Bruxa Errante, a Jornada de Elaina

Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 5 – Cap. 08 – As Previsões de Certa Garota

Em algum lugar, havia uma garota que possuía um poder misterioso.

Essa indivídua peculiar, com a cabeça sempre escondida por um capuz puxado para baixo, não mostrava o rosto a ninguém. Ela poderia, para colocar de forma clara e concisa, ver o futuro.

Exatamente por quanto tempo fora dotada de tal poder não dava para saber, mas ela podia ver coisas – o futuro dos países, dos indivíduos, de tudo.

No entanto, a garota com o misterioso poder não parecia inclinada a fazer um bom uso dele. Talvez ela tivesse um coração cruel ou talvez simplesmente odiasse as outras pessoas.

Um dia, a garota apontou para um casal caminhando pela cidade e disse:

— Vocês vão terminar nos próximos três dias.

O casal riu dela, eles tinham um relacionamento maravilhoso, nunca poderiam se imaginar se separando. Três dias depois, porém, soube-se que o homem estava tendo um caso. O casal se separou, exatamente como a estranha garota havia previsto.

Teria sido uma simples coincidência?

Em um dia diferente, ela apontou para um menino que estava procurando por um gato de estimação desaparecido.

— Seu gato será comido por um lobo que entrou na cidade.

Os habitantes da cidade imediatamente partiram em uma grande busca pelo felino desaparecido. Acabou sendo exatamente como a garota havia declarado. Com certeza, um lobo entrou sorrateiramente na cidade e eles encontraram o gato do menino em um estado terrível.

Isso com certeza também devia ser uma coincidência.

Em outro dia, a garota disse a uma mulher que caminhava pela rua:

— Seu marido viverá por apenas mais um mês.

O marido daquela mulher estava sofrendo de uma doença horrível, mas ela estava escondendo de todo mundo. A estranha garota falou como se tivesse visto o que estava por vir.

E, claro, um mês depois, o marido faleceu.

A cada dia que chegava, a garota anunciava uma nova e terrível previsão.

— O novo negócio que você está pensando em abrir vai falir.

— Um ladrão vai roubar sua casa.

— Você vai machucar sua perna esquerda em breve.

Suas previsões eram sempre agourentas.

Eventualmente, as pessoas começaram a espalhar boatos de que ela poderia ver o futuro. Temiam a garota e falavam dela em voz baixa.

Logo, o medo – um medo sem um foco definido – se espalhou pela cidade. As pessoas ficaram assustadas com a garota e, eventualmente, ninguém queria ter nada a ver com ela, embora também não pudessem fazer nada contra ela.

Por exemplo, soldados tentaram conter a garota, mas ela escapuliu, como se soubesse que estavam chegando. Quando tentaram envenená-la, ela evitou isso habilmente. Nada que as pessoas pudessem inventar poderia prejudicar a garota capaz de ler o futuro.

Ela sempre usava o capuz puxado para baixo sobre a cabeça, então nenhuma pessoa sabia nada sobre ela, nem sua idade e certamente não seu rosto. Ninguém sabia se essa garota, que parecia se materializar espontaneamente, aparentemente do nada, para fazer alguma profecia terrível antes de desaparecer por completo, era ao menos uma cidadã.

O povo da cidade temia essa garota que ninguém conhecia. Viviam suas vidas temendo quando, onde e a quem ela faria sua próxima previsão infeliz.

Então um dia aconteceu.

Uma bruxa solitária apareceu naquela cidade.

Seu cabelo cinza era liso e longo. Esta bruxa era uma viajante e usava uma túnica preta e um chapéu preto pontudo. Ela não podia prever o futuro e não tinha nenhum poder especial, o que a tornava apenas uma bruxa comum.

Ela passou pelo portão da cidade.

Quem poderia ser?

Isso mesmo, euzinha.

 

 

— Ah, estou sem dinheiro…

Enquanto pagava o pedágio no caminho para a Cidade Laurent, ocorreu-me que minhas finanças estavam em um estado bastante precário.

Minha nossa, minha carteira desenvolveu um gosto por ouro e engoliu tudo? Que gananciosa.

Era um mistério para mim o porquê. Como viajante, vivia minha vida sem um plano, eu só decidia ganhar dinheiro quando não estava claro se eu seria capaz de pagar pela hospedagem.

Que tal planejarmos com um pouco mais de antecedência?

Curar-me do meu estilo de vida imprudente não ajudaria em nada para ajudar o estado atual da minha carteira. Certamente não faria dinheiro chover sobre mim.

De qualquer forma, se eu não fizesse nada, estava a ponto de passar a noite sob céu aberto. Para simplificar, poderia dizer que eu estava em uma situação muito ruim.

Se fosse esse o caso… e se minha carteira estivesse à beira da morte…

— Acho que esta é a única maneira…

Já fazia um tempo desde que eu fiz isso.

— Ei, você…! Você aí! Que tal uma leitura…?

Em um pequeno beco fora da rua de tijolos, estava uma garota suspeita segurando um cristal de valor questionável, acenando com a outra mão enquanto murmurava para si mesma. A propósito, ela era eu.

— Você aí… — eu ficava repetindo para ninguém em particular.

— Hm, eu?

Cerca de uma pessoa em dez era burra o suficiente para cair nessa.

— Ah, sim, você aí. Você mesmo.

Digamos que eu quisesse acenar para você desde o início.

— Você leva uma vida problemática, certo…? — perguntei gentilmente. — Permita-me resolver seus problemas para você.

— Nem tanto… E você não parece uma cartomante, mas sim uma bruxa…

— Eu sou uma bruxa e uma vidente — estufei meu peito —, e você está preocupado, tenho certeza disso. Você está fingindo que não tem nada com que se preocupar, mas a verdade é que carrega muitos fardos… Se eu colocar meus poderes para funcionar, prometo que posso tornar seu futuro mais brilhante!

Isso soava como uma farsa.

Quantas pessoas será que acreditarão em minhas palavras? Provavelmente nem mesmo uma em dez.

O jovem parado na minha frente não era exceção.

— Hmm, parece interessante, mas você pode realmente ver o futuro? Isso parece um pouco suspeito.

— Então você está dizendo que não acredita em mim? — Eu poderia entender seu ceticismo. — Tudo bem, para provar meus poderes a você, descreverei com precisão a sua personalidade. Se eu fizer isso, você vai acreditar em mim?

— Huh?

Devo ter despertado sua curiosidade, pelo menos um pouco. O jovem sentou-se na cadeira à minha frente, com o cristal entre nós.

— Hmmm… — Balancei minhas mãos sobre o cristal e gritei: — Dinheiro-dinheiro-dinheiro-dinheiro… — Como se fosse um encantamento, fiz isso baixo o suficiente para que ele não pudesse me ouvir.

O espírito do dinheiro estava conosco.

A propósito, ele também era uma extensão de mim.

— Eu vi em sua própria alma — falei. — Você está sempre preocupado com a forma como as outras pessoas o veem, certo?

