A Calmaria Divina

Calmaria Divina – Vol. 01 – Cap. 02 – Um Grupo

 

Thorian, Vale Cinza, início de tarde.

— Vocês serão os únicos no grupo? — perguntou uma halfling idosa sentada atrás do balcão enquanto Galileu, Arthur e eu nos concentrávamos na tarefa de preencher nossas fichas de inscrição.

— Acredito que nós três sejamos o suficiente — disse Arthur.

Com tudo decidido, fichas entregues e taxas de inscrição pagas, partimos em direção à nossa primeira tarefa.

Em uma vasta plantação próxima à cidade, um trio de javalis selvagens causava danos à colheita da estação, que seria responsável por grande parte do sustento da cidade. Caminhávamos próximos à plantação de uma espécie de cereal durante um bom tempo até vermos os grandes silos onde a colheita era armazenada.  Éramos guiados através dos campos por um Elfo que ainda não parecia ter atingido a maioridade.

— Ele é o responsável por aqui — disse o Elfo, apontando para um humano forte de pele queimada pelo sol e um grande chapéu de palha. — Ele vai passar os detalhes para vocês

Ao nos aproximarmos da casa do fazendeiro, o elfo se despediu e retornou à lavoura.

— Viemos pelo anúncio da guilda — disse Arthur.

— É bão ter ocês aqui, essas pragas tão acabando com a prantação. Se continuá assim vamo perdê muita colheita — disse o fazendeiro com um forte sotaque.

— Onde estão esses javalis? Temos que expulsar eles ou matar de vez? — perguntou Arthur.

— Eles atacaram todo mundo que tentô se aproximar. Não acho que seja fácil assim expulsá eles daqui. Eles foram vistos pro leste da última vez, ocês devem achar rastros por lá.

Os talos carregados de grãos brancos se erguiam acima de nossas cabeças, ao longe havia o som de uma enxada ou outra abrindo caminho pelo terreno. Com o tempo, trilhas de caules arrancados e terra pisoteada começaram a surgir.

Depois de um quarto de hora, estávamos sozinhos em uma área devastada, com amontoados de plantas mortas e partes dispersas da plantação que ainda persistia.

— Eles devem estar por perto, fiquem atentos — disse Galileu, testando a tensão da corda de seu arco. Arthur foi o primeiro a ouvir o grunhido de um dos animais.

— Por ali — sussurrou ele, apontando na direção do som.

As folhas altas no campo dificultavam a visão, mas era possível ver dois dos enormes javalis comendo algo cerca de 10 metros à nossa frente.

— O plano é o seguinte: Galileu, consegue atingir um deles daqui? — perguntou Arthur, que continuou assim que o elfo escolheu uma flecha na aljava em suas costas, agora no lugar de sua grande mochila que fora deixada na pousada.

— Eu e Thorian vamos dar a volta e cercá-los. Você dispara assim que eu der o sinal — segurou em sua mão um pequeno chifre que faria um som alto ao ser soprado.

Eu e Arthur nos separamos, cada um para um lado, ao mesmo tempo em que Galileu esperava com uma flecha preparada no arco.

Enquanto me movia, buscava me ocultar atrás das pilhas de mato seco e passando por entre os poucos talos que se mantinham em pé.

Quando os dois animais estavam em minha frente, meu companheiro me deu um aceno de cabeça, um que retribuí e então levou a corneta à boca.

O Elfo já estava mirando no pescoço do animal quando o sinal veio. A flecha sibilou no ar, o som da seta penetrando no couro duro do suíno foi abafado pelo urro de dor do animal.

Passos pesados se seguiram quando o outro javali começou a correr, mas bloqueei seu caminho com meu escudo.

Arthur corria com suas duas espadas erguidas na direção do animal ferido, que, surpreendentemente, iniciou uma investida com suas presas em direção a ele. O animal mal estava respirando por conta da ferida em seu pescoço, mas ainda teve forças para empurrar Arthur alguns metros.

Eu, disputando força com o outro animal, tentava atacá-lo com meu tridente, porém sem muito sucesso.

Outro baque surdo veio quando uma flecha atingiu a barriga do inimigo, dando a mim uma chance de fincar meu tridente no pescoço do animal, que caiu imóvel no chão.

— O primeiro já fo—

E um som ensurdecedor de algo muito pesado batendo em metal foi ouvido.

Mal consegui me proteger ao ouvir o terceiro inimigo chegando, que me atingiu com força suficiente para me empurrar para trás, impedindo-me de recuperar meu tridente do cadáver do primeiro animal.

— Eu bem! Ajuda o Arthur!

