A Calmaria Divina

Calmaria Divina – Vol. 01 – Cap. 04 – Procurado

 

Arthur, Vale Cinza, manhã.

“Procurado vivo: Thane

Descrição: Cabelos curtos e escuros, medindo pouco menos de um metro e oitenta. Geralmente veste roupas simples e é facilmente identificado pela presença constante de uma espada grande. Acompanhado por um corvo, suas ações noturnas ao sul da cidade têm causado tumulto, destacando-se por atos de roubo e vandalismo.

Recompensa: 30 moedas de ouro.”

 

Eu, Thorian e Galileu observávamos o retrato do rosto do procurado, que estava desenhado no cartaz. Me lembrei da resposta de Sanir quando o perguntamos, na noite anterior, se uniria-se à busca:

Nah, eu tenho que me apresentar aqui na taverna amanhã a noite e também prender bandidos não é minha praia.”

Enquanto líamos o cartaz, ouvi uma voz que não reconheci.

— Planejam pegar o Thane? A recompensa está aumentando a cada dia, vai ser perigoso se ele continuar a solta.

Me virei para ver quem falava e me deparei com um homem alto — não tanto quanto Thorian, é claro vestindo uma armadura pesada, com um capacete que cobria todo o rosto. O homem carregava uma espada longa e um escudo. Em seu peito, entalhado em sua armadura, havia o desenho da cabeça de um dragão, o símbolo sagrado de Dracarius, o Deus da Justiça.

— Eu sou Jack, posso me unir a vocês, caso aceitem minha ajuda — continuou o homem.

— Quanto mais ajuda, melhor. Galileu. — disse o Elfo, estendendo a mão para o homem.

Thorian e Jack se olharam, o Golias foi o próximo a se apresentar.

— Thorian do Gelo, fiel ao Sol

— Jack Genova, fiel à Justiça.

Espero que esses dois não sejam rivais ou algo assim, pensei, afinal, não sabia qual a relação entre os seguidores de diferentes Deuses.

Após me apresentar, me aproximei de Jack e perguntei:

— Está atrás de Thane por algum motivo em específico?

— Eu caço esses criminosos, se ele merece ser julgado, então será.

 

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Quando a noite caiu, nos dirigimos à área onde o procurado costumava agir, nossos passos ecoando no silêncio crescente das ruas desertas. Nos separamos para cobrir mais terreno. A calma reinava, apenas interrompida pelo ocasional farfalhar das folhas e pelo eco distante dos nossos passos. Eu e Thorian patrulhávamos próximos a uma praça, atentos a qualquer movimento suspeito entre as sombras das árvores, enquanto Jack e Galileu avançavam, suas silhuetas destacando-se contra o céu noturno estrelado.

Nosso plano era tentar encontrar Thane para planejar uma emboscada; uma isca parecia ser a melhor opção, porém não conseguimos decidir a maneira mais segura de atraí-lo. Por isso, nos dividimos dessa forma para realizar o reconhecimento do local. Eu e Thorian mantínhamos um olhar atento sobre as ruas e vielas próximas à praça, enquanto Jack e Galileu exploravam áreas mais distantes, em busca de qualquer sinal do procurado. A noite continuava tranquila, mas uma tensão pairava no ar, cada um de nós ciente dos perigos que enfrentaríamos ao confrontar um criminoso como Thane.

Durante a busca pelas ruas sombrias da cidade, eu e Thorian enfrentávamos um silêncio opressivo que pairava no ar, como se a própria noite estivesse nos observando com olhos famintos. Cada passo ecoava desconfortavelmente, enquanto meu olhar varria cada sombra em busca de qualquer sinal do procurado. O ar estava carregado de uma tensão palpável, como se eu estivesse à beira de um precipício, esperando pelo momento em que o chão se abriria sob nossos pés.

Apesar de nossos esforços, nenhum sinal de Thane se revelava, alimentando ainda mais a sensação de insegurança que se instalava. A cada esquina virada, cada rua percorrida, percebia que nunca havia sentido algo assim.

Vi um grupo de pessoas dormindo na rua. Essa com certeza era a parte mais pobre da cidade. A mais perigosa. Todo esse peso me fazia sentir como se estivesse enfeitiçado.

— Devemos voltar e reavaliar nosso plano. — A voz de Thorian me atingiu como um choque, me tirando de meu transe.

Ao chegar novamente na praça, aguardamos mais um pouco até ver os outros chegando. Pude perceber em seus rostos que também não haviam encontrado nada.

