Um biscoitinho durão igual eu começava o dia sempre com uma xícara de café.
Para aqueles de nós que morávamos nas sombras, ganhando a vida como espiões, não havia nada melhor do que acordar e tomar uma xícara de café forte o suficiente para acabar com qualquer sono… Era, ao menos, isso que estava escrito nos romances de espionagem publicados em massa, então só podia ser verdade.
Se empanturrar de drogas e café era o jeito do mundão. Misturei uma gota de remédio ao meu café e o tomei. Era essa a minha rotina diária.
Nunca tive certeza do que havia nessas drogas. Comprei elas de algum catálogo de venda por correspondência. Mas eram muito caras, então eu tinha certeza de que eram boas para a minha saúde.
— Bleh… tão amargo.
Esse sabor forte era o que realmente espantava a minha sonolência. Provavelmente. Mas isso não estava escrito em nenhum lugar dos livros. O café era mesmo amargo e nojento, e também tinha um gosto bem parecido com o de lama, e isso desencadeava um refluxo e tornava a sonolência a segunda coisa em minha cabeça, abaixo só do vômito que parecia estar para chegar. Não tinha o gosto descrito em romances de espionagem. Na verdade, escreviam que café preto era delicioso ou algo assim, mas isso só podia ser sarcasmo ou algum tipo de humor negro. Entendeu? Porque o café é escuro.
— Ewwwwww…
Então, depois de fazer como de costume e ir ao banheiro vomitar, fui para o escritório, parecendo bem. Enquanto caminhava, coloquei um cigarro – de chocolate – na boca.
A própria definição de fodona.
Meu local de trabalho era uma organização de espiões que funcionava também como cafeteria. A fachada parecia moderna e atrativa, mas por trás dos panos, cuidávamos do negócio sangrento. Essa não era a perfeita definição de insensibilidade?
— Ah, Yuuri, você chegou. Vamos começar com os negócios. Tenho um trabalho para você.
Quem falou comigo foi um velhote rabugento. O chefe da organização.
Parecia que foi esse homem quem me pegou, quando ainda criança me abandonaram, e então me criou. Eu não tinha lembranças disso, já que havia acontecido há muito tempo. Esqueci completamente do meu passado, já que estou de saco cheio do mundo!
— Humph. Devo supor que seja algo digno do meu tempo? — perguntei, balançando o meu cabelo. Mesmo com o chefe, minha atitude era fodona.
— É um trabalho que só você pode fazer… olhe. — Ele franziu a testa e jogou um arquivo na minha mesa. — E quando foi que você virou um tipo de mandachuva para falar assim comigo?
Ele fez uma careta para mim, uma das feias.
Mantendo os meus dedos trêmulos sob controle, abri o arquivo. O conteúdo era muito simples. Entretanto, era uma diretiva simples e, portanto, complicada.
DIRETIVA PARA O ASSASSINATO DA BRUXA FICTÍCIA
Abaixo do título estavam descritas as características básicas do alvo e a data marcada para o assassinato.
O alvo era uma bruxa viajante que havia chegado a este país vários dias atrás. Ela tinha uma aparência fofa, mas sua personalidade era ruim além de qualquer descrição. Tratava-se de um demônio entre os demônios que enganava as pessoas sem qualquer hesitação, pensava só em acumular riqueza e fazia uso gratuito de todo e qualquer método fraudulento para enganar os outros – de inocentes plebeus à realeza. Os países vizinhos enviaram relatórios de danos, e parecia dizer que seria capaz de destruir um país pequeno, caso não a contivéssemos, não seria um exagero.
Uma pessoa má, com certeza, mas a parte inconveniente era que o alvo era uma bruxa. Entre as classificações de mago, que começava com noviça, aprendiz e depois bruxa – o posto mais alto, alcançado apenas por raros gênios. Passaram-se dezesseis anos desde que nasci neste país, mas ainda não tinha visto uma de verdade. Era esse o grau de raridade delas.
Mas essa bruxa em particular era pura maldade e, desta vez, era o alvo que eu deveria eliminar.
……
— Sério?
— Eu não trataria essa diretriz como uma piada.
— Mas… eu sou igual a qualquer mago comum…
Esqueci de falar, mas eu estava na classe mais baixa dentre os magos. Poderia dizer que se as bruxas eram como pedras preciosas, eu seria como uma daquelas pedrinhas jogadas por aí.
— Mas este é um trabalho que posso confiar apenas a você. Como bem sabe, nossa organização é toda formada por homens, exceto por você. E a maioria deles não consegue nem usar magia. Para ser sincero, se chegar a acontecer um confronto mágico, a pessoa da nossa organização com a maior chance de sobrevivência é você.
— …Em outras palavras, é um trabalho que só eu posso fazer?
Entendi!
— Eu já te disse isso. — Meu chefe soltou um suspiro de exasperação.
Sentindo um pouco de nervosismo, voltei a examinar a descrição da bruxa…
Seu cabelo era cinzento. Ele caía quase até seus quadris e balançava suavemente com a brisa de verão que soprava nos assentos do terraço da cafeteria.
Seus olhos eram cor lápis-lazuli. Tranquilos como o mar em pleno inverno, olhando para o desjejum completo que fora servido, composto por ovo cozido, torrada e café preto.
Ela era uma viajante, vestida com chapéu preto pontudo e um robe. Em seu peito ficava o broche em forma de estrela que servia como prova de que era uma bruxa. Resumindo, era uma bruxa e uma viajante. Devia estar quase no final da adolescência. E também havia nela algo que não era refinado. Enquanto trabalhava diligentemente para tirar a casca de seu ovo cozido, parecia a adorável filha de alguém ajudando a mãe na cozinha.
Por fim, a linda filha – a bruxa – conseguiu descascar o ovo e tomou o café todo de uma só golada. Ela adorava isso – fosse preto, com um pouco de leite ou com uma pitada de açúcar, só precisava ser café. Tomar os primeiros goles puros e, depois, adicionar um pouco de leite e açúcar para provar todos os sabores diferentes era o melhor.
