Bruxa Errante, a Jornada de Elaina

Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 2 – Cap 14 – O País Antigo e a Reencarnação da Gata Divina

Eu estava chorando.

No meio do dia, quando ainda havia um enorme tráfego de pedestres, zunindo pela avenida principal de uma cidade velha em minha vassoura, eu estava em prantos. O vento batendo no meu rosto varreu as lágrimas de meus olhos.

— Espere!

— Não deixem aquela bruxa escapar! Peguem ela!

— Tragam-na viva!

Em meio à perseguição estavam os soldados deste país. Havia até magos em suas vassouras, todos tentando me pegar.

E essas não eram minhas únicas preocupações.

— Deixa comigo!

— Droga…! Só mais um pouco e eu conseguiria!

— Não deixem que ela escape! Persigam ela! Peguem ela!

Cada pessoa da cidade estava dando pulos no ar, tentando me derrubar da vassoura. Estavam aparecendo de todos os lados.

Até poucos momentos atrás, essas pessoas estavam se derretendo por gatos, ou no meio de alguma conversa, ou fazendo compras, ou até mesmo recém saindo das lojas.

Consegui evitar todo mundo.

Agora, o país inteiro estava se unindo contra mim. Pensavam que eu era uma pessoa má que iria arruinar toda a sua civilização.

Infelizmente, essa era a verdade.

— Gah… Ohhh…

Enxuguei minhas lágrimas e mantive meus olhos virados para frente. Eu estava muito pior do que o normal. A trajetória da minha vassoura se mantinha incrivelmente instável e eu não estava voando nem em linha reta. Senti que, se parasse de me concentrar por um segundo, poderia cair. Aumentei o aperto em minha vassoura e a forcei a manter o curso.

Continuei, fazendo o meu melhor para evitar a multidão furiosa.

Do gancho do meu braço esquerdo, em uma voz que só eu conseguia ouvir, ela murmurou:

— Estou começando a me sentir mal…

Devia estar se sentindo indisposta após ser sacudida durante minha pilotagem frenética, e isso até que fazia sentido.

— Por favor, aguente… Já estou com problemas suficientes no momento.

Eu não estava conseguindo respirar direito. Em cada vez que inalava, tinha a sensação de que havia algo quente e pesado em meus pulmões.

Ela olhou para mim com seus enormes olhos azuis.

— Bem, dê o seu melhor. Olha, ali está o portão.

Então ela soltou um miau e acariciou minha bochecha.

Comecei a chorar de novo. Me pergunto se eram lágrimas de felicidade ou se era alguma outra coisa que estava me fazendo chorar.

— Devolva-nos a Gata Divina! — soou uma voz atrás de mim.

Como se recusasse o pedido, aquela que eu estava segurando – a gata – soltou outro “Miau“.

Vamos retroceder um pouco. Cerca de duas rotações dos ponteiros do relógio. Ou uma rotação do sol e da lua.

Em outras palavras, ao dia anterior.

Eh? Um país com um costume estranho?”

Sim, de fato.”

Eu estava em um vilarejo por onde parei durante minhas viagens. Tinha casualmente perguntado a um morador local: “Conhece algum país interessante?” Foi então que descobri sobre este país.

Estranho como?”

Não o sei. Sequer um retornou, infelizmente, dentre aqueles os quais foram além de nossa aldeia.”

Um, desculpe, mas você poderia falar normalmente?”

O que o torna estranho, não tenho como saber… Apenas, certo estou de que de um país estranho se trata.”

Oh-ho.”

Então é isso.

Que esquisito.

Quando pressionei o morador para obter mais detalhes, ele me disse que esta aldeia havia iniciado uma campanha há alguns anos, para atrair turistas, anunciando-se como “Muito exótica!” Aparentemente, funcionou, e muitos moradores ingênuos da cidade se aglomeraram no vilarejo, acreditando falsamente que o lugar remoto ofereceria uma vida pacífica de liberdade e harmonia. A aldeia arrecadou seu dinheiro, o que lhes deu capital social suficiente para comandar outros grupos.

Mas, mais recentemente, um país com uma estranha reputação surgiu nas proximidades, e a exótica aldeia quase perdeu toda a sua renda. Os aldeões enviaram espiões para ver qual era o grande negócio e copiar o esquema que atraiu novos visitantes, mas cada espião decidiu ficar no novo país. Os aldeões, confusos, tentaram levar tudo na esportiva e decidiram atrair multidões “falando à moda antiga”, e seguiram em frente.

Isto resume tudo.

Me perguntei o quão interessante seu concorrente poderia ser.

Fiquei curiosa, sabe.

Então, como posso chegar a este país?” Perguntei, e o aldeão usou muitas expressões afetadas e ultrapassadas para explicar cuidadosamente para mim.

Sob o céu da tarde, apontei minha vassoura para o oeste da aldeia e voei. Continuei pela planície, cruzando um rio que tinha uma pequena ponte e passando por mais terrenos planos.

Logo pude distinguir as imagens de algumas coníferas esguias em meio à paisagem verde que se estendia no horizonte e, então, bem onde a planície gradualmente se transformava em floresta, o país aos poucos se revelou.

O grande muro estava mais desbotado do que seria de se esperar para um país tão recentemente estabelecido e, com a hera crescendo nas laterais, se desvanecia nos arredores, nos lugares que pareciam mais adequados.

Me aproximei, evitando as árvores conforme a floresta ficava mais densa, e vi um portão de ferro que estava bem trancado. Estranhamente, apenas o portão era novo em folha, como se tivesse sido recém-substituído, então se destacava entre o resto do cenário equilibrado.

Quando pousei minha vassoura e parei diante do portão, uma pequena janela embutida no muro foi aberta. Um soldado de capacete brilhante olhou para mim.

Quem está aí?”

Uma viajante. Uma bruxa. Meu nome é Elaina.”

Que negócios você tem neste país?”

Ouvi dizer que este país é incrível, então vim ver por mim mesma. Se estiver tudo bem, pensei em passar alguns dias aqui.”

O soldado acenou com a cabeça ligeiramente.

Muito bem… Mas se você quiser entrar neste país, terá que responder a uma pergunta.”

E então:

Você ama gatos?” Ele me perguntou sem quaisquer preliminares.

Um, gatinhos…?”

Não gatinhos. Gatos.”

Qual é a diferença…?”

A diferença é se você presta o devido respeito aos gatos. Bem, e então? Você ama gatos?”

Um… Bem, eu gosto deles… eu acho.”

Na verdade, nunca toquei em um – mas não poderia dizer isso a ele, não importa o quê. Digo, acho que eles parecem fofos e não tenho nenhum motivo para odiá-los, então acho que está tudo bem.

Muito bem… Você pode entrar. Não existem pessoas más entre os amantes de gatos.”

Um, sim…”

Mas devo conduzir uma inspeção em seus pertences antes de entrar no país. Entre pela porta lateral.”

Uh, claro…”

E assim concluí facilmente todos os procedimentos de imigração necessários e entrei no país com sucesso. Não poderia ter previsto uma única coisa sobre o lugar que estava diante de mim. Era muito mais estranho do que eu jamais poderia ter imaginado.