Enquanto decidíamos o que fazer, um barulho me chamou a atenção. O grasnado de um corvo.

O pássaro voou por cima das casas e foi em direção a uma viela, onde o perdi de vista.

— Eu acho que encontrei alguma coisa — eu disse.

— O que é?

— Um corvo, no cartaz dizia que Thane andava com um corvo. Ele foi naquela direção. —  Começamos a nos mover. Ao fim da rua estreita havia uma porta com algumas janelas.

— Uma taverna. Sugiro que dois de nós entrem lá para ver se ele está mesmo aqui, enquanto os outros dois vigiam do lado de fora — disse Galileu.

— Você e Arthur deveriam entrar, enquanto eu e Jack esperamos — disse Thorian olhando para o Elfo. — vão chamar menos atenção.

Então eu e Galileu entramos. O local não era dos mais limpos, tinha uma grossa camada de fumaça no teto, o chão tinha manchas de fuligem e as poucas pessoas que estavam lá apenas bebiam em silêncio. Em um canto, havia um homem acompanhado de dois bestiais, uma raposa laranja com um machado grande apoiado ao lado da cadeira e um gorila de pelagem branca, com pelos negros nas mãos, dando a aparência de luvas.

O homem sentado à mesa era definitivamente aquele do cartaz, Galileu também pareceu ter notado.

Apontei com o queixo para uma mesa vazia próxima à em que eles estavam, e nos sentamos.

— O que fazemos agora? — perguntei.

— Vamos tentar ouvir o que estão falando.

— Essa cerveja está muito ruim, certeza que foi diluída — dizia o Homem-Raposa, com uma voz cortante.

— Não há nada que possamos fazer, Thorn, é uma taverna de quinta. — respondeu o Homem-Gorila.

— A gente podia sair pra uns lugarzinhos melhores hein.

— Com aventureiros na minha cola? Não, obrigado. Além disso, meu companheiro encontrou algo interessante hoje.

Eu e Galileu fingimos uma conversa, ele me mostrou algumas de suas anotações e projetos, um deles era um arco capaz de atirar pequenos pedaços de metal no lugar de flechas.

Então os três se levantaram e começaram a se mover em direção à saída. Assenti para Galileu e me levantei assim que eles saíram, o Elfo me seguiu.

Ao sairmos, Thorian e Jack apareceram por um beco lateral e apontaram em uma direção, em uma linguagem silenciosa que dizia “eles foram por ali”.

Ao seguir por alguns segundos, vi o corvo empoleirado no topo de um poste. Por um instante, nossos olhares se encontraram e um arrepio gelado percorreu minha espinha.

Antes que pudesse reagir, algo duro e frio foi pressionado contra meu pescoço.

Ao meu lado, testemunhei a cena aterrorizante: o gorila imponente com sua mão esquerda descomunal firmemente apoiada na nuca de Galileu, enquanto a outra segurava o tridente de Thorian, ainda impotente em suas costas. Do outro lado, Thane usava sua espada — ainda embainhada — para imobilizar Jack, a segurando como um bastão, cruzando o peito do homem.

— Ei chefe, eles iam tentar nos emboscar, mas parece que foi o contrário. — podia sentir a respiração da raposa em minha nuca, além do cabo de seu machado pressionando firmemente contra minha jugular.

— São enviados da guilda? — a voz calma de Thane quebrou o silêncio, sua expressão revelando apenas uma tranquilidade calculada.

— Viemos por conta do cartaz, ma—.

— Mas não se saíram muito bem, com certeza são novatos.

— Thorn, deixe os outros falarem.

— Certo, Mank. Você primeiro! — o Bestial me soltou e me empurrou para frente.

Thane me encarava, aguardando uma resposta, enquanto a desvantagem inegável em que nos encontrávamos pesava sobre nossos ombros. Merda, pensei, sentindo-me como uma presa encurralada diante de seus predadores.

— Como eu estava dizendo, por conta de seus crimes existe uma recompensa por você, esse é o único motivo de estarmos aqui — continuei, tentando manter minha voz firme.

— Primeira dica: investiguem melhor sobre quem estão caçando, ou correrão o risco de se tornarem as presas. Segunda dica: certifiquem-se de que suas informações são verdadeiras. — declarou Thane, sua voz carregada de um aviso sombrio.

— Você nega os crimes dos quais é acusado? — questionou Jack, seu tom sério revelando a determinação de obter respostas.

