— Não, você não pode fazer isso! Definitivamente não, Hal!
— Por que você não entende?!
Em uma mesa longe da nossa, um jovem casal em trajes militares estava discutindo.
O homem era um humano alto com um cabelo ruivo distinto. Parecia ter mais de 190 centímetros de altura. Ele tinha ombros largos e, mesmo através do uniforme, eu poderia dizer que sua constituição era bem sólida.
A garota, por outro lado, tinha cabelos loiros em um corte curto, com duas orelhas triangulares na cabeça e era um pouco pequena.
Será que essa garota é uma loba mística?
— Aquela garota é uma raposa mística — disse Liscia, mas eu não pude notar a diferença. — Dá para perceber pela cauda. Ela tem uma cauda de raposa, viu?
— São ambos do tipo canino, então não podemos só agrupá-las como cães místicos? — perguntei.
— Se você disser isso em voz alta, deixará tanto os lobos quanto as raposas místicas com raiva. Kobolds são cães místicos, então seria como juntar humanos com macacos.
— Depois me fale sobre todas as coisas que eu não deveria dizer para certas raças, por favor…
E é esse o outro mundo. Nunca se sabe quando você vai pisar em uma mina terrestre como essa, pensei.
Enquanto eu continuava pensando nisso, a raposa mística continuava implorando.
— Eu te imploro, Hal. Você não pode ir para o Ducado Carmine agora! O General do Exército, o Duque Georg Carmine, é hostil ao novo rei. Pode acabar estourando uma guerra civil!
— É por isso mesmo que eu vou. Se houver uma luta, é uma chance para eu ser promovido, não é? — Aquele chamado Hal, que parecia ser um jovem com cerca de 18 anos, mostrou um sorriso intrépido.
A raposa mística, por outro lado, tinha uma expressão turva de ansiedade.
— Hal, o jeito que você pensa na guerra é simples demais. Seu pai te chamou de volta para casa porque estava preocupado com esse seu jeito de ser!
— Isso não é da conta do meu velho! Ele serviu ao Duque Carmine por anos, mas agora que as coisas não parecem boas, se esconde na capital, aquele covarde! Eu não preciso escutar o que ele diz!
— Seu pai entende o que está acontecendo. O Duque de Carmine está se rebelando sem justa causa.
Os dois continuaram brigando.
Enquanto os observava, Liscia juntou as mãos em reconhecimento.
— Pensei que tinha o reconhecido! O homem é o Oficial Halbert Magna.
— Ele é alguém que você conhece? — perguntei.
— É o filho mais velho de uma distinta família do ramo militar. Desde seus dias na academia, suas habilidades de combate o colocaram bem acima dos colegas. Ele entrou para as forças terrestres logo depois de se formar, mas… Acho que ele já deve ter voltado para casa.
— Ele parece surpreendentemente bem informado — meditei. — Bem, e quanto à garota?
— Não sei… Nunca vi ela no exército…
— A garota se chama Kaede Raposia — respondeu Juna no lugar de Liscia.
Hã? Por que ela sabe? pensei.
— Porque ela é uma cliente regular — disse Juna antes que eu perguntasse. — Se bem me lembro, já mencionou que é uma maga servindo ao Exército Proibido.
— Se ela é do Exército Proibido, então deve ser uma maga da terra, não? — perguntei.
A magia deste mundo poderia ser dividida em seis elementos: fogo, água, terra, vento, luz e trevas.
Fogo, água, vento e terra manipulavam seus respectivos elementos para feitiços de ataque, enquanto a luz era geralmente magia de cura. Trevas era a única que, estritamente falando, não manipulava a escuridão. Todos os feitiços únicos que não se enquadram nos cinco elementos anteriores foram agrupados na categoria de “trevas”.
Em termos de tipos de magia, meus Poltergeists Vivos seriam do tipo da treva.
Cada pessoa deste mundo estava alinhada a um desses elementos, e podiam usar a magia até certo ponto. Como já deve saber pelo treinamento de Liscia e Aisha, as pessoas também podem imbuir suas armas ou ataques com a magia de seu elemento.
Aqueles que podiam causar efeitos mágicos maiores do que as pessoas comuns eram chamados de magos. Eles podiam manipular chamas, criar redemoinhos, formar crateras no solo e afundar navios de guerra com seus incríveis poderes.
