Era um dia frio de inverno.
Havia todo tipo de gente vagando pela estrada nevada. Dentre essas pessoas estava uma garota usando um capuz esfarrapado, com os olhos abatidos.
— Está tão frio…
Seu nome era Elise. Ela era uma garota bonita com longos cabelos dourados e pele branca como a neve.
Ela tinha doze anos de idade.
Ainda uma criança.
— …
A garota caminhou um pouco mais antes de chegar a uma padaria.
Apenas duas pessoas estavam na loja: um homem de idade – o dono do lugar – que estava lendo um jornal, e uma jovem bruxa, que olhava para o pão colocado nas prateleiras com um sorriso feliz.
— Senhor, quero ficar com este, por favor.
Com isso, o homem deu uma olhada, dobrando o jornal, depois olhou para Elise com uma expressão preocupada.
— Voltou, hein…? Desculpe, mas não posso te vender qualquer pão. Ande logo e vá para casa.
— Por quê? Eu tenho dinheiro. Venda isso para mim. Quero dar algo bom para a minha irmãzinha comer. — Ela deixou o que tinha cair sobre o balcão.
— Vamos lá, não posso aceitar o dinheiro que você roubou sabe-se lá de onde. — O proprietário colocou a palma da mão no topo da pilha de moedas e a empurrou de volta para ela.
— Me venda o pão…
— Cê não desiste. Já falei, não vendo pra monstros.
— …
A garota se virou e saiu da loja sem comprar nada.
— …?
A jovem bruxa observou a conversa enquanto ficava consideravelmente confusa.
Pouco depois de ser rejeitada na padaria, Elise chegou a uma pequena barraca de rua.
— …
Era uma barraca de autoatendimento. Não havia lojista, apenas uma caixa para depositar dinheiro. Nela estava escrito: UMA MAÇÃ POR UMA PEÇA DE COBRE. DEIXE O PAGAMENTO NA CAIXA.
Como nenhuma loja vendia comida para ela, a garota recentemente não tinha comido nada além dessas maçãs.
Gostaria de às vezes dar algo além de maçãs para minha irmã comer.
Enquanto pensava nisso, Elise colocou as maçãs em sua bolsa e depositou o dinheiro das compras na caixa.
Entretanto.
— Ei, você. O que está fazendo?
Uma voz soou e alguém agarrou sua mão. Ela olhou surpresa e viu um homem fazendo uma cara assustadora.
— Esta caixa foi montada para o uso de humanos. Não fiz isso para vender para gente como você… devolva essas maçãs.
— Mas eu paguei…
— Não me importa. Não preciso do seu dinheiro.
— …
— Vamos, devolva, Monstro.
Então, o aperto em sua mão ficou mais forte.
Nesse ritmo, vamos perder nossa última fonte de alimento. Não vamos sobreviver ao inverno. Minha irmã provavelmente morrerá… Com pensamentos selvagens correndo em sua mente, Elise entrou em pânico.
Chomp.
Ela mordeu a mão do homem com toda a força que conseguiu.
— Ai! O que diabos você está fazendo, sua pirralha?!
O homem se encolheu por um momento, e Elise se desvencilhou de suas mãos e disparou para longe, ainda segurando as maçãs.
Ela continuou correndo, observando os arredores com cuidado, até que finalmente chegou em casa.
Mais da metade do telhado havia desabado – após um incêndio – e a parte que ainda tinha um pouco de telha não tinha um piso adequado. Havia buracos nas paredes, que eram praticamente finas feito papel e não ofereciam proteção contra vento, chuva e neve.
Era isso que ela chamava de casa.
— …
Na frente da casa, havia um pequeno pacote, que cabia perfeitamente em suas duas mãos. De manhã, ao meio-dia e à noite, sempre havia um pequeno pacote deixado na frente de sua casa.
Mas, talvez, apenas talvez, houvesse algo diferente dentro dele desta vez. Com um pouco de esperança, a garota se agachou, aproximando as mãos do pacote.
E então o abriu.
— Ugh! Nojento!
Elise o jogou de lado na mesma hora. O pacote voou pelo ar antes de bater na parede de uma casa próxima. Os cadáveres de ratos e todos os tipos de insetos caíram do embrulho e se espalharam pela neve.
Suas carcaças cor de lama lentamente afundaram naquele branco macio.
— Ah, não… E tivemos todo o trabalho para preparar isso.
— Mas que desperdício.
— Que horror.
Vários vizinhos ficaram olhando para ela, trocando palavras.