Arthur estava de frente para o javali que se preparava para outro ataque. Ele se preparava para esquivar assim que o inimigo viesse, e assim o fez, mas não conseguiu evitar completamente o golpe. Ao se recompor, desferiu uma série de cortes no animal, que voltava a correr.

Mais uma flecha cortou o ar, mas não fez muito mais do que arrancar um pouco de pelo do oponente que estava correndo. O javali se virou na direção de onde a flecha veio e continuou correndo com as presas estendidas enquanto bufava.

Galileu se virou e começou a correr em outra direção, o atacante se aproximava cada vez mais rápido.

Agarrei meu oponente pelas enormes presas e o girei para o lado, conseguindo desequilibra-lo por tempo suficiente para recuperar meu tridente e arremessá-lo em direção ao perseguidor de Galileu,

— Que Solarith guie meu ataque e derrote o inimigo com sua chama sagrada.

A arma atingiu o alvo na parte de trás. Sangue jorrou enquanto o animal se contorcia de dor. O tridente não apenas atingiu o inimigo como também queimava sua carne com uma chama branca, então Arthur cravou uma de suas espadas no pescoço do inimigo atordoado, fazendo com que os grunhidos cessassem.

Não pude contemplar a cena por mais que alguns segundos, tive que me voltar para meu oponente, que avançava em minha direção. Investi contra ele, o atingindo com meu escudo.

— Galileu, atira! — gritei com voz rouca assim que o impacto veio. Meus braços estavam no limite, então a última flecha foi disparada, a missão estava cumprida.

— O que fazemos com tudo isso agora? — disse Arthur observando a cena.

— Vamos até o fazendeiro, explicamos a situação, pegamos a nossa recompensa e voltamos para a guilda.

— As bestas foram postas para descansar — eu disse ao nosso contratante.

— Bom trabalho. Enviarei um encarregado para recolher os corpos. Enquanto isso, limpem-se. — respondeu, apontando para um grande barril com água e algumas toalhas.

Alguns minutos depois, aquele mesmo elfo de antes apareceu guiando uma carroça a cavalo, carregando os cadáveres dos javalis.

Após confirmar a conclusão da tarefa, o fazendeiro foi para os fundos da casa, acompanhando o jovem.

Alguns minutos depois, reapareceu com uma pequena sacola de couro, enquanto o outro carregava um pacote de peles.

— Aqui está a recompensa em dinheiro. E isso aqui — disse, oferecendo-nos o embrulho maior — é uma parte da carne e couro dos javalis.

Após receber e repartir as recompensas, nos dirigimos à taverna na rua principal, que também oferecia o serviço de pousada.

Ao chegarmos, o sol já estava se pondo e o local cheirava a lenha queimando.

Oferecemos a carne fresca ao taverneiro, que pagou algumas moedas por ela. Algum tempo depois, o cheiro do cozido de carne tomava a taverna.

Nossa conversa era acompanhada por uma saborosa refeição, além do alaúde de Sanir, que também se apresentava durante a noite, agora cantando uma música sobre dois bêbados brigões.

“‘Escuta aqui, amigo, juro pelo meu fígado,

Vi um monstro gigante, não estou mentindo!

Ele fez a montanha tremer com seu bufar,

É um sinal divino, não pode estar fingindo!’

O outro bêbado ri alto, balançando a cabeça,

‘Ah, meu caro amigo, você tá é muito bêbado!

Não foi um monstro que fez a terra estremecer, Foram suas pernas de bambu, que não param de torcer!’”

— Bem… — comecei — Na guilda tem mais duas missões que nós poderíamos pegar: lidar com a matilha de lobos que anda rondando a cidade durante a noite e lidar com aquele procurado.

O primeiro a responder foi Galileu,

— Acredito que seja melhor cuidar dos lobos primeiro. Precisamos melhorar nosso trabalho em equipe antes de tentar lidar com alguém realmente perigoso.

— Como se uma matilha de lobos não fosse perigosa, né? — rebateu Arthur.

— Ainda assim, concordo que devemos melhorar nosso trabalho juntos. Cada um lidar com um javali sem um Plano B foi muito perigoso — enquanto eu falava, o elfo pegou um mapa em sua mochila e o abriu na mesa.

— Então o que acham de fazer um reconhecimento no local onde os lobos estão? Assim podemos pensar no plano e avaliar se somos ou não capazes de lidar com o assunto.

— Que assunto?

Eu estava tão concentrado no mapa que não percebi quando Sanir se aproximou.

— Ouvi vocês falando de planos, missões e abrindo um mapa, se planejam chutar a bunda daqueles lobos eu tô dentro, quando minha mãe me… bem… gentilmente me mandou arrumar dinheiro em um lugar bem longe de casa, tentei dormir em uma caverna pra esses lados aí, mas os lobos quase me comeram inteiro — o jovem halfling de pele morena e cabelos castanhos encaracolados estava visivelmente animado.