Quando os magos se juntam ao exército, seu tipo determina para onde serão enviados. Usuários de fogo iam para o exército, os de vento para a força aérea, os de água para a marinha, e os de terra e trevas (não que houvesse aos montes dessa segunda opção) para o Exército Proibido, enquanto os usuários de luz eram igualmente distribuídos e desempenhavam um papel semelhante ao dos médicos de combate.
Para ser honesto, eu me opunha a essa forma inflexível de distribuição, mas o exército, a marinha e a força aérea estavam sob o controle dos Três Ducados, então eu não podia tocar nisso.
Algum dia, quero reformar esse sistema.
Enquanto eu pensava nisso tudo, Kaede e Halbert continuaram discutindo.
— O Duque Carmine nunca perderia para aquele rei inexperiente!
— O Duque Carmine tem agido de forma bem estranha ultimamente! Se começarmos a lutar entre nós, só os vizinhos tirarão vantagem! Amidônia quer reclamar as terras que perderam para Elfrieden a dois reis atrás. E quanto à República Turgis, com mais da metade do território deles congelado, querem terras férteis e um porto que não congela no inverno. Se acontecer uma guerra civil, com certeza irão intervir. O Duque Carmine deve saber muito bem disso…
Huh, parece que Kaede tem um bom entendimento da situação nos países vizinhos.
O país a oeste deste no mapa do mundo, o Principado da Amidônia, viu cerca de metade do seu território ser roubado graças às políticas expansionistas do avô de Liscia. Isso foi há cerca de 50 anos, mas ainda estavam de olho neste país, em busca de qualquer oportunidade para recuperar as suas terras perdidas. Para este país, o outro era um claro estado inimigo.
Ao sul da Amidônia, na extremidade sul deste continente, ficava a República de Turgis, que, como disse Kaede, era uma terra frígida que estava quase toda congelada.
Quando se olha o mapa deste mundo, quanto mais ao sul se vai, mais baixa a temperatura fica. Eu não sabia se era porque (falando da perspectiva de um japonês) este continente ficava no hemisfério sul, ou se seu conceito de norte e sul estava invertido, ou mesmo se era por causa de algum efeito mágico misterioso, mas quanto mais ao sul de Elfrieden, mais frio ficava, e quanto mais ao norte, mais quente ficava.
Por causa do seu tipo de país, “Vá para o norte” era uma política nacional para a República Turgis.
Entretanto, dos dois países com que faziam fronteira, o Império Gran Caos era enorme, então não podiam se dar ao luxo de entrar em conflito com eles, enquanto o estado mercenário de Zem era seu aliado, o que significa que também não podiam invadir aquele lugar. Isso diminuía seus alvos potenciais para a expansão para o norte para a Amidônia ou Elfrieden.
Em outras palavras, tanto a Amidônia quanto Turgis eram como lobos vorazes, prontos para atacar este país na primeira oportunidade.
— O que o Duque Carmine pensa quanto aos projetos dos territórios vizinhos?
— É do Duque Carmine que você está falando… Tenho certeza de que ele tem um plano.
— Você não vai parar para pensar, Hal?!
— O fato é que muitos nobres desistiram do rei e foram servir ao Duque Carmine, não é? O fracasso dele em mantê-los aqui é a prova da incapacidade do rei.
— Não sei se o novo rei é competente ou não, mas, até agora, não vi nenhum erro de governo da parte dele! Além disso, a maioria dos nobres reunidos sob o comando do Duque Carmine são aqueles que perderam os direitos graças às reformas financeiras do novo rei, ou que foram investigados por corrupção e estão descontentes porque tiveram seus bens apreendidos, você não percebe?! Mesmo que você restaurasse os direitos de todos eles, acha mesmo que isso tornaria este país um lugar melhor?!
Quando Kaede o pressionou dessa forma, o olhar de Halbert vagou.
— Tenho certeza de que o Duque Carmine já está pensando nisso tudo.
— E lá vai você de novo, falando do Duque Carmine mais uma vez. Hal, você não tem opinião própria?
— S-só cala a boca, entendeu! Ou o quê, Kaede, você acha que pode prever o futuro?! Bem, eu posso!
— Eu posso! — Halbert atacou desafiadoramente, mas Kaede respondeu com firmeza. — Eu posso ver muito bem o que está por vir! E isso me assusta. Tenho certeza de que o novo rei vai…
— Certo, já chega — interrompi Kaede, me enfiando no meio dos dois.