Café é o melhor, pensou ela, deixando escapar um suspiro ao pousar a xícara.
Curiosamente, era exigente com seus ovos cozidos.
Achava melhor quando a gema se desfazia em pedaços assim que afastava da boca depois de uma mordidinha. Assim só precisava passar uma pitada de sal. A própria definição de uma pessoa fodona.
— …Mas que bela manhã.
Esta bruxa, sentada em uma cafeteria de alto renome, dando uma pausa em suas viagens – quem poderia ela ser?
Isso mesmo. Euzinha.
— ……
Poderia apreciar a paisagem deste país enquanto ficava na minha cadeira no terraço da cafeteria. A cidade tinha paredes brancas e edifícios uniformes. O solo era pavimentado com tijolos, espalhados, formando um padrão em forma de leque. As pessoas que passavam por ali estavam fazendo compras, ou mantendo uma conversa amigável, ou andando por aí e observando as pessoas, igual eu.
Parecia uma cidade agradável, segura e limpa, embora o cenário não fosse nada de especial.
A vida cotidiana estava apresentando-se diante de mim.
E ali estava eu, entrando no cenário ao descansar em uma cafeteria.
— Com licença, senhorita… Se não se importar, pode me dar um autógrafo?
Eu estava tomando o meu café, perdida em pensamentos sobre o que fazer após o café da manhã, quando a garçonete apareceu com um pedaço de papel colorido e uma caneta, assim como outra xícara de café.
— O café é por conta da casa — acrescentou ela.
— Meu autógrafo? Para quê…? — Tenho certeza de que estava fazendo uma expressão bastante perplexa. — Não sou famosa nem nada, sabe? — Sou só uma viajante qualquer.
A garçonete parecia muito animada.
— É a primeira vez que vejo uma bruxa! Sempre quis ser uma, por isso fiquei comovida quando te vi!
Suas duas marias-chiquinhas castanho-claras balançavam, amarradas na sua cabeça. Ela me encarou com seus olhos azuis, aproximando-se cada vez mais.
— Então, hm, se não se importar, quero decorar a loja com ele!
— …Bem, acho que realmente não me importo.
Peguei a caneta e suavemente escrevi o meu nome no papel colorido. Era uma assinatura desleixada, igual a que faria na recepção de qualquer pousada.
— Aqui está. — Devolvi a ela e a garçonete segurou como se fosse um tesouro.
— Obrigada! Por favor, tome este café, viu? Foi feito com amor!
…Mas eu ainda estou na minha primeira xícara. O que diabos foi isso?
Não poderia dizer que não achei aquela garçonete estranhamente suspeita. Além disso, o que foi que quis dizer quando mencionou que isso foi feito com amor? Parece uma xícara de café completamente comum.
Uma bruxa não se opunha à hospitalidade, mas parecia estranho.
— Ei, Senhorita Bruxa. Você é fofa. Está sozinha? Quer tomar um café comigo?
Quando peguei a xícara que a garçonete acabara de me dar, um homem pegajoso sentou-se à minha frente.
— ……
Uma bruxa não se opõe ao ser tratada de forma irreverente. Em vez disso, sabe que se lançar uma maldição sobre o homem que dá em cima dela, fazendo jorrar sangue de todos os orifícios de seu corpo, tornará o mundo um pouco mais pacífico.
— Sinto muito. Estou meio ocupada. — Com um suspiro, levei o café preparado com amor aos lábios.
Existem várias maneiras de saborear uma xícara de café. Por exemplo, como já mencionei, você pode se divertir tomando os primeiros goles puros antes de adicionar leite e açúcar. Ou pode apreciá-lo como um bom café preto do começo ao fim. De qualquer forma, dizer que uma única xícara contém infinitas possibilidades não seria exagero.
Ao considerar a sua xícara de café, que contém uma inacabável expansão de prazer, a primeira coisa que deve fazer é inspirar e sentir o aroma invadindo o peito. Acho que não existe nada melhor.
— Conheço um lugar com um café melhor. O que acha? Vamos juntos.
— ……
O vapor forte do café se misturou com a sua colônia, ações e palavras superficiais, transformando-se em algo realmente repulsivo. Meu coração parou. O aroma do café de alta qualidade mudou completamente para algo que mais parecia água lamacenta. Senti vontade de vomitar.
— É muito melhor! Sério! Posso não parecer, mas, sabe, sou um grande apreciador de café!
— …Hein?
Eu estava ignorando o homem e curtindo o aroma do café, até que percebi algo estranho.
Misturado ao café e ao fedor de merda do lixo humano adiante, havia um leve odor medicinal. Era difícil perceber no meio do aroma, mas havia um cheiro acre que não deveria estar em um café. Era só o mais leve dos indícios dele.
Para testar a minha teoria, abri alguma distância do sujeito.
— Ei! Espera! Você está me ignorando? Que maldade!
Mesmo quando isolei a xícara do fedor imundo dele, o cheiro de medicamento continuava emanando dela.
Continuei cheirando por algum tempo, tentando identificar o que era.
— …Ah!
Então percebi.
Isso é veneno!
Veneno com o potencial obscuro de me deixar com náuseas na boca do estômago caso o bebesse. E o pior, era um tipo horrível que só mostrava seu verdadeiro poder quando misturado com café. Se eu bebesse, vomitaria na frente da cidade toda.
O que era aquilo sobre desejar se tornar uma bruxa como eu? E aquele papo todo de ter feito isso com amor? Amor é a mesma coisa que um jato de vômito?
Quando olhei ao redor, não consegui mais ver a garçonete. Nem dentro do café, nem no meio da multidão, nem em lugar nenhum à vista.
— ……
Será que estou sendo alvo de alguém?
Com um mau pressentimento, decidi sair da cafeteria na mesma hora.
— Ei, espera! E quanto ao nosso encontro?
