Bruxa Errante, a Jornada de Elaina

Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 2 – Cap 08 – O País dos Contadores da Verdade

— O País dos Contadores da Verdade…?

Enquanto eu estava diante do portão de um pequeno país perto da costa, fiquei intrigada com o nome estranho que o guarda disse.

— Isso mesmo! Nosso país é chamado de País dos Contadores da Verdade. Como o nome indica, não há mentirosos por aqui! E, cara, esse lugar é uma merda!

— Huh…

— No momento em que uma pessoa passa por este portão e entra em nosso território, perde a capacidade de mentir. Não importa quem seja, isso vale até para uma bruxa.

Contrariando minhas expectativas, senti uma pequena onda de interesse.

— E exatamente como que isso funciona?

— A espada mágica do nosso rei tem algum poder misterioso e, aparentemente, isso cobre o país inteiro com uma rede de honestidade. Ah, querida, suponho que isso soe muito duvidoso, mas é assim que as coisas funcionam.

— …

— Então, Madame Bruxa, o que você acha? Vai querer entrar no nosso país?

Para isso, dei minha resposta.

Solicitei uma estadia de três dias e duas noites e atravessei o portão.

Assim que entrei, o leve cheiro do oceano soprou com uma brisa fresca do início do verão.

A paisagem urbana à beira-mar era vibrante. As casas alinhadas ao longo da estrada estavam pintadas de azul, vermelho, amarelo, verde, roxo e outros tons brilhantes. Não parecia existir razão óbvia para isso. Mas as cores incompatíveis tinham, de alguma forma, certa compatibilidade.

Toda a atmosfera deste país era agradável.

— Senhorita Bruxa! Venha comprar nosso pão! Não é dos mais deliciosos e já faz um tempo que saiu do forno, então já está começando a ficar duro. Ah, e o pão que está na vitrine é de dois dias atrás, mas mesmo assim estamos vendendo pelo preço de sempre! Compre um!

— Um, quem é que compraria um lixo desses…?

Uma voz desconhecida soou de uma barraca pela qual passei e, sem pensar duas vezes, dei um golpe no falante.

Por alguma razão, o que saiu da minha boca foi cerca de 20 por cento mais maldoso do que o normal. Isso é porque não posso mentir?

— Como assim?! É óbvio que o sabor e a qualidade só diminuem porque deixamos isso pronto por muito tempo! Mas não é lixo! Compre um!

— …

Por um momento, parecia que a primeira coisa que eu faria depois de entrar no País dos Contadores da Verdade seria brigar com um lojista aleatório. Mas, aparentemente, todos os locais estavam acostumados com esse tipo de interação.

— Ah, Senhorita Bruxa! Você é tão fofa que chega a fazer mal! A propósito, fiz um novo perfume recentemente. Não quer comprar um pouco? Realmente não quero vender isso para uma jovem tão bonita quanto você, mas estou cuidando de negócios aqui, sabe.

— Ah, oi. Sério, você não é bem o meu tipo e é jovem demais, e pior ainda, quase não tem peito, mas agora estou louco por um pouco de atenção feminina. Se quiser, o que acha de sairmos para tomar um chá… Ah, não?

Todo mundo era tão brutalmente honesto que me fez querer dar uma prova da minha mentalidade para essas pessoas, tipo: “Para ser franca, vocês não são todos estúpidos?

Seus comentários inadequados davam a todo o país uma atmosfera ligeiramente sinistra.

— Careca como sempre, hein?

— Sim, e você está gordo como sempre.

— Pensei nisso por um tempo, sabe, seu bafo é horrível.

— Sim, e o seu odor corporal me dá vontade de vomitar.

— Ha-ha-ha…

— Ha-ha-ha…

A natureza combativa das pessoas estava sendo trazida à tona à força, uma vez que eram incapazes de esconder seu verdadeiro eu.

O que diabos aquele rei devia estar pensando quando fez isso com o país…?

Vaguei pela cidade até que finalmente avistei o castelo.

— Hoje faz meio ano desde que abolimos todas as mentiras de nosso país! O que vocês acham, pessoal?! Não é maravilhoso ter um país sem desonestidade?!

O jovem rei estava no meio de um discurso animado.

Em sua mão, segurava uma espada elaboradamente decorada. A coisa era tão espalhafatosa que, se alguém me perguntasse, não teria conseguido deixar de comentar que o rei sofria de um grave caso de mau gosto.

A multidão diante do rei rugiu, segurando cartazes:

VOCÊ É O MELHOR, MAJESTADE!

OBRIGADO PELO NOSSO PAÍS MARAVILHOSO E SEM MENTIRAS!

CONSEGUI UMA NAMORADA GRAÇAS A VOCÊ!

VIDA LONGA AO REI!

Não havia uma única pessoa gritando uma frase coerente. Estavam todos gritando e ovacionando com grunhidos incompreensíveis.

O rei acenou com a cabeça para seus cidadãos, evidentemente satisfeito, e apontou a espada para o céu.

— Mentiras são ruins! Devemos desprezá-las! Juro por esta espada: Nosso país continuará a ser uma terra nobre e justa, sem nenhuma falsidade!

SEGUIREI O REI PELO RESTO DA MINHA VIDA!

EU AMO O REI!

INCRÍVEL! DURMA COMIGO!

VIDA LONGA AO REI!

VIDA LONGA AO REI!

— De palavras sem mentiras, de honestidade sem engano, são formados relacionamentos reais e confiáveis! Colocando a verdade contra a verdade, vamos conduzir este país pelo caminho da justiça!

— …

Enquanto eu observava de longe, cheia de sentimentos quanto ao espetáculo estranho, hesitei em falar em público, e então alguém de repente tocou no meu ombro.