Ambos arregalaram os olhos diante da minha intrusão repentina.
Ignorei o surpreso Halbert, falando: “Q-quem você pensa que é, parceiro?!”, com um sorriso para Kaede, que estava sentada ali, de boca aberta.
— Se continuar falando besteira, vou usar a minha autoridade para mandar te prender, sabe? — falei.
— Você é…! — Na mesma hora Kaede pareceu perceber quem eu era.
— Sim, sou, então fique quieta, entendido? — falei. — Honestamente, não sei o quanto você entende das coisas, mas se falar com tanta confiança sobre isso em um lugar como este, só vai servir para prejudicar o país.
— S-sinto muito — gaguejou ela. — Mas… o que você está fazendo aqui…? Não está aqui para prender Hal por motim, não é?! Não é nada disso! Hal é um pouco fraco da cabeça, ele nunca se rebelaria…
Kaede entendeu mal o que eu estava fazendo e começou a dar desculpas. Quem sabe onde foi parar a habilidade analítica que ela exibiu antes, mas estava tentando o seu melhor para defender Halbert.
— Não, não me importo com o que um único soldado pensa — falei.
— E-então por que está aqui? — gaguejou ela.
— Porque de repente me fizeram tirar uma folga — expliquei. — Eu só estava visitando o estabelecimento da Juna.
— E-entendo… — Kaede estava claramente aliviada.
Halbert, por outro lado, ficou o tempo todo me encarando.
— Seu punk, quem você pensa que é, se intrometendo no meio da nossa conversa e ameaçando a Kaede?
— U-um, Hal? Sabe, ele não está me ameaçando…
— Calada! Kaede, fique quieta!
— Yipe!
Quando Halbert bateu com as mãos na mesa e se levantou, Kaede ficou assustada.
— Que bem que teria em amedrontá-la…? — perguntei.
— Eu mandei calar a boca! — Ele estendeu a mão, tentando me agarrar pela gola, quando… — Urkh!
Parou no meio do caminho… Em um único instante, Halbert foi cercado pelas três mulheres que estavam comigo.
Normalmente, estar cercado por três beldades seria um local fantástico para se estar, mas… Bem, posso dizer que não fiquei com inveja. Afinal, Liscia havia sacado a rapieira de sua cintura e a apontava para o pescoço de Halbert, Aisha (que havia deixado a sua grande espada para trás por ser muito volumosa) estava segurando o seu rosto com uma garra, e Juna, ainda sorrindo, tinha uma faca de frutas pressionada entre as coxas dele.
Whoa… Seus níveis de poder são altos demais…
— Espera, até você, Juna? — perguntei, surpreso.
— A violência é estritamente proibida neste estabelecimento — disse ela com um sorriso.
— Uh, claro…
Tendo se enfiado nessa situação, até mesmo o assertivo Halbert começou a suar. Ele não conseguia se mover um único centímetro, então olhou para mim, frustrado, pelo espaço entre os dedos de Aisha.
— Seu punk… Isso foi sujo! Se você é homem, como pode se esconder atrás de um bando de mulheres?!
— Reclame o quanto quiser, mas me proteger é meio que o trabalho delas — falei. — Na verdade, se eu ficasse na linha de frente sem qualquer guarda-costas, acho que o problema seria maior ainda.
Quando falei isso, as garotas concordaram com as cabeças.
— Se você entende isso, gostaria que não enfiasse o nariz em problemas assim — repreendeu Liscia.
Uh, claro, foi mal, vou tomar mais cuidado.
O olhar irritado de Halbert me penetrou.
— Seu punk, quem é você…?
— Hm… Permita-me responder essa pergunta com uma frase de um ótimo drama do período dos samurais. “Halbert, você esqueceu do meu rosto?”
— Hein?
— Por que de repente você ficou tão cheio de si? — Liscia me deu um tapa na cabeça.
Ah, vamos lá, eu sempre quis dizer isso.
Então Aisha levantou a voz e falou em meu nome.
— De joelhos! Quem você acha que é este homem?!
Sim, eu também queria dizer isso. Espera, a Aisha está dizendo isso?!
— Você está na presença do 14ª Rei de Elfrieden (provisório), Sua Majestade Souma! — declarou Aisha.