Depois de olhar para aquelas pessoas, Elise desapareceu dentro de sua casa.
— Bem-vinda de volta, irmãzona!
E ela ouviu uma voz de algum lugar da casa. Elise deu um passo mais para dentro e viu uma garota sorridente envolta em uma colcha de retalhos.
Elas eram uma a cara da outra, com cabelos dourados e pele branca.
Era a irmã de Elise, dois anos mais nova.
Seu nome era Mirina.
— Estou em casa, Mirina… Aqui, trouxe algo para você.
Depois que Elise se aninhou perto de sua irmãzinha e se enrolou no cobertor com ela, puxou uma maçã verde fresca de sua bolsa e entregou a Mirina.
— Uau, incrível! Como você conseguiu isso?
— Comprei isso para você só porque quero que melhore logo. Coma tudo, viu?
— Eu vou! Obrigada!
Observando Mirina sorrir enquanto mordia a maçã, a expressão de Elise se suavizou um pouco.
— Como está se sentindo?
— Agora que estou comendo uma maçã, fiquei muito melhor!
— Eh? Fico feliz. — Lembrando-se do incidente em frente à barraca da rua, ela sentiu uma pontada no coração. — Mas eu realmente sinto muito por tudo…
— Por que está pedindo desculpas?
— Você não se cansa de comer a mesma coisa o tempo todo?
— Hmm…? Mas eu amo maçãs! Fico feliz só de comer elas todos os dias!
— Entendi…
Isso é bom… Elise colocou a mão na bolsa e pegou sua própria maçã.
Quando todas as maçãs acabassem, desta vez, com certeza, não teriam nada para comer. Seu fio de vida fora rompido.
Elise puxou o capuz enquanto mordia a maçã, pensando no futuro sombrio à frente. Na segurança de casa, não havia necessidade de esconder o que estava saindo de sua cabeça.
— Uff…
Aparecendo por baixo do capuz apertado estavam dois chifres enrolados de ovelha.
Era uma garota do povo fera; ela possuía uma forma humana com um toque selvagem.
Infelizmente, só tinha conseguido maçãs suficientes para um dia. Na manhã seguinte, estaria sem comida. Elise se livrou lentamente do cobertor, para não acordar Mirina, e se dirigiu à rua principal da cidade – em direção à barraca com as maçãs.
Depois de verificar se o proprietário não estava por perto, pegou várias maçãs e as colocou em sua bolsa.
Então, depois que sua bolsa ficou cheia, tirou dinheiro do bolso e estava prestes a colocá-lo na caixa…
— Não, está tudo bem… Não preciso colocar nenhum dinheiro.
Mas ela não fez isso…
Não importa se eu pagar ou não. Isso significa que posso roubar o quanto quiser. Isso não é algo ruim para se fazer. Não sou uma pessoa ruim.
Repetindo desculpas para si mesma, a garota se virou para se afastar da banca.
E então aconteceu.
Uma mão pousou sobre o ombro de Elise.
Quando ela olhou, surpresa, lá estava uma bruxa.
— Você não deve fazer isso. Você tem que pagar pelo que pegar.
Era a jovem bruxa que ela vira na padaria no dia anterior.
Jogando várias peças de prata na caixa, ela disse:
— Por que não conversamos um pouco?
Seu cabelo cinzento estava solto e ela sorria gentilmente enquanto falava.
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Eu estava viajando despreocupadamente pelo mundo quando fui convocada por um oficial do governo, logo depois de fazer algumas compras na padaria, no meu primeiro dia no país.
De vez em quando, requisitavam meus serviços como bruxa para resolver alguns problemas.
— Por favor, sente-se ali, Lady Elaina.
Fui conduzida à sala de espera, onde me sentei em um dos sofás, um de frente para o outro, com uma mesinha de centro, fazendo uma reverência antes de me sentar.
— Então qual é o problema? Ah, quer um pouco de pão?
— Não, obrigado.
— Sério…? Se importa se eu comer enquanto escuto?
— Vá em frente…
— Obrigada.
Da minha bolsa, peguei um pedaço do pão que acabara de comprar na padaria e coloquei na boca.
O oficial do governo suspirou e começou sua explicação.
— Atualmente nosso país está com um pequeno problema… Gostaríamos de pedir que você resolva isso para nós, Madame Bruxa.
— Uhum.
Om-nom.
— …
Usando uma expressão duvidosa, o oficial continuou:
— Nosso pedido neste momento envolve esta pessoa do povo fera. — Ele me entregou um desenho.