A cidade parecia muito velha.

As pessoas entravam e saíam ao longo de uma avenida principal, ladeada por casas de tijolos bem ordenadas, todas de cores opacas e cobertas de hera, assim como o muro da fronteira. Fiquei curiosa com o fato de que a porta de cada casa tinha um buraco quadrado baixo que parecia muito pequeno para uma pessoa passar, mesmo de joelhos.

Os paralelepípedos que pavimentavam a rua estavam cobertos de musgo e tive a nítida impressão de que esta cidade já existia há muito tempo.

— …

Com a menor das investigações, finalmente entendi o propósito da pergunta que me fizeram ao entrar no país.

Este país estava repleto de gatos.

Se eu olhasse para baixo, mesmo que ligeiramente, descobriria que o chão estava coberto com eles. Abrindo caminho entre as pessoas, tomando sol no meio da rua, brincando na grama – havia gatos por toda parte. Tantos que parecia estranho.

Acho que a razão pela qual perguntam aos visitantes se gostam de gatos, é porque este seria o seu inferno pessoal caso não gostassem, pensei enquanto era seduzida por um cheiro incrível de fermento vindo de uma barraca de comida.

— Ah, eu gostaria de um pouco de pão, por favor. Vou levar este, aquele, aquele e aquele outro.

— Fechô. — O homem de aparência generosa do outro lado do balcão assentiu. Ele usou uma pinça para pegar um de cada, colocou os pães em um saco de papel e me entregou. — Isso fica quatro cobres.

— Certo.

Paguei e peguei meus pães. Yay!

Imediatamente depois, ouvi:

— Senhor, também quero pão, por favor. Este, aquele, aquele e aquele outro.

Eu não tinha notado uma bruxa que apareceu ao meu lado. Ela pediu exatamente a mesma coisa. Era uma bruxa adulta, usando um robe azul e um chapéu pontudo.

Ela trocou quatro moedas de cobre por uma sacola de papel e veio em minha direção depois de fazer uma reverência ao lojista. Seu cabelo azul curto esvoaçava levemente com a brisa. Embora fosse curto na parte de trás, sua franja era excessivamente longa e ela estava olhando para mim com apenas um olho.

— Olá. Nunca te vi antes. Por acaso você é uma viajante?

Depois de tirar um pedaço de pão da minha sacola de papel e mordê-lo, respondi:

— Sim, isso mesmo. E você?

— Sou uma bruxa. Além disso, eu moro aqui.

— Oh.

— Ah, desculpe por te abordar do nada. Sou a única bruxa deste país. Mesmo os magos são bem raros, então aproveitei a oportunidade para conversar com você. Espero que não seja um incômodo.

— Só fiquei surpresa quando você apareceu tão de repente.

Ela sorriu amargamente.

— Sinto muito por isso… A propósito, você já deu uma olhada por aí?

Balancei minha cabeça depois de mastigar outro bocado de pão.

— Cheguei aqui há pouco — respondi.

— Ah, entendo! Posso te acompanhar em um tour, caso queira. Este país pode ser estranho, então se andar por aí sozinha, sem guia, pode perder seu dinheiro, ser presa ou algo assim — mencionou ela.

Eu estava morrendo de vontade de descobrir o que estava por trás de todos os gatos. Um tour me parecia perfeito.

Que conveniente.

— Eu gostaria de aceitar isso. Se você prometer não me roubar, claro.

— Ah-ha-ha, não vou cobrar uma taxa de informação ou algo assim. Relaxa. Também vim de outro país, então lembro como foi difícil quando cheguei aqui! Este país tem algumas regras incomuns, e se você inadvertidamente quebrá-las, será enviada para a prisão.

— Prisão…?

Foi a primeira vez que ouvi sobre isso.

— Sim. Vou explicar tudo para que isso não aconteça com você. Afinal, há uma chance de que acabemos morando juntas por aqui de agora em diante… — Ela sorriu.

Naquele momento, eu ainda não tinha entendido o significado por trás de suas palavras.

Caminhamos lado a lado pela cidade, mastigando pão.

— Ah, eu não me apresentei, não é? Meu nome é Lucie. A Bruxa do Bom Tempo, Lucie.

— Me chamo Elaina. A Bruxa Cinzenta.

Ela se curvou e disse “Prazer em conhecê-la, Elaina” com um pequeno sorriso.

O prazer é meu.

— Permita-me contar sobre este país enquanto lhe mostro os arredores. Primeiro, existem três leis que você deve obedecer a qualquer custo.

— Eh?

— Dito isso, duas das três são regras simples que você provavelmente nunca quebraria no caso de amar gatos. Em primeiro lugar: “Sob nenhuma circunstância você deve causar dano a qualquer gato.”

— O que acontece se você infringir a lei?

— Hã? Você basicamente seria presa.

— Isso não é meio rígido…?

— Apenas para pessoas que fazem mal a gatos. Elas não merecem? De certa forma, a segunda lei se sobrepõe à primeira… “Você deve tratar todos os gatos com amor incondicional.”

— Isso é um pouco abstrato… A propósito, e se você violar essa lei?

— Prisão.

— … — Isso é exagero… — Um… Especificamente, como você…? Achoo!

— Hmm? Está tudo bem? Está resfriada?

— Desculpa. Não se preocupe com isso. De qualquer forma, especificamente, como você deve tratar os gatos?

— Bem… da mesma maneira que você costuma fazer.

— Então, se eu os tratasse como normalmente faria, contaria como dar amor a eles…?

Não entendi.

— Já sei! Vai ser mais fácil entender se você ver tudo sendo feito, não é? Certo, um… Ah! Ali, olha. — Puxando minha manga enquanto eu estava lá, perplexa, Lucie apontou para o lado da estrada.

Havia uma barraca que vendia frutos do mar e um gato malhado olhando para as fileiras de peixes.

O gato manteve sua postura abaixada ao se aproximar da barraca, tentando não ser pego pelo dono, então se espreguiçou repentinamente ao chegar bem embaixo da barraca. Com a ponta da pata, pegou um dos peixes à mostra e o segurou na boca.

— Ahhh!

Mas o dono da barraca avistou o gato enquanto ele roubava. O gato malhado, surpreso, olhou para o lojista.

Minha nossa. Ele vai ficar com raiva, pensei, mas…

— Ah, Senhor Gato! Muito obrigado! Por favor, leve o quanto quiser!

Por algum motivo, o lojista ficou encantado. Além disso, ele começou a jogar todos os peixes, que estavam ordenadamente empilhados, na rua. Os gatos logo invadiram a área e começaram a fugir com as mercadorias.

Hã?

— O que acabou de acontecer?

— Amor.

— Isso não responde a minha pergunta…

Tive a sensação de que estávamos nos desencontrando em nossa conversa. Será que este país era conhecido por usar expressões únicas? Essa seria uma resposta simples.

— Ah, olhe! Ali do lado! Assim pode ficar mais fácil de entender.

— …

Por insistência dela, deixei meus olhos passarem pela cena.

E fiquei sem palavras. Desta vez foi ainda pior.

