Arthur Meryl.
Uma brisa suave balançava as penas de minhas asas, logo antes de se perder por entre os galhos das inúmeras árvores ao nosso redor, deixando um suave assovio pairando no ambiente.
Shimitsu parecia inquieto, enquanto alternava o peso do corpo de uma perna à outra. Jack continuava ao meu lado, sem uma única palavra ou gesto além do cumprimento ao reencontrar os outros. Sanir, como esperado, tagarelava desde que nos reencontramos.
— Aí na vila tinham umas crianças que umas eram quase só o osso, enquanto tinham outras eram tipo assim. — E descolou os braços do lado do corpo, ficando corcunda e estufando o peito e as bochechas.
Não demorou mais que alguns segundos para que Thorian o repreendesse, então parou de falar e afundou o rosto nos pelos de Quimi, ainda transfigurada em um lobo do tamanho de um cavalo de guerra.
Decidi que era hora de trazer o assunto que realmente importava, então tomei a frente.
— Temos mais uma pedra. — Falei.
— Tá, mas e agora? — O Kitsune agora se aproximava, deixando o lado da figura constructa de Trégua. — Thorian me explicou sobre essas pedras, mas ninguém sabe exatamente o que fazer com elas.
— Querem ir para algum lugar específico? — Sanir entrou na conversa. — Não temos notícias dos outros, então não sabemos se devemos continuar escondidos ou… — Ele se calou conforme sua voz suave e infantil diminuía, tomada pela incerteza.
— Não seria difícil continuar escondido se considerarmos que aqueles que nos conhecem podem pensar que estamos mortos depois do que aconteceu em Vale Cinza. — Thorian disse, com um tom de tristeza na voz ao se lembrar daquela noite. Senti calafrios quando me lembrei do sentimento de ser esmagado por uma presença quase, se não, divina.
— Pensando assim, continuar mortos não seria uma má ideia. — refleti, Shimitsu suspirou.
— Mas morto onde?
— Acho que o único lugar que não podemos considerar agora é o reino Anão. Eles não são receptivos.
Após pensar por alguns segundos, voltei a falar.
— Gostaria de passar na minha vila em algum momento, ela é segura e fica escondida na floresta, pode ser uma opção.
Nesse momento, percebi de canto de olho algo se aproximando. Um pombo, carregando um pequeno pergaminho preso por uma tira de couro em seu corpo.
Estendi o braço, oferecendo a mão para que ele pousasse, mas seguiu na direção de Sanir, que retirou a carta da ave que agora descansava em seu ombro.
Não demorou até que seus olhos se arregalassem em nítido espanto.
— Eu… acho que sei pra onde temos que ir. Nós… eu — se corrigiu — tenho algumas coisas pra resolver, não sei se vocês querem vir comigo.
— A gente não vai te deixar sozinho. — Shimitsu se apressou em dizer, deixando claro sua posição com a firmeza de seu tom, um sorriso surgiu nos lábios do Halfling.
— Bem… tem mais uma coisa. — Ele disse, com certa hesitação. — Pode ter algo a ver com seu pai, Arthur.
— O que!? Você conhece meu pai? — Não pude esconder minha surpresa.
— Você vem? — Ele perguntou, sem responder à pergunta.
— É claro! Meu objetivo é encontrá-lo.
— Ele parece estar indo para algum tipo de reunião, ou algo assim.
— Reunião? — O Golias perguntou.
— O rei Anão parece ter algo para fazer em Vantrol. O rei Humano tem um anúncio importante pra fazer e…
Meu corpo parecia quente e tenso, não conseguia pensar direito, então interrompi Sanir e voltei à minha pergunta anterior.
— Como você conhece o meu pai?
— O Rei vai fazer um anúncio público na capital e pelo que essa carta diz, é bem provável que seu pai esteja lá, a gente só não sabe que ligação ele tem com tudo isso.
Senti minha feição mudar enquanto tentava com dificuldade pensar em um motivo para um demônio ter alguma ligação com um rei, mas minha mente estava tão confusa que eu não conseguia organizar um simples pensamento.
Jack, que pareceu notar minha condição, se aproximou e começou a falar pela primeira vez desde que nos reencontramos com os outros.
— Ir a um anúncio público na capital real não é exatamente a melhor forma de se manter escondido.