Retratava uma humana com uma forma estranha… ou o que parecia ser uma humana. A característica mais marcante era o par de chifres crescendo na cabeça da garota. Eram curvados e tortos, como os de uma ovelha.
— O ponto é, essas criaturas estão atualmente vivendo em nosso país, mas há um problema… Para ser mais claro, uma distância se formou entre elas e nossos cidadãos. Por isso, queremos que deixem o país o quanto antes.
E então ele me contou toda a história por trás do pedido.
Me contou sobre o país cruel, seu povo e a garotinha miserável.
— …
Me pergunto que tipo de expressão eu estava fazendo após ouvir toda a história.
Tenho certeza de que não era uma cara muito bonita.
Devia estar toda desdenhosa. Devia demonstrar raiva.
— Você está me dizendo que esse é o motivo para banir uma criança desta cidade…? — perguntei.
Ele cerrou os punhos diante da minha declaração e balançou a cabeça lentamente.
— Pessoalmente, não posso deixar de sentir pena dela… Porém, agora que a situação piorou, não há outro jeito. — Ele continuou, com uma expressão muito sombria e de partir o coração: — Por favor. Não existe alguma maneira de salvá-la…?
Não conseguia me decidir se aceitaria o pedido com base apenas na história do oficial. É por isso que decidi passar um dia inteiro examinando o estado das coisas por mim mesma.
Fui até o local marcado no mapa que o oficial do governo me deu, o lugar onde a garota estava atualmente morando – e encontrei uma casa em ruínas, com mais da metade da construção desabada.
— Minha nossa…
Encontrei as garotas morando lá dentro e fiquei bastante surpresa.
Uma era a que eu tinha visto na padaria no dia anterior.
— …
E então decidi aceitar o pedido do governo.
Naquele dia, não conheci a garota pessoalmente. Primeiro, fiz algumas investigações. Saí por aí perguntando sobre as garotas do povo fera, entrevistando o dono da padaria, os donos das lojas na rua principal da cidade, transeuntes aleatórios e pessoas da vizinhança.
Cada um deles me disse mais ou menos a mesma coisa.
Na manhã seguinte, montei uma vigilância ao lado da casa em ruínas e observei a garota sair. Ela estava indo para uma das barracas. Parecia ser uma barraca de autoatendimento com uma caixa preparada para depositar dinheiro.
E lá, ela fez uma coisa ruim.
Então eu, na mesma hora, decidi intervir para impedi-la.
— Você não deve fazer isso. Você tem que pagar pelo que pegar — falei enquanto colocava a mão em seu ombro.
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A levei comigo até um restaurante de esquina. Estava quase vazio por ainda ser bem cedo.
Depois de nos sentarmos perto da janela, nos viramos uma de frente para a outra.
— …
— Ah, não se preocupe — falei para a garota. — Fica por minha conta.
Mesmo quando eu disse que ela não precisava pagar pelos pratos de dar água na boca alinhados sobre a mesa, sua expressão continuou tão sombria quanto sempre.
Me pergunto se ela está nervosa. Provavelmente está incomodada com a atenção negativa que está recebendo das outras pessoas daqui.
— Qual é o seu nome?
— Elise…
— Elise, não é? Meu nome é Elaina. Sou uma bruxa viajante.
— …
— Então, exatamente o que você estava fazendo?
A garota se encolheu e puxou o capuz mais para baixo para cobrir o rosto.
— Um, por favor, não conte a ninguém sobre aquilo…
— Não perguntei para te ameaçar. Só estou curiosa. Acho que anteontem nos encontramos na padaria, não foi? Naquela hora você também estava agindo de um jeito meio estranho, então fiquei curiosa sobre você.
— …
— E então, se não se importar, poderia me contar sobre você?
Fiz minha pergunta e Elise finalmente começou a falar.
— Se eu te contar sobre mim, tenho certeza de que não gostará do que vai ouvir…
— Porque você tem chifres crescendo na sua cabeça?
— Como você…?
— Digo, eu pude vê-los sob seu capuz o tempo todo. São chifres bonitos, encaracolados como os de uma ovelha.
Elise olhou rapidamente pela janela. Chifres marrons apareciam sob seu capuz, e foram refletidos pelo vidro.
— Sou uma viajante. Já vi todo tipo de pessoa e não tenho preconceitos. Realmente não te acho desagradável.
Na verdade, acho chifres muito fofos. Eu disse algo nesse sentido, e ela finalmente se virou para me encarar.
E então começou a falar, um pouco de cada vez, como se resignada a isso.