— Aaah! Senhor Gato! Senhor Gato! Obrigado! Obrigado!

Havia um homem com uma expressão de êxtase deitado de bruços na estrada. Em cima dele estava um gato sentado em uma posição confortável, com os olhos semicerrados, massageando o estômago do homem com as patas dianteiras.

— O que está acontecendo?

— Amor.

— …

Desviei meus olhos deste novo mundo estranho e incompreensível. Mas para onde quer que eu olhasse, ficava surpresa com as demonstrações bizarras.

— Oh, oh, oh! Você é tão fofo! Miau-miaauuuuu! — Uma mulher estava murmurando com uma voz peculiar, segurando um gato como se estivesse mantendo um bebê no colo.

Mas o que…?

— E aquilo?

— Amor, é claro.

— “Amor” significa exatamente o que por aqui…?

Continuamos andando pela cidade, e eu ficava perplexa com tudo em minha linha de visão; e à medida que nos aventurávamos mais longe, o número de gatos aumentava e o comportamento dos humanos tornava-se mais peculiar.

As pessoas passavam, desviando-se do caminho para evitar um gato que dormia no meio da estrada. Um gato diabólico roubou o prato principal de um casal que almoçava em um restaurante, e as vítimas observaram o que acontecia, parecendo muito satisfeitas. Um grupo de gatos, como um bando de deuses do mal, enxameava impiedosamente ao redor das roupas à venda, subia nelas e as rasgava em pedaços – e o lojista, apesar de tudo, apenas sorria.

Não havia ninguém para impedir os ataques desenfreados dos gatos, e nem uma única pessoa os enfrentava. Os gatos podiam fazer o que quisessem.

— Isso é o que queremos dizer com amor incondicional — disse Lucie, orgulhosa. — Você parece surpresa, mas o povo deste país… não, uma vez que você chega aqui, todo mundo se sente assim. Todos tratam os gatos com amor.

— Honestamente, parece que eles perderam o senso da razão e começaram a mimar os gatos.

— Bem, os gatos neste país são diferentes de qualquer outra parte do mundo. São especialmente fofos. Não podemos deixar de os mimar um pouco. Você entenderá em breve, Elaina.

— Acho que nunca vou entender… — Talvez seja porque eu nunca toquei em um.  — Para começar, eu realmente não entendo como esses gatos são diferentes dos gatos que têm em qualquer outro lugar.

— Hã? Eles são, obviamente, centenas de vezes mais bonitos do que os gatos dos outros países! Vim aqui para trabalhar, mas fiquei totalmente encantada com a fofura dos gatos, e jamais conseguiria me forçar a ir embora!

— Para trabalhar, você disse?

— Hã? Ah, sim, trabalho de reconhecimento.

— …

— Minha aldeia me enviou para cá com instruções de observar a cultura local e tomar nota sobre qualquer coisa que pudéssemos roubar.

Sinto que já ouvi essa história em algum lugar.

— Para alguém que veio em uma missão de reconhecimento, você se adaptou muito bem a este lugar…

— Sem problemas! Eventualmente planejo retornar! Mas primeiro vou me fartar deste lugar!

— Você não perdeu o seu objetivo de vista…? Você está bem?

— Parece que eu perdi ele de vista?

— Acho que você entendeu o que eu quis dizer.

— Ah, olhe para este pequenino!

De alguma forma, parecia que ela havia perdido a vontade de conversar comigo. Assim que ela viu um gatinho cambaleando em nossa direção com as pernas instáveis, imediatamente se abaixou e começou a estalar a língua, com a mão estendida.

Não sei se foi intencional, mas, no final, o gatinho conseguiu chegar até ela.

E então, mordeu sua mão.

Com um aperto forte no dedo indicador de Lucie, ele começou a roer gentilmente.

— Ah…

Lucie olhou surpresa para o desenrolar de eventos, e então…

— Aaaaaaaaaah! Que fofinhooooooooo! — Ela parecia prestes a desmaiar. A mulher estava respirando pesado enquanto o gatinho continuava mordendo seu dedo, como se estivesse tentando tirar leite dali, girando seu corpinho para todo lado.

Isso não é exagero? Tudo bem com você?

— Ah… Aaahhh! Haaaaaaaaah!

— …

Isso parece incorrigível.

Me afastei após sua repentina e avassaladora mudança de personalidade. Me afastei bastante.

Essa era a pessoa que, até um momento atrás, vinha tendo uma conversa normal comigo. Ela agora estava corando e bajulando um gatinho. Isso me deu arrepios e, na mesma hora, meu corpo todo começou a coçar.

Foi o suficiente para me fazer querer ir embora. 

 Achoo!

Eu soltava um espirro a cada passo que dava.

Quantas vezes isso já aconteceu? Será que peguei um resfriado ou coisa do tipo? Meu corpo começou a ficar pesado. Pensando bem, minha garganta também parece estar meio áspera…

Acho que depois vou precisar de uma boa noite de sono.

— Este país tem alguma pousada com boas comodidades? — perguntei para Lucie, que estava com um humor excessivamente bom após o ataque de um gatinho impiedoso.

— Um… Vamos ver, minha recomendação seria aquele lugar ali. Seus quartos são basicamente o paraíso, lotados de gatos com os quais você pode se abraçar.

— Talvez eu tenha feito a pergunta errada. Por favor, mostre-me uma pousada mais habitável.

— Mas e os gatos?

— Não são necessários.

— … — Depois de estufar as bochechas em uma expressão taciturna, ela apontou para um prédio diferente. — Nesse caso, aquela pousada ali serve.

Depois disso, continuamos andando pela cidade de forma totalmente normal. Pedi a ela que me mostrasse uma boa pousada, vários restaurantes deliciosos (todos cheios de gatos) e várias outras coisas.

Continuamos nosso tour pela paisagem urbana desgastada pelo tempo e, antes que eu percebesse, o sol se pôs e o céu ficou vermelho.

Suponho que agora iremos seguir nossos próprios caminhos? Pensei que o tour parecia estar chegando ao fim, mas me lembrei que havia mais uma coisa que precisava fazer que ela me contasse.

— A propósito, qual é a terceira lei?

Existem três leis que devo obedecer, certo?

— Ah, foi mal. Esqueci totalmente.

— Diga-me, por favor. Se não o fizer, não posso ir para a pousada com paz de espírito.

E não quero passar a noite na prisão.

— Ah-ha-ha. Mas é bem raro ser confrontado por causa da lei final, então não acho que isso seja um problema de verdade. Bem, a terceira lei é…

Aconteceu assim que ela abriu a boca.

As pessoas que caminhavam pela cidade começaram a se mexer. A agitação passou como ondas pelos transeuntes e, atrás de mim, suspiros de espanto se misturaram com o ar da noite.

Quando olhei em volta para ver o que havia acontecido, encontrei cada residente olhando na mesma direção.

— Ah… É a Gata Divina!

— A Gata Divina nos agraciou com sua presença!

— Quantos dias já se passaram?

— Que postura escultural…

— Simplesmente incrível…!

À medida que esses e outros comentários saíam de suas bocas, todos, sem exceção, começaram a se ajoelhar.