Quando me virei, lá estava uma bruxa com um robe marrom-terra e um chapéu pontudo. Ela parecia ter vinte e poucos anos e cabelos desgrenhados e com cor de lama.

— Pois não…?

Com uma expressão exultante, ela silenciosamente ergueu um caderno com as palavras: Você é a bruxa que foi despachada pela Associação de Magia, certo?, escritas em uma página.

— …? — Inclinei minha cabeça, confusa. — Não, não sou.

Ah, a Associação de Magia era a organização que realizava os exames de avanço de bruxa noviça, e resolvia quaisquer incidentes mágicos e pesquisava novos tipos de magia. Para simplificar, eram uma organização misteriosa que queria ter um dedo em qualquer tipo de coisa mágica.

— Você devia saber, os membros da Associação de Magia usam broches em forma de lua em seus peitos. — Meu broche era em forma de estrela e servia como prova de minha perícia.

Depois que eu gentilmente expliquei isso, a garota pareceu perceber seu erro – suas bochechas ficaram vermelhas de vergonha, e ela começou a passar a caneta pela página, em pânico.

Sinto muito, pessoa errada, por favor, esqueça o que eu disse!

Ela voltou a erguer o caderno e, depois de se curvar várias vezes, saiu correndo.

Que diabos foi isso?

— Hmm…?

Pensando bem, por que ela escreveu tudo no papel? A comunicação não verbal de alguma forma a isenta da regra de dizer a verdade?

Dúvidas surgiram em mim quando mudei minha atenção entre a estranha bruxa que não falava e a multidão de pessoas reunidas em frente ao rei.

Alerta de spoiler: A regra de dizer a verdade também se aplica a palavras escritas.

Por exemplo, uma placa anunciando um novo tipo de guloseima em uma loja dizia: EXPERIMENTE NOSSOS MAIS RECENTES PRODUTOS ASSADOS! E depois era acrescentado: NÓS NA VERDADE ACABAMOS DE ADICIONAR UM NOVO INGREDIENTE A ALGO QUE JÁ ESTAVA PRONTO. Nas outras lojas – uma de doces, uma cafeteria, uma livraria e outras – em geral, as placas estavam uma bagunça.

ESPECIAL DO GERENTE! NOSSO NOVO ITEM QUENTE NO MENU! ISSO É DELICIOSO! MENTIRA. ISSO É UM LIXO. UMA MERDA. SE VOCÊ COMER, PODE MORRER.

LANÇAMENTO DE UM CONTO DE MISTÉRIO! ATÉ OS AUTORES DESTE BESTSELLER FICARAM CHOCADOS! (COM COMO ISSO É RUIM.)

ESTES NOVOS PRODUTOS SÃO QUARENTA POR CENTO MAIS EFICAZES QUE OS ANTERIORES! BEM, VOCÊ PELO MENOS PENSARÁ QUE SÃO.

E assim por diante.

Todas as placas em todas as lojas tinham frases que poderiam ser interpretadas como calúnias – adicionadas ao final de cada declaração. Parecia que essas coisas nunca apareciam no começo das frases, sendo sempre acrescentadas após a propaganda. Além disso, cada anúncio e sinalização tinham marcas como se tivessem sido sujas de propósito com partes que foram apagadas à força, e não havia como ignorar o fato de que eram difíceis de ler.

Sentindo-me entediada com toda a honestidade descontrolada, coloquei os pés em uma pousada que tinha uma tabuleta suja e borrada ao lado que dizia: ESTALAGEM SUPER BARATA! BARATA E EXTREMAMENTE LIMPA!

Visto que este é o País dos Contadores da Verdade, essas palavras no anúncio não podem ser mentira.

— …

Entretanto, o quarto que me prepararam estava longe de ser bonito. Estava um lixo. Ou coisa pior. Parecia que, se eu passasse a noite lá, poderia morrer.

O dono da pousada acha mesmo que isso é algo limpo…? Ele deve ter problemas de visão.

Me enfiei no quarto, me sentindo decepcionada com a realidade cruel, e tirei um bloco de notas e uma caneta da minha bolsa.

— O que devo escrever…?

Achei que deveria testar os limites dessa proibição de mentir.

Segurei a caneta contra a boca por um tempo, depois tive a ideia de tentar escrever o que havia acontecido naquele dia.

E então escrevi. Preocupada com isso, lembrando como foram as coisas, passei a caneta sobre o papel.

Agora podia ver que, de uma forma ou de outra, sempre que tentava escrever uma mentira, minha mão se movia sozinha e escrevia a verdade. Pensei em tentar escrever algumas inverdades evasivas, mas, apesar de meus melhores esforços, depois que terminei de escrever, apenas fatos foram escritos na folha.

Por exemplo, quando tentava escrever a mentira “Na verdade, sou um homem”, as letras da página escreviam o contrário e, mesmo quando tentava fazer a mentira sair da minha boca, acabava dizendo “Na verdade, sou uma mulher”.

Falar de forma fracionada também não funcionava. Quando tentei dizer “A afirmação anterior era falsa”, tanto em voz alta quanto por escrito, o que vi e ouvi foi “A afirmação anterior era verdadeira”. Isso era inútil.

Mesmo quando pegava outro pedaço de papel ou inventava uma nova forma indireta de mentir, parecia que não conseguia dizer ou escrever palavras falsas.

— Hmm…

Era uma sensação estranha.

Depois de me familiarizar com a sensação, passei um tempo brincando, tentando obrigar meu corpo a fazer coisas que não seguiam minhas intenções.

— Hein…?

Logo percebi algo estranho.

Percebi que os residentes deste país, que se tornaram contadores compulsórios da verdade, tinham todos um acordo tácito de ficar de boca fechada.

No dia seguinte também passeei pela cidade.