— Desculpa. Tenho que correr. Estou ocupada. Tenho alguns planos — menti, juntando as minhas coisas. — Vou te dar este café. Mas eu já tomei um pouco. Não sou uma grande fã.
Empurrei o café envenenado para o homem e escapei.
Até pensei que minha mentira desleixada sobre ser sensível a café estava bem óbvia, mas o homem superficial caiu de boca nela. Ficou até com uma expressão obscena no rosto.
— Ah, sobras? Sério? Sorte minha!
— É, só para você.
Outra mentira.
— Qual é a situação a respeito do assunto com aquela bruxa?
Quando retornei ao escritório, o chefe estava com uma expressão azeda.
Eu tinha vestido um robe preto e sombrio por cima do meu traje de garçonete para dar uma sensação de que era foda e tal e, quando respondi, tirei o robe em um ato dramático, fazendo com que minhas marias-chiquinhas marrons balançassem.
— Como esperado. Cuidei da bruxa com as minhas próprias mãos! Neste exato instante, aquela mulher deve estar passando vergonha na frente da cidade toda!
Foi a estratégia perfeita.
A “Bruxa Fictícia” em questão estava vagarosamente desfrutando de seu café da manhã em uma cafeteria da cidade, então peguei seu autógrafo e pendurei no restaurante. Não havia nada mais constrangedor neste mundo do que ter a sua assinatura pendurada em uma cafeteria, apesar de não ser famosa nem nada. Aquela bruxa deve estar sentindo tanta vergonha que deve querer enfiar a cabeça em um buraco e morrer! E, claro, neste plano, não existe buraco algum.
Falei ao meu chefe os detalhes do plano que derrotou a bruxa má.
E aqui está o que ele teve a dizer após silenciosamente escutar tudo:
— Então, devo supor que você viu a expressão mortificada dela com seus próprios olhos?
— Huh? Claro que não.
Eu ficaria constrangida por tabela.
— …… — Nesse ponto, meu chefe soltou um enorme suspiro. — Você… Certo, ouça. Primeiro, não há como uma bruxa morrer só por ser confundida com alguma pessoa famosa, certo?
— Ela morreria no sentido social.
— Não, quero que você a mate fisicamente. Além disso, a bruxa nem mesmo foi humilhada.
— Uh.
— Pelo contrário, um dos nossos próprios agentes se meteu na confusão e vomitou na cafeteria.
— Uh. — O que você quer dizer? Ele tomou café ou algo assim? O café é, basicamente, um veneno.
— …De agora em diante, você só vai colocar seus planos em ação após comunicar os seus colegas, entendido?
— ……
Depois disso, o dia acabou comigo levando um enorme sermão do chefe.
Jurei que faria uma séria reflexão e que, no dia seguinte, derrotaria a bruxa com um plano mais perfeito ainda. Fiquei acordada a noite toda trabalhando no meu novo esquema. Desfrutar de uma xícara de café com drogas enquanto desenvolvia os projetos e meditava a respeito deles (embora não tivesse absolutamente ideia alguma do que estava escrevendo) me fez parecer uma detetive obstinada.
E então vomitei.
Levei uma semana para realizar o meu plano. Eu não pensaria no que aconteceria se fosse incapaz de derrotar a Bruxa Fictícia naquele período de tempo.
Já que sofri uma derrota esmagadora no primeiro dia, decidi usar os próximos cinco para diligentemente estudar o meu alvo. No último dia, levaria o assunto a um final… Quando contei sobre o plano ao chefe, ele respondeu: “Ah, bacana.” Sua atitude foi fria como gelo.
Dia um de vigilância.
O sol da manhã estava deslumbrante.
A bruxa descansava em uma cafeteria desde bem cedinho. Eu praticamente podia ouvi-la me desafiando: “Você não é tão assustadora. Venha, me bata onde quiser!“
Dessa vez ela pediu só uma xícara de café, talvez por estar com a guarda alta. Entretanto, não havia tomado nenhum gole, observando o café servido à sua frente enquanto ele perdia todo o seu vapor. Eu sabia que café era nojento. No dia anterior ela devia ter se forçado a beber. Eu entendia.
Continuei vigiando até ficar de tardezinha.
Nessas horas enfadonhas travei uma luta contra a sonolência.
Mas era especialmente em momentos assim que precisamos nos recompor. Se permanecesse paciente, a verdadeira vitória me aguardaria.
Então foi por isso que tomei café para me manter acordada enquanto estava em vigilância.
E vomitei tudinho.
A noite caiu e saí do estabelecimento assim que chegou a hora de fechar. A propósito, fiz questão de limpar o meu vômito.
Dia dois de vigilância.
O sol da manhã estava ofuscante.
A bruxa descansava em uma cafeteria desde bem cedinho. Por que diabos poderia estar assombrando a mesma cafeteria, dia após dia? Será que estava tentando ganhar tempo até o meu próximo ataque?
Mas, como decidi não tentar nada por cinco dias, passei o dia todo em vigilância, tomando café e vomitando.
Terceiro dia de vigilância.
— Ah não, a garota jato está aqui de novo.
— É a vomitadora. Ela voltou.
— Veja, ela com certeza vai pedir café, e com certeza vai vomitar de novo.
— É certo que ela vai vomitar.
— A previsão diz que existem 100% de chances de haver vômito hoje.
Os funcionários da cafeteria me avistaram e começaram a cochichar entre si. Eu podia ouvir tudo o que diziam, mas, sendo do tipo cínica, estava acostumada a um certo grau de preconceito.
Então, neste dia, tomei café de novo. Tomei tudo com gosto.
E ele veio, em volume recorde.
Quarto dia de vigilância.
Comecei com a vomitadeira logo cedo, tomando o café para vomitar.
A propósito, a bruxa havia deliberadamente colocado uma única xícara de café na mesa à sua frente.
A trilha sonora do meu vômito continuaria enquanto ela não se movesse.