— Então você conhece o lugar? — perguntou Arthur.

— E quem seria você? — Galileu completou.

— Sim sim, aliás, meu nome é Sanir Galho Negro, sou amigo do Glorian, e vocês?

— Meu nome é Thorian — corrigi enquanto os outros se apresentavam.

Após a refeição, cada um se recolheu para seu quarto na estalagem. No dia seguinte faríamos o reconhecimento do território dos lobos com o auxílio de Sanir.

Assim que cheguei em meu quarto, busquei minha mochila. Removi todo o sangue em meus equipamentos e passei a poli-los. Não poderia correr o risco de danificá-los em combate.

Poderoso Brilho do Amanhecer, que sua luz revele os perigos ocultos nas sombras’.

O sol ainda estava alto no céu enquanto observávamos o terreno marcado por pegadas lupinas. Na extremidade norte da cidade, onde há a íngreme subida da montanha, é possível ver a grande entrada de uma caverna.

Neste momento seus residentes deveriam estar dormindo, por isso nos dividimos para explorar os arredores do local. As atividades da matilha eram nítidas na região, com marcas constantes de pegadas, ossos e ocasionais sinais de combate.

Nós quatro nos reunimos após passada uma hora de busca.

— Quantos lobos vocês acham que tem lá dentro? — perguntou Sanir.

— Pelas marcas, a matilha não parece ser tão grande. Eu arriscaria dizer que não chegam a dez — respondeu Galileu enquanto olhava para as marcas no terreno.

Sanir, que estava agachado, se levantou com um pulo.

— Acho que eu poderia dar uma espiada na toca deles. Ainda está bem claro, então é só eu ir bem na maciota que eles nem vão me perceber.

— Eu não acho que se esgueirar sozinho pelo covil dos lobos seja uma boa ideia, mesmo durante o dia — repliquei.

— Eu posso ir com ele, cresci com avianos, consigo ser furtivo — disse Arthur.

— Qualquer coisa eu também posso ajudar com meu arco — acrescentou Galileu.

Parece que é melhor oferecer apoio do que tentar fazê-los mudar de ideia.

— Certo. Eu ficarei por perto caso precisem de minha ajuda, mas tomem cuidado para não chamar a atenção. Caso algo de errado aconteça, saiam de lá imediatamente.

— Pode deixar, grandão!

— Eu cuido do Sanir — disse Arthur se aproximando do halfling.

— Ah! Cuidar de mim? Tá mais fácil o contrário! — assim que Arthur abria a boca para retrucar, Sanir soltou suas coisas e começou a se mover rapidamente em direção à caverna, com o dedo indicador nos lábios, pedindo silêncio e sorrindo

 


 

Autor: HaltTW

Revisão: Bravo

 

💖 Agradecimentos 💖

Agradecemos a todos que leram diretamente aqui no site da Tsun e em especial nossos apoiadores:

 

  • decio
  • Merovíngio
  • S_Eaker#1065
  • abemiltonfilho
  • brunosantos2784
  • gilsonvasconcelos
  • kicksl#7406
  • lighizin
  • luisricardo0155
  • MackTron#0978
  • MaltataxD#4284
  • nyckdarkbr
  • ryan_vulgo_rn
  • themaster9551
  • Tsunaga
  • Enrig#0423
  • mateus6870
  • licaesar

 

📃 Outras Informações 📃

Apoie a scan para que ela continue lançando conteúdo, comente, divulgue, acesse e leia as obras diretamente em nosso site.

Acessem nosso Discord, receberemos vocês de braços abertos.

Que tal conhecer um pouco mais da staff da Tsun? Clique aqui e tenha acesso às informações da equipe!

 

 

Bravo

Recent Posts

Crônicas do Bahamut Invicto – Vol. 12 – Cap. 04 – A Criminosa Capturada

Parte 1   Uma memória cintilou como um flash. A sétima Ruína, Lua. Era um…

5 dias ago

Calmaria Divina – Vol. 01 – Cap. 05 – Dúvidas

  Arthur, Vale Cinza, Noite. — Não fui eu. A porta se abriu e Galileu…

5 dias ago

86: Oitenta e Seis – Vol. 09 – Pósfacio

Estou no limite da minha página, então sem conversa fiada desta vez! Olá a todos,…

6 dias ago

86: Oitenta e Seis – Vol. 09 – Epílogo: O Relógio continua a Marcar, Mesmo no Estômago do Crocodilo

No momento em que Lena e os outros retornaram à base Rüstkammer, relatos da operação…

6 dias ago