Parecia que eu podia ouvir a música tema deste show tocando, mas tenho certeza que era só a minha imaginação.
Independentemente disso, dei à decepcionante elfa negra uma pancadinha na cabeça.
— Você fala alto demais. Devíamos estar disfarçados, lembra?
— Ah…! S-sinto muito, majestade!
— “Majestade”…? Não me diga que você é o rei?! — Após descobrir isso, Halbert pareceu muito surpreso. Ele era o único entre os presentes que não sabia isso, então pareceu ser meio lento de raciocínio.
Independentemente disso, com ele sendo ameaçado com uma rapieira, uma garra e uma faca, não poderíamos ter uma discussão tranquila, então pedi para que todas se afastassem.
Fixando o meu olhar no aliviado Halbert, fiz uma pergunta a ele.
— Pois bem, Halbert Magna, você estava dizendo algo sobre me atacar?
— I-isso… — Ele desviou os olhos.
Ah, vamos lá, a sua determinação era fraca assim?
— Devo considerar que essa é a vontade de toda a Casa dos Magna? — perguntei.
— Quê?! Meu velhote não tem nada a ver com isso!
— Claro que ele tem — falei. — Embora eu possa ignorar um soldado que esteja apenas cumprindo ordens, nobres traidores devem ser julgados pela lei. Afinal, estão mostrando clara intenção de se rebelar. Nesses casos, a acusação será de “traição contra o estado”, sabe… É um crime bem grave. Aqueles com até terceiro grau de parentesco, no mínimo, serão considerados todos cúmplices.
— Quê…?! — Halbert ficou sem palavras. Mas tudo o que eu estava fazendo era forçar os fatos sobre ele.
— Não… Isso é exagero… — Kaede tentou intervir, mas levantei a mão para impedi-la.
— Agora, deixe-me dizer, não estou fazendo isso por guardar algum rancor pessoal por você — falei. — Isso é o que é ditado pelas leis deste país. Honestamente, sei que com raças mais longevas, não é incomum que tenham bisnetos ou tataranetos por perto, mas, mesmo assim, o número de pessoas que acabam passando por complicações graças ao crime é muito grande. Eu, quanto a uma lei como esta que pune até crianças inocentes, gostaria de mudá-la agora mesmo, mas tenho tantas coisas para fazer que ainda não tive tempo algum para isso.
Ele ficou sem palavras.
— Halbert Magna — falei formalmente. — Você nasceu na Casa dos Magna, uma verdadeira casa nobre. Então, se ficar do lado dos Três Ducados, eles se rebelarem, e eu ganhar, todos os seus parentes de até terceiro grau serão executados. Isso é o que diz a lei, então não há nada que eu possa fazer quanto a isso, não é?
Quem o julgaria seria a lei, não eu. Não haveria espaço para eu apresentar o meu próprio critério.
— Agora, vamos levar em conta o que acontecerá se os Três Ducados vencerem — continuei.
— Ei! S-sim, isso aí! Contanto que ganhemos, sem problemas!
— Caso isso aconteça, o que acontecerá com ela? — Coloquei a mão no ombro de Kaede.
Halbert ficou claramente abalado.
— Não, você não ousaria tomar Kaede como refém!
— Ah, eu não faria algo assim. Entretanto, ela faz parte do Exército Proibido. Se os Três Ducados se rebelarem, ela será enviada para a linha de frente pelo “nosso lado”. Em outras palavras, seria sua inimiga. — Nesse momento, olhei com atenção para a Kaede. — A propósito, qual é a sua relação com o Halbert?
— S-somos amigos de infância.
— Amigos de infância… Entendi.
Pela maneira como agiam e conversavam, eu tinha visto um pequeno sinal de afeto de um pelo outro, mas… Bem, não havia motivo para eu mencionar isso.
— Se vocês são amigos de infância, devem se importar mais um com o outro do que com qualquer outra pessoa — falei. — E? Se você se juntar aos Três Ducados, o que planeja fazer com ela?
— O que você quer dizer com o que eu vou fazer…? Como assim?
— Estamos imaginando a vitória dos Três Ducados. Nesse caso, posso ter sido abatido, pode ser até mesmo você quem deceparia a minha cabeça.
— Hah! Então eu com certeza seria promovido!