— Hmm, bem, sim, não é…?

— Você tem um coração bondoso e não pode deixar de dar uma mão quando vê alguém em apuros.

— Isso está… provavelmente correto.

— Às vezes, quando está sozinho, você é assolado pela solidão, certo?

— Oh… Isso mesmo.

— Você está sempre se preocupando em ser julgado, então tem o péssimo hábito de perder o rumo mesmo quando tenta agir, certo?

— Isso mesmo…! Ah, o que eu deveria fazer, senhorita vidente?

— Não tenha medo, vou resolver seus problemas para você. — Abri um enorme sorriso.

A propósito, as coisas que eu acabei de dizer são verdadeiras para qualquer pessoa. No decorrer de uma conversa, um vidente astuto pode fazer com que essas experiências universais pareçam íntimas e únicas. Poderia chamar isso de uma forma de hipnotismo discreto.

— Por favor, Srta. Vidente…! Diga-me! — O jovem desesperado se inclinou em minha direção. Ele estava claramente sob meu feitiço.

— Tudo bem, se você quer ser feliz, a primeira coisa a fazer é pagar a taxa de adivinhação, conversaremos depois disso.

— Oh, não é grátis…?

— É tolice imaginar que você pode obter a verdadeira felicidade de graça.

— …

Balancei minha mão com impaciência.

— Dinheiro, por favor.

Em outras palavras, isso só estaria disponível através de um acesso pago. Afinal, dinheiro e felicidade andavam de mãos dadas.

— Tá bom, aqui… — O jovem colocou uma única moeda de ouro na palma da minha mão.

— Obrigada!

Depois de jogar a moeda em uma caixa que deixei de lado, comecei.

— Bem, então deixe-me resolver seus problemas para você…

Acho que a verdadeira riqueza de um viajante está nos encontros que ela tem com as pessoas ao longo do caminho.

— Legal… Um grande achado.

Na Cidade Laurent também, parecia que eu seria capaz de repetir esse padrão. Quando o sol se pôs, descobri que minha carteira havia recuperado todo o seu peso.

Eu me sentia mais feliz quando minha carteira estava pesada. É incrível, isso é a melhor coisa, eu era tão fácil de agradar, contanto que tivesse essa coisinha, poderia viajar em conforto.

Mas de alguma forma foi um pouco fácil demais por aqui… Este deve ter sido o maior ganho de todos os tempos. Acho que este lugar está cheio de otários.

Claro, eu nunca pretendi fingir ser uma vidente e mentir tão facilmente quanto respirava. Escutei os problemas das pessoas com seriedade e só depois aceitei gentilmente os seus sinais de gratidão. Tenho certeza de que existem algumas pessoas descaradas por aí que podem confundir meu negócio extremamente sério com alguma forma de ganhar dinheiro sujo. Ao  que parece, o trabalho vem acompanhado de equívocos infelizes.

É por isso que é importante para qualquer adivinho saber quando parar. Depois de ganhar dinheiro suficiente, é melhor se retirar, caso contrário, pode ter que lidar com esses mal-entendidos inconvenientes.

E então, comecei a embalar meu cristal para fechar a loja, verificando a sensação de peso da minha carteira enquanto o fazia.

— Diga, eu poderia ter um segundo?

Assim que eu estava guardando o cristal na minha bolsa, uma garota se jogou na cadeira e me encarou.

Sob um chapéu preto, ela tinha seu lindo cabelo comprido azul-claro amarrado em um cacho atrás da cabeça. Seus olhos eram cor lápis-lazúli, como o céu que agora perdia a luz. Ela estava vestida com uma jaqueta preta formal e saia combinando. Ela parecia devidamente aquecida para a noite fria de outono.

Oh, outra cliente?

— Sinto muito, estou fechada por hoje. Meus poderes de prognóstico enfraquecem com o sol poente, acredita?!

De qualquer forma, era essa a minha história. Para começo de conversa, nunca fui capaz de ler a sorte.

— Ah não, eu não vim à sua barraca para ler minha sorte.

Ela acenou com a mão na frente do rosto. Percebi que estava usando luvas de couro branco e segurando um caderno.

— …? Bem, então o que é?

Você está aqui para interferir nos meus negócios? Bem, acho que estou quase terminando, de qualquer maneira.

Eu estava com a cabeça inclinada de forma questionadora, ela ergueu seu caderno para que eu pudesse ver. Ela tinha um olhar orgulhoso, como se dissesse: “Você não consegue ver isso?

— …? — Encarei o caderno.

Abaixo de algum tipo de emblema ou brasão estava gravado: DEPARTAMENTO DE SEGURANÇA PÚBLICA DA CIDADE LAURENT.

Oh…? O que é isso?

— Ah, você é de um país estrangeiro? Mas você sabe o que isso significa, certo? O Departamento de Segurança Pública é, basicamente, composto por oficiais que patrulham esta cidade e protegem a paz. Meu nome é Anêmona, você é?

— Meu nome é Elaina, a Bruxa Cinzenta… Uma viajante errante…

— Elaina, não é? Sim, sim. — Anêmona, do Departamento de Segurança Pública, rabiscou algo em seu bloco de notas. — A propósito, o que você estava fazendo aqui hoje?

— Hmm… eu estava… prestes a fazer uma pausa…

— Hmm? — Seus olhos focaram na minha bolsa. — O que tem dentro dessa bolsa?

— Uma muda de roupa.

— Posso olhar dentro?

— Eu exerço meu direito de permanecer em silêncio.

— Vamos, pode me mostrar.

— Eu tenho roupa íntima aí, então não posso te mostrar.

— Nós duas somos garotas, então acho que está tudo bem.

— …  — Isso é verdade, eu acho. Eu já sabia disso. Certo.

— A propósito Elaina, provavelmente é melhor não ficar muito tempo nesta área, teve um relato de um morador do bairro sabe, parece que tem uma mulher por aqui com um cristal suspeito fingindo adivinhar a sorte e roubando as pessoas. Suponho que você também deva tomar cuidado, Elaina.

Ela não acabou de me descrever? Merda.

— Isso é… assustador… é melhor eu ir logo. Tudo bem então, estou indo.

— Claro. Isso é provavelmente o mais prudente. Antes de ir, posso olhar dentro da sua bolsa?

— Não.

— Desculpe, Elaina. Não é que eu suspeite que você possa ser a adivinha ou algo assim, mas esta é uma das minhas funções, entende?! E eu ficaria grata por sua cooperação. Mostre-me a bolsa.

— Você…  você com certeza é persistente! Vou chamar a polícia! Policial! — Fiz uma previsão de que minha sorte do dia era fingir indignação e fazer uma retirada estratégica.

— Tudo bem, tudo bem, suponho que sua raiva seja razoável, mas eu sou da polícia.

— …  — Minha raiva explodiu em um segundo.

Sortuda eu, hein?

— O que tem dentro da sua bolsa?

