A Calmaria Divina

Calmaria Divina – Vol. 01 – Cap. 03 – Planos e batalhas

 

Arthur, leste de Vale Cinza, início de tarde.

Sanir começou a desacelerar ao nos aproximarmos da caverna onde os lobos estavam. Paramos a alguns metros da entrada da caverna, de lá já era possível ver as silhuetas de alguns dos animais.

— Toma cuidado a partir de agora — falei olhando para Sanir.

— Ser cuidadoso está no meu sangue, tem até uma provação de “cuidadosidade” na minha família assim que alguém faz 11 anos… logo antes de sair de casa pra ganhar dinheiro.

— Então tá…

Deixei minha confusão de lado e olhei para dentro da caverna para confirmar se havia algum lobo de guarda, mas todos pareciam estar dormindo, então começamos a nos mover lentamente para dentro do covil, somente o suficiente para enxergar todo seu interior.

Podíamos ouvir a respiração de sete lobos espalhados pelos cantos da caverna, um deles em uma plataforma mais alta, próximo a uma pilha de objetos que a matilha provavelmente teria tirado de suas vítimas.

Notei Sanir observando a pilha de itens, então o cutuquei no ombro, sinalizando para voltarmos. Quando nos afastamos o suficiente e nos reunimos com o grupo, comecei:

— Tem sete lobos e uma pilha de objetos lá dentro.

— Uma pilha das boas — completou Sanir.

— Qual o tamanho da caverna? — perguntou Galileu.

— Não muito grande, seria ruim lutarmos lá dentro. Temos que esperar eles saírem. — respondi.

— Ou então poderíamos chamar a atenção deles para fora e encurralá-los na saída, você viu algum outro caminho que eles poderiam usar para fugir? — Thorian entrou na conversa.

— Eu não vi nada assim, você viu, Sanir?

Nope, a única porta é a que a gente usou.

— Mas como vamos encurralar eles? Teremos problemas se todos nos atacarem juntos — refletiu Thorian.

Alguns segundos se passaram e Galileu levantou a cabeça de repente.

— Podemos usar fogo!

Uma grande feira se erguia em uma das ruas que se ramificam da principal, com pessoas atravessando de um ponto a outro carregando sacolas nas mãos.  Enquanto cruzávamos a avenida vi um vendedor próximo mostrando brinquedos a uma criança que se pendurava em sua mãe, implorando para que ela os comprasse, senti o cheiro de comida sendo preparada e vendida pelo local.

Aí, guanto ocê arra gue vale aguela vilha de esouro? — perguntou Sanir, que tinha na boca um pedaço de carne maior do que poderia mastigar.

— Não entendi porra nenhuma que você falou. — Respondi.

Eu e o Halfling estávamos mais atrás, enquanto Galileu e Thorian buscavam por óleo para a armadilha.

Sanir se esforçou para engolir a comida e repetiu.

— Quanto você acha que vale aquela pilha de tesouros?

— Estava escuro e a maior parte eram mochilas, não vi exatamente o que tinha lá. Você tá tão desesperado assim por dinheiro?

— E você não? Você só está fazendo isso por dinheiro também. E também, minha mãezinha me disse pra conseguir bastante dinheiro.

Assim que abri a boca para responder, ele me cortou.

— Falando nisso, de onde você vem?

— Hum, é complicado. Eu cresci bem longe daqui, digamos que bem próximo ao Reino das Bestas.

— O Reino das Bestas?! Como era lá? Eu sempre quis ir pra lá, tem histórias de um grande dragão vivendo lá, você já viu ele?

— Já vi lagartos gigantes, mas nenhum dragão de verdade.

— Ah, que pena. — Pude ver a animação sumir dos olhos do Halfling por um momento, até ele olhar pra frente e ver os outros carregando dois potes de cerâmica, provavelmente cheios de óleo.

— E você, grandão? De onde é?

— Clã do Gelo, na Grande Muralha.

— O que tinha de legal lá? Era muito frio?

— Para você talvez fosse frio, mas é o ambiente perfeito para fortalecer o próprio corpo e alma.

Thorian mal acabara de falar e Sanir já se virava para Galileu.

— Viajo até onde for necessário pela minha pesquisa, mas sou de uma cidade próxima à capital de Aldoria. — o Elfo se adiantou ao perceber o movimento, antes mesmo que o garoto abrisse a boca.

A expressão de Sanir se iluminou..

— Então você deve ter muitas histórias. Que tipo de pesquisa você faz?

— Trabalho sob encomenda, atualmente estive trabalhando em um novo tipo de arco, mas meu foco agora está no céu. Tenho a sensação de que as estrelas estão estranhas ultimamente. Estou apenas esperando minha carona chegar para voltar para casa.