— Suponho que sim… — falei. — Mas então, e quanto a Kaede? Uma linda garota como ela, no exército perdedor. Quando a descobrissem, o que os soldados do lado vencedor fariam…? Como soldado, acho que você consegue imaginar, não é?
Quando mencionei isso, Halbert ficou visivelmente pálido. Devia estar imaginando “aquele tipo” de cena. Após a conclusão de uma guerra, não era incomum ver o lado derrotado sendo devastado pelo vencedor. Pilhagens, incêndios criminosos, estupros, massacres… A loucura da guerra se baseava na permissão desses atos de barbárie.
Mesmo assim, Halbert ergueu a voz, como se tentasse afastar as suas dúvidas.
— As forças do Duque Carmine são bem organizadas! Jamais fariam algo tão indecente!
— Não sei qual é a situação no exército, mas o Duque Carmine tem mais do que as forças regulares do próprio ducado — falei. — Também existem aqueles cujos direitos tomei ou investiguei por corrupção. São esses os nobres que levantam a bandeira da rebelião contra mim. Eles não têm nada a perder. Se perderem, tudo o que os espera é a morte de sua linhagem familiar. Então, preferem abrir mão de todos os seus bens pessoais, contratando um grande número de mercenários Zemeses.
O estado mercenário, Zem.
A oeste da Amidônia e ao norte de Turgis, era um país de porte médio, fundado pelo comandante mercenário Zem, que usou sua inteligência para destruir o país que o contratou e então construiu sua própria nação mercenária no lugar. Se declaravam “eternamente neutros”, mas sua principal indústria se baseava em enviar mercenários a outros países, então isso, na verdade, significava: “Se solicitado, enviaremos mercenários para qualquer lugar.” Seus mercenários eram ridiculamente fortes, então a maioria dos países reconheciam que era melhor tê-los como aliados do que inimigos, e por isso firmavam contratos mercenários com eles.
— Mas que absurdo! Também existem mercenários Zemeses contratados pelo Exército Proibido! Se eles também enviarem mercenários para os Três Ducados, estarão lutando contra eles mesmos!
— Ah, isso não vai acontecer — assegurei. — Encerrei o contrato que tinham com o Exército Proibido faz algum tempo.
Agora parece um bom momento, então deixe-me falar sobre o sistema militar deste país.
Este reino tinha uma força de cerca de 100.000 tropas. Elas eram divididas da seguinte maneira:
40.000 no exército, liderado pelo Duque Georg Carmine.
10.000 na marinha, liderados pela Duquesa Excel Walter.
1.000 na força aérea, liderados pelo Duque Castor Vargas.
(Entretanto, um cavaleiro wyvern era considerado o equivalente a 100 soldados do exército.)
Deles, apenas a força aérea tinha um título de cavaleiro concedido a cada um de seus membros (era toda composta por unidades de cavaleiros wyvern, ou seja, “1 wyvern + 1 ou 2 cavaleiros”, então isso era óbvio), mas mais da metade do exército e da marinha era composta por soldados de carreira. Treinavam durante o dia e a noite nos três ducados e recebiam o salário dos três ducados.
Seria possível dizer que o direito de autogoverno e a isenção de impostos sobre os lucros de suas terras, junto com os muitos direitos especiais concedidos aos três ducados, existiam apenas para apoiar essas tropas.
Então, as tropas restantes, totalizando um pouco mais de 40.000, pertenciam ao Exército Proibido, mas eram divididas de outras formas.
Havia a Guarda Real, que se reportava diretamente ao rei, e os soldados de carreira que faziam parte do Exército Proibido. Depois, havia também as partes nobres (que tinham menos direitos do que os três ducados) e também as suas forças pessoais. Além disso, devido ao nosso contrato com o estado mercenário Zem, havia uma unidade de mercenários sob o comando do Exército Proibido, mas eu já havia rescindido o contrato deles.
A razão pela qual o Exército Proibido era menor do que as forças dos três ducados tinha a ver com a base por trás do país.
Originalmente, a nação surgiu através do trabalho conjunto de muitas raças. Como resultado, um membro da raça com a maior população, um humano, se tornou o rei, mas, para proteger os direitos das outras raças, os comandantes do exército, marinha e forças aéreas, seriam escolhidos entre as outras raças.