Lucie também se ajoelhou.

— Ah… linda…! — Ela falou em um tom febril, suspirando, e assumiu a mesma postura respeitosa.

O quê…?

Todas as pessoas se viraram para encarar uma única gata. Ela tinha pelo preto brilhante e olhos azuis.

— …?

Mas se portava de um jeito diferente dos outros.

Caminhando em nossa direção com passos graciosos, aquela gata tinha duas caudas crescendo atrás dela. Se bem me lembrava, esse geralmente não era o caso da maioria dos gatos.

Seu pelo era incrivelmente luxuriante. Parecia que seria legal segurá-la.

— Lucie, por que aquela gata tem duas caudas…?

— Elaina! O que você está fazendo? Anda logo e faça o que eu fiz!

Eu nem tive tempo para questionar. Lucie puxou meu robe.

— …

Fazer o que ela fez?

Quer dizer, ajoelhar-se diante de uma gata?

Eu realmente não quero, mas…

Se eu não fizer isso, posso acabar na prisão.

— Uhhh… — Não tenho como fugir disso.

Relutantemente, coloquei um joelho no chão e abaixei minha cabeça em reverência, imitando aqueles ao meu redor.

O que diabos estou fazendo aqui?

— Um, Lucie…?

— Fique quieta. Você está diante da Gata Divina. Não faça nenhuma ofensa.

Uh…

Você não acha que isso é um pouco irracional? Não entendo o que poderia fazer para ofender. E, afinal de contas, o que é a Gata Divina?

Minha mente estava em uma tempestade de pensamentos problemáticos, e tentei suprimir minha perplexidade e reclamações potenciais antes que minha boca pudesse me colocar em qualquer problema.

E então aconteceu.

Miau.

Houve um miadinho. Veio de muito perto.

Na verdade, veio de extremamente perto.

— …

Miaaaau.

Percebi que a gata preta com duas caudas – a Gata Divina ou o que quer que fosse – estava parada diante de mim. A felina elegante estava olhando diretamente nos meus olhos.

Mrrow.

E então, assim que ela balançou suas duas caudas para frente e para trás, de repente atacou. Com as garras para fora, ela se agarrou ao meu robe.

— Hã…? — Fiquei perplexa. O que deveria fazer?

Tentei avaliar as reações das pessoas ao meu redor e ouvi vozes de admiração.

— Oh…

— Ser atacada pela Gata Divina…

— A Gata Divina deve aprová-la.

Também ouvi Lucie resmungando:

— Estou com tanta inveja…

Eu realmente não entendia o que estava acontecendo, mas não parecia ser ruim.

Pensando bem, esta é minha primeira vez acariciando uma gata, hein? Bem, ela tem duas caudas, então não tenho certeza se posso chamá-la de gata.

                — Oof… — Abaixei meus joelhos, agachei-me no chão e abracei a gata que se agarrou a mim. Ela se rendeu a mim e se aninhou em meus braços.

Quando acariciei a sua cabeça de leve, ela fez uma expressão sonolenta e começou a ronronar suavemente. Senti como se a tivesse ouvido dizer: “Me acaricie mais.

Ela certamente é fofa.

Bem, suponho que não seja impossível entender por que as pessoas deste país se tornaram tão apaixonadas por gatos. Dito isso, eu não sentia que corria o risco de perder o controle da lógica.

— O-o que diabos…?!

— Isso é…

— Não posso acreditar…

Enquanto eu começava a gostar de acariciar a Gata Divina ou coisa assim, pude ouvir a conversa voltando a ficar mais alta. As pessoas se levantaram e caminharam lentamente em nossa direção, cambaleando, para cercar a mim e à Gata Divina.

O quê? Inclinei minha cabeça para o lado, confusa. Com o canto do olho, vi Lucie se levantar ao meu lado. Quando olhei para ela, descobri que estava me encarando com uma expressão extremamente fria.

— Eu… eu não posso acreditar nisso, Elaina… O que você fez…?! — balbuciou ela enquanto pegava a sua varinha.

— Hã…? Um…

Foi só então que percebi que havia algo de errado.

Mas já era tarde demais.

— Sua garota insolente!

— Como ousa acariciar a Gata Divina!

— Tire suas mãos imundas dela!

— Você…! Você ao menos tem noção do que está fazendo?!

As pessoas ao meu redor estavam incrivelmente irritadas.

— Espera aí… Um, esperem, por favor! O que é…?

Comecei a entrar em pânico, sem saber o que tinha feito de errado. Nesse ponto, de todas as coisas que eu poderia ter feito, levantei minhas mãos.

Larguei a Gata Divina que estava em meus braços. Ela caiu no meu colo, pousando perfeitamente nas quatro patas. Quando suas garras cravaram em minhas coxas, doeu.

Isso teve grandes repercussões.

— Ela deixou a Gata Divina de lado! Ela não só é totalmente ofensiva, como também é indigna de ser reconhecida como uma amante de gatos! Isso merece a punição capital! Culpada!

Quem gritava era ninguém menos que Lucie.

— Lucie. Eu te imploro. Explique para todos que eu não sabia sobre…

— Não adianta discutir!

Uh… Ela não está ouvindo…

Em vez de explicar a situação, ela golpeou minhas palmas com sua varinha e lançou um feitiço. Minhas mãos levantadas foram puxadas para baixo por alguma força desconhecida e confinadas por algemas de ferro mágicas. Elas eram muito bem feitas, com correntes conectando as pontas dos meus dedos às algemas, então não conseguia fechar nenhuma das mãos, um recurso que eu realmente poderia ter dispensado.

As restrições me impediriam de segurar minha varinha.

— Um…?

Quando voltei a olhar para cima, lá estava Lucie, tremendo de raiva. Ela entregou as chaves das algemas para um soldado, olhando para mim o tempo todo.

— Certo, pessoal! Vamos jogar essa bruxa insolente na prisão! — gritou ela, e todas as pessoas concordaram.

— Um… Posso falar só por um segundinho…?

— Tudo certo, levante-se, Elaina! Se você não se levantar, eu vou te levar arrastada! — Ela avançou, puxando minhas mãos algemadas com força.

— Ei…

— Sinceramente…! Como uma pessoa tão rude passou despercebida sendo que tomamos precauções para permitir a entrada apenas de amantes de gatos?

— …

Parecia que minhas palavras não estavam alcançando seus ouvidos.

Algo na maneira como ela estava agindo era bem estranho. Era como se fosse uma pessoa completamente diferente daquela que havia me levado para fazer um tour pela cidade.

Era como se tivesse perdido todo o senso da razão.

Como se estivesse sendo controlada por alguma força desconhecida.

— Finalmente te encontrei.

Enquanto era puxada por Lucie, imaginei ter ouvido tal voz.

Imagino quanto tempo se passou desde aquilo.

Fui parar em uma cela fria da prisão.

Tudo que podia ver era o chão e as paredes cinzentas – além das barras de ferro enferrujadas. O mundo exterior parecia completamente submerso na escuridão, e através de uma pequena janela que se abria para a cela fluía a luz fraca da lua e as canções dos insetos.