A conversa seguiu por um tempo, enquanto voltávamos para a encosta da montanha.

Antes que o Sol começasse a se pôr, estávamos de volta à frente da caverna, com dois grandes recipientes de cerâmica cheios de óleo.

— Thorian, você que é mais forte, jogue um dos frascos em cada lado da entrada da caverna assim que eu estiver com as flechas de fogo prontas. Existe a chance de sermos percebidos assim que eu acendê-las, então não demore.

Thorian assentiu e segurou um dos vasos acima do ombro com as duas mãos, o outro no chão ao seu lado.

Galileu mergulhou a ponta de duas flechas em um pequeno frasco que havia separado, então fez um pequeno monte de folhas secas no chão e usou uma pedra de fogo para acendê-lo. Assim que a primeira flecha em chamas estava pronta, ele anunciou:

— Agora!

— Sejamos todos iluminados por vossa luz e apoiados por vossa força — disse Thorian enquanto arremessava o vaso, que viajou quase 10 metros pelo ar antes de atingir uma das paredes da entrada da caverna, se estilhaçando e espalhando o combustível.

Quase no mesmo instante, a flecha atingiu a poça e as chamas lamberam um dos lados da entrada da caverna. Todos ouvimos os uivos dos lobos, agora acordados. Enquanto saíam da caverna, o outro vaso de óleo explodiu em chamas, deixando os dois lobos que estavam mais à frente incendiados e os outros com uma pequena passagem para sair da caverna.

Eu e Thorian começamos a correr em direção aos inimigos, conseguindo alcançá-los antes que o terceiro deles saísse do corredor ígneo que agora os cercava. Dessa forma, o número de inimigos que precisaríamos enfrentar por vez diminuíra.

Galileu nos apoiava com suas flechas, ao mesmo tempo em que eu e Thorian segurávamos os inimigos e os enfrentávamos aos poucos. Era uma sensação estranha, me sentia mais forte ao lutar ao lado de Thorian, que estava sempre recitando uma prece em voz baixa, uma cujas palavras não pude compreender o significado.

Então notei um fraco brilho que envolvia o símbolo sagrado em seu escudo, a visão desse brilho parecia me tranquilizar em meio a batalha, mesmo enquanto enfrentava um grande número de inimigos, era como se emitisse um calor que me mantinha focado nos inimigos.

Eu e Thorian tínhamos derrubado dois lobos quando o maior deles, o Alfa, se chocou contra mim, me empurrando um metro e meio para trás. Nesse momento, mais dois lobos passaram e deram a volta para nos cercar.

— Eu cuido desses, você não deixa mais passarem — gritei para Thorian.

O cheiro de pelo, carne e óleo queimando estava forte no ar e acabava de ficar ainda mais quando Galileu atingiu o líder da alcateia com uma flecha em chamas. O animal começou a rolar no chão para apagar o fogo e tentei avançar em sua direção, porém os outros dois se colocaram em minha frente.

Um deles avançou e mordeu meu ombro, tentando usar seu peso para me derrubar, quase conseguindo, mas o atingi ao lado da cabeça com o pomo de minha espada, fazendo com que ele recuasse, então desci minha outra lâmina em sua direção, o atingindo nas costelas.

Uma flecha veio assim que o lobo cambaleou para o lado, atingindo-o no pescoço e derrubando-o imóvel no chão.

O alfa levantou-se enfurecido com o pelo chamuscado e partes de pele nua expostas. Olhei para trás por um instante para ver o cadáver de um lobo estendido de um lado, enquanto outro mordia Thorian nas costelas e se impulsionava para trás, o ferindo seriamente com um ataque cruel.

Galileu voltou-se para o lobo que atacou o Golias e atingiu uma flecha em sua testa. Agora restavam apenas três, contando o Alfa. Avancei em direção aos meus inimigos, dividindo meus ataques entre os dois.

Consegui atingir um ataque em cada um antes que se separassem novamente, o alfa se mantendo em minha frente enquanto o outro dava a volta. Girei meu corpo para tentar manter os animais em meu campo de visão, mas os movimentos dos lobos correndo ao meu redor eram muito rápidos.

O menor agarrou meu braço com a boca e pulou para trás. Perdi a força enquanto o sangue jorrava, me forçando a soltar uma de minhas espadas. Thorian tinha derrotado o último lobo que estava com ele e agora vinha em minha direção,

— Aguenta aí Arthur, eu indo.

Então uma melodia alta e suave foi ouvida. O alaúde de Sanir estava sendo tocado.