Ao passar pela paisagem urbana repleta de cores, fiz perguntas nas barracas de comida, como: “Isso é saboroso?”, “Está fresco?” e fiz com que dissessem a verdade. Comprei um monte de alimentos frescos e saborosos, cantarolando enquanto caminhava.

Como essa era uma cidade litorânea, eu podia ouvir o som das ondas quebrando suavemente enquanto fazia meu tour gastronômico.

Essa era uma sensação boa.

Eu sabia que esta cidade tinha uma boa vibração.

— Seu otário! Eu vou te matar! Seu bastardo careca! Seu hálito fede!

— Cale a boca, gorducho! Você está falando demais para alguém que fede tanto!

— Morra!

— Você primeiro!

— …

A atmosfera agradável foi imediatamente destruída.

Me virei para olhar e, na direção que eu estava indo, vi dois homens lançando insultos um ao outro enquanto brigavam: Um homem gordo, que estava tão inflado que parecia que iria estourar se fosse cutucado com um alfinete, e um homem careca, cuja cabeça estava emitindo um brilho deslumbrante. Aliás, eles estavam cercados por um miasma de odor corporal e mau hálito.

Na verdade, são os mesmos que vi ontem…

— Wah…!

Concentrados na briga, os dois não prestaram atenção à multidão que se formava ao seu redor. As pessoas estavam apenas assistindo. Ninguém parecia querer intervir.

Digo, até eu fiz a mesma coisa.

— Não tem problema se ninguém os parar? — perguntei para um homem próximo. Eu sabia que seria melhor impedi-los, mas como não queria fazer isso sozinha, a melhor coisa a se fazer era conseguir que outra pessoa fizesse isso.

Contudo…

— Hmm? Senhorita Bruxa, será que você não é daqui?

Balancei a cabeça e o homem sorriu.

— Coisas assim acontecem todos os dias em nosso país. Mas assistir outras pessoas lutando é uma ótima maneira de aliviar o estresse, então ninguém nunca intervém.

— …

— Temos muita raiva reprimida graças àquele nosso rei idiota, então esta é uma boa maneira de relaxar.

Que coisa estranha de se dizer.

“Relacionamentos de confiança nascerão da luta” – pude ver que havia uma cisão desesperadoramente profunda entre as palavras do rei e as experiências de seus súditos.

— Certo, parem issoooooooo!

Só então, ouvi uma voz tão alta que me fez querer cobrir meus ouvidos.

Quando olhei na direção da voz, ao lado dos dois homens lutando estava uma bruxa solitária, segurando sua varinha – usando magia, ela os forçou a parar um pouco antes de começarem a partir para a agressão física.

A bruxa usava um robe preto adornado com broches de estrela e lua. Ela tinha cabelo preto curto e brilhante e parecia ser um pouco mais jovem do que eu. A bruxa olhou para os dois homens que estavam brigando.

— Chega dessa disputa sem sentido. Estamos em plena luz do dia! Não conseguem perceber que estão incomodando os outros?

Eu reconheci seu rosto, e ela usava um chapéu pontudo familiar.

— E quanto ao resto de vocês! Se estão com tempo para assistir, então separem a briga. Por que alguém como eu deveria intervir quando eles estão cercado por seus próprios compatriotas?

Ela estava absolutamente furiosa, com fumaça saindo de suas orelhas e tudo mais.

— …

Há muito tempo, eu tinha dado um chapéu igual ao meu a uma garota, e agora ela estava bem diante de mim.

— O que está fazendo aqui, Saya…?

Abri caminho pela multidão até ficar cara a cara com ela.

Ela também me notou.

— Ah… Elaina…?

A garota arregalou os olhos de surpresa e abriu a boca. Seu aperto em sua varinha vacilou, e o feitiço que estava parando os dois homens se dissipou.

De repente, libertados das garras de sua magia, os dois recuperaram o ímpeto e deram um soco bem no rosto um do outro. Ambos caíram.

— Ah, foi mal.

Foi um pedido de desculpas muito, muito superficial.

— Nunca pensei que iria te encontrar em um lugar como este, Elaina! Será que é o destino? É o destino, não é? Neste ponto, não temos escolha a não ser nos casar!

Depois que os dois homens desmaiaram e os deixamos à mercê da multidão, passeamos pela cidade e conversamos pela primeira vez em muito tempo.

— Realmente já faz um tempo, não é? Como tem passado? — Fingi não ter ouvido a última coisa que ela disse.

— Graças a este chapéu, estou extremamente bem! Eu consegui. Me tornei uma bruxa.

Saya acariciou o chapéu pontudo suavemente enquanto falava.

O mais importante é que ela parece gostar disso.

— Que nome de bruxa você escolheu?

— Eu sou a Bruxa Carvão.

— Huh… Isso parece bastante com o meu…

Eu sou a Bruxa Cinzenta. É quase a mesma coisa.

— Pedi para a minha professora escolher uma palavra que parecesse com cinzenta.

Ela estufou o peito enquanto falava. Quando o fez, os dois broches em seu peito se chocaram e fizeram um som de toque.

Lá estavam eles: o broche em forma de estrela e o broche em forma de lua.

— Você se juntou à Associação de Magia?

Ela balançou a cabeça.

— Sim. Achei que seria a maneira mais fácil de ganhar dinheiro enquanto viajava.

Quando uma pessoa se juntava à Associação de Magia, recebia um broche em forma de lua e se tornava elegível para receber comissões de qualquer filial da Associação que visitasse. Parecia que Saya conseguia manter uma vida estável dessa forma.

Entendo. Em outras palavras…

— Você está aqui a negócios?

— Isso mesmo. É por isso que eu ficaria muito grata se você me falasse um pouco sobre este lugar. Não sei realmente nada sobre este país.

— Você aceitou uma comissão e entrou no país sem saber nada sobre ele…?

Foi mal. Você é uma idiota?