Dia cinco de vigilância.
O chefe me chamou logo pela manhã.
— O que você está fazendo todos os dias naquela cafeteria? — perguntou ele.
Hein? Como assim? O meu chefe está me perseguindo?
Pelo visto, havia chegado uma carta de reclamação do estabelecimento, afirmando: “Gostaríamos que você fizesse algo a respeito de sua subordinada, que tem vomitado na nossa cafeteria todos os dias. Ela tem prejudicado os negócios.”
Depois que ele me mostrou o quanto estava zangado, escapei de volta para a cafeteria.
Naquele dia a bruxa também estava lá.
A única coisa que aprendi ao longo de cinco dias de vigilância foi o fato de que ela ia para o mesmo lugar e ficava sentada da manhã até à noite, totalmente exposta.
E a única coisa da qual eu podia ter certeza é de que tinha muitas oportunidades.
Simplesmente teria que aproveitá-las, certo?
No dia seguinte…
Finalmente decidi executar o meu plano. Recebi a ordem para matá-la, mas matar era contra os meus princípios. Então decidi capturá-la.
Nesse dia, ela estava sentada em uma cadeira sem tomar cuidado algum, o café estava na mesa à sua frente. Completamente indefesa. Se eu ia fazer isso, só podia ser nesse momento.
Agarrei a minha varinha e fui até atrás dela, então gritei enquanto lançava um feitiço:
— Ceeeeerto!
Era um feitiço de algemação – um incrível feitiço que prendia meu oponente à força com o tipo de algema que prendia até os dedos entre correntes sólidas.
A propósito, levei uma semana para aprender ele.
— Ha ha ha ha! E agora? Você não pode fazer nada assim, pode? Caiu bem em você! — Ri alto pela cafeteria enquanto puxava a Bruxa Fictícia pelo cabelo.
Vamos voltar ao escritório!
Mas…
— …Hm, você é idiota?
Alguém bateu no meu ombro.
— Hein? Qual é o seu problema?
Quando me virei, vi uma bruxa com cabelos cinzentos e olhos lápis-lazuli.
Hein? Mas o quê? Por que minha cativa está parada aqui? O que está havendo?
— Você achou mesmo que o manequim sentado o dia todo era eu?
Quando olhei com mais atenção, notei que a Bruxa Fictícia em minhas amarras era só uma boneca com a mesma aparência que ela.
E ela não tinha ido à cafeteria pelos últimos cinco dias. Era a boneca que ficava o tempo todo sentada.
Esse era o seu truque.
Naquele momento, fiquei perfeitamente ciente desse fato.
— Sua idiota — disse a bruxa enquanto lançava um feitiço em minha direção.
No primeiro dia da minha estada já senti que era alvo de alguém. Na mesma hora, tomei medidas para me proteger de quem quer que fosse. No dia seguinte, fui à cafeteria antes que abrisse.
— Hmm, com licença? …Estaria tudo bem se eu colocasse uma boneca em uma das cadeiras do terraço? — perguntei.
Era um manequim que imitava perfeitamente a minha aparência. Da modelagem do seu rosto ao formato da sua silhueta – até mesmo a textura da sua pele era igual à minha. Para uma bruxa do meu calibre, fazer isso era moleza.
— Hein? Essa…? Bem, não costumamos fazer esse tipo de coisa por aqui…
O gerente ficou um pouco confuso.
— Eu deveria ter dito isso antes, mas meu nome é Elaina. Elaina, a Bruxa Cinzenta. — Educadamente me apresentei. — A propósito, sou bastante famosa. — Apontei para o autógrafo decorando a parede do estabelecimento.
Suspeitei que foi quem quer que tivesse tentado me fazer tomar aquele café envenenado no primeiro dia que havia o colocado ali.
Eu não fazia a menor ideia do propósito disso, mas tomaria a liberdade de usar o feitiço contra o feiticeiro.
— Uma pessoa famosa… — O gerente começou a pensar a respeito do assunto.
— Pense bem, Senhor Gerente. Minha assinatura está ali na sua parede, certo? E eu tenho uma boneca de mim, certo?
— Sim…
— E vamos colocá-lo no terraço, certo?
— Hmm.
— Vai ser ótimo para os negócios!
— Vamos fazer isso.
Eu e ele apertamos as mãos com firmeza.
Então, coloquei o manequim no lugar e comecei a vigiar a Lady Vomitadora (o apelido temporário que coloquei nela), que estava me vigiando.
Ela me observou por cinco dias inteiros, banhando tudo de vômito enquanto o fazia. Bom trabalho.
Mas eu não estava nada inclinada a recompensar os seus esforços.
— Sua idiota.
Disparei várias esferas de energia mágica, todas em sua direção, mas não foi o suficiente para matá-la.
Achei que se eu a acertasse, ela provavelmente não continuaria atrás de mim.
— Bem, já está tudo resolvido.
Pensei em pegar o meu manequim, mas isso faria parecer que eu tinha de alguma forma perdido para uma zé ninguém, então decidi deixá-lo onde estava.
Dessa forma, ele pode viver uma vida de lazer digno, tomando café em uma cafeteria, suponho.
— Ah, sinto muito. Um café, por favor.
Sentei de frente para o manequim e ergui a mão para chamar o gerente.
Surpreso ao ver meu rosto na minha frente, ele colocou o meu café e preencheu a xícara do manequim, depois saiu.
Eu estava aproveitando o aroma do meu café.
— E-espere aí…! Nós ainda não terminamos!
Ofegando e sufocando, a maga reapareceu. Suas marias-chiquinhas marrons estavam desordenadas e os fios grudavam em seu rosto suado. Devia ter corrido de volta para cá após ser lançada para longe.
— Ah, oi. — A cumprimentei com um aceno de cabeça. Isso não foi bem recebido.
— Achou mesmo que eu desistiria? Bom, é uma pena! Não vou desistir até que eu tenha te derrubado com todo o meu poder!