Portanto, se um tirano chegasse ao trono e começasse a oprimir as outras raças, o sistema era estabelecido para que os exércitos dos Três Ducados, sendo maiores do que o Exército Proibido, pudessem fazer algo. Por outro lado, se um dos Três Ducados conspirasse para usurpar o trono, o sistema era estabelecido de forma que, mesmo que só um dos exércitos apoiasse o rei, a rebelião poderia ser reprimida.
Em tempos de paz, essa poderia até ser uma boa configuração. Entretanto, após o aparecimento do Domínio do Lorde Demônio, os tempos se tornaram difíceis e todos os países passaram a procurar aberturas para aproveitar. Com esse tipo de estrutura de comando dividido, era possível que não fôssemos capazes de responder com suficiente velocidade a uma crise repentina. Na verdade, eu estava tentando avançar com as reformas, mas os Três Ducados estavam me dando um tratamento de silêncio.
Bem, vamos voltar a como liberei os mercenários de seus contratos de trabalho.
— Espera aí, o que você quer dizer com ter liberado os mercenários Zemeses de seus contratos?! — gritou Liscia.
— Ah, é mesmo, eu ainda não tinha te contado isso, contei? — Sorri ironicamente com o fato de que, ao invés de Halbert, quem expressou surpresa foi Liscia. — Significa exatamente o que parece. Sabe, mercenários são inúteis e só custam dinheiro.
Maquiavel disse: “Mercenários e exércitos mistos não são confiáveis.” Segundo ele, “Mercenários estão vinculados a você apenas para o seu próprio lucro; se forem apresentados a um lucro maior, facilmente o trairão. Entretanto, mesmo quando lutam, protegem seu empregador apenas pelo próprio benefício e, portanto, sua lealdade não é garantida. Não existe razão para contratar mercenários incapazes, mas os capazes sempre usarão da inteligência para tomar a posição do seu empregador.”
Em romances de fantasia e RPGs, protagonistas mercenários costumam aparecer, mas a maneira como o negócio deles realmente funciona é bem diferente do que as pessoas imaginam.
Resumindo, eram pessoas que ganhavam o dinheiro no campo de batalha. Não tinham lealdade ao país ou soberano, mudando de lado assim que o equilíbrio fosse rompido.
Em uma batalha perdida, fugiriam sem nem pensar. Mesmo quando vitoriosos, correriam como selvagens. Em comparação com os exércitos permanentes do mesmo tamanho, poderiam sair mais baratos, mas a longo prazo eram prejudiciais.
— Não temos dinheiro para gastar com esse tipo de gente inútil — expliquei.
— Mesmo assim, o contrato mercenário era uma prova da nossa relação amigável com Zem, você não percebeu?! — gritou Liscia.
— É verdade que as coisas com eles ficaram mais tensas, mas você mesma disse: “Gaste sempre com a defesa, nunca com os tributos”, não é, Liscia? Ao contrário do império, eles não podem se dar ao luxo de nos invadir. Pagar um tributo a eles só para ganhar algum tempo não faz sentido.
Entretanto, estavam se vingando de mim ao enviar mercenários para os Três Ducados.
Olhei diretamente para Halbert.
— Agora aqueles mercenários loucos por sangue estão do lado dos Três Ducados. Acha que vão deixar uma garota como Kaede, do lado do exército derrotado, em paz? Enquanto ela estiver sendo atormentada pelos mercenários, enquanto estiverem prestes a matá-la depois de terminarem de fazer o que bem entenderem, onde você estará e o que estará fazendo?
— Isso… — Halbert hesitou.
Essa atitude indecisa dele me deixou furioso.
— Você vai levantar a minha cabeça como um troféu?! Cantando músicas para celebrar a sua vitória?! Enquanto isso, sua amiga de infância pode ter sido transformada em um brinquedo, e depois ser assassinada e jogada na beira da estrada!
— Urkh…
Quando comecei a gritar, as pernas de Halbert pareceram ceder e ele teve que colocar as mãos na mesa para conseguir se apoiar. O homem não tinha resposta para isso, e sua boca ficou fechada com força. Kaede o observou com preocupação.
Quando a vi assim… Me acalmei um pouco.
— Halbert Magna. O caminho que você estava prestes a escolher é um beco sem saída. Se eu vencer, você será executado. Se os Três Ducados vencerem, Kaede será… Bem, as coisas podem não acontecer assim. Se você vai fazer a aposta da sua vida, ao menos tenha certeza de que o futuro que você deseja está entre os prêmios.