— Bem, é que, agora, estou com poucos fundos por causa de algumas compras exageradas… Aceitei qualquer comissão que prometia uma recompensa considerável. É por isso que estou aqui.

— … — Soltei um suspiro por causa do descuido e falta de bom senso de Saya. — O que você teria feito se aquela recompensa fosse uma mentira?

— Mas este é o País dos Contadores da Verdade, certo? Eles não deveriam ser capazes de mentir.

— Esse não parece ser o caso.

— Como assim?

— Saya, você tem um pedaço de papel?

— Tenho, mas…

— Me empreste ele, por favor.

— …? — Inclinando a cabeça, confusa, ela pegou uma única folha de papel que tinha no bolso e a estendeu para mim. — Certo, aqui está!

O papel grosso estava coberto por uma escrita organizada e compacta. Pelo visto, ela me entregou o pedido formal que o país fez ao requisitar uma bruxa.

— Deve ser óbvio que não posso rabiscar isso

A propósito, a solicitação que Saya recebeu foi a seguinte:

Cara Associação de Magia,

Eu gostaria de fazer um pedido. Atualmente, devido ao poder concedido ao nosso rei por uma espada mágica, ninguém em nosso país é capaz de mentir. Dizer a verdade não é inerentemente ruim; no entanto, é um tremendo inconveniente para nós, cidadãos. Pode enviar uma representante ao nosso país para nos ajudar a resolver este problema de uma vez por todas? Pagaremos uma recompensa de acordo com os seguintes…

Sentando ao meu lado enquanto eu dava uma olhada longa e firme no formulário de solicitação, Saya inflou as bochechas.

— É bom que a recompensa por essa comissão seja alta, mas não tem o nome ou endereço do cliente ou qualquer outra coisa escrita nisso. Portanto, tenho que começar procurando pelo remetente. Basicamente, não consigo obter nenhuma informação dessa carta. O que estou dizendo é que este papel pode parecer importante, mas a verdade é que não preciso dele. Pode fazer o que quiser com isso. Pode até comer, não me importa.

— Acho que você está me confundindo com uma cabra, Saya.

Enquanto ela se irritava, suspirei e dei outra olhada no papel em minhas mãos.

De alguma forma, tive a sensação de já tê-lo visto em algum lugar antes. O papel grosso parecia com o usado em um caderno, e a bela caligrafia também parecia familiar.

— …

Ah.

— Acho que posso saber quem enviou este pedido.

— Ah! Sério?!

— Você sabe em que país estamos agora? — falei enquanto devolvia o papel grosso em suas mãos.

Fomos até o palácio. Em contraste com o dia anterior, não havia nada que se pudesse chamar de multidão, apenas pessoas entrando e saindo pela praça.

— …

— …

E em algum momento, acabamos encontrando a bruxa que estávamos procurando.

Ela estava correndo em pânico, empurrando seu caderno na direção de várias pessoas que passavam. Nele estava escrito: Há alguém aqui que sabe sobre a bruxa enviada pela Associação de Magia? Ela está usando um broche em forma de lua.

Era um comportamento extremamente suspeito. Ela se destacava como um polegar inchado.

— Ei! Você de novo! Não pode ficar aqui depois de ser banida do palácio, sua bruxa incompetente!

Eek! Eu sinto muito! Eu sinto muito!

Ela foi expulsa por um soldado.

— Aquela esquisita…? — perguntou Saya.

— Aquela esquisita.

Balancei a cabeça para Saya, que parecia em dúvida.

Então perseguimos a bruxa em fuga.

Que experiência terrível…

A bruxa que esteve correndo estava agora encolhida no fundo de um beco, segurando seu caderno. Ela estava chorando.

Coloquei meu rosto para fora do beco para verificar a rua e confirmei que o soldado não estava por perto.

— Olá. Não te vejo desde ontem.

Ela ficou surpresa.

Você é a bruxa de ontem! Como vai?

— Se bem me lembro, você está procurando pela bruxa que foi despachada pela Associação de Magia, certo?

Ah, sim, mas…

— Permita-me lhe apresentar. Esta é a minha amiga, Saya. Aparentemente, ela é que foi enviada pela Associação de Magia.

Coloquei a mão no ombro de Saya e apontei para seu peito com a outra mão enquanto falava.

— Ah, oi! — Saya cumprimentou de um jeito bem casual.

A garota voltou a ficar surpresa.

Esse broche! Então você é a bruxa que estou procurando! Entendo… Sou a Bruxa da Areia Movediça, Eihemia. Fui eu quem enviou o pedido à Associação de Magia.

Saya pegou aquele pedaço de papel grosso.

— Este é o seu pedido?

Concordando várias vezes, Eihemia virou para a próxima página de seu caderno e, depois de mostrar a palavra SIM, virou a página novamente e escreveu: Desculpe. Eu estava com pressa. Acabei esquecendo de escrever meu nome em algum lugar para que pudesse me encontrar. Oops, ela explicou.

Parecia que a garota havia preparado algumas respostas simples com antecedência.

E então…

— Um, você não pode falar?

SIM.

— Por quê?

Da boca sai o mal.

— Pode falar sério, por favor?

Há uma história por trás disso…, escreveu ela. Mas está profundamente ligada ao estado atual do país. Já que você assumiu a comissão, permita-me contar minha história.

— Hmm.

— Ah, espere um minuto, por favor; vou tomar notas.

Balancei a cabeça e Saya preparou papel e caneta. Ela com certeza parecia uma recém-contratada extremamente atenciosa, tentando deixar uma boa impressão em seu primeiro dia de emprego.

E então, depois que Eihemia olhou para nós duas, começou a escrever.

A verdade é que fui eu que fiz a espada do rei.

Por alguma razão, ela parecia um pouco orgulhosa.

Tudo aconteceu há pouco mais de meio ano.