— Eu sei, mas eu preciso ir, com ou sem vocês. — Respondi.
— Nós somos um time, Arthur. Pelo menos até darmos um jeito nisso. — Na segunda parte, a voz de Shimitsu ecoou em minha mente, como se seu pensamento vazasse para meus ouvidos. Agora que estávamos próximos, a conexão se fortalecia a esse ponto. — A gente não vai se separar, nem que você queira. Pra que lado fica? — perguntou, se virando para Sanir.
— O anúncio vai ser daqui a duas semanas. Mas esse não é o único assunto que veio na carta. Parece que o culpado foi visto. O culpado pelo fim de Vale Cinza. Ele tá indo pra algum lugar no Reino das Bestas.
— Eu não acho que sair procurando por aquela coisa que apareceu no céu seja uma boa ideia. — Aquele arrepio percorreu novamente minha espinha.
— Eu não estava lá, então não sei como aconteceu, mas a gente por acaso tem escolha? — Shimitsu perguntou.
Suspirei antes de responder, os outros se mantendo em silêncio, esperando por alguma resposta.
— Não, infelizmente. — Então um pensamento me atingiu. — Sanir, quem enviou essa carta? Tem alguma assinatura de um remetente?
— São as pessoas de cima.
Eu e o Kitsune expressamos nossa confusão simultaneamente.
— Quê?
— Ãhn? Tá falando dos anjos? — Perguntou.
— Não. Não, os superiores, a turma que senta na cadeira, sabe das coisas e manda cartas.
— Ah. Certo, a gente pode ir para a floresta, eu tenho uma noção gigantesca de lá, já que foi onde eu cresci.
— É realmente seguro? — Shimitsu perguntou.
— Nas vilas dos Bestiais é tranquilo, o problema está em chegar lá.
O Kitsune levou a mão até a grande espada em suas costas, que emanava uma energia púrpura de sua lâmina de mesma cor, o que dava a impressão de que a própria espada era composta por raios.
— Eu não acho que “dificuldade” está no meu vocabulário agora.
Apontei para minhas asas, deixando de lado a exibição de meu companheiro.
— Eu tava falando disso.
— Hum, Sanir, consegue fazer a Quimi voar? Ela tem asas, não tem?
— Consigo. — Ele respondeu da forma mais casual possível.
Shimitsu olhou novamente para mim, com uma expressão vitoriosa, segurando uma risada. Quase pude ouvir seu pensamento, ou talvez eu tenha realmente ouvido, algo como um “Vai, trouxa”.
No momento seguinte, Sanir estava acariciando as costas da quimera, enquanto suas asas ressurgiam, uma coberta por escamas e outra por penas, mas ambas na mesma tonalidade branca-acinzentada dos pelos transfigurados da besta.
Enquanto isso, notei que Jack e Thorian conversavam em voz baixa, um ao lado do outro.
A expressão de Shimitsu se amenizou, então acenou com a katana na direção da espada que estava nas minhas costas.
— Que isso aí?
— Ferro-frio, já ouviu falar? — E desembainhei a lâmina.
— Ferro o quê?
— Frio.
Ele aproximou a mão da lâmina, e pareceu sentir a atmosfera gélida a alguns centímetros da arma.
— Hum. É a arma de um dos gêmeos. — Ele reconheceu.
— Enfim, Sanir, você sabe mais ou menos para onde aquele que a gente tem que encontrar, seja lá quem for, está indo?
— Ao sudeste, próximo da costa, mas não sei se essa é uma informação muito útil.
— Já é alguma coisa. Podemos também aproveitar e passar na minha vila, conheço quem pode nos ajudar.
Shimitsu se virou para Trégua, ajudando ela a subir nas costas da quimera, junto de Sanir, e sussurrou para ela:
— Vai no seu tempo, não precisa se forçar.
Ela acenou com a cabeça feita de madeira e sussurrou algo de volta, mas não consegui ouvir o que era.
— Estou feliz de te ter de volta. — Ele respondeu ao terminar de se arrumar nas costas da besta.
Fui até Jack, que já montava no hipogrifo novamente, dando espaço para que Thorian montasse.
— Sinto muito Arthur, mas acho que você vai ter que voar por conta dessa vez. — O Golias disse com um sorriso envergonhado.