Tenho certeza de que a lua está linda esta noite… mas não consigo ver.

Olhando para cima da minha posição, tudo o que pude ver foi uma estaca cravada na parede e as algemas em torno de minhas mãos conectadas a ela.

Eu não tinha sido capaz de me mover da parede desde que fui colocada ali. Já havia perdido todas as sensações em minhas mãos.

— Qual é o significado disso…?

A pergunta que murmurei ecoou inutilmente, e logo se dissolveu no silêncio.

Claro, não havia ninguém lá para me responder.

Na verdade, não havia ninguém por perto. Sequer uma alma. Eu tinha sido jogada em uma prisão sem nenhum outro prisioneiro.

Isso realmente está acontecendo comigo? Que exagero.

— …

Bem, não adianta chorar pelo leite derramado.

Por enquanto, vamos tentar pensar em uma maneira de sair dessa bagunça.

O primeiro passo é entender a realidade da situação.

Não posso dobrar meus dedos, então não serei capaz de segurar uma varinha. Meu corpo está algemado à parede, então duvido que conseguiria andar na minha vassoura. E, mesmo supondo que pudesse montá-la, definitivamente seria descoberta assim que fugisse. Além disso, seria incrivelmente perigoso, já que minhas mãos estão amarradas. Não posso usar minha varinha. Não posso usar minha vassoura. Em outras palavras, não posso confiar na magia. Não estou confiante.

Ah, já era para mim.

Hee-hee-hee.

— O que devo fazer…?

Eu estava em desespero.

Seria bom se pudesse resolver isso com dinheiro, hein? Me pergunto como seria isso. Acho que dependeria de negociações. Dito isso, deveria ter fugido no momento em que fui cercada.

Por alguma razão, mesmo depois de começar a suspeitar que queriam me jogar na prisão, não fui capaz de lidar com a situação com meu comportamento normal de sempre.

Porque será? Hoje realmente não estou agindo como o normal.

Peguei um resfriado?

Minha garganta dói, meus olhos ardem e continuo espirrando. Meu corpo todo está coçando. Não entendo. O que diabos está havendo?

No entanto, não parece que estou com febre.

Suspeitei que o verdadeiro motivo de eu ter perdido a compostura era qualquer doença estranha que contraíra.

Bem, descobrir isso não vai me ajudar em muita coisa.

Uff…

Foi então que aconteceu.

Algo obscureceu o luar.

— Bem, Madame Bruxa. Como estão te tratando aí? — chamou uma voz na cela que agora estava ainda mais escura do que antes. Era calma e feminina – uma que podia ser ou não familiar.

Olhei em volta, mas não consegui ver ninguém.

— Aqui, Madame Bruxa.

Bem quando pensei ter ouvido a voz de novo, o luar retornou. De cima – da janela, caiu algo no chão, e então…

Miau.

A gata se aproximou, miando lindamente enquanto balançava suas duas caudas para frente e para trás.

— Você é…

— Boa noite.

Na minha frente estava o ser que o povo deste país reverenciava acima de todos os outros.

A Gata Divina, ou seja lá como a chamavam.

E ela estava falando.

Esta gata podia falar, mesmo enquanto estava ronronando bem baixinho ao ficar em meus braços mais cedo.

Ela parecia bem sugestiva.

A gata olhou para mim.

— Finalmente te encontrei. Eu estava esperando desesperadamente por um humano como você. — Ela inclinou a cabeça. — Não sente vontade de discutir algumas coisas comigo?

Nesta situação, você quer dizer?

— Você diz “discutir”… Suponho que isso signifique que há algum motivo pelo qual eu gostaria de ouvir qualquer coisa que você tenha a dizer. Existe um benefício considerável que você pode oferecer?

— Naturalmente. Vou tirar você deste lugar. Esse é o benefício que posso oferecer. Em troca, você deve aceitar minha única exigência.

— Oh-ho! E ela seria?

— Quero que você me tire deste país.

Achoo…! Então, meu benefício é um efeito colateral de sua demanda?

— Sou a única que pode resgatá-la deste lugar.

— …

— Da mesma forma, você é a única que pode me resgatar desta terra. Em outras palavras, nossos interesses se alinham.

Não entendi o que ela estava dizendo.

— Um… Pode explicar desde o começo?

— Ah. Então você está disposta a ajudar?

— Depende das razões — falei. — Levar a criatura mais sagrada do país embora sem saber de nada não é exatamente algo que eu queira fazer.

Gostaria de evitar fazer mais inimigos do que já fiz.

— Hmm… — disse a Gata Divina, lançando os olhos para baixo como se estivesse pensando um pouco. — Muito bem, como desejar. Vou te contar tudo, desde o começo. A história deste país antes do grande colapso é longa, começa há várias centenas de anos…

— Se você pudesse resumir apenas as partes que são relevantes para mim, seria ótimo.

— Hmph… Mas que fresca. — A gata suspirou e começou a falar como se estivesse contando uma grande lenda. — Então eu devo te dizer. Bem, para simplificar, este país nasceu por minha causa.

Esta era a história do país arcaico.

Aparentemente, gatos anciões com apegos persistentes a este mundo podem renascer como gatos espirituais mágicos com duas caudas em raras ocasiões.

E ela era um deles.

Cerca de quarenta anos antes, nascera neste país como uma gata doméstica. Isso foi quando o lugar ainda tinha contato com o mundo exterior. A gata passou toda a vida ali, amada pelas pessoas.

No entanto, depois de cerca de quinze anos, tudo acabou.

Uma epidemia se espalhou pelo país.

O povo da cidade morreu. Seu dono não foi exceção e sucumbiu à doença.

Em apenas alguns anos, a próspera terra ficou quase desabitada.

Naquele país, agora desolado e esquecido, continuou vivendo calmamente com seus companheiros gatos.

Eles não tinham vontade de explorar o exterior. Não podiam deixar de sentir que sua casa iria desaparecer para sempre na floresta no caso de partirem.

Ela esperou, desejando de todo o coração que novas pessoas aparecessem e que o país voltasse a prosperar. Ela esperou e esperou.

Em situações extremamente raras, alguém visitava seu domínio, mas simplesmente sequestravam alguns de seus companheiros perdidos ou ficavam apenas alguns dias e depois iam embora. Não parecia haver ninguém que quisesse se estabelecer no local.

Ela continuou resistindo, esperando por novas chegadas.

Depois que cerca de vinte anos se passaram desde seu nascimento, perdeu a capacidade de se mover.

Parecia que sua hora havia finalmente chegado – e ela de alguma forma entendeu isso.

Queria, no mínimo, voltar a sentir o amor de um humano pela última vez.

Humildemente, com aquele pesar em mente, se resignou à morte.

Ou assim pensou.

No dia seguinte, acordou como de costume. Ela não morreu. E mais estranho do que isso, seu corpo parecia leve, como se nunca tivesse sofrido sob a mão cruel do envelhecimento.

Mas o que foi que aconteceu?

Quando ela se levantou, percebeu que sua cauda se dividiu em duas. E a boca que até então só era capaz de emitir miados, de repente ganhou a habilidade de falar palavras – palavras humanas.