Eihemia, que na época trabalhava no palácio, recebeu um pedido do rei.

“Livre este país dos mentirosos. Eu só quero pessoas honestas ao meu redor.”

Ela tinha ouvido a situação. Aparentemente, o rei acreditava que todos os seus lacaios estavam mentindo para ele. Ele não podia mais suportar essa traição, então decidiu que precisava eliminar todos os mentirosos.

Eihemia respeitava profundamente o rei – e poderia até nutrir um amor não correspondido por ele – então aceitou a tarefa na mesma hora e pensou em maneiras de pôr fim às mentiras.

Então ela teve um lampejo de inspiração.

“É isso! Posso criar uma barreira que impedirá as pessoas de mentirem, desde que estejam dentro de seus limites!”

Mas criar essa barreira exigiria uma tonelada de energia mágica. E então Eihemia sacrificou sua própria voz, fortalecendo muito o feitiço. No entanto, ainda não era suficiente. Sem outra opção, recorreu a colocar até a última gota de sua energia mágica no feitiço.

Como resultado, perdeu toda sua capacidade de usar magia e até sua voz, mas conseguiu fazer a espada.

Poderiam acabar se perguntando porque ela decidiu sacrificar a sua voz. Perguntei sobre isso no meio de sua história, e ela corou e escreveu: Porque eu estava preocupada que, se eu perdesse a habilidade de mentir, poderia acidentalmente confessar meus sentimentos ao rei…

Ela era tão tímida.

Depois, levou a espada pronta para o rei, quase na mesma hora.

“Meu rei. Se você portar esta espada com sua mão dominante, todo o país perderá a capacidade de mentir. Se a soltar e segurar com a mão não dominante, o efeito irá parar. Por favor, aceite.”

Dessa forma, o rei sempre teria que carregar o presente dela. Ela calculou tudo.

“Por que tem que ser a minha mão dominante…?”

“Assim o feitiço fica mais forte.”

Isso era mentira. A verdade era que Eihemia esperava permanecer ao lado do rei, ajudando-o sempre que ele tivesse problemas, porque ele não poderia usar sua mão dominante.

“Hmm… A propósito, por que você não pode falar?” O rei achou isso estranho. Ela revelou tudo sobre a situação para ele, e o rei lamentou: “Você foi tão longe para obedecer às minhas ordens… Se todos fossem tão devotos quanto você, eu não teria que recorrer a esse tipo de ação…

“Suas amáveis palavras são desperdiçadas comigo.”

Então o rei pegou a espada com sua mão dominante e disse: “Mas, uau, o que é essa espada brega? Você com certeza tem mau gosto. Acho que agora vou ter que ficar carregando esse pedaço de lixo por aí, hein?

“Hã…?”

“Oops…”

Aquele dia foi encerrado com um comentário um tanto estranho, após o rei acidentalmente falar o que pensava de verdade.

No dia seguinte, o rei usou a espada para levar uma reforma abrangente a todo o país. Primeiro, baniu retentores que se recusaram a seguir suas ordens. Em seguida, usou o poder militar contra os cidadãos que reclamaram de serem incapazes de mentir.

Assim, o País dos Contadores da Verdade – ou melhor, o País dos Leais Reféns – foi fundado.

E, agora, as únicas pessoas restantes eram aquelas que concordavam com o rei, não importa o quê.

A propósito, depois de perder sua magia, Eihemia foi considerada incompetente e expulsa do palácio.

Sem os meus poderes mágicos eu não tinha nenhum valor para ele…, escreveu ela, terminando sua história.

Eu nunca tinha ouvido nada tão absurdo.

— Claro que sua magia era tudo com que ele se importava. Você foi empregada como uma bruxa.

Achei que ainda seria capaz de ficar ao lado dele, mesmo depois de perder minha magia.

Indiferente ao sofrimento de Eihemia, Saya acrescentou:

— Mas saber que você é a razão de alguém desistir de sua voz e usar toda a sua magia apenas para seguir suas ordens é uma grande bagagem emocional, não é? Você não considerou que o rei poderia se sentir desconfortável?

Essas são as palavras escolhidas por alguém que falou de destino e casamento na mesma hora em que nos reencontramos!

Ignorando minha exasperação, Saya olhou para o formulário de solicitação.

— O pedido que você fez foi para que eu devolvesse este país ao normal, certo, Eihemia? Qual é a melhor maneira de fazer isso?

Tire a espada das mãos do rei.

— Entendo. — Saya acenou com a cabeça.

— O que aconteceria se destruíssemos a espada? — perguntei.

A energia mágica que eu derramei na espada se dissiparia, e minha voz e meus poderes seriam restaurados.

— Oh-ho.

— Nesse caso, a maneira mais fácil seria destruir a espada enquanto o rei está fazendo um discurso como o de ontem, certo?

O próximo discurso será daqui um mês.

— Elaina, nós duas poderíamos dividir um quarto até o próximo mês…

— Vamos bolar outro plano, certo?

Para roubar a espada do rei, você não pode ser pega ao entrar no palácio.

— Mas não será difícil entrar se não pudermos mentir…? Se alguém nos perguntar o que estamos fazendo lá, nosso disfarce será descoberto — argumentou Saya.

Verdade.

— Mas este é o País dos Contadores da Verdade, certo? Portanto, deve ser impossível mentir por aí. — Eu continuei: — Mas se usarmos aquela coisa que a Eihemia está segurando, podemos fazer funcionar de alguma forma. A magia daqui evita mentiras, mas há mais de uma maneira de enganar uma pessoa.

Mesmo que não pudéssemos mentir em voz alta, poderíamos continuar escrevendo.

Eihemia acenou com a cabeça e ergueu seu caderno com a palavra SIM escrita nele. Ela pareceu perceber a brecha em seu feitiço – o fato que estabelecera um acordo tácito entre todos os cidadãos. Eihemia podia até mesmo ter feito isso de propósito.