— …

Hesitei por um tempo, mas ela brandiu palavras ameaçadoras: “Devo chamar reforços?” e “Se você continuar com isso, terei que empregar métodos mais enérgicos, eu acho.”

No final, cedi.

— Hmm…? O que é isso?

Aí, infelizmente, não precisei mexer muito na bolsa, pois o cristal que enfiei lá estava espreitando, junto com a minha carteira gorda. Não era preciso ser um policial para suspeitar que algo obscuro estava acontecendo.

— Isto é, hm… sabe, meu hobby é colecionar cristais, então…

— Mas, Elaina, você parece ter muito dinheiro. Será que você é uma viajante famosa?

— Ah, isso mesmo…

— Uhum, é mesmo? — Sua expressão não vacilou nem um pouco; ela continuou sorrindo e colocou a mão no meu ombro. — A propósito, posso pedir para vir comigo?

Tenho certeza de que não há necessidade de explicar o que essas palavras significam. Em primeiro lugar, ela já havia confiscado meu cristal e minha carteira em sua busca. Eu podia ver onde isso estava indo, mas previ que, por via das dúvidas, seria bom manter o menor fio de esperança…

— Eu tenho o direito de recusar?

— Suponho que não.

E lá vamos nós…

 

 

Eu tinha certeza de que a única coisa reservada para mim era a tortura. Eu seria jogada na prisão, varrida por cima do carvão e teria todo o meu dinheiro confiscado. Depois de ficar mentalmente exausta de uma repreensão ao longo de vários dias – um chamado interrogatório – eu seria questionada em uma voz gentil: “Você não vai fazer isso de novo, certo?” e mandada para me arrepender de minhas ações.

A estrada que Anêmona me levou, no entanto, não parecia levar à prisão ou a qualquer lugar associado ao já mencionado Departamento de Segurança Pública da Cidade Laurent, ou seja lá como fosse chamado. Longe disso, a estrada tornou-se gradualmente deserta à medida que avançávamos.

— Com licença, mas para onde você está me levando…?

— Hm? É segredo.

Olhei em volta, mas a lua cheia iluminava apenas as árvores que balançavam e o chacoalhar lento das folhas vermelhas e amarelas na escuridão.

Não havia sinal nenhum de vida humana.

— Hmm… eu tinha certeza de que você estava me levando para a delegacia do Departamento de Segurança Pública ou algo assim, mas… eu estava errada? Ou a estação está mais à frente?

— Não posso dizer que exista tal coisa à frente.

— Então, o que há…?

— Oh? Minha casa.

Huh? Por quê?

— Hm… Existe, ah, algum tipo de regra que diz que os agentes do Departamento de Segurança Pública têm que convidar criminosos para suas casas ou algo assim?

— Eu não diria que exista tal regra.

A propósito, por que tudo o que você diz soa como um palpite? Você não tem confiança em suas próprias palavras?

— Não tenho absolutamente nenhuma ideia do que você está pensando — falei.

Pensei que estava olhando duramente para ela, mas poderia dizer, pela expressão dela, que qualquer cara que eu estava fazendo não tinha o menor impacto.

— Suponho que também não entendo — admitiu. — Mas acho que você é alguém que merece mais do que ser presa.

Ela sorriu alegremente.

No final, eu ainda não fazia ideia do que ela queria fazer comigo, mesmo quando nós chegamos em sua casa. Não havia sinais de tráfego de pedestres e a estrada sob nossos pés era completamente atapetada com folhas de outono vermelhas e amarelas levando até a casa desgastada pelo tempo.

— Suponho que devo recebê-la em minha casa — disse ela. — Tudo bem, vá em frente. Existem, creio eu, muitas coisas que gostaria de discutir com você.

Mantendo-se de costas para mim, ela foi direto para a casa.

Eu nem considerei a possibilidade de virar e correr de lá. Como sou ingênua. Teria sido uma moleza total para alguém com meus poderes desaparecer.

Tudo bem… Enquanto ela está longe o suficiente, vamos fugir e…

— Ah, claro, não suponho que você tenha o direito de recusar. — Ela ergueu a minha carteira.

Aparentemente, eu estava agora em uma situação em que ela estava literalmente puxando os cordões da minha carteira.

— Haaa… — suspirei.

 

Depois de deixar escapar um grande suspiro como meu único ato de rebelião, entrei em sua casa.

Assim que entrei, fui conduzida a uma cadeira em uma seção da sala com uma mesa embutida e ela inclinou a cabeça quando me perguntou:

— Aceita um café? Ou prefere chá?

— Uh, café — respondi sem um pingo de nervosismo.

Em pouco tempo, ela apareceu da cozinha carregando duas xícaras de café fumegante.

— Aqui está — disse, entregando-me uma.

— Obrigada.

Tomei o café sem hesitar. A quantidade certa de calor inundou meu corpo, afastando o frio do outono. Por mais relaxada que eu pudesse estar, no entanto, ainda não entendi realmente o que estava acontecendo.

O que diabos está acontecendo aqui?

Eu fiz uma pequena leitura da sorte – algumas pessoas podem descrever isso como fraude – e esse tipo de policial me prendeu, mas ela me levou para a casa dela, não para a delegacia.

No que eu me meti?

— Simplificando, suponho que você poderia dizer que eu trouxe você aqui porque há algo que quero te pedir, Elaina.

Ela provavelmente poderia dizer que eu estava começando a suspeitar. Anêmona soprou seu café e olhou para as ondulações que criou.

— Elaina, você sabe sobre a profeta que mora na Cidade Laurent?

— Uma profeta…?

— Parece que você não sabe, hein?

Eu concordei.

— Tudo bem, vou te dizer. Nesta cidade, há uma profeta terrível que dá as previsões mais terríveis, ela é uma figura misteriosa que sempre usa um capuz puxado para baixo sobre a cabeça e não temos a menor ideia sobre sua idade, ou mesmo como seu rosto se parece, mas a profeta sempre prediz desgraça e isso rapidamente se torna realidade.

— …  — Isso é algum tipo de lenda urbana?

— Tenho certeza de que é difícil de acreditar, mas seja o que for que a profeta diga, sempre acontece. Por exemplo, se ela prevê que alguém vai sofrer um acidente amanhã, então, sem falta, essa pessoa vai sofrer um acidente. Ou se ela prevê que você será abandonado pela sua namorada amanhã, é exatamente o que vai acontecer, suponho.

Eu não entendia por que ela continuava falando como se não tivesse certeza de nada, mas para resumir…

— Então, há uma profeta na Cidade Laurent que só faz previsões desastrosas?

— Suponho que seja exatamente isso.

Entendo.

— Então… o que eu tenho com isso?

— Você é uma bruxa, certo Elaina?

— Eu sou, mas…

— Isso significa que você é muito poderosa, não é?

— Suponho que eu seja… — Fiquei perplexa com toda essa conversa. Eu não conseguia nem prever para onde tudo isso estava indo.

Anêmona olhou diretamente para mim.

— Para ir direto ao ponto, suponho que você poderia dizer que quero que elimine esta profeta.

Não, não, não.