Ele não disse nada.
— Antes de fazer qualquer coisa precipitada, sempre penso no passado — falei para ele. — Pense se é isso que você quer, para quê e para quem. Olhe ao seu redor e pense nisso.
— Para quê… E para quem… — Halbert olhou para o lado.
Seus olhos se encontraram com os de Kaede, que o fitava com preocupação. Não houve qualquer palavra entre os dois, mas Halbert parecia um homem que foi liberto por seja lá o que foi que o possuiu.
O que acontecerá desse ponto em diante fica por conta deles…, pensei.
— Sinto muito, Juna. Estávamos atrapalhando o seu negócio, não é? — perguntei. — Já vamos indo.
Pouco antes de sairmos, fui pedir desculpas pela cena toda, mas Juna balançou a cabeça.
— Não… Majestade, suas palavras ficaram gravadas em meu coração.
Depois de dizer isso, ela pareceu hesitar por um momento. Juna evidentemente tinha algo a dizer, mas não tinha certeza se poderia fazer isso.
Esperei um pouco e ela por fim ergueu os olhos, seu rosto decidido.
— Majestade… Tenho algo para conversar com você.
— Ei, Souma, há algo que eu queria perguntar — disse Liscia.
— Hm?
Estávamos dentro da carruagem que havíamos chamado para nos levar de volta ao castelo quando Liscia, que estava sentada ao meu lado, levantou uma questão.
Aisha estava atuando como a cocheira, então estávamos sozinhos dentro da carruagem.
— Sobre o que aconteceu antes — disse ela. — Você estava tentando persuadir o Halbert, certo? Quando você disse que traidores seriam julgados pela lei, você parecia meio sério.
— Já que ele ainda não tinha agido como um… Se ele ainda fizer algo do tipo depois disso, não vou mostrar nenhuma misericórdia.
— No final das contas, você ainda é um cara legal, hein? — disse ela.
— Seja gentil com os seus aliados, severo com os inimigos — falei. — É esse o tipo de rei que as pessoas querem apoiar. Não é como se eu estivesse sendo severo por gostar disso. Quanto menos inimigos tivermos, melhor.
— Assim como pensei… Você é um cara legal. — Liscia apoiou a cabeça no meu ombro.
No dia seguinte…
Quando eu estava no escritório de assuntos governamentais cuidando de alguns papéis, Hakuya entrou. Então relatou:
— O chefe da Casa dos Magna, Sir Glaive Magna, trouxe seu filho, Sir Halbert Magna, e a maga do Exército Proibido, Kaede Raposia, e está solicitando uma audiência com você.
Parece que ainda há outra disputa a resolver…, pensei.
Quando cheguei à sala de audiência acompanhado por Liscia e minha guarda-costas, Aisha, já havia três pessoas de joelhos. Na frente dos outros dois, com a cabeça baixa, estava um homem grisalho e de meia-idade. Em sua armadura, parecia com um guerreiro que já tinha visto muitas batalhas. Atrás dele estavam Kaede Raposia e Halbert Magna, que eu havia conhecido no dia anterior. Sendo o caso, deduzi que o homem de cabeça baixa na frente deles devia ser o pai de Halbert, Glaive.
— Levantem a cabeça, os três — falei.
— Sim senhor.
Quando Halbert e Kaede ergueram a cabeça, fiquei paralisado ao ver o rosto de Halbert. Digo, pelas marcas estava bem óbvio que levara vários socos. Suas bochechas estavam inchadas e seus dois olhos roxos. Ele não estava assim quando o vi no dia anterior, então devia ter acontecido depois de nosso encontro.
— Halbert… Você está ainda mais bonito do que da última vez que te vi — comentei.
— Urgh… Sim, senhor! — Um olhar de frustração correu pelo seu rosto por um momento, mas ele não retrucou como no dia anterior.
Fico pensando o que aconteceu após nossa despedida.
Falei com Glaive, que ainda estava de cabeça baixa:
— Glaive Magna, levante a cabeça.