— Um, por favor, não diga isso a ninguém, mas…
Em seguida, ela me contou a sua história.
No passado, Elise viveu uma vida tranquila com sua família em uma montanha remota.
Seu pai e sua mãe caçavam os animais da montanha com arcos e flechas e, junto com sua irmãzinha doente, Elise preparava a caça que conseguiam. Ela e sua família passaram seus dias em paz.
Então, há cerca de um mês, algo aconteceu.
“Vamos ensinar você a atirar com um arco quando chegarmos em casa”, disseram sua mãe e seu pai, e depois saíram juntos para caçar, como sempre.
Enquanto Elise esperava com a irmã mais nova pelo retorno deles, ficou inquieta, pensando em como finalmente estava prestes a atingir a maioridade.
Mas, embora as duas garotas esperassem e esperassem, seus pais não voltaram. Será que estavam passando por dificuldades na caça? Horas se passaram, mas seus pais nunca mais voltaram.
No dia seguinte, estranhos apareceram em uma grande carruagem e fizeram uma visita à sua casa. Uma pessoa se apresentou como oficial do governo de um país próximo. Havia três mercadores com ele.
Os adultos que surgiram repentinamente do lado de fora da casa tiraram dois sacos enormes da carruagem e contaram às garotas a triste verdade.
Os pais de Elise caíram de um penhasco enquanto caçavam e morreram. Os mercadores encontraram seus corpos enquanto atravessavam a montanha. Ao contar isso, o oficial abriu os sacos para mostrar às garotas os restos mortais de seus pais.
E elas choraram. Se agarraram aos corpos e gritaram a plenos pulmões. Mas os corpos de seus pais há muito esfriaram.
O oficial do governo fez uma proposta para as garotas, agora que não tinham pais para apoiá-las.
“Não tem como deixar vocês aqui sozinhas. Gostaria de ficar com a custódia de vocês em nosso país.”
Depois de mandar os mercadores que encontraram os cadáveres fazerem lápides para os pais, o oficial pegou as garotas pelas mãos. Sem um momento para enfrentar a realidade, as duas foram levadas para um lugar novo e estranho.
Quando chegaram a este país, uma casa foi fornecida para morarem.
“De agora em diante, vou deixar comida na frente da sua casa todos os dias; então comam, certo? Além disso, aqui está o dinheiro para viverem.”
Ele colocou comida e dinheiro suficiente para as despesas diárias nas mãos de Elise. “Também vou te trazer dinheiro em intervalos regulares. Pode usar como quiser. Não me importo com isso. Se você perder, por favor, me avise na mesma hora.”
E também disse: “Até que seus corações estejam novamente em paz, nosso país cuidará de vocês.”
O país aceitou as duas garotas.
— Mas as pessoas que moram aqui não foram tão acolhedoras…
Após uma breve pausa, Elise disse:
— Logo depois que foi decidido que viveríamos neste país, a casa que nos forneceram foi incendiada.
— …
Lembrei-me do lugar onde ela estava atualmente morando. Era uma casca queimada, com mais da metade transformada em entulho.
— E depois que nossa casa foi incendiada, o assédio continuou, é claro. Somos tratadas como monstros por todos que encontramos, não temos permissão para comprar nada, embora tenhamos dinheiro, e a comida e os fundos que o oficial traz não servem para nada.
— …
— Então, até anteontem, estávamos vivendo de maçãs da barraca de autoatendimento, mas…
Isso também já era.
Entendo.
— Entendo a situação… Você poderia dizer que está em perigo legítimo e provavelmente morrerá de fome se as coisas continuarem como estão; correto?
— Sim… Bem, algo assim, eu acho.
— Entendo, entendo. Acho que entendi a situação. — Balancei a cabeça várias vezes. — A propósito, tenho um favor a pedir. Tudo bem?
— O que é?
— Se você ouvir o meu pedido, pode comer toda essa comida. Pode até mesmo levar as sobras para casa.
— Pensei que você disse que isso era de graça…
— Ah, vamos esquecer que eu disse aquilo.
— …
— E então?
— Qual é o seu pedido…? — Ela olhou para mim, cheia de cautela.
Após uma pausa dramática, olhei de volta para ela e fiz um pedido simples:
— Por favor, permita-me ajudá-la.
Elise continuou olhando para mim, mas, desta vez, estava confusa, talvez porque não estava esperando por isso.
Enquanto esperava por sua resposta, peguei meus talheres. Nós conversamos por tanto tempo que toda a comida que pedimos havia esfriado.