— …? Do que você está falando, Elaina?

Deixe-me explicar.

Peguei o caderno de Eihemia emprestado.

— Preparada? Podemos fazer coisas assim…

E então escrevi nossa estratégia para ela.

— …

Antes que eu percebesse, estava ajudando na operação de Saya, mas na verdade não queria me envolver com isso. Afinal, em um país onde não se pode mentir, seria impossível esconder o constrangimento.

— Perdão. Qual é o seu negócio aqui? Você não pode ir mais longe sem a autorização prévia do rei. — Como esperávamos, um guarda nos parou na entrada do palácio. Ele então notou que Eihemia estava conosco. — Ah! Você! O que você está fazendo aqui?! Você foi banida!

Eek! Eu sinto muito! Desculpe!

— Ei, você. — Agarrei Eihemia – que tinha dado meia volta e se preparado para fugir – pela nuca e empurrei Saya para frente com um tapa nas costas. — Saya, se apresse e explique a situação, por favor.

Em pé diante do guarda, Saya segurou uma única folha de papel firmemente.

— Ahem. Senhor Guarda, você entende o que está neste pedaço de papel?

Naquele papel ligeiramente sujo estava o seguinte:

Eu revogo o banimento da Bruxa da Areia Movediça, Eihemia. Concedo permissão para ela, junto com a Bruxa Cinzenta, Elaina, e a Bruxa Carvão, Saya, entrar no castelo.

Estava escrito de forma bastante clara e até incluía a assinatura do rei.

— Diz que seu banimento foi revogado…? Isso é suspeito. É verdade?

Jogando duro, hein?

— O que você está dizendo? Este não é o País dos Contadores da Verdade? Não poderia ser mentira, certo? Ou você está dizendo que o rei está mentindo para nós?

— Hmm, essa é uma boa observação…

— Bem, afaste-se, por favor.

— … — O guarda, a contragosto, deu um passo para o lado, permitindo-nos passar corajosamente pelo portão.

Que bela carta de araque.

Neste país, ninguém poderia mentir. Verbalmente. Entretanto, quando escrito, a situação era outra. Letras eram diferentes de palavras, pois podiam ser apagadas. Se alguém fosse apagar uma carta depois de escrevê-la inteira, poderia facilmente criar uma mentira.

Como as revisões não funcionavam para palavras inteiras, era impossível escrever uma mentira, não importa o que fosse tentado. Mas se apenas as letras fossem editadas… Bem, existiam várias maneiras de fazer isso.

No dia anterior, quando estava testando os limites do feitiço em meu quarto de hotel, percebi esse fato. As placas irregulares em todo o país pareciam ter sido feitas da mesma maneira. Entendi por que havia alugado um quarto sujo em um lugar que anunciava sua limpeza. As pessoas deste país perceberam que poderiam mentir por escrito e ficaram caladas a respeito disso.

— Yay! Correu tudo muito bem, não foi? Exatamente como eu esperava de uma das ideias de Elaina.

— Obrigada por dizer isso.

Enquanto caminhávamos pelo castelo, Saya olhou para a carta que eu havia falsificado. A propósito, copiei a assinatura do rei. Depois de escrever corretamente que Esta é uma imitação da assinatura do rei, apaguei tudo, exceto seu nome, completando a falsificação.

Sem dúvidas quanto a isso! Uma caneta é mais poderosa do que uma espada!

Havia alguém ao meu lado escrevendo coisas estranhas e com uma expressão triunfante, mas eu fingi não ver.

— E, Eihemia? Para onde devemos ir a partir daqui? — perguntou Saya.

Provavelmente à sala do trono? O rei está sempre lá, matando tempo.

— Oh-ho. Então, onde fica a sala do trono?

Muito longe daqui.

— Pode deixar. Tudo bem, vocês duas, sigam-me, por favor! Eu as protejo.

— Você está muito entusiasmada, Saya.

Bem, de qualquer forma, eu não posso lutar, então vou me esconder aqui atrás.

— Tudo bem, deixe comigo. Com minhas mãos capazes, só precisaremos de um segundo para tomar a espada do rei.

De onde vem toda essa confiança?

— Você tem algum tipo de plano?

— Primeiro, vou entrar direto pela porta da frente. Então, eu só tenho que dizer: “Olá, sou uma bruxa da Associação de Magia e agora estamos conduzindo uma pesquisa sobre artefatos mágicos. Se não se importar, por favor, pode me deixar ver esta espada incrível?” E então o rei deve entregá-la, certo? Quero dizer, é um plano perfeito, hee-he-hee!

— Está obviamente repleto de falhas.

Ele de forma alguma iria se separar da espada por um motivo tão estúpido!

Temos duas bruxas, então uma pode distrair o rei enquanto a outra rouba a espada. Esse seria um método mais confiável, eu acho. Bem, poderíamos fazer isso mesmo sem uma de nós.

De qualquer forma, é melhor fazermos algum contato antes de confrontar o rei, pensei enquanto avançávamos pelo palácio.

— Que barulho todo é esse?

O rei surgiu por uma porta bem à nossa frente.

Mas por quê? Não era para estar longe? Me virei com um ponto de interrogação virtual pairando sobre minha cabeça.

Perdão. A sala do trono fica aqui. Na verdade é bem perto.

Eihemia havia escrito essas palavras.

Foi um pedido de desculpas muito, muito superficial. Em todos os sentidos.

— Não há como contornar isso, agora que fomos descobertas. Alteza, por favor, solte essa espada agora.

Percebi que seria impossível prosseguir com segurança, então rapidamente puxei minha varinha, apontei-a para o rei e dei um passo à frente, empurrando-o de volta para a sala do trono.