A garota pegou a sua varinha, se preparou e lançou um feitiço em minha direção.
Foi uma simples explosão bruta de uma luz branco-azulada, um amontoado de energia mágica.
— Pff… — Curvei os cantos da minha boca um pouco para cima e ergui a minha varinha enquanto equilibrava a minha xícara na mão. — Você é mesmo uma idiota. Como se algo assim fosse funcionar…
Mas o feitiço que ela lançou desviou e explodiu a minha cabeça em pedaços.
A cabeça do meu manequim, quero dizer.
— …Esta não sou eu.
Lancei uma chuva de esferas de energia mágica sobre ela e a fiz voar novamente.
Então consertei o manequim.
Mesmo depois disso, ela continuou voltando, de novo e de novo.
— Azar o seu! Voltarei quantas vezes for preciso!
Bem, a lancei para longe de novo.
— Meu nome é Yuuri! Sou uma maga de elite trabalhando como espiã neste país!
Já era meio tarde para se apresentar, e ela não estava agindo com o mínimo sigilo, apesar de ser uma autoproclamada espiã. Eu tinha um monte de perguntas a fazer, e isso fez a minha cabeça latejar. Então, no momento, simplesmente lancei mais magia na garota.
— Eh? Como assim? Isso é tudo que você tem? Se quer me derrubar, é melhor me acertar com algo mais forte!
Segui a sua sugestão e a acertei com ainda mais força.
— Digo, qual é o seu problema? Qual é o problema com as bruxas? Por que está dividindo a mesa com um manequim? Isso é tão nojento, acho que vou vomitar.
Eu a acertei.
— Tenho que te derrotar! Agora, por favor, comporte-se e deixe-me acabar com você, sua bruxa má!
A acertei de novo, e você já sabe o resto.
— …Vamos lá, um único golpe já serve, então por quê não deixa? Eu só quero acertar uma vezinha! Certo? Por favor?!
Eu a acertei… E bom, você sabe o resto.
— …Vamos lááááááá! Morra!
Eu… Você sabe o resto.
— Estou colocando todo o meu poder neste ataque!
…Você sabe o resto.
— Eu ainda estava entoando o meu feitiço…
…Você sabe.
— ………… Humph. Grrrr.
Por fim, a garota toda esfarrapada apareceu diante de mim, sua respiração irregular de tanto chorar.
— … Eu odeio bruxas.
Ela estava agarrando a saia com força.
— Quer que eu te empreste isso para enxugar as lágrimas?
— Não estou chorando. — Yuuri agarrou o lenço que ofereci a ela.
— Sim, você está.
— Não estou. — Yuuri assoou o nariz no meu lenço.
O que essa garota está fazendo?
— …Você pode ficar com isso.
— …Obrigada.
— …Acha que vai chorar de novo?
— …Vou voltar para casa.
E então ela se afastou lentamente.
Suas costas passavam um ar de tristeza.
— Você está demitida.
Isso foi no dia seguinte.
Fui para o escritório, como sempre, até que o chefe me golpeou com aquelas palavras e nada mais.
— Queeeeee…? Você está brincando, certo?
Eu estava meio que rindo, incapaz de acreditar nele. Entretanto, os olhos do chefe enquanto me encarava eram impiedosos.
— Estou falando sério.
— ……
— Ouça. Esta última diretiva não foi apenas um assunto interno. Também recebemos apelos de outros países. Mas você estragou tudo. Sabe o que isso significa? Pense nisso com esse seu cérebro minúsculo.
— …Sinto muito.
— Isso não é algo que pode ser resolvido com um pedido de desculpas. Graças à sua confusão, a reputação da minha organização foi arrastada para a lama. Para piorar as coisas, você causou um grande alvoroço na cafeteria. Você tem uma enorme responsabilidade nisso.
— …Tipo que tanto?
— Tipo esse tanto. — O chefe ergueu a mão e apontou para mim. Sua mão robusta estava coberta por uma luva preta e segurando um revólver.
Ele estava apontando para a minha cabeça.
— …V-Você está brincando, certo?
— Estou falando sério.
Foi a primeira vez que alguém realmente teve a intenção de me matar.
— S-Sem chances…! — Eu estava frenética, contendo a minha voz vacilante. — Não pode ser verdade! Tudo o que fiz foi falhar em uma atribuição importante, certo? Por que eu tenho que morrer?! Trabalho aqui há muito tempo; posso ainda ser imatura, mas não vou fazer bagunça de novo! Então vamos lá…
— Saia. Agora. Se você for embora, não terei que sujar as mãos.
— Você estava escutando…?
— Mesmo se não for eu a te matar, muitas pessoas deste país irão atrás de você. Deixar a cidade deve ser uma boa ideia. Mas a notícia do seu fracasso já está se espalhando pelos nossos vizinhos. Se não se afastar antes que alguém te encontre, suponho que será assassinada.
— ……
— Não consigo colocar a minha mão em você… Você era como uma filha para mim. Poderia simplesmente ir para algum lugar desconhecido, por favor? Estou despedindo você para não ter que fazer algo pior.
Ele não queria sujar as próprias mãos, então estava tirando a minha coleira e me abandonando. Ele não teria nada a ver com o que acontecesse depois, não importava se eu morresse como um cão de rua ou o que quer que fosse. Entendi a implicação.
— Você não vai me proteger? — Engasguei, mas isso foi tudo o que pude dizer.
— Claro que não. É isso que significa ser um espião. Nós a descartamos quando você deixa de ser útil, mesmo que seja uma aliada, mesmo que seja talentosa. Você não é exceção.
— ……
Sem dizer nada, fiquei imóvel.
— Tome cuidado e tente não ser morta antes de deixar o país.
Essas foram as últimas palavras que meu chefe me disse.
Era o dia após Yuuri desistir de mim e ir para casa.
Eu estava na mesma cafeteria de sempre. Na verdade, não planejava ir ao local, mas o que posso dizer? Aprendi a gostar do sabor de seus ovos cozidos.
