdade, querer pular de cabeça em cada batalha que aparece é da natureza de um guerreiro. Mas, sabe, ficar aqui para manter a República de Turgis sob controle também é um dever importante para um guerreiro.
A República de Turgis, contra quem Herman estava se protegendo, era uma terra de frio gélido. No inverno, todas as suas terras ficavam congeladas, então queriam avançar para o norte e conquistar terras que não ficassem soterradas pela neve, bem como portos que não congelassem.
— O que a república está fazendo…? — Perguntou Roroa.
— Parece que o exército deles está se aproximando da fronteira — disse Herman. — Não tem como dizer se pretendem nos atacar ou atacar o reino. Bem, por mais que estejam querendo avançar para o norte, as ações deles são lentas. Eles ainda vão esperar para ver, tenho certeza — acrescentou com desdém. A república iria esperar que o reino e o principado entrassem em colapso, ou que um deles acabasse em uma situação desvantajosa, para só então se mover. Eram verdadeiras hienas.
Roroa suspirou, consternada.
— A verdade é… se perdermos, estaremos em apuros. Mas o meu velhote, ele não pensa no que pode acontecer se perdermos. Sério… isso é um problema real.
— Acredita que Lorde Gaius perderá? — perguntou Herman.
Roroa balançou os ombros.
— Não sei muito sobre guerra. Não sei, mas… esse cara, Souma, o novo rei, posso dizer que ele não é só um moleque pateta.
Com seu incrível senso financeiro, Roroa tinha muitos amigos entre os comerciantes. Usando as suas redes, ela começou a reunir informações sobre Souma, desde o princípio.
Herman coçou a barba.
— Esse Souma é um guerreiro incrível?
— Não sei — disse ela. — O que se fala sobre ele é que é um tipo de herói invocado de outro mundo, mas não ouvi nenhum boato sobre algum feito grandioso. É só que ele tem governado o país com políticas racionais. Está reunindo pessoal, construindo estradas e estabelecendo uma rede de transportes.
— Hmm… Pelo que você me contou, não sei dizer se ele é forte ou não — disse Herman.
— É isso que torna a leitura dele tão difícil de fazer. — Roroa pousou a mão em uma das fendas para flechas na muralha. — Uma coisa que posso dizer é que aquele cara tem muita gente capaz ao seu redor. Acho que um rei com um bom olho para as pessoas e a capacidade de encontrar os serviços certos para elas é mais perigoso do que um rei simplesmente forte. Se o velhote consegue desperdiçar até mesmo o talento do Senhor Colbert, então ele pode ser domado.
Herman ficou em silêncio. Quando Roroa ficava parecendo solitária assim, ele não sabia o que dizer.
Como militar e como mulher de negócios, suas personalidades eram bem diferentes, e acabou surgindo um abismo entre Roroa e o pai dela. Ela ficou aborrecida com o fato de seu pai ter desperdiçado todo o dinheiro que os burocratas conseguiram economizar no exército, e Gaius se sentia da mesma forma por Roroa não gostar dos investimentos que ele fazia no exército. Era por isso que, desta vez, mesmo com ela tendo se separado de Gaius, aceitava que isso era inevitável.
Era só que… ele continuava sendo o seu pai, então ela precisava pensar nisso.
— Roroa… — Herman começou a falar.
— Bem, quando o meu velho perder, será para isso que estaremos aqui — disse ela, sorrindo para seu preocupado avô. — Quando o velhote perder, por mim… e por este país, enfrentaremos o desafio de uma vida. Para superar esse desafio, não podemos deixar a república interferir. Vou precisar de você para cuidar da fronteira, Vovô Herman — acrescentou ela, provocando, e fazendo Herman soltar uma gargalhada.
— Não posso dizer não a um pedido da minha neta! Deixa comigo! — Herman bateu com o punho na armadura em seu peito. — Enquanto eu estiver de pé, nem mesmo um soldado Republicano alcançará as suas costas. Então, Roroa, faça como achar melhor.
— Nyahaha! — gargalhou ela. — Conto com você para isso, Vovô.
Enquanto riam juntos, duas pessoas estavam se aproximando.
Um era o anterior Ministro das Finanças, Colbert, que devia estar em prisão domiciliar por ter provocado Gaius. O outro era Sebastian, o proprietário da Corça Prateada, uma loja de roupas em Van. Para Roroa, esses dois eram camaradas de confiança que ajudariam no seu plano.
— Princesa… está na hora de partirmos — disse Colbert, oferecendo um enorme sobretudo a Roroa. Ela podia ver que ele e Sebastian usavam peças semelhantes.
— Está…? — perguntou.
Ela aceitou a roupa e a vestiu. O enorme sobretudo cobria toda a pequena Roroa. Ela agora podia andar pelas ruas sem que as pessoas descobrissem quem era.
Olhando para os três, Herman perguntou:
— Para onde vocês irão?
— Senhor Colbert e eu vamos nos esconder em alguma cidade com um receptor de Transmissão de Voz da Joia — disse Roroa. — Com todos os soldados que estão aqui, não podemos andar por aí da forma que gostaríamos. Sebastian voltará para a loja dele, em Van. Ele vai monitorar a situação e depois nos reportar.
— Você está bem preparada… — disse Herman. — É uma pena que não tenha nascido homem.
Se Roroa pudesse ter herdado o trono, ela teria uma enorme popularidade e bom senso financeiro, e o principado teria feito grandes avanços sob o seu comando, sem dúvidas. Herman não pôde deixar de lamentar por isso jamais poder acontecer.
A própria Roroa, entretanto, balançou a cabeça com vigor.
— Ah, para. Sou só uma garotinha fofa e fraca, entendeu?
— Gahaha! — Herman riu. — Tem certeza que não quis dizer atrevida e durona? — Ele riu com vontade e colocou a mão na cabeça de Roroa. — Bem, então, se você não pode ser o príncipe… no mínimo, espero que consiga um marido que possa colocar o seu bom senso financeiro em uso.
— Um marido? — perguntou Roroa. — Ainda tenho só quinze anos, lembra?
— Quinze anos é idade suficiente para começar a pensar em casamento — disse Herman. — Quero ver o meu bisneto logo.
— Você está se apressando demais, Vovô! — exclamou Roroa.
Ela então desviou o olhar, seu rosto vermelho. Foi um gesto que parecia tão típico de uma garota na adolescência que os três homens começaram a sorrir.
Tradução: Taipan
Revisão: Milady
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