No entanto, ao recuar, o rei gritou “Intrusaaaaaaaaaaaaas!” e convocou seus guardas.

Uma enorme multidão de soldados surgiu trovejando pelo corredor, gritando coisas como:

— O que aconteceu?

— Aquela era a voz do rei!

— Algum problema?

Eles passaram pelas portas abertas e, em um instante, nossa rota de fuga foi perdida.

Uhum.

— Saya. Eu cuido do rei. Faça algo em relação aos soldados, por favor.

— Deixa comigo! — Saya preparou sua varinha.

Quanto a Eihemia, ela se encolheu ao meu lado e ergueu as palavras: Sou uma não combatente.

Ela não estava disposta a participar.

Bem, acho que isso é melhor do que atrapalhar.

— Vossa Alteza. Entregue-me a espada, por favor. — Lenta e firmemente, diminuí a distância com o rei.

— Eh, cale a boca! Fica quieta! Eihemia… o que diabos você está fazendo?!

Meu rei. Essa espada é perigosa. Eu sei disso. Eu que fiz. Eihemia estava segurando seu caderno atrás de mim.  Então, por favor, entregue.

— O que você está dizendo?! Esta espada é a melhor arma que tenho para liderar este país. Enquanto eu tiver isso, posso guiar o país na direção certa.

E então o rei disse:

— Mesmo se vilões vierem atrás da minha espada, eu posso lidar com eles pessoalmente… Assim! — Ele balançou a espada em um golpe horizontal.

Uma explosão de energia mágica brilhou da lâmina. A luz branco-azulada formou uma lua crescente e voou em nossa direção com a força de seu golpe.

— Oof. — Me esquivei sem qualquer problema.

Mas acabou acertando Saya.

— Owwwwwwwwwwww!

O som de seus gritos encheu o corredor.

— Ah, foi mal.

— Wahhh… Que horrível…

Com certeza seria bom se já soubéssemos que a espada podia liberar magia…

Cuidado. Essa espada pode liberar energia mágica acumulada quando ele a balança. E se acertar vai doer muito.

Porque você só está me dizendo isso agora?

— Tch… Então meus métodos comuns não funcionam contra bruxas… Nesse caso, que tal isso?! Tome essa!

O rei balançou a espada várias vezes, disparando um monte de rajadas de energia mágica. Impedi todos os ataques para que não acertassem Saya.

Atrás de mim, pude ouvir sinais de que Saya estava resistindo, com seus gritos meio desesperados de “Hyah!” e “Maldito seja!”

— Alteza, você acha que este país melhorou desde que você proibiu as mentiras?

— Claro! Todos os cidadãos do meu país estão felizes, não estão?

— Não é porque as únicas pessoas que sobraram são as que admiram seu país, enquanto as outras foram todas expulsas?

— Dá na mesma. Tínhamos que eliminar quaisquer rebeldes ou traidores.

— Isso é verdade… nesse ponto, nós concordamos. Mas existe a possibilidade de que nem todo mundo realmente admire o que você está fazendo.

— O que você disse…?

Enquanto o rei franzia a testa, pensei em todos os sinais que tinha visto neste país – e nos homens que brigaram na rua.

— Mas este é o País dos Contadores da Verdade, certo? Aqui, muitas pessoas admitem abertamente seus sentimentos e falam suas verdadeiras opiniões, para o bem ou para o mal. No entanto, há uma desvantagem em toda essa honestidade.

“Se você se esforça para dizer algo que não precisa ser dito, provavelmente não é apenas porque deseja que a outra pessoa melhore seus modos. Na maioria das vezes, é o estresse e a frustração assumindo o controle. Acontece a mesma coisa quando você escreve algo que realmente não precisa ser escrito. Sem mencionar o fato de que alguma outra pessoa pode vir e fazer acréscimos prejudiciais ao que você escreveu. Seus cidadãos podem ovacionar seus discursos, mas ficam calados o resto do tempo para esconder seus verdadeiros sentimentos. Acontece que a honestidade nem sempre é a melhor política. Então, neste país onde as mentiras…”

— Elaina! Desculpe interromper, mas estamos sem tempo! São muitos inimigos! Não posso lidar com todos eles! Parece que meu cérebro está fervendo! Nãããão!

Dê o seu melhor, Senhorita bruxa da Associação de Magia.

— Socorrooooooo!

Sinto muito. Sou apenas uma observadora.

— Parece que estamos sem tempo, então vamos acabar com isso, certo?

Mas o rei apenas bufou diante da minha proposta.

— Acabar com isso? Sua tola. Está usando tudo que você tem apenas para se defender contra meus ataques!

— Não, sinto muito… Já terminei meus preparativos para pegar sua espada há muito tempo.

— Hmph. Você está blefando.

— Olhe para trás e me diga se você ainda pensa assim.

— O quê…?

Sem baixar a guarda, o rei espiou por trás das costas e hesitou.

Atrás dele estava a minha vassoura, flutuando.

— O qu…? Quando foi que isso…?

Ignorando o rei, chamei a vassoura. Em toda sua velocidade.

Whoosh! A vassoura atacou o rei pelas costas. Deixando um gemido baixo escapar, ele disparou em minha direção.

Naquele momento, a espada mágica caiu de suas mãos.

— Hyah.

Conjurei um pedaço de ferro sólido e o disparei em direção da espada caída. Boom! Com um baque pesado, o ferro quebrou a espada em duas partes quando bateu no chão.

Com um estalo agradável, a energia mágica saiu da espada de uma só vez, e a luz branco-azulada voltou para Eihemia. As gotas cintilantes de energia mágica pareciam estrelas no céu noturno.

Por um momento fiquei até mesmo maravilhada com o belo espetáculo.

— Pessoas com más intenções podem fazer más ações mesmo sem mentir, e não há garantia de que todas as pessoas que ficaram neste país sejam boas.