Uma vez que a paisagem da cidade, vista dos assentos do terraço, tinha o seu próprio charme, decidi sentar no lugar de sempre.
— Sniff… É tudo culpa sua. Vou te odiar pelo resto da minha vida.
No entanto, parecia que a outra cliente havia chegado antes de mim.
— …Se tivesse apenas me deixado derrotá-la como pedia a diretriz, eu poderia ter acabado o serviço sem ser demitida. Poderia ter continuado para sempre como uma espiã. Eu odeio bruxas.
Era Yuuri.
Enormes lágrimas escorriam de seus olhos, e ela se sentou de frente para o manequim, tagarelando sem parar, em total desespero. Isso não a fazia se sentir ainda pior?
— Já era… Como foi que as coisas acabaram assim…?
Ela estava segurando os joelhos, inclinada na cadeira. Equilibrado em cima de seus joelhos estava um chapéu pontudo que foi amassado de uma forma dolorosa.
— Tem certeza de que não foi porque você ainda é imatura? — Gentilmente pousei a minha mão em sua cabeça.
— Quê…?! — Ela se virou e, após olhar para mim e depois para o manequim por várias vezes, rapidamente enxugou as lágrimas. — Eu n-não estava chorando!
— Ah, é mesmo…?
Posso te emprestar outro lenço?
— O quê? Você veio rir de mim?
— Não, só vim tomar o café da manhã. Você não está aqui pelo mesmo motivo?
Ela, de repente, virou a cara para mim.
— …Isso mesmo.
— Parece que você ainda não fez o pedido. — A mesa estava vazia.
— …Eu já ia fazer isso.
— Bem, então, se importa em pedir algo para mim também?
— Pode se enxergar? Sem chances.
— Não, não para mim. Peça para a versão de “mim” à sua frente.
— …Certo.
— Ótimo.
Joguei o manequim em algum outro lugar e me sentei em frente à garota.
— …… — Yuuri me encarou sem dizer nada. — Eu não vou te dar nada.
— Mentir não é legal, sabe? — Acho que deixei uma risadinha escapar. — Se você me der algo, vou te contar sobre o seu futuro.
— …O quê?
— Acho que estamos prontas para fazer o pedido. — Levantei a mão e chamei uma garçonete. — Um pedido duplo do meu café da manhã habitual, por favor.
Nós duas ficamos sentadas em silêncio até que a garçonete voltou com a nossa comida. Eu não estava particularmente incomodada com isso, mas Yuuri parecia estar o tempo todo em um estado de agonia.
— …O quê? — bradou ela, parecendo toda eriçada enquanto nosso café da manhã era servido à nossa frente.
— Parece que te expulsaram daquela organização de espionagem, hein?
Cortando qualquer chance de uma conversa descontraída e indireta, falei na mesma hora em que bati suavemente com a casca do meu ovo na mesa.
— O prazo para “dar um jeito em mim” era até ontem?
— Por que você sabe sobre isso? Onde ouviu a respeito?
— Soube assim que você se sentou nesta mesa.
— Quer dizer que você sabia desde o início?
— Sabe, você não vai impressionar ninguém se ficar falando os detalhes do seu trabalho em público. Não acho que seja uma espiã das melhores.
— ……
Ela se calou. Provavelmente estava se sentindo constrangida.
— Então, te expulsaram porque você ainda precisava crescer, hein? Isso é uma pena.
— …É tudo culpa sua.
— As coisas provavelmente acabariam assim, mesmo que a sua oponente não fosse eu. — Se aquela for a verdadeira extensão das suas habilidades. — Você não seria, em algum momento, demitida após descobrirem que você é inútil? Se a sua oponente fosse outra pessoa, as coisas eventualmente acabariam da mesma forma.
Mais cedo ou mais tarde, seria esse o seu destino. Isso é tudo que havia a dizer.
Continuei a pressionando.
— Mas por que acha que tudo “acabou” só porque você foi demitida? Não acha que precisa de alguma perspectiva?
Para uma determinada xícara de café, por exemplo, havia pessoas que preferiam ele puro e outras que gostavam de adicionar leite e açúcar.
…E suponho que também havia garotas que não gostavam, tanto que até vomitavam tudo.
Em outras palavras…
— Olhe para uma xícara de café. Isso pode assumir muitos sabores diferentes, tudo depende de quem o ingere. O que acha? Que tal tentar olhar para a sua situação de uma perspectiva diferente?
— …Tipo, como?
— Vejamos… — Olhei para o céu. Depois de fingir que estava pensando por algum tempo, mastiguei o meu ovo. — Bem, que tal algo como isso?
E então eu disse:
— Pense nisso como começar uma vida nova.
Você acabou de se formar na organização de espionagem e recebeu a ordem de sair para o grande mundo. Então, talvez esteja pensando que tenha sido forçada a deixar este país. Mas não acha que seria recebida de braços abertos se voltasse como uma excelente maga?
Não acha que seria uma maneira legal de viver?
Eu disse algo nesse sentido.
— …… — Ela voltou a ficar em silêncio.
Entretanto, sua expressão sombria se fora.
— …Tão legal. Tão fodona… Isso pode funcionar — murmurou ela consigo mesma, a cor gradualmente retornando ao seu rosto.
Então, gosta de detetives fodões?
— Então você não tem tempo a perder. Por que não vai e aprende coisas mundo afora? O que te falta é experiência.
Ela era muito teimosa, percebi isso quando pensou que poderia me derrotar usando apenas bolas de energia mágica. Ela estava no mesmo nível de um ovo cozido.
Coloquei um envelope na mesa e me levantei.
— Bem, já que você vai partir, vou te dar isso como um presente para a sua nova vida. Abra e dê uma olhada no conteúdo dentro de um ano.
Ela pegou o envelope bem fechado e franziu a testa.
— Acho que vou abrir é agora mesmo.