Ela tinha duas das coisas que seus companheiros gatos tinham apenas uma. E poderia falar. Isso era incrível. Mesmo quando inclinou a cabeça, confusa e curiosa com as novidades, se gabou para seus companheiros gatos na mesma hora.

Desde aquele dia, o ambiente ao seu redor mudou consideravelmente.

As pessoas que apareciam para visitar pararam de ir embora.

Havia, por exemplo, mercadores que planejavam ficar apenas alguns dias para descansar, viajantes que se perderam e acabaram no local, e os imigrantes que foram expulsos de suas casas.

Lenta mas seguramente, o número de pessoas cresceu e ninguém parecia inclinado a deixar o país. E eles regaram ela e os outros gatos com mais amor do que qualquer um dos visitantes anteriores.

Na verdade, essa reviravolta nos acontecimentos parecia ser devido à sua segunda cauda.

Ela e seus companheiros gatos perceberam isso. Na verdade, apenas acariciando-a levemente, a maioria das pessoas se inclinava a derramar um amor excessivo sobre os gatos.

E não havia como não usarem isso a seu favor. Não havia necessidade de se conter. Se o país voltasse a florescer, não haveria nada do que se arrepender, pensaram.

Depois que sua vida como uma gata comum terminou, a população humana aumentou sem parar. A maioria das pessoas que visitaram o país por acaso acabaram se estabelecendo por lá.

Em casos extremamente incomuns, havia pessoas que não se apaixonavam pelos novos poderes da Gata Divina. A partir de suas observações, parecia que ela não tinha efeito sobre as pessoas que naturalmente não gostavam de gatos.

Muito tempo se passou e as pessoas que foram cativadas por ela aos poucos restauraram o país. Construíram um novo portão e, antes que ela percebesse, começaram a adorá-la – a gata com duas caudas – como a Gata Divina.

Aproveitando o amor de tantas pessoas, ela continuou a viver no país.

Vinte anos se passaram desde seu renascimento.

— A população humana aumentou muito. Se continuar nesse ritmo, o país vai explodir. Tudo vai voltar às ruínas. E é por isso que devo partir — disse ela.

Essa foi a principal razão pela qual precisava sair do país.

— Agora entende qual é a situação? — perguntou a Gata Divina, inclinando a cabeça.

— … — Permaneci lá na frente dela enquanto lágrimas se acumulavam em meus olhos.

— Ah, você está chorando por minha causa? Que garota doce.

Balancei minha cabeça.

— Sinto muito, não quero chorar, mas as lágrimas simplesmente não param.

— Hmph. De qualquer forma, eu só estava brincando. Eu sabia disso. Porque, veja, essa é a marca de quem não é adequado para gatos. Você está mal desde que chegou a este país, certo? Por exemplo, seu corpo coça, seus olhos ardem, seu nariz escorre, sua garganta dói e você geralmente não se sente bem. E…

Achoo!

— E você está espirrando o tempo todo… Desse jeito.

— Isso aí. — Balancei a cabeça e funguei. Por nunca ter tido contato direto com gatos, ou melhor, por nunca ter tocado em um gato, em primeiro lugar, eu mesma não sabia que tinha essa natureza.

Acho que vou evitar gatos de agora em diante, hein?

— Bem, e então? Gostaria de cooperar comigo?

Ela me pressionou uma segunda vez. Seus olhos azuis encarando os meus. Tive a sensação de que ela estava fazendo um apelo com os olhos – já lhe contei as circunstâncias, então coopere.

— … — Olhei para cima, tentando escapar de seu olhar penetrante, e tive um vislumbre de minhas algemas. — Você é uma gata, certo? Como planeja tirar isso de mim?

Com essas palavras, ela arregalou os olhos por um momento.

— Ahem. Tenho uma ideia para cuidar disso. Espere bem aqui — disse ela com entusiasmo, girando na mesma hora e deslizando entre as barras de ferro da prisão para sair.

Eu não tinha nada para fazer enquanto esperava, então estiquei minhas pernas e matei o tempo batendo meus calcanhares no chão. Fiquei na mesma posição o tempo todo, então foi a quantidade certa de alongamento.

— Você não pode esperar em silêncio?

Depois de um tempo, ela voltou. Estava segurando um chaveiro na boca.

Quando sugeriu que tinha uma ideia, suspeitei que devia ter algum plano secreto extraordinário em andamento, mas parecia que simplesmente roubou as chaves. Foi um pouco anticlimático, para ser honesta.

Ela passou pelas barras exatamente do jeito que tinha saído, então caminhou até mim, saltou e começou a arranhar seu caminho pelo meu corpo.

A gata estava com suas garras para fora, como de costume, por isso foi moderadamente doloroso.

— Vamos executar o plano amanhã à tarde. Quero que você me leve para fora do país enquanto faz uma grande confusão.

Tendo chegado aos meus ombros, ela saltou para o meu chapéu pontudo, balançando o molho de chaves. Eu podia sentir seu peso pressionando sobre mim.

— Não deveríamos ir agora? Acho que se partirmos neste momento, será mais fácil fazer uma fuga tranquila.

— Não podemos. Devemos espalhar a notícia de que deixei o país. Do contrário, haverá pessoas que continuarão a acreditar em mim, sem saber que eu parti. Precisamos garantir que todos saibam que parti para sempre e, além disso, que estou legando o país aos que ficarem. É por isso que preciso que você faça uma grande cena.

— Mas se eu fizer isso vou virar uma criminosa…

— Você já é uma criminosa. Que coisa mais boba de se dizer.

— Você não sabe? Nem todos os crimes são iguais.

— Se você fugir, então vai ficar tudo bem.

— Essa é a maneira como um criminoso pensa…

Enquanto as chaves de ferro batiam umas nas outras no topo da minha cabeça para fazer um barulho desagradável, ela soltou um bufo entediado.

— Então suponho que sou uma criminosa, já que enganei tantos humanos. Será que as mesmas regras se aplicam aos gatos?

— … — Sorri diante de sua resposta autodepreciativa. — Conheço uma pessoa burra que uma vez disse que cometer um crime não é problema seu, contanto que você fuja.

— Deve ser um indivíduo muito estranho…

— Sim, muito estranho mesmo.

Clank! Do alto da minha cabeça soou o som de fechaduras abrindo.

Passei o tempo fazendo uma coisa ou outra.

Passei a noite na prisão e esperei até a tarde antes de forçar a minha saída. Deveria fazer um escândalo, uma cena verdadeiramente memorável, mas não queria que ninguém se machucasse. Voei baixo e devagar de propósito, para que fosse fácil para os soldados e civis me perseguirem.

Havia lágrimas escorrendo de meus olhos, varridas pelo vento. Essa longa perseguição devia ter disparado ainda mais a sensibilidade do meu corpo.

— Porcaria…! Não consigo alcançá-la de forma alguma!

— Ei! Fechem o portão! Ela não deve conseguir sair sob nenhuma circunstância!

— Resgatem a Gata Divina, não importa o que aconteça!

Enquanto voávamos pela cidade que fervilhava com o caos, ouvimos os gritos das pessoas que saltaram sobre nós, mas, é claro, ninguém conseguiu me pegar.