— Eliminar a profeta? Você está falando sério? — perguntei. — Não há razão para pensar que isso funcionaria, não importa o esquema que tentemos, ela vai sempre escapar!

Pelo que eu posso dizer, a profeta pode ver o futuro, certo? Você quer que eu pegue uma oponente que está sempre um passo à frente? Você só pode estar brincando.

— Mas uma bruxa pode ser capaz de fazer algo, certo?

— Você está me superestimando, as bruxas não fazem milagres. Somos apenas humanas com algumas habilidades extras e magia com certa capacidade.

Além disso, não é seu trabalho lidar com essas coisas, Srta. Departamento de Segurança Pública?

— Suponho que estou fazendo esta solicitação porque nada do que tentamos chegou perto de funcionar. Como uma bruxa, você deve possuir muita magia. Não poderia enfrentá-la?

— De jeito nenhum.

— Você nunca vai conseguir nada se desistir antes de tentar, suponho.

— E você nunca vai realizar nada se desistir no meio do caminho e deixar o trabalho para outra pessoa!

— Eu não desisti, eu não acho. Mesmo agora, suponho que estou caminhando em direção à realização de meu objetivo.

É óbvio que você está desistindo sem lutar muito. Quando eu estava prestes a responder, de repente tive uma ideia. M-meu deus… não me diga…?

— Será? Você está me dizendo que em troca do seu silêncio sobre o crime que cometi na cidade, você quer que eu pegue a profeta e lhe dê todo o crédito?

— Sim.

— A ordem pública nesta cidade é desesperançosamente corrupta, não é…? — Isso não é antiético?

— Seria inaceitável permitir que incidentes como este continuassem saindo de nosso controle… suponho.

Agora você está basicamente admitindo isso…

Estava claro que, enquanto ela continuasse segurando a corda que estava no meu pescoço, eu não tinha muita escolha, exceto seguir seu exemplo.

Os céus podem sorrir para mim se eu obedientemente jogar junto…

Eu, no entanto, queria rejeitar a oferta, já que realmente não conseguia imaginar nada mais incômodo do que essa missão em particular.

Vamos recusar, mas de uma forma indireta.

— Bem, eu não me importo em cooperar com você, mas infelizmente não tenho dinheiro, porque você está segurando a minha carteira. Obviamente não posso pagar por hospedagem aqui na Cidade Laurent. O que significa que não poderei investigar aquela sua profeta. Você entendeu o que estou dizendo? É um problema que prejudicará significativamente qualquer tipo de investigação.

— Está tudo bem, você pode ficar na minha casa, suponho.

— … — Problema resolvido…

— Oh, mas se você ficar na minha casa, suponho que tenho uma condição.

— Você está adicionando outra condição…? — Que pessoa mais cruel.

— Está tudo bem, acredito que não seja nada muito extremo.

Então, com um sorriso gentil que não combinava com nossa conversa, ela fez um pedido surpreendente, algo que divergia radicalmente de tudo o que havíamos discutido até então.

— Acho que quero que você me conte as histórias de suas viagens, Elaina.

Claro, eu realmente não tinha o direito de recusar, já que ela ainda segurava minha carteira – e, portanto, minha própria vida – em suas mãos.

 

 

Apresentarei minha programação diária a partir de então.

Eu me levantava de manhã cedo, acordada por Anêmona, que acordava em uma hora horrível, então tomava café da manhã enquanto reclamava: “Mas meu corpo ainda está dormindo…” Infelizmente seus cafés da manhã habilmente preparados eram bastante deliciosos e meu corpo iria acordar de seu sono.

Depois de nos darmos ao luxo de uma conversa amigável após a refeição, sairíamos de casa juntas. À medida que nos aproximávamos da avenida principal da cidade, ela dizia: “Bem, suponho que vou deixar a investigação para você” e desaparecia na cidade com um aceno.

Conforme instruído, eu realizaria minha investigação sobre a profeta, pesquisando até a noite e depois voltando para casa.

Ou as pessoas que trabalham para o Departamento de Segurança Pública da Cidade Laurent tinham muito tempo livre ou ela estava em um cargo administrativo, porque quando eu chegasse em casa, ela já teria voltado e – o que é mais impressionante – já teria terminado de fazer o jantar.

Então, depois de me fartar de sua comida caseira pela segunda vez no dia, eu contaria a ela uma história para agradecê-la pela comida. Depois que eu contava cada história, Anêmona ficava extremamente animada e me implorava:

— Me conte mais uma! Mais uma!

Mas eu iria ignorá-la diretamente.

Ler meu diário de viagem em voz alta era terrivelmente humilhante. E, assim, fingindo estar calma, eu me fechava no quarto que ela havia preparado para mim e me envergonhava de pensar em compartilhar minhas histórias, que nunca tive a intenção de deixar ninguém ler. Eu terminaria meu dia com o rosto enterrado no travesseiro, lamentando e soluçando e sentindo que preferia cair morta a fazer isso de novo.

Foi assim que passei meus dias. Meu desejo de viver estava sendo reduzido a nada, noite após noite.

Talvez fosse por isso que minha investigação sobre a profeta não estava indo bem.

— A profeta? Sim, é por causa dela que perdi minha esposa… Hein? Você quer saber quem é a profeta e de onde ela é? Eu não faço ideia. Eu gostaria que você me contasse, na verdade.

— Quem é a profeta, hein…? Diga, eu mesmo gostaria de saber. A propósito, você não seria a bruxa que estava prevendo a sorte antes… Hm? Era outra pessoa? Você com certeza se parece com ela…

— É culpa daquela profeta que eu agora tenho o dobro de peso! Olhe para mim! Olhe para este corpo! Isso tudo porque a profeta disse que eu ia engordar… Hein? É porque tenho maus hábitos alimentares? Ah, cala a boca!

Eu frequentemente entrevistava os moradores locais como parte da minha investigação diária, mas isso não produziu resultados dignos de menção.

Pelos testemunhos, eu poderia supor que a profeta provavelmente existia, mas… os rumores ganharam vida própria e eu não conseguia entender a própria profeta.

Enquanto fazia tudo isso, continuei a fielmente ler em voz alta para Anêmona.

— Vamos ver… Naquele país havia, estranhamente, muitas de mim e conheci dezesseis Elainas em uma sala. Sim, foi totalmente caótico. E depois…

Se bem me lembro, a história que estava contando naquela noite era sobre a época em que havia encontrado todas as outras Elainas possíveis. Anêmona gostou muito dessa em particular.

— Que divertido! A propósito, isto é um pouco fora do assunto, mas você gosta de garotas, Elaina?

— Huh? Por que você perguntaria isso? Eu não entendo o que você quer dizer.

— Bem, você disse que entre as muitas Elainas, havia uma que obviamente gostava de garotas…

— Não faço ideia do que você está falando.

Naquela noite, esmurrei meu travesseiro na cama.

Acho que foi no dia seguinte.