— Ah, tudo bem. Coloquei um feitiço nele para que, se abri-lo antes de um ano, a carta dentro vai queimar e desaparecer. Se você abrir, acontecerá um grande desastre.
— Isso não é nada bom…
É por isso que eu disse para não abrir. Qual é o seu problema?
— A carta contém orientações para viagens e segredos para se tornar uma poderosa usuária de magia. Se treinar diligentemente por um ano, aposto que verá resultados satisfatórios.
Joguei uma única moeda de ouro na mesa com um thunk e coloquei o manequim de volta em seu assento.
— Muito bem. Depois de desfrutar de um agradável café da manhã com essa versão de mim, por favor, ande logo e deixe o país.
Ainda sentada diante do manequim, a garota arregalou os olhos, surpresa.
— Hein? Pensei que era eu quem ia pagar o café da manhã.
— Eu menti.
Foi um dia após eu ter chegado a este país e subsequentemente logo após quase beber o café envenenado por Yuuri.
Eu estava em uma cafeteria. Enquanto caminhava pela cidade, me deparei com um homem espalhafatoso (o mesmo que tentou me forçar a um encontro).
Esse cara de novo?, pensei. Ele havia mudado por completo desde o dia anterior, com uma expressão azeda no rosto. No final, decidi ir com ele, me perguntando o que é que estava acontecendo.
O segui até chegarmos a esta cafeteria.
— Tenho um pedido a lhe fazer.
Do outro lado do balcão, um senhor austero cruzou os braços e me disse que era o chefe de uma organização de espionagem.
Ele assumiu uma expressão ainda mais séria.
— Há uma jovem no nosso grupo. O nome dela é Yuuri. É a garota que ontem pediu o seu autógrafo.
— Uhum.
— Vou direto ao ponto. Poderia, por favor, me ajudar a expulsá-la deste país?
Eu ia perguntar o motivo, mas o homem já tinha voltado a falar.
— Bem, já montamos um plano para afastá-la.
Ele jogou a pasta em um banco, uma pasta com as inscrições DIRETIVA PARA O ASSASSINATO DA BRUXA FICTÍCIA.
Fui incentivada a ler o conteúdo, então abri sem qualquer hesitação.
No arquivo estava escrito o perfil de uma bruxa com aparência e história pessoal muito parecidas com a minha, junto com um apelo para a sua eliminação por ser uma influência muito maligna. A única diferença aparente era o nome da bruxa. Eu não usava um título que soasse tão falso quanto “a Bruxa Fictícia”.
— Nunca imaginei que uma bruxa de cabelo cinza fosse mesmo vir ao nosso país. Cometi um erro de cálculo. Duvido que isso reflita a sua história pessoal, mas… com essa diretriz, você se transformou em uma verdadeira vilã.
— ……
— Por que você está desviando o olhar?
— Por nada. — Mudei de assunto. — Então por que a Yuuri deveria assassiná-la?
— É uma longa história, mas… — O homem de aparência azeda, relutante, me contou a história.
Ela remontava o passado.
O homem pegou Yuuri quando ela ainda era uma criança. Ela, pelo visto, havia sido abandonada. Sentindo pena dela, ele a regou com amor paternal e a criou como se fosse sua.
Yuuri cresceu como uma criança obediente. Poderiam chamá-la até de ingênua.
Ela respeitava o trabalho que esse homem – seu pai – fazia, então começou a ajudá-lo. Entretanto, não era de forma alguma adequada a ser uma espiã. Seu coração era simplesmente muito bondoso.
— Não posso protegê-la para sempre. Yuuri está com um pé neste mundo, e não é um mundo tão legal quanto ela pensa. Ele é tão imundo quanto lama.
Imaginei que ele estava cometendo assassinatos e outros atos hediondos, os quais escondia de Yuuri. Por baixo daquelas luvas pretas, suas mãos estavam tão manchadas de sangue que com certeza jamais poderia mostrá-las em público – e isso era algo que ele mesmo entendia muito bem.
— Então é por isso que você quer se distanciar dela?
— Esse é um bom resumo. Então criei o plano da Bruxa Fictícia.
— ……
De acordo com o seu plano, encarregaria Yuuri de assassinar a Bruxa Fictícia. Já que ela estaria procurando por uma bruxa que supostamente não deveria existir, acabaria falhando em seus deveres. Assim que isso acontecesse, planejava condená-la e afastá-la.
Porém, minha chegada complicou as coisas.
Entendo.
— Em outras palavras, você gostaria que eu te ajudasse, judiasse um pouco dela e a fizesse se sentir impotente. Além disso, quer que eu dê um farol de esperança para ela enquanto a levo para fora do país?
— Acho que é isso que estou pedindo, sim.
— Você não parece ter qualquer problema ao me colocar em uma situação difícil.
— Acho que você pode fazer isso, ainda mais sendo a bruxa que é.
— Não me subestime.
Sou mais do que capaz.
Eu tenho uma pergunta.
— Por que bolou um plano para assassinar uma bruxa que parece comigo?
— …… — Ele ficou quieto por um momento. — Essa é uma longa história, mas…
— Então diga a versão resumida, por favor.
— …… — Ele voltou a ficar quieto. — Há muito tempo, quando ainda era jovem, fui encarregado de assassinar uma bruxa que se parecia com você. Mas ela facilmente virou o jogo contra mim.
— Huh…
Bem, sua oponente era uma bruxa, afinal.
— Eu me apaixonei. Ela era uma mulher forte, bonita e incrível.
— Eh…?
Bem, ela era uma bruxa, afinal.
— A bruxa desapareceu depois de vários dias, mas nunca fui capaz de esquecer aquele encontro… de qualquer forma, ela foi a primeira pessoa que me derrotou. Foi por isso que redigi a diretriz dessa forma. Lembro bem daquela época. Neste ponto, isso já virou uma memória preciosa.
Essa foi a história que o homem me contou enquanto acariciava as suas luvas pretas.