Meu peito estava queimando, meus olhos estavam inchados e, em algum momento, a coceira se transformou em dor. No entanto, mesmo em meu estado debilitado, eu ainda era uma bruxa.

Não havia como me pegarem.

— Bom, bom. Continue, mas com um pouco mais de cuidado, se puder. — De onde estava sentada em meus braços, a Gata Divina não pôde deixar de acrescentar uma pequena crítica injustificada às suas palavras de elogio.

— Eles vão nos pegar se eu voar com segurança, você sabe!

— O que você está dizendo? Estaremos no portão em breve, certo? Apenas continue aguentando.

— Isso é difícil, sabe. Digo… — Parei no meio da frase.

— Elaina! Eu te julguei errado! Mesmo tendo te desprezado muito ontem!

Lucie estava atrás de nós. Ela desceu de onde estava.

Montada em sua vassoura e segurando sua varinha, bloqueou o meu caminho. Parecia até que queria proteger o portão fechado.

— …

Então você finalmente apareceu, hein? Já sabia que apareceria no meu caminho. Não há razão para não vir quando se trata da residente mais importante do país.

Ela apontou sua varinha para mim.

— Sendo insolente com a Gata Divina e fugindo da prisão? No que estava pensando?! Nunca vou te perdoar! Isso exige a punição capital! Você é culpada da acusação!

Então ela balançou a varinha.

Como se respondesse às suas palavras e movimentos, o chão diretamente abaixo de Lucie começou a brilhar com uma cor branca-brilhante. A luz ao redor de seus pés formou um círculo, fazendo um ruído estrondoso e desagradável, como se estivesse fervendo, e então, logo por trás dela, sete pilares de água voaram em minha direção.

— …!

Quando percebi que não eram simples trombas de água, desviei minha vassoura. Como sete criaturas vivas, os pilares de água se contorceram e se retorceram – e começaram a me perseguir.

Como cobras.

Quanto mais eu me esquivava, mais se moviam para me cercar. Se eu voasse com minha vassoura para cima, a barragem apareceria de todas as direções. Se eu serpenteasse pelo chão, se enrolariam e correriam atrás de mim.

Corri ao redor, como um pequeno inseto, e olhei para Lucie. Operando sua varinha em cima de sua vassoura, ela estava me olhando intensamente.

Os ataques vão parar se eu tirar a varinha dela, certo? Digo, sem isso, uma bruxa não passa de uma pessoa comum. Não há nada a temer. Bem, acho que isso também vale para mim.

— Um, Lucie? A Gata Divina está no meu colo, sabe. Tem certeza de que deveria estar me atacando?

— Cala a boca! Morra!

— …

Olhei para a Gata Divina.

— Ela não parece estar interessada em conversar — disse ela em um tom despreocupado.

A ignorei e continuei evitando os ataques de Lucie, até que ela voltou a falar comigo.

— Você realmente vai continuar se defendendo?

— Sabe, as minhas duas mãos estão ocupadas! Mas não se preocupe. Tive uma ideia. — Levei minha vassoura mais para o alto. Alto o suficiente para que pudéssemos olhar para Lucie, mas não tão alto que morreríamos se caíssemos.

— Oh? Do jeito que você está falando, suponho que tenha um plano secreto.

— Sim. Um bem secreto.

Enquanto voava em círculos, evitando as serpentes aquáticas que continuavam a nos perseguir, fiz meus preparativos.

Bem, quero dizer basicamente que agarrei a Gata Divina com uma mão.

— Por favor, não me arranhe.

Isso vai doer.

                — Hein…? — Seus olhos se arregalaram e ela esticou todas as quatro pernas.

Quando a Gata Divina percebeu o que eu estava planejando, o plano já estava em andamento.

— Aaaaaaaaaaah! — Ela deixou meus braços e caiu lentamente, gritando pelo caminho todo.

O que fiz foi muito simples.

Não tenho certeza se posso realmente chamar isso de plano secreto, já que tudo que fiz foi jogá-la para longe.

E se acha que isso é meio anticlimático, então pense novamente. O efeito sobre o povo do país foi surpreendente.

— O quê? A-ah! A Gata Divina!

Naquele instante, Lucie afrouxou seus ataques, em pânico, abaixo de mim.

Isso era exatamente o que eu esperava que acontecesse. Na mesma hora coloquei minha vassoura em queda livre. Peguei minha varinha com minha mão livre e, brandindo-a na direção de Lucie, disparei vários feitiços em um instante antes de voltar a guardá-la.

Disparei poderosas rajadas de magia do vento. Elas voaram diretamente para Lucie, girando e parecendo com tornados e agitando a terra abaixo.

— Gata Divi… Huh?

Sua mão, estendida para agarrar a Gata Divina que caía, errou a felina em queda, exatamente quando toda a força do meu contra-ataque a atingiu.

Jogada no vórtice selvagem de vento, girando, girando e girando, Lucie foi levada embora. Bang! Ela parou ao bater no portão de ferro sólido.

— Aaaaaaaaaaaahhh!

Voei abaixo da Gata Divina, que estava agitando as pernas no ar enquanto gritava. A ponta de palha da minha vassoura roçou o chão enquanto eu agarrava a divindade em queda com força usando um braço.

Seu pequeno coração estava batendo muito rápido.

— P-pensei que ia morrer…!

— Mas deu tudo certo, certo?

— Só no final!

— Isso é verdade para quase tudo.

Depois de lançar um olhar para o portão e confirmar que Lucie estava inconsciente – com seus dois olhos brancos – pousei minha vassoura.

O povo do país se aglomerou ao nosso redor, com expressões de espanto ou ainda mostrando hostilidade.

Fiz minha melhor tentativa de revelar uma expressão vil.

— Bem, todos vocês, a bruxa mais forte de seu país perdeu para mim facilmente. Existe algum outro desafiante?

A comoção se espalhou pela multidão, mas nem uma única pessoa deu um passo à frente. Prudente, muito prudente.

— Acho que agora me despeço. Andem logo e abram o portão. Caso contrário, o que farei com esta gata fofa… Bem, vocês já entenderam, não?

Lancei um olhar furioso para o porteiro, cujos ombros se contraíram de surpresa de uma forma que era perceptível mesmo sob sua armadura exagerada, e ele começou a abrir o portão em pânico.

Lentamente, comecei a ver o mundo lá fora.

— Ei, o que é isso? Eu também vou para fora. Não faz sentido me usar como refém. — De onde ela estava em minha mão, a Gata Divina levantou suas objeções.

— Não se preocupe. Tenho mais um plano secreto.

— Não confio neles.

— Desta vez não vou te jogar nem nada do tipo. Relaxa.

Quando o portão ficou completamente aberto, comecei a andar. Em alerta máximo para tudo ao meu redor, me movi com cuidado, um passo de cada vez.

No final, as pessoas não fizeram nada comigo, permitindo-me passar por cima de Lucie e deixar o país.

Quando me virei, os vi com expressões de tristeza. Havia pessoas gritando insultos para mim: “Demônio!” e “Você não pode estar falando sério!” Outras pessoas estavam chorando sem parar.