Imaginando que a campanha era um beco sem saída, decidi ir para o tudo ou nada e questionar as elites da cidade. Em uma surpreendente reviravolta nos acontecimentos, a governadora do reino – a líder da cidade era uma mulher bastante jovem – concordou rapidamente em se encontrar comigo.

— Mas sinto dizer… ninguém sabe os detalhes sobre a garota. Tenho certeza de que, como ela pode ver o futuro, deve conhecer algum método para desaparecer sem ser perseguida. Nós também tentamos segui-la muitas vezes, na esperança de determinar sua verdadeira identidade, no entanto, ainda não temos absolutamente nenhuma ideia de quem ela é ou de onde é.

Para ir direto ao ponto, até mesmo pedir ajuda à governadora foi inútil.

— Para o caso de encontrarem algo, estou pedindo ao Departamento de Segurança Pública para dar uma volta pela cidade e ver se há alguém que pareça se encaixar na descrição, mas… bem, como você provavelmente pode imaginar, os resultados não foram bons.

— Uhum.

Então o que você está dizendo é que é por isso que fui confundida com uma cartomante suspeita, hein? Eu nunca vou perdoar essa profeta!

— Não tenho certeza de que algum dia iremos identificar a profeta de maneira adequada… — A governadora fez uma expressão que me dizia que ela já havia desistido. — Mas se pudéssemos ver o futuro e saber que nunca encontraremos a profeta, eu não colocaria esse fardo no Departamento de Segurança Pública.

— … — Talvez minha investigação tenha encalhado.

Claro, naquele dia voltei para casa e li em voz alta para Anêmona.

— Vamos ver, então este é o colar que ganhei da Saya quando a encontrei de novo…

— Ah, você está usando agora.

— Claro que sim, foi um presente…

— Elaina, você definitivamente é…

— Não.

A essa altura, o travesseiro do meu quarto havia apanhado tanto que o recheio estava saindo. Estava em um estado terrível, então furtivamente o troquei pelo travesseiro de Anêmona.

Ela ficou extremamente brava comigo.

Poucos dias depois, minha investigação sobre a evasiva profeta teve um novo desenvolvimento. Quando fui visitar a governadora para pedir novas informações, ela me esperava com o seguinte relatório:

— Aparentemente, a profeta fez outra aparição, o assunto de sua profecia era a filha de um oficial da cidade. Ela apareceu de repente no meio do dia, previu que aquela garota seria feita refém por um bando de bandidos antes do pôr do sol e então desapareceu.

— Tomada como refém…?

E não sabemos a que horas deve acontecer… Que chato.

— Onde a garota está agora? — perguntei.

— Ela está em alerta em casa. A propósito, Srta. Bruxa, se estiver tudo bem, eu tenho um pedido.

— … — Eu entendi o que ela estava tentando me dizer. — Você está me pedindo para proteger a criança dos bandidos, certo?

— É tão óbvio, hein? — A governadora franziu as sobrancelhas e ela soltou um suspiro. — Para falar a verdade, não acho que haja como evitar a profecia.

Esta seria uma boa chance de colocar os poderes da profeta à prova – ou assim pensei, infelizmente não parecia que eu teria a oportunidade.

— …

Quando cheguei à casa do oficial da cidade, os bandidos já haviam entrado à força. Um deles estava pressionando uma faca na garganta da garota, mantendo-a como refém.

Cercado por agentes do Departamento de Segurança Pública, um dos ladrões gritou:

— Droga…! Como nosso plano foi descoberto?! Eu pensei que era perfeito…

O homem parecia terrivelmente perturbado, mas também estava claro que, enquanto ele tivesse a garota como refém, o Departamento de Segurança Pública não poderia fazer nada. Eles estavam presos em um impasse.

— Hup… — Das sombras, eu furtivamente lancei um feitiço, bem a tempo de congelar as mãos do bandido no gelo.

Depois descobri que o grupo de bandidos havia entrado sorrateiramente na casa do oficial um pouco antes, se passando por mordomos e empregados domésticos e estavam tentando matar o oficial da cidade.

A situação foi resolvida sem incidentes, mas enquanto me dirigia para casa, tive certeza de que havia algo que ainda não estava entendendo.

— Então, no final, o dragão e a estalajadeira se casaram e viveram felizes para sempre, fim…

— Você é boa com quem é garota, Elaina?

— … — Por algum motivo eu não conseguia entender nada que essa garota dizia.

Desde que os ladrões entraram à força na casa do oficial da cidade, a profeta começou a aparecer em algum lugar todos os dias. Era difícil acreditar que ela já havia se escondido.

— Hoje, ela apareceu diante de um homem que vivia sozinho, para dizer a ele que ele havia contraído uma doença cardíaca.

— Hoje, ela se materializou diante de uma menina que sonha em ser cantora, para dizer a ela que seu sonho não se tornaria realidade.

— Hoje, ela surgiu ante o chefe de uma empresa, para dizer a ele que o negócio irá à falência em alguns meses.

— Hoje, ela…

Cada vez que eu via a governadora da cidade ela me contava essas histórias, então eu me dirigia para o local da última aparição da profeta. Conversando com as pessoas escolhidas pela profeta, entendi muito bem que suas previsões eram, acima de tudo, com certeza verdadeiras.

O homem que morava sozinho disse-me com tristeza:

— Quando fui para o hospital, realmente descobri uma doença cardíaca. Vou passar o resto da minha vida lutando contra esta doença.

A garota que sonhava em ser cantora balançou a cabeça e disse:

— Estou desistindo de cantar. Decidi seguir um caminho diferente.

O chefe da empresa corria como uma galinha com a cabeça decepada.

— Tenho que encontrar novos empregos para meus funcionários antes de irmos à falência!

Todos eles já estavam operando com a suposição de que as previsões se tornariam realidade.

Devia ser por entenderem que, se não o fizessem, isso traria ainda mais infortúnio.

— …

Mesmo assim, algo sobre esta situação não me parecia bem. Eu não conseguia definir o que era, mas havia algo sobre a identidade de uma profeta que prendia os outros em dificuldades que eu não conseguia parar de revirar na minha cabeça.

— Desculpe, eu gostaria de pesquisar algumas coisas sobre as palavras e ações passadas da profeta…

Um dia pressionei a governadora por mais informações.

Ela aprovou meu pedido de bom grado, mas balançou a cabeça.

— Claro, eu não me importaria de ajudar, mas os documentos detalhados estão armazenados com o Departamento de Segurança Pública, vou repassar o pedido, então você poderia fazer a gentileza de ir até lá?

A governadora era uma pessoa muito gentil.

— Desculpe pelo incômodo — disse ela enquanto me escrevia uma carta de apresentação.

Eu parti para o Departamento de Segurança Pública naquela tarde. Depois de examinar a carta de apresentação, a secretária me mostrou absolutamente tudo, desde os documentos de consulta escritos quando a profeta apareceu pela primeira vez, até o presente.

— Isso é tudo! Aqui está!

Havia tantos documentos que se empilhasse todos, eles pareceriam ter mais ou menos a minha altura. Era horrível.