— Eu humildemente, humildemente mesmo, imploro, mostre misericórdia pela má conduta recente de meu filho! — Essa foi a resposta mais lamentável que podia ter saído. Ele estava com a testa pressionada contra o chão. Era difícil dizer, já que o homem estava com um joelho levantado, mas ele estava fazendo algo bem parecido com o que chamamos de dogeza1Considerada uma posição humilhante, é uma curvatura com joelhos, cotovelos e mãos tocando o chão, com a cabeça curvada para baixo. lá no Japão.
— Por má conduta, diz sobre o que aconteceu ontem? — perguntei.
— Sim, senhor! Ouvi os detalhes da Madame Kaede. Embora ele pudesse estar fora de seus deveres, o insultou, majestade, e pior, gabou-se de que se juntaria aos rebeldes dos Três Ducados, o que é completamente ultrajante! Entretanto, meu filho ainda é imaturo… Só disse essas coisas por ter um cérebro subdesenvolvido. Sua raiva é justificada, majestade, mas, por favor, deixe a culpa recair sobre mim por não educar o meu filho direito!
Hmm… Isso foi um pouco prolixo, mas o que ele está dizendo é: “Vou aceitar o castigo, então, por favor, poupe a vida do meu filho”, não é? Mas não estou com raiva.
— Os eventos de ontem aconteceram enquanto eu estava lá em segredo — falei. — Não pretendo fazer alarde por causa disso. Pelo que estou vendo, seu filho já foi punido de forma adequada.
— Majestade, você é muito gentil. — Glaive pediu desculpas profusas, prostrando-se diante de mim.
Halbert e Kaede se apressaram para voltar a abaixar as suas cabeças.
Por fim, Glaive ergueu o rosto.
— Agora, então, majestade. Sei que isso é incrivelmente rude, mas vim para te contar uma coisa.
— O quê?
— Bem… É algo que seria melhor se poucas pessoas ouvissem…
Um segredo, hein? Fiz Liscia, Aisha, Hakuya, Glaive, Halbert e Kaede permanecerem, então dispensei todos os outros, incluindo os guardas. Aisha parecia deslocada, mas enquanto ela estivesse junto, se descobrisse que ele estava usando a promessa de informações secretas como pretexto para me assassinar, eu teria alguém para lidar com isso.
— O cômodo está vazio — falei. — Então o que era que você precisava me falar?
— Sim, quanto a isso… — Glaive começou a falar em um ritmo relaxado.
Quando ouvimos o que ele tinha a dizer, Halbert arregalou os olhos, Kaede olhou para baixo, segurando os punhos com força, Hakuya fechou os olhos em silêncio, enquanto Aisha olhou em volta, perplexa com a reação de todos…
Liscia, entretanto, estava rígida e inexpressiva, sem dizer qualquer palavra. Lágrimas escorriam pelo rosto dela.
Quanto a mim, era um sentimento complicado. Raiva, exasperação, resignação, tristeza… Todos esses sentimentos se misturaram em meu peito, e me esforcei ao máximo para mantê-los ali.
Falei com a voz mais calma e regulada que pude, só para não trair os meus sentimentos.
— Agora que você me contou isso… o que quer que eu faça a respeito?
— Nada. Eu só queria que você soubesse, majestade.
— Isso é pesado… — Levantei-me, dando ordens a Kaede e Halbert: — Maga do Exército Proibido, Kaede Raposia. Esta informação é muito valiosa e perigosa para eu deixá-la como uma simples maga. Ordeno-lhe que sirva a Ludwin da Guarda Real como oficial da Guarda Real.
— Hã? S-sim, senhor! — exclamou ela.
— Oficial do Exército Halbert Magna. Ordeno que você se transfira para o Exército Proibido.
— Hein?! Eu, no Exército Proibido?!
— Isso mesmo. Você será o segundo em comando de Kaede e se reportará a ela. A posição dela efetivamente a torna a Número 2 no Exército Proibido. Como ainda é uma mulher jovem, existe o risco de que seus subordinados não a levem a sério. Caso algo do tipo aconteça, certifique-se de que façam o que ela disser. Entendido?
— Sim, senhor…!
Assim, um novo jovem oficial ingressou no Exército Proibido.
Entretanto, eu não estava me sentindo emocionalmente à vontade o suficiente para ficar feliz ao ter um novo aliado ao nosso lado. Enquanto reprimia minhas emoções violentas, meu verdadeiro sentimento vazou por entre meus dentes cerrados por apenas uma vez.
— Sério, essa gente…
Tradução: Taipan
Revisão: Roelec
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