— …

Depois de olhar para eles por um momento…

— Bem, então vamos nos despedir.

Assim, subi na minha vassoura.

Quanto ao meu plano secreto, simplesmente escolhi mentir.

Não tinha decidido nenhum destino em particular. Simplesmente voei para qualquer lugar, a toda velocidade, segurando uma gata preta debaixo do braço.

Rápido o suficiente para que ninguém pudesse seguir.

Atrás de mim, os gritos agonizantes das pessoas lamentando sua divindade roubada diminuíram.

E assim conseguimos escapar.

Não consigo me lembrar de por quanto tempo voamos.

Fizemos nosso caminho através de bosques densos, planícies cobertas de verde e finalmente chegamos a uma floresta sombria.

Não havia humanos à vista e nenhuma civilização por perto.

— Agora que chegamos tão longe, já devemos estar bem.

Havíamos viajado uma boa distância.

Quando olhei para cima, mal conseguia distinguir o céu, manchado de vermelho pelo pôr do sol.

— Você me salvou.

Saltando de meus braços, a Gata Divina pousou no chão.

Esfreguei meu braço formigando e dolorido e enxuguei meus olhos.

— O que você está planejando fazer?

— Nada. Vou simplesmente viver uma vida tranquila. Sem contato humano.

— …

— E você, o que vai fazer, Elaina?

— Planejo continuar tranquilamente com minhas viagens. Sem contato felino.

— Essa é uma boa ideia. Por favor, faça isso. — Ela bufou, e eu me virei abruptamente e me sentei na vassoura.

— Espero que nos encontremos de novo… Ah, sabe, nunca perguntei o seu nome.

— Não tenho nome.

— Mesmo já tendo sido um animal de estimação?

— Lembre-se, já morri uma vez, então não tenho nome — disse ela.

— Nesse caso, você me deixaria ouvir o seu antigo…?

— …

Depois de hesitar por um momento, ela silenciosamente abriu a boca e disse uma única palavra, dando-me seu nome.

Era completamente normal, um nome comum, mas muito adorável.

Eu sorri para ela.

— É um bom nome.

— Mas nunca haverá ninguém que me chame assim de novo.

Então ela sorriu e virou suas duas caudas para mim, me olhando por cima de seu ombro.

— Já vou. Fico feliz por te conhecer. — Ela disparou para as profundezas da floresta.

E eu voei para longe na minha vassoura.

Enxugando meus olhos coçando e esfregando minha garganta áspera, voei em direção ao sol poente.

Assim que me livrei da floresta, uma campina pontilhada pela luz do sol poente me saudou. O vento soprava sobre as folhas ondulantes da grama.

Vamos falar sobre o que aconteceu um mês e alguns dias depois.

Recebi uma convocação de certo país… e como fui tola o suficiente para prometer voltar, voltei para a região.

Não foi por nenhum motivo importante, mas como estava na área, dirigi-me à aldeia onde pela primeira vez ouvi falar sobre o país infestado de gatos.

Bem, eu com certeza poderia passar por lá sem fazer outra visita.

— Olá! Miau!

— …

— Senhorita Viajante! Bemiau-vinda! Esta é a aldeia onde gatos e camponeses vivem em harmonia! Não tenha pressa e divirta-se! Miau!

— …

Havia algo de estranho em suas falas. A própria aldeia tinha mudado um pouco. Onde antes não havia um único gato ou outro animal, agora eu podia ver um mar de bichanos.

Espera…

Mais importante, em primeiro lugar…

— O que você está fazendo, Lucie?

— Não pergunte… Por favor.

A pessoa que veio me cumprimentar na frente da aldeia era ninguém menos que a própria Bruxa do Bom Tempo. Ela estava vestida com um robe, exatamente como quando a encontrei no outro país, mas, desta vez, no lugar do chapéu pontudo, usava uma tiara decorada com orelhas de gato. Era incrível como o traje não combinava com ela. Para ser honesta, chegava a ser lamentável. Não pude conter as lágrimas diante dessa realidade trágica.

Lucie acariciou a própria cabeça levemente.

— Elaina, eu queria te agradecer pelo que você fez há um mês. Aquilo realmente abriu meus olhos. Parece que, por algum motivo, eu estava agindo de forma estranha enquanto estava naquele país.

— É mesmo? — Agora você também está agindo de uma forma bem estranha, mas… Fiz o favor de não dizer isso a ela. — O que aconteceu depois que eu saí?

— Todos foram embora. Estranhamente, o amor de todos por gatos meio que evaporou depois que a Gata Divina foi sequestrada, sabe. Apareceram até algumas pessoas se perguntando se suas almas poderiam ter sido manipuladas pela gata com duas caudas.

Ou seja…

— Então aquele país não existe mais?

Ela balançou a cabeça lentamente diante da minha pergunta.

— Não é assim. Havia muitos amantes de gatos e pessoas que realmente não tinham nenhum outro lugar para morar, e agora as coisas estão funcionando de novo. Até ouvi que estão se promovendo como um país onde você pode viver junto com gatos, e o tráfego de turistas está gradualmente voltando a aumentar.

— Então você decidiu imitar aquele país, e agora este lugar também é assim?

— Eles eram fofos, então eu trouxe vários gatos comigo… Até os aldeões ficaram extremamente impressionados com sua fofura…

— O suficiente para afetar seu senso de razão, hein?

— Seriamente… — E então, após um breve silêncio, Lucie colocou a mão no meu ombro. — Ah, espere aqui por um minuto, Elaina.

— Hã? Ah, claro.

Ela saiu com pressa e entrou em uma das casas. Nem um minuto se passou até que Lucie voltasse, carregando cuidadosamente uma caixa de madeira com as duas mãos.

— Elaina! Olha isso; olha!

Com extrema excitação, ela inclinou aquilo em minha direção.

Quando olhei para dentro, vi vários gatos. Uma gata mãe com pelo branquinho. Três gatinhos com pelo preto e branco. E um gatinho todo preto.

— Nem um mês se passou desde que essas lindezinhas nasceram. Não são fofas?

A maioria dos gatos na caixa olhou para mim por um momento, como se estivessem incomodados com a perturbação, e voltaram a dormir quase que de imediato. Mas um era muito animado, muito mais que os outros.

Era o gatinho com olhos azuis e pelo preto que parecia ser bom de segurar. Ele se levantou e esticou as pernas, tentando sair da caixa.

— Este aqui é muito animado, não é?

Elogiei sem entusiasmo e Lucie sorriu, parecendo muito feliz.

— Não é? Quer fazer carinho?

— Não, não quero. — Não é da minha natureza, sabe. — Você deu nomes a eles?

— Os gatinhos ainda não têm nomes. É por isso que gostaria que você os nomeasse, Elaina.

— … — Encarei o gato preto recém-nascido. — Vou fazer isso, mas vou nomear apenas um.

— Qual deles?

— Este.

O gato preto ronronou: “Miau“.

— Seu nome será…

Então eu disse a ela o nome perfeito para o gato preto na minha frente.

Era completamente normal, um nome comum, mas muito adorável.

 


 

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