— Sem problemas. — Respondi.
— Vai na frente Arthur, mostra o caminho. — Shimitsu disse, segurando nos pelos de Quimi enquanto abraçava Trégua para mantê-la firme.
— Estamos prontos. — Disse Jack, simplesmente, enquanto segurava as rédeas do hipogrifo espectral, pronto para decolar.
Dando um salto, comecei a utilizar minhas asas para me impulsionar no céu. Sentia meu corpo rasgando o vento enquanto minhas asas apanhavam bolsas de ar, me levando cada vez mais alto.
Fui seguido de perto pelos outros, então me movi para ficar ao lado de Thorian, onde me esforcei para falar e ser ouvido.
— Oi Thorian, como foram as últimas semanas?
— Provavelmente melhores que as suas.
Então me explicou de forma resumida tudo que aconteceu enquanto estivemos separados, eu fiz o mesmo.
Enquanto sobrevoávamos próximos do Lar das Bestas, vi ao longe uma grande movimentação de pessoas se movendo em direção à capital de Vantrol, algumas provavelmente para o anúncio que aconteceria em duas semanas, enquanto outras apenas seguiam suas rotinas de carga de itens obtidos em explorações.
Agora voando mais próximos às árvores, pude ver vários tipos de criaturas, variando de animais comuns como cervos a bestas exóticas, como lagartos e aves gigantes. Ao vê-las, me senti acolhido, estava a caminho de casa.
Quimi pareceu interessada em algo e notei que ela observava um grupo de criatura com o corpo semelhante ao de um gorila, com um grande casco como o de uma tartaruga e um focinho lupino achatado. Uma parte de uma dessas criaturas foi usada em sua criação, deveria ser rara, pois eu nunca havia visto uma dessas antes.
— Vamos descer! — Gritei, quando o dia começava a escurecer.
Ao chegar no chão, aterrissamos em uma estrada estreita.
— Essa é uma rota comercial entre vilas, já estamos chegando.
Não consegui evitar que um sorriso surgisse em meu rosto ao dizer a palavra “chegando”.
Quatro Avianos surgiram voando por entre as árvores que cercavam a estrada, parando em nossa frente. Cada um estava armado com uma lança e carregava uma rapieira em sua cintura.
Me posicionei na frente do grupo e acenei para os sentinelas. Um deles mostrou o equivalente a um sorriso enquanto descansava o cabo da lança no chão.
— Arthur. — começou, com uma voz cantada. Ele possuía penas marrons por todo o corpo, que atingiam o vermelho nas pontas das asas que saíam de suas costas, assim como nas penas que saíam de cima da cabeça de águia, formando sua crista. Além disso, tinha uma longa cauda branca e exibia um tufo de penas que variava do amarelo ao verde em seu peito. — Bem vindo de volta.
— Obrigado, pai. — Acelerei o passo e dei um abraço em Gazoh, o Líder de Alaéria, que foi retribuído com alguns tapinhas em minha cabeça.
— Veio para ficar dessa vez? — Perguntou.
— Não, estamos só de passagem. — Respondi.
— Que bom, ou eu teria que te expulsar.
Ouvi Shimitsu segurando uma risada atrás de mim, ao contrário de Sanir, que fez um estardalhaço.
— Por quê? — Perguntei, pego de surpresa.
— O mundo é grande demais para você ficar preso em uma pequena vila. — Explicou.
— É… mesmo eu gostando muito daqui.
— Então, qual o motivo da visita? — Perguntou, observando os outros que me acompanhavam. — Companheiros interessantes os seus. Sintam-se à vontade.
Então começou a caminhar e o acompanhei. Os outros nos seguiram enquanto os guardas nos escoltavam pelas últimas centenas de metros até a vila.
Shimitsu me seguiu de perto, tamborilando em sua perna.
Se eu não te conhecesse, diria que está nervoso. Tentei dizer a ele telepaticamente, testando a conexão feita após a luta contra os gêmeos. Soube que havia funcionado quando recebi uma resposta: Cala a boca. E a mente.
Chegando na vila, reconheci as casas feitas de madeira e barro que ficavam presas às árvores, algumas mais distantes do solo que outras.