— …

— Além disso, nem todas as mentiras são ruins.

Se a espada fosse a verdade, então as mentiras seriam a bainha. Para impedir que se voltasse indiscriminadamente para ferir as pessoas, as mentiras mantinham a verdade sob controle. Essa era uma forma de se pensar a respeito disso.

— …

O rei lentamente caiu de joelhos. Ele olhou imóvel para o chão, perdido em pensamentos ou simplesmente chateado. E então, após longos segundos se passarem…

— Então, o que você está dizendo…?! Que eu… Estava errado…? — murmurou ele para alguém.

— Não, você não estava errado.

Respondendo ao rei estava uma voz que eu nunca tinha ouvido, mas na mesma hora soube quem estava falando.

Era Eihemia. Ela havia recuperado a voz.

— Meu rei… você é simplesmente honesto demais em relação aos seus próprios sentimentos. De agora em diante, que tal você respirar fundo e usar todos os truques possíveis, incluindo mentir… e conter a língua quando algo não precisa ser dito? — falou Eihemia, sorrindo gentilmente.

Não consegui descobrir se ela estava falando a verdade ou mentindo pelo bem do rei.

Não era mais possível dizer o que era o quê.

E foi isto que aconteceu depois:

O rei apareceu diante de seu povo e se desculpou pelo período de seis meses em que proibiu todas as mentiras. Disse, com toda sinceridade, que sentia muito por tudo o que havia feito e implorou pelo perdão de todos.

Quanto à forma como os cidadãos reagiram, ficaram surpreendentemente indiferentes. Não se revoltaram nem nada do tipo – sequer zombaram do rei. Simplesmente aceitaram o pedido de desculpas sem qualquer reação, e quando ele terminou de falar, um punhado de aplausos soou da multidão reunida em frente ao palácio.

Estava claro que o rei ainda não havia reconquistado sua confiança.

Eihemia, que havia recuperado sua voz e capacidade de usar magia, foi reintegrada como a bruxa oficial do palácio.

— Vou estar ocupada de agora em diante! — disse ela com bastante entusiasmo. Seus olhos brilharam quando ficou ao lado de seu rei, que estava ansioso para pôr fim a todo o caso.

Parecia que demoraria algum tempo até que o país voltasse ao normal – antes que as várias tarefas do rei fossem concluídas.

— Elaina, gostaria de falar com você sobre o pagamento por este trabalho. — Saya agarrou minha manga quando passamos pelo portão e deixamos o país.

— O que é?

— Eu tive sua ajuda com este trabalho, não tive? Então eu estava pensando… Provavelmente deveria te pagar.

— Eh, tudo bem. Na verdade, não preciso de qualquer pagamento.

— Você não pode dizer isso. — Saya franziu a testa. — De acordo com as regras, devo dividir minha recompensa com quaisquer magos que me ajudarem. Tenho que retribuir de alguma forma.

— Se você sempre seguir todas as regras, então nunca aprenderá a agir diferente do esperado.

Além disso, não é como se eu tivesse feito isso por dinheiro. Mas não vou falar isso.

— Mas, por favor, deixe-me fazer algo para lhe agradecer!

— Não, já está bom…

Ela estava me implorando para deixá-la mostrar seu apreço, mas eu continuei me esquivando.

Isso parecia estranho.

— Então, que tal isso? Vou te dar uma coisa legal, como agradecimento por me dar este chapéu maravilhoso!

Ela bateu palmas, vasculhou a bolsa que segurava e pegou algo pequeno.

Em sua mão havia dois colares.

Ficou com um e estendeu o outro para mim.

— O que é isso…? — perguntei enquanto pegava.

Saya bufou.

— Humhum. O que é isso, você pergunta? Isso é algo que comprei com todo o dinheiro que tinha em mãos, para quando a encontrasse de novo, Elaina. Na verdade, fiquei sem dinheiro porque gastei tudo com isso. Então, aceitei este pedido e pude te encontrar aqui. Só pode ser o destino!

— Nossa, isso já é demais.

Achei que era pesado o suficiente para rivalizar com a história de fundo de Eihemia. Parecia provável que ela tivesse me convencido a deixá-la me dar um sinal de seu agradecimento apenas para que pudesse me presentear com este colar. Esta garota malandra.

— Guarde esse colar como se fosse meu coração.

— …

Eu realmente não quero algo assim…

E se eu pensar em você toda vez que olhar para o seu presente? E se isso me fizer sentir sua falta?

Seria um péssimo hábito para uma viajante desenvolver.

— …

Depois de olhar para o colar em silêncio e para Saya por vários segundos, finalmente falei:

— Muito obrigada. Tomarei conta disso.

Bem, tanto faz.

Acho que não faz mal seguir o fluxo de vez em quando.

— Bem, então é aqui que nos separamos… estou indo para a filial da Associação de Magia, e suponho que você estará voltando para suas viagens, não é, Elaina?

— Sim — falei enquanto colocava o colar. — Este é nosso adeus, Saya.

— Vamos nos encontrar novamente algum dia, em algum lugar…

— Se nos encontrarmos, então nos encontraremos. Se não, então não.

— Não vou deixar acabar assim. — Ela estendeu o dedo mindinho e o empurrou na minha direção.

— O que você está fazendo…?

— Este é um sinal de boa sorte para promessas, lá da minha cidade natal! Prenda seu dedo mindinho ao meu, por favor.

— …

Como diabos prender nossos dedos mindinhos juntos poderia nos trazer boa sorte?

Prendi meu dedinho ao dela.

— Elaina. Eu prometo. Definitivamente vou me reencontrar com você algum dia. E então, terei me tornado uma bruxa ainda mais impressionante — disse Saya, sorrindo.

Então eu respondi:

— Vou continuar viajando enquanto espero pacientemente por isso.

 


 

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