— Descubram por si mesmos, tirem suas próprias conclusões. Estarei aqui amanhã, no mesmo lugar, na mesma hora. Por enquanto, decidam de que lado estão.

— O que quer dizer com lados?

Os três desapareceram por entre os becos, antes mesmo que Thorian terminasse de falar.

— Vocês estão bem? — perguntei, minha preocupação escapando por minha voz.

— Ninguém foi ferido, eles só nos deixaram ir.

— Vocês acreditam nele? — perguntei — Ele pode estar simplesmente tentando nos manipular.

— Podemos tentar achar algo na guilda — Jack sugeriu — Mas ela já está fechada e não acho que nos dariam esse tipo de informação tão facilmente. Não gosto da ideia de invadir, mas pode ser o único jeito.

 

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Fomos até a guilda e a contornamos, procurando por um meio de entrar. Encontramos uma janela grande o suficiente para todos passarmos nos fundos do prédio e Thorian foi checá-la.

— Trancada, obviamente.

— Me dê espaço — disse Galileu tirando um pequeno estojo do bolso.

Pegou uma ferramenta longa e achatada, feita de metal, a passou por uma fresta da janela.

— Achei a trava — então empurrou outro objeto pontudo pela fresta, fazendo um som de click, a janela se abriu.

— Vocês têm certeza disso? — perguntou Thorian.

O grupo se olhou por alguns segundos antes de concordar.

— Vai ser rápido, se tem um lugar nessa guilda onde vamos encontrar algo eu sei onde é, afirmou Galileu.

— Eu preciso tirar minha armadura e sugiro que faça o mesmo — disse Jack para Thorian.

— A pousada não fica muito longe daqui, vamos deixar as coisas lá e voltar.

Quando os dois voltaram, Jack vestia um colete simples de couro batido, que o fornecia certa proteção, seu capacete, enquanto Thorian vestia somente roupas simples. Ambos deixaram seus escudos para trás, carregando apenas suas armas.

— Vamos — disse Galileu abrindo a janela.

Entramos em um corredor escuro com várias portas. Enquanto andávamos até a porta maior, que levaria até a recepção da guilda, congelei ao ouvir um som alto vindo de trás de uma das portas.

Um ronco. Galileu havia comentado no dia anterior sobre dormitórios para convidados importantes da guilda, como comerciantes e soldados. Devem ser esses os quartos.

A porta ao fim do corredor possuía entalhes finos, iguais aos do portão de entrada. Fui na frente e testei a maçaneta, a porta estava destrancada. Acenei para os outros e abri lentamente a porta somente o suficiente para espiar o outro lado.

— Dois guardas e tochas acesas, o que fazemos? — perguntei.

Galileu deu um passo à frente escolhendo duas flechas na aljava, mas essas não tinham pontas e sim um semicírculo envolto em couro.

— Isso vai deixá-los tontos — disse, retirando a proteção e revelando o que parecia uma espécie de esponja.

Galileu se esgueirou para enxergar pela pequena abertura da porta e disparou contra o guarda que estava mais distante, o atingindo no peito.

Uma espécie de poeira se desprendeu da esponja ao se chocar com o homem, que caiu no chão lentamente. Galileu passou pela porta com outra flecha atordoante preparada e disparou contra o outro que estava indo em direção ao companheiro já inconsciente.

Em alguns segundos os dois já estavam apagados.

— Vamos rápido.

— O que tinha naquelas flechas?

— Pó de Mephit.

— Mas que droga é um Mephit? — perguntei enquanto todos entravam no salão principal

— Tipo um goblin do tamanho de uma fada que solta um pó que te faz dormir. Aquela é a nossa sala. — apontou para a porta de acesso restrito ao canto, cortando a conversa.

O Elfo se apressou, pegando novamente aquele estojo de ferramentas. — Eu vou dar um jeito de abrir aqui, enquanto isso vejam se acham alguma coisa na sala.

Fomos até o balcão onde fizemos nossa inscrição e começamos a abrir algumas gavetas. Lá haviam várias fichas de grupos e registros de missões, mas não encontramos nada relacionado a Thane.

Quando terminamos de procurar, arrumamos tudo e fomos até a porta que Galileu estava abrindo.

— Estou quase lá.

Click.

Quando a porta foi destrancada, o elfo deu um salto para trás.

— Não fui eu.

 


 

Tradução: HaltTW

Revisão: Bravo

 

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Bravo

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