— Achei que vocês aguentassem mais que isso, frangotes! — as forças em meu braço começaram a voltar, Sanir estava a poucos metros de nós enquanto dedilhava seu instrumento, o garoto tinha uma expressão de concentração no rosto, então percebi, ele estava usando magia. O ferimento em meu braço não estava curado, mas havia parado de sangrar.

Olhei para Thorian e o mesmo parecia ter acontecido com suas feridas.

Ele derrubou o lobo menor com um ataque horizontal de seu tridente logo depois que outra flecha de Galileu o atingiu.

Agora restava apenas o alfa, que se virou para fugir, mas outra flecha flamejante o interceptou.

O Golias atirou seu tridente em sua direção, atingindo-o nas pernas. Recuperei a espada que deixei cair, me aproximei e desci as duas lâminas em seu pescoço, o decapitando.

— Ufa, achei que vocês iam morrer contra esses cachorrinhos, olha só pra vocês, tão machucados… — Sanir disse em tom de brincadeira, logo antes de começar a rir.

— A missão foi um sucesso, agora que tal procurar algo naquela pilha de itens que vocês falaram? — sugeriu Galileu, guardando seu arco.

Olhei novamente para o escudo de Thorian, que não brilhava mais desde que ele parou de recitar.

— Thorian, o que era aquilo brilhando no seu escudo? — perguntei.

— Ah, era uma oração de batalha, um pedido a Solarith para que conceda sua força a mim e aos meus companheiros — respondeu sorrindo.

— E ninguém vai me agradecer por salvar a vida de vocês? Nem um “Ah, Sanir, como você é talentoso e generoso curando seus amigos com magia”, nada?

— Certo Sanir, obrigado — eu disse, segurando a risada.

Ao entrar na caverna, começamos a procurar entre a pilha de objetos que os lobos mantinham.

Havia em grande parte mochilas com rações de viagem e restos de comida, mas entre essas bolsas encontramos um pouco de dinheiro dos antigos donos, e uma pequena sacola de couro me chamou a atenção, ao abrir, havia uma pedra que cabia na palma da minha mão, com um símbolo que eu não reconheci, entalhado nela.

Notei a atenção dos outros, então Sanir se virou e perguntou:

— O que é que você achou aí?

— Eu não… — ao segurar a pedra para analisá-la, senti algo, como uma presença e um longo arrepio percorreu minha espinha.

Fiquei olhando para a pedra pelo que pareceu um longo tempo, até que senti um cutucão em meu lado esquerdo.

— Alguém aí? O que é que você achou de tão interessante aí? — Sanir estava se pendurando em meu braço para ver a pedra.

— Eu senti algum tipo de… poder nessa coisa. É como se estivesse me chamando.

— E pra onde ela está te chamando? — O Halfling perguntou escondendo um sorriso.

— Acho que não há mais nada de valor aqui — anunciou Galileu.

Coloquei a pedra no bolso e saímos da toca. Thorian carregava uma mochila com tudo o que havia de valor na pilha, além de algumas rações que não tinham sido abertas pelos animais. Parei para esfolar um dos lobos para que tivéssemos alguma prova de conclusão da missão e então voltamos para a cidade.

 

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A noite estava agitada enquanto nos dirigíamos à guilda para buscar nossa recompensa. Repartimos o ouro igualmente, então fomos até a taverna, onde avaliamos tudo o que encontramos no covil dos lobos.

— Algumas joias, moedas e restos de suprimentos. Os lobos provavelmente estavam atrás dessa comida, por isso roubavam as mochilas.

Tirei a pedra do bolso e a coloquei em cima da mesa, explicando aos outros o que eu havia sentido.

— Deixe-me ver — disse Galileu estendendo a mão até o artefato. — Não sinto nada, o que será que pode ter sido essa onda de energia que você descreveu?  Avise-me caso sinta novamente.

Porém não sentia mais nada desde que toquei na pedra pela primeira vez.

Dividimos os últimos objetos e então Sanir buscou seu alaúde que estava em suas costas, ainda segurando um pingente que encontramos, pendurando-o no instrumento, ao lado de outro penduricalho feito de madeira que definitivamente tentava imitar uma forma que eu não conseguia identificar e começou a cantar uma música narrando nossa batalha contra os lobos de uma maneira muito mais épica do que realmente foi.

”Contra uma centena de lobos atrozes,

Lutamos com fogo e coragem, eu e meus rapazes!

Em nossos escudos suas presas não penetravam,

E por cada gota de sangue o ouro recompensava!

Mas nossas espadas por seus corações dançavam.”

 


 

Autor: HaltTW

Revisão: Bravo

 

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