Eu não queria investigar tantos detalhes…

— Eu ouvi tudo da governadora. Você está ajudando a identificar a profeta, não está? Estarei na recepção, então se tiver alguma dúvida, fique à vontade para perguntar! — A funcionária curvou-se alegremente e me trancou na sala de documentos.

Ela parece estar me dando muito crédito.

— Hmm…

No entanto, não posso dizer que consegui o que procurava, mesmo examinando os documentos por várias horas. Perto do pôr do sol, mostrei meu rosto de novo na recepção.

— Obrigada pelos materiais.

Fiz uma reverência e, quando olhei para cima, a balconista perguntou:

— Claro! Você descobriu alguma coisa?

— Sim, bem, até certo ponto. — Evitei deixar escapar mais do que isso, porque ainda não havia obtido a prova definitiva das informações que havia encontrado. — A propósito, Anêmona está aqui? Eu gostaria de vê-la se ela estiver aqui por perto.

Já era noite e eu estava no Departamento de Segurança Pública, então se ela estava trabalhando, pensei que talvez pudéssemos ir para casa juntas.

— Anêmona…? — A balconista franziu a testa — Espere um minuto, por favor, sinto muito, mas não tenho o nome de cada membro da equipe memorizado, então… — Ela começou a folhear um registro.

Esperei um pouco.

Do lado de fora da janela, o sol já estava se pondo e o céu estava sendo engolido pela escuridão.

Em pouco tempo, seria noite.

Teríamos que fazer a caminhada final pela floresta até a casa de Anêmona na escuridão total.

— Senhorita Elaina? — A balconista voltou para onde eu estava esperando.

Seu comportamento alegre havia evaporado e ela olhou para mim com o rosto turvo, tão escuro quanto a noite, ela parecia perplexa.

— A pessoa que você pediu… ela é realmente uma agente do Departamento de Segurança Pública?

Em seguida, a balconista revelou:

— Veja, não há registro de ninguém com o nome de Anêmona …

 

 

Naquela noite…

Como sempre, depois que terminamos o jantar, Anêmona me importunou para compartilhar mais histórias de minhas viagens.

— Elaina, que história você vai me contar esta noite, eu me pergunto?

Anêmona se jogou na cadeira em frente a mim, segurando duas canecas de café.

Suponho que você esteja ansiosa para outra noite me fazendo contar história após história… Mas…

— Hmm… — folheei meu diário para ter certeza, eu já havia contado a ela praticamente todas as minhas histórias.

Eu já contei a ela todas as histórias, talvez estejamos juntas há muito tempo.

— Você tem alguma história interessante para compartilhar? — Anêmona inclinou a cabeça quando me perguntou, parecia estar se perguntando por que eu estava hesitando, não parecia estar abrigando nenhuma suspeita.

— Claro, eu tenho uma.

Certamente não registrei cada um dos meus contos de viagem em meu diário. Eu tinha muitos mais armazenados em minha cabeça… embora estivesse um pouco relutante em contar.

— Me conte.

— …

Se ela vai exigir isso, então… aqui vai.

Quando fechei o diário e olhei diretamente para ela, seus profundos olhos azuis olharam de volta para os meus, como um abismo.

E então contei a história.

— Em um certo lugar, havia uma garota solitária que tinha um poder misterioso…

Contei a ela a história da profeta que profetizava futuros desfavoráveis.

 

 

Enquanto investigava a profeta, cheguei a uma conclusão importante.

Desde o início, várias coisas sobre essa profeta levantaram minhas suspeitas.

Para que isso funcione, precisamos assumir que a profeta pode prever o futuro de um indivíduo ou mesmo de um país inteiro. Por quê acha que a profeta apenas predisse calamidades que aconteceriam a outros?

E por quê acha que ela faria tudo para incorrer na inimizade das pessoas?

Como ela podia ver o futuro, a profeta devia saber para onde ele a levaria. Em algum ponto sua identidade seria revelada e ela enfrentaria a retribuição de todas as almas infelizes que havia aprisionado na adversidade. Até um tolo poderia adivinhar se tivesse o poder de ver o futuro. Eu, no entanto, me recusei a acreditar que era o que ela estava tentando realizar.

Então por quê diabos ela fez isso?

Eu havia meditado sobre todas as possibilidades enquanto pescava entre os documentos.

Não havia fim para o relato dos feitos passados ​​da profeta e eu pude confirmar que todas as suas previsões se cumpriram e revelaram uma grande desgraça para seus destinatários, que então se ressentiam dela.

À primeira vista, parecia até que a profeta estava sendo má só por ser má.

Mas não era possível olhar para esta situação de um ângulo diferente?

E se coisas piores pudessem ter acontecido se ela não tivesse feito suas previsões?

— Vocês vão terminar nos próximos três dias.

Ao receber essa previsão, o casal se separou e se casou com outras pessoas, e cada um permaneceu casado e feliz pelo resto de suas vidas, ao que parece.

— Seu gato foi comido por um lobo que entrou na cidade.

Se os adultos da cidade não tivessem caçado o lobo, isso certamente teria causado ainda mais danos.

— Seu marido viverá por apenas mais um mês.

O casal provavelmente percebeu o quão precioso seu tempo restante juntos realmente era.

— O novo negócio que você está pensando em abrir vai falir.

— Um ladrão vai roubar a sua casa.

— Você vai machucar sua perna esquerda em breve.

Essas foram as palavras da profeta, mas, estranhamente, parecia que algo pior teria acontecido se os destinatários não soubessem que o infortúnio iria visitá-los.

Em outras palavras, a profeta estava apenas dizendo essas coisas para que eles pudessem evitar as piores situações, e ela estava arriscando ser a culpada por fazer isso.

Esse era o meu palpite.

— Então você está tentando dizer que a profeta não é uma pessoa má…?

Essa foi a primeira vez que Anêmona me interrompeu enquanto eu contava a minha história.

Respondi afirmativamente:

— Resumindo, sim. Embora eu não tenha ideia de por que diabos ela está fazendo uma coisa dessas.

Mesmo depois de pescar todos aqueles documentos e passar os últimos dias nesta cidade, essa foi a única conclusão a que consegui chegar. Tudo além disso era completamente incompreensível.

— Mesmo que a profeta não seja necessariamente má — falei —, não acho que ela seja uma pessoa incrível que nunca fez uma ação má na vida.

Anêmona olhou para mim com uma expressão confusa e desconcertada.

— O que você quer dizer…?

Acho que ela não sabe o que estou prestes a dizer.

Continuei, sorrindo tanto quanto possível.

— Quero dizer, ela tem feito coisas como intimidar viajantes enquanto se passa por uma agente do Departamento de Segurança Pública, sabe?

E se isso não é uma má ação, o que é?

 

 

— Sinto muito, não consigo entender o que você está dizendo Elaina…

— Nesse caso, devo ser um pouco mais direta? Você é a profeta.

Eu havia afirmado isso nos termos mais básicos. Você vai me entender quando eu colocar dessa maneira?