Então, sua aparência externa e as outras coisas na verdade não importavam. Ele só não se deu ao trabalho de inventar um rosto novo.
Então é isso que está havendo. Mas…
— Por que ela é a “Bruxa Fictícia”? — perguntei.
Ele sorriu igual um masoquista.
— Porque a diretiva é uma obra de ficção.
Passou um ano desde o incidente e, para cumprir a minha promessa a uma certa bruxa, abri a carta em uma cafeteria que visitei durante as minhas viagens.
Ela não queimou. Várias folhas de papel timbrado e ligeiramente descolorido escorregaram de dentro.
A caligrafia era muito grosseira e pouco refinada, como se tivesse sido escrita por um homem de meia-idade e não por uma garota da mesma idade que eu.
— …Foi tudo um monte de mentiras.
Isso contém orientações para viagens e segredos para se tornar uma poderosa usuária de magia. Aquilo tinha sido uma mentira suja. A carta não continha nada disso. Li até as palavras começarem a ficar borradas. O que estava escrito ali eram votos de boa sorte para quando eu partisse, pedidos para que eu voltasse para visitar, avisos de que mataria qualquer possível namorado meu, mas que queria ver o rosto do meu neto e et cetera. Era uma carta enviada de um pai para a sua filha, repleta de amor paternal.
Que idiota.
— Eh? O que aconteceu? Você ficou chocada por ter reprovado nos exames de novo? — A bruxa de cabelos negros que se sentou ao meu lado riu alto, como se me visse apenas como uma criança burra.
— Não estou chorando.
— Se estiver sofrendo, posso te dar um conselho.
— Eu disse que não estou chorando. Nossa! — Limpei minhas lágrimas e soquei o seu ombro.
A bruxa – Saya – agiu como se não doesse e riu.
— Mas isso é realmente muito ruim. Quantas vezes você já fez?
— Cinco.
— Eu falhei muito mais vezes do que isso. Você está bem!
— Bem? Quantas…?
— Bem, há muito tempo eu também passei por essa fase. Mas graças a uma bruxa incrível…
— Quantas vezes você me contou essa história? Estou cansada disso.
Eu estava, atualmente, estudando magia enquanto viajava por todos os tipos de países, trilhando o meu caminho para o topo da categoria de maga – para me tornar uma aprendiz de bruxa.
Bem, essa não seria uma tarefa fácil, mas, se conseguisse, poderia lidar com qualquer coisa. Agora, entretanto, estava me sentindo desanimada como uma aluna autossuficiente que já havia reprovado várias vezes.
Conheci Saya enquanto vivia a minha vida de estudante. Ela era uma funcionária de meio período que trabalhava com os exames de supervisão para cobrir seu fundo de despesas de viagem e, talvez porque estivesse com pena de mim por ser uma estudante particularmente pobre e por sentir algo a meu respeito, tinha me seguido o tempo todo enquanto eu fazia o meu exame.
— Conheci a Elaina neste país, sabe. Ah, eu ainda me lembro claramente…
Este país apinhado de telhados ocupados parece admitir apenas magos. E é o mais ideal para certos viajantes aprimorarem as suas habilidades em combate mágico! Viva!
Isso era muito bom, mas, o mais importante, a bruxa chamada Elaina que aparecia na história de Saya tinha uma impressionante semelhança com a aparência e personalidade da bruxa que me ensinou uma ou duas coisinhas. Mas o que diabos eu poderia dizer sobre isso?
— E então… hmm? Hein? Yuuri, que lenço é esse?
— Hmm?
Saya estava tagarelando, mas seus olhos pousaram no meu lenço e ela parou de falar.
— Isso é… Olha, você lembra daquela história que eu te contei? Quem me deu isso foi a bruxa que me inspirou a deixar o meu país natal.
— Huh…
Ela olhou fixamente para o lenço e murmurou para si mesma:
— Não… não pode ser… mas isso… hein? Sério? Não… sem chanceeees…
Às vezes eu realmente não entendia a Saya.
Para fugir do seu olhar, coloquei o lenço ao lado da carta e peguei a minha xícara de café.
— Que carta é essa?
Seus olhos moveram-se do lenço para a carta.
— Essa? Recebi do meu pai.
— Hmm…
— …Por que você precisa olhar para mim com olhos tão duvidosos? Estou dizendo a verdade, tá bom? Não estou mentindo.
— Posso ler?
— Não acho que você vai achar tão interessante.
— Isso não é verdade! — Com um sorriso, ela tomou a carta de mim. Então leu a carta, resmungando: — Uhum — e — Mm? Eu sabia. Este cheiro…
Ao seu lado, levei a minha xícara de café preto à boca.
Parando para pensar nisso, provavelmente já fazia um ano desde a última vez que tomei café.
Mesmo com tudo o que tinha acontecido, sentir um gostinho de casa de vez em quando, em meio às viagens, não seria ruim.
Em algum momento, eu me tornaria uma maga ainda mais esplêndida. Quando isso acontecesse, achei que meu chefe teimoso, com a cabeça dura feito um ovo cozido, ficaria feliz em me ver novamente.
Com tudo o que aconteceu, acho que posso resumir essa história em uma única frase.
Essa frase é: A própria definição de fodona.
Desculpa. Eu menti.
— Hein? Há mais uma folha no meio dos papéis deste envelope.
— O quê?
Não pode ser verdade. Foi o que pensei, mas Saya pegou um único pedaço de papel no envelope. Sem chances.
— ……
— ……
Juntamos as nossas cabeças e ambas lemos o que estava ali escrito.
P.S.
Esqueci de dizer uma coisa, então incluí esta folha como um pós-escrito.
Recentemente, uma das cafeterias locais iniciou um serviço onde você pode se sentar com manequins. Isso é o melhor do melhor do melhor.
Acho que posso resumir o que quero dizer em uma única frase:
Manequins são ótimos.
Eu vomitei.
Tradução: Sahad
Revisão: Kana
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