Mesmo entrando na vila escondida entre as grandes, mas não tão densas árvores, não me preocupei em erguer meu disfarce, não havia o que esconder enquanto estivesse em casa.
— Aí Arthur, o que tem de bom pra comer aqui? Pra poder dizer que tô faminto eu ainda preciso comer um banquete. — Sanir perguntou de cima de Quimi.
Me virei para meus companheiros, que deviam estar tão cansados quanto eu depois da longa viagem.
— Sei onde fica uma boa taverna. — Respondi.
— Preciso me despedir de vocês por enquanto, Arthur vai cuidar de vocês, aproveitem o tempo e sejam bem-vindos a Alaéria. — Meu pai adotivo acenou para os outros e deu um tapinha em meu ombro enquanto se despedia.
— A gente se vê. — Disse com um sorriso.
Passando pelo centro da vila, chegamos a um movimentado distrito comercial que ficava em uma clareira com várias lojas. Ali haviam alguns Humanos, Homens-Lagartos e outros bestiais.
Em um canto, havia uma construção de pedra feita no chão, uma taverna e pousada para os estrangeiros.
Ao entrar, nos encontramos em um ambiente limpo e tranquilo, o local cheirava a madeira e carne.
Ordenei a Quimi que esperasse do lado de fora e ela obedientemente se deitou ao lado da porta.
— Vou trazer alguma coisa para você comer.
Shimitsu, seguido por Sanir, foi o primeiro a ir até o balcão, onde foi recebido por um Aviano que provavelmente teria problemas para voar por mais que alguns minutos, devido ao seu volume corporal.
Ao olhar o cardápio, pareceram se surpreender com a presença de pratos com carne e ovos, então o taverneiro, que já devia estar acostumado com isso, deu uma risada e começou a falar com uma voz esganiçada.
— Comida é comida, esses ovos não são nossos. — E então se aproximou para sussurrar. — Ainda que existam alguns protestantes, não são eles que vão mudar nossa vida agora, não é? — Ele se virou para o forno que estava atrás dele, abrindo-o e retirando uma grande peça do que parecia um javali. Somente a fumaça que nos atingiu era o bastante para prever o gosto saboroso que a carne teria.
— Vão querer? — Ele ofereceu.
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Depois que todos estavam servidos, levei um pedaço extra que pedi para Quimi, que ainda esperava do lado de fora. Ela me agradeceu esfregando sua cabeça lupina em meu colo, mais parecendo um gato, então a acariciei por alguns segundos e voltei para dentro.
Antes que começássemos a comer, Thorian liderou uma pequena oração, acompanhado, mas não tão fervorosamente, por Jack.
Na mesa, mal pude ver Sanir, que estava escondido atrás de um prato que não acreditei que fosse possível que ele comesse. Ao espiar por cima da comida, vi que tinha um pedaço ainda mais inacreditável de carne na boca.
— Qué um pedaxo? — perguntou, com dificuldade ao ver meu olhar.
Recusei com a cabeça, então se esforçou para engolir e disse:
— De qualquer forma, a gente precisa conversar quando acabar aqui.
Quando a maioria de nós — todos, exceto Sanir — terminamos de comer, olhei ao redor. Shimitsu observava Trégua tentando girar um garfo entre os dedos, Thorian fazia outra oração em voz baixa. Jack, que havia aberto a parte de baixo de seu capacete para comer agora o havia fechado novamente e estava tão imóvel que eu não sabia dizer se estava acordado ou não.
Percebi que eu não faria falta por alguns minutos, então comecei a me levantar.
— Vocês podem esperar aqui, preciso procurar por alguém, só para dar um oi.
— Não sei pra quem você vai dar oi, mas fala que eu mandei um abraço. — Sanir riu, logo antes de voltar a colocar mais daquela carne aparentemente infinita na boca.
Não pude evitar outro sorriso.
— Pode deixar.
— Até daqui a pouco. — Disse Thorian, terminando sua oração.
Após alguns minutos de procura, ouvi a voz de Shimitsu em minha mente mais uma vez, com um tom preocupado. Arthur, você não vai acreditar no que o Sanir tá fazendo. E então silêncio. E o resquício de uma risada que deve ter vazado para mim involuntariamente.
Autor: Halt
Revisão: Bravo
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