— Para que eu lhe contasse as histórias de minhas viagens, você, a profeta, se fez passar por agente do Departamento de Segurança Pública, embora eu não saiba por que diabos você queria ouvir essas coisas.

— …

— Não tenho necessariamente nenhuma evidência concreta, mas não consigo imaginar qualquer outra possibilidade, exceto que você é a profeta. Existem tantas coisas suspeitas sobre você.

Anêmona nem fazia parte do Departamento de Segurança Pública, mesmo assim, se aproximou de mim e ordenou que eu encontrasse e pegasse a profeta. Isso por si só era mais do que suficientemente estranho.

— Entendo… — Portanto, parecia que meu raciocínio, meio que adivinhação, não estava totalmente errado. — Isso é estranho. E eu que pensei que tinha me disfarçado habilmente… Mas você me descobriu.

— Não seria um grande disfarce se tudo que eu precisasse fazer para descobrir você fosse visitar o Departamento de Segurança Pública. — Embora eu tenha certeza de que Anêmona podia ver essa reviravolta nos acontecimentos.

Já que ela pode ver o futuro, devia saber desde o início que sua mentira seria descoberta.

— Você vai me contar sobre você?

— … — Anêmona me respondeu com silêncio, mas sua expressão não parecia estar perturbada, ela na verdade parecia estar mais animada que nunca.

— Você ouviu tudo sobre a minha vida até agora, em troca, vou ouvir tudo sobre você, além disso, vou escrever sobre você no meu diário, então se prepare…

Depois de ficar em silêncio por um longo tempo, Anêmona disse:

— Tudo bem, você deve se preparar mentalmente, Elaina, e ouvir tudo…

Ela colocou a mão no peito e respirou fundo, parecia estar tentando desesperadamente acalmar um coração batendo ou prestes a confessar seu amor.

Finalmente, fixou seu olhar em mim.

Ela me encarou com seus lindos olhos, como sempre fazia quando me importunava por causa de minhas histórias.

— Tenho saudades de você muito antes de nos conhecermos, eu acho.

E então, Anêmona me contou a história de sua vida.

Vamos desvendar o funcionamento do tempo usando uma vassoura como nosso modelo.

Se tomarmos seu cabo para representar o passado, então o cordão que amarra a ponta da escova é o presente, a cabeça da escova, que se ramifica e separa, chamaremos de futuro.

Anêmona me disse que desde criança sempre foi vagamente capaz de ver coisas que ainda não haviam acontecido. Ela disse que, da mesma forma que cenas do passado podem inesperadamente surgir em sua mente, ela viu cenas do futuro. Ela mesma não entendia por que tinha essa habilidade, mas sendo capaz de ver o futuro, trilhou um caminho de vida diferente dos outros.

Quando ela era muito jovem, imaginou que seus pais seguiriam caminhos separados vários anos depois. Por mais que tentasse evitar, sempre viu seu pai e sua mãe morando em casas diferentes no futuro.

Ela ficou compreensivelmente triste e, não querendo ficar e ver o futuro se desenrolar, fugiu de casa.

Depois disso, passou por todos os tipos de países.

Às vezes imitava uma cartomante e ganhava dinheiro adivinhando o futuro dos transeuntes, às vezes tentava dar conselhos aos monarcas de certos países.

Ao contrário de mim, Anêmona possuía poderes reais, reverenciados pelas pessoas onde quer que fosse, no entanto, nunca ficou em um lugar por muito tempo e nunca se aproximou de ninguém.

Para o azar dela, era capaz de ver o futuro.

Ela sabia que, se permanecesse em um lugar e continuasse a contar aos outros as suas profecias, seria tratada não como humana, mas como algo semelhante a um deus. Sabia também que se ela se relacionasse com as pessoas, então chegaria a um futuro onde se separariam e se tornariam distantes.

Como podia ver o futuro, perdeu o contato com o resto do mundo. Ela estava com medo de construir um relacionamento com outra pessoa. Contudo, não podia ignorar suas visões fatalistas e, assim, conforme se movia de um lugar para outro, descobriu uma maneira de compartilhar suas previsões.

Ela se tornaria uma profeta a quem ninguém era grato.

Isso foi uma coisa muito simples de fazer, ela aparecia inesperadamente pela cidade, fazia uma previsão infeliz e depois desaparecia.

Ela sabia que essa tática permitiria que evitasse os piores cenários, ao mesmo tempo, também sabia que as pessoas iriam odiá-la. Ao fazer isso, destruiria completamente qualquer chance que pudesse ter de um relacionamento normal.

— Eu posso ver o futuro que está à frente, suponho. Vou continuar dando previsões terríveis e todos vão me odiar, acho que posso ver esse futuro claramente.

Ela falou com naturalidade, com um afeto imparcial.

— …

Ela estava fixada em resultados ruins porque podia ver o futuro? Foi por isso que se tornou tão pessimista?

— Eu poderia ter continuado vivendo assim para sempre, mas você era a única pessoa que eu queria conhecer Elaina… Apenas uma vez foi o suficiente, mas eu queria ouvir suas muitas histórias, suponho.

— Por quê…? Se você pode ver o futuro, por quê precisava ouvi-las de mim? Você não deveria saber como todas acabariam?

Ela balançou a cabeça para a minha pergunta, seu cabelo azul amarrado em um cacho atrás da cabeça balançava suavemente no ar.

— Poderia dizer que eu só consigo ver lampejos do futuro, vislumbres momentâneos, suponho, não consigo ver a imagem inteira de uma vez.

Eu odeio tocar no assunto de novo, mas Anêmona falava de uma forma que carecia de convicção, embora pudesse tecnicamente ver o futuro.

Eu estava olhando para ela e ela sorriu, parecendo envergonhada.

— Minhas visões nunca foram precisas o suficiente para ver os detalhes de suas histórias, mas desde que você começou a aparecer perante mim há muito tempo, você sempre pareceu tão feliz contando-as para mim. Para alguém como eu, que só espreita no escuro, suas histórias eram tão brilhantes, cegantes e felizes… suponho.

— …

— Eu fiz todos os tipos de preparativos para conhecê-la, suponho. Fiquei mais tempo que o normal neste país, fui alvo de uma investigação policial, até roubei um uniforme do Departamento de Segurança Pública, tudo para te encontrar.

— E então você me ameaçou e me fez contar histórias, hein…

Anêmona acenou afirmativamente.

O que está acontecendo aqui?, pensei. Não acho que as histórias das minhas viagens sejam grande coisa. Elas são muito chatas, nada além de uma maneira de passar o tempo, histórias bobas, sério.

— Você é uma idiota, uma grande idiota… — Consegui dizer com a maior sinceridade, expressando as emoções que ardiam dentro de mim.

— Eu posso ser uma idiota, suponho, desde que te conheci.

— Ah é…?

Não tentei consolá-la nem nada, eu não tinha razão para falar presunçosamente e nem mesmo tinha posição para fazê-lo, em primeiro lugar. Eu era apenas uma viajante que expôs os fatos do que aconteceu com franqueza.

E eu posso mentir de vez em quando.

— Anêmona — falei. — Se você pode ver o futuro, naturalmente deve saber o que vai acontecer a seguir, certo?

Sem hesitar, ela balançou a cabeça apenas uma vez, como se soubesse que eu ia dizer isso.

— Você vai perder a paciência comigo e partir hoje, suponho. Vou chorar ao me despedir de você e continuar a profetizar a desgraça, suponho.

Enquanto ela dizia isso, me perguntei se o futuro que ela previra para si mesma, de fato, se tornaria realidade.

— Você realmente é uma idiota, não é…? Uma grande idiota.

Claro, eu saí da casa dela naquele dia.

 

 

Em algum lugar, havia uma garota que possuía um poder misterioso.

Essa indivídua peculiar, com a cabeça sempre escondida por um capuz puxado para baixo, não mostrava o rosto a ninguém. Ela poderia, para colocar de forma clara e concisa, ver o futuro.

Exatamente por quanto tempo fora dotada de tal poder não dava para saber, mas ela podia ver coisas – o futuro dos países, dos indivíduos, de tudo.

No entanto, a garota com o misterioso poder não parecia inclinada a fazer um bom uso dele. Talvez tivesse um coração cruel ou talvez simplesmente odiasse as outras pessoas.

— Amanhã você vai…

Na manhã da partida da viajante, ela fez uma visita à cidade.

As pessoas de lá cercaram essa garota de longe e olharam para ela, evitando-a enquanto viviam suas vidas diárias.

Mas o povo da cidade sabia de algo.

Na verdade, sabiam há muito tempo.

Sabiam que ela não era uma pessoa má.

 

 

— Não sei quando foi que tive minhas dúvidas pela primeira vez, mas já as temos há um bom tempo. — Foram essas as palavras que a governadora murmurou enquanto escrevia a carta de apresentação para mim.

Suspirando, ela dissipou a sensação de desconforto que eu vinha sentindo o tempo todo.

— Definitivamente não acho que ela seja uma pessoa má, embora pareça ser muito hábil em mentir.

Francamente, contar fortunas que são garantidamente verdadeiras com certeza não era um ato maligno em si, não importa o quão azaradas ou perturbadoras essas fortunas pudessem ser.

— Isso é porque quando você recebe uma previsão ruim, você pode tentar se preparar para os eventos ruins que podem ocorrer no futuro?

Ela acenou para mim.

— Pouco depois de ela chegar aqui, muitas pessoas fizeram exatamente isso, todas as pessoas que se encontraram com ela atenderiam aos seus avisos e, embora ainda encontrassem o infortúnio, evitaram o pior.

Pensando bem, as pessoas deste país são terrivelmente crédulas quando se trata de leitura da sorte. Isso passou pela minha cabeça no primeiro dia em que cheguei.

— Portanto, mesmo sendo um futuro ruim, é melhor saber do que não saber… É isso?

— Isso mesmo. — A governadora acenou com a cabeça. — E tenho certeza de que, embora ela possa ver o que ainda estava por vir, nossa profeta tem grande dificuldade em ver o que está bem diante de seus olhos — respondeu ela.

Eu sabia que a governadora não poderia ser a única a pensar isso, a maioria das pessoas que viviam nesta cidade deviam ser semelhantes.

— Se eu pudesse encontrá-la, gostaria de dizer que, se não olhar para os próprios pés, ela tropeçará neles.

A governadora estava olhando pela janela.

O outro lado se abria para a cidade – imperturbável como sempre.

O motivo pelo qual as pessoas da Cidade Laurent estavam procurando pela profeta era simplesmente porque queriam agradecê-la por continuar a ajudá-los a evitar os piores desastres.

Quando ela fazia suas previsões, os alvos certamente encontravam o infortúnio, porém, ao mesmo tempo, sabiam que se não tivessem atendido a sua profecia, algo ainda pior teria acontecido.

Durante minha investigação, fiquei desconfortável com alguma coisa, certamente era isso. Quando pegamos os ladrões que invadiram a casa do oficial da cidade, o oficial agradeceu à profeta, mesmo que eu tenha sido quem congelou as mãos dos ladrões.

A governadora instruiu o Departamento de Segurança Pública a investigar a verdadeira identidade da profeta apenas porque ela queria lhe dar um certificado de gratidão.

Era só isso.

 

 

Posso encerrar essa história com apenas uma declaração simples.

— Resumindo, esta é apenas uma história sobre uma profeta que sempre previa os infortúnios das pessoas, mas era a mais infeliz de todas elas.

Seu próprio futuro havia se tornado cinza, porque ela era muito pessimista.

É sobre isso que se trata esta história.

— Você está errada Elaina… eu sou… — Anêmona estava visivelmente consternada.

— Essa é a verdade. Não, sério, você não consegue ver um futuro onde possa viver honestamente entre as pessoas da cidade?

Ela balançou a cabeça lentamente.

Vamos lá, não minta.

— Está apenas desviando os olhos, você decidiu arbitrariamente que tal futuro é impossível, deveria estar vendo isso, você simplesmente não tem coragem de caminhar em direção a isso.

— Você está errada, suponho…

— Suponho não.

Eu estava correndo por aí, investigando, carregando todas essas noções preconcebidas sobre que tipo de pessoa a profeta poderia ser, mas ela na verdade não era grande coisa, era apenas uma garota comum.

— Não há mais necessidade de você se esconder, as pessoas desta cidade sabem tudo sobre você, entendem o seu sofrimento e querem enfrentá-lo com você.

— … — Seus lábios estavam tremendo.

As pontas dos dedos dela, que estavam estendidas para mim, moveram-se para cobrir sua boca, suas pernas cambalearam em minha direção em perplexidade, mas então se dobraram sob ela.

— Tenho certeza de que deve ter sido doloroso continuar prevendo os infortúnios das pessoas, de que olhar sempre por cima do ombro deve ter causado cãibras no pescoço, mas agora você pode olhar para frente— falei a ela.

Por alguns momentos nenhuma palavra foi trocada entre nós.

Então ouvi o som fraco de soluços.

— Isso mesmo… eu… realmente fui… uma idiota… suponho…

Não há dúvidas

Uma grande idiota. — Deixei bem claro.

Sua previsão de que eu iria embora tinha com certeza se tornado realidade.

Ela estava chorando e eu estava saindo de casa, ela estava certa sobre isso.

A única coisa errada em suas previsões era que ela estava vendo o mundo do ângulo errado, eu não acho que tais mal-entendidos iriam acontecer por mais tempo.

— Que tipo de futuro você pode ver agora…? — perguntei.

Ela ergueu os olhos e sorriu um pouco.

— Graças a você, Elaina, não consigo ver mais nada.

Uma única lágrima caiu de seus olhos fechados.

 

 

 


 

Tradução: Nero

Revisão: Gifara (Sonny Nascimento)

 

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