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Nesse ponto, a garota não tinha muitas opções – ou nenhuma, na verdade. Ela não tinha permissão para usar dinheiro, então não conseguia nem mesmo o necessário para viver. E como não havia ninguém no país com quem pudesse realmente contar, não teve escolha a não ser unir forças com uma estranha como eu. Pelo menos foi esperta o suficiente para não deixar essa chance escapar.
— Ei, o que você faria se eu negasse o seu pedido…?
— Espalharia a notícia do que você estava tentando fazer na barraca de autoatendimento.
— Nada justo… Você disse que não iria me ameaçar.
— Ah, vamos esquecer que eu disse aquilo.
— …
— Bem, e então? Você concederá meu humilde pedido?
— Tá… Mas você sabe que não tenho nada a oferecer em troca, certo, Elaina?
— Está tudo bem. Tenho muito tempo para desperdiçar. Além disso…
— …?
— Não sou o tipo de pessoa insensível que pode ignorar sua situação depois de ouvir uma história como essa.
E então foi decidido que eu ajudaria Elise.
Mas seria muito chato fazer algo naquele mesmo dia – er, o que quero dizer é: Eu precisava de tempo para me preparar, então no momento a deixei ir.
E então, na manhã seguinte, nos encontramos perto do portão – fora da cidade.
— Está tão frio…! — Bati meus pés, agarrei meu equipamento e esperei por vários minutos.
Ela passou pelo portão com a mesma aparência do dia anterior. E trotou quando me viu.
— Desculpa. Cheguei atrasada… Huh, o que é isso?
O olhar de Elise caiu sobre a coisa em minha mão.
— Ah, isso? É um arco e flecha.
Enquanto puxava a corda do arco e ouvia o som que ela fazia, falei:
— Pensei em te ensinar a manusear um arco, Elise.
— Por quê?
— Se você aprender a caçar para conseguir sua própria comida, não terá nenhum motivo para depender do povo do país, não é?
Ou seja, no dia anterior eu saí por aí procurando um arco e flecha, junto com várias outras coisas que a garota precisaria.
— Senhorita Bruxa, você pode atirar com um arco?
— Eu sou tão boa que posso acertar uma maçã colocada no topo da cabeça de alguém.
— Hã? E quando é que você precisou fazer isso…?
— Pode me chamar de especialista. Sou tão boa que, se recebesse a ordem de entreter alguém com minhas habilidades com o arco, poderia relutantemente atirar uma flecha em um leque de papel que estivesse balançando em cima de um barco.
— Mas quando é que você possivelmente precisaria fazer isso…?
Puxei a garota cética pela mão e fomos para a floresta branca.
Dentro da floresta, onde árvores altas cresciam em fileiras, um campo de tiro com arco feito à mão e totalmente equipado estava esperando por nós. A superfície de uma das árvores tinha sido raspada e havia um alvo redondo esculpido nela. Havia uma placa colocada em um local um pouco distante da árvore, na qual estava escrito: Por favor, mire no alvo daqui (recompensa dada por acertar o centro).
A propósito, era a minha letra.
— Não há como você acertar alguma coisa se tentar caçar animais desde o início, então vamos praticar aqui por algum tempo.
Este era o lugar que eu havia secretamente preparado no dia anterior.
— Que tipo de recompensa vou receber?
— Heh-heh, você vai descobrir depois que acertar o alvo.
E então fiquei ao lado de Elise e mostrei a ela a maneira correta de segurar o arco, bem como certas técnicas para acertar o alvo.
— Por enquanto, tente fazer um disparo.
— Certo… Hyah.
Ela disparou a flecha, que caiu no chão bem na sua frente.
— Você achou que o alvo estava enterrado sob algum lugar da neve…? — perguntei.
— …
E foi assim que a cortina se ergueu em nossos dias de treinamento.
Quase todos os dias saíamos da cidade de madrugada, praticávamos arco e flecha na floresta, voltávamos à cidade à tarde, tremendo de frio, íamos a um restaurante e depois voltávamos para a floresta de barriga cheia.
Não demorou muito para que as flechas de Elise voassem em linha reta e acertassem seu alvo.
Em menos de três dias, seus disparos pareciam limpos. Ela aprendeu isso com uma rapidez surpreendente. Ou será que eu é que sou uma instrutora particularmente habilidosa? Será que tenho futuro ensinando?
— Ah, yay! Olha, Elaina! Eu acertei o centro!
No quinto dia de treinamento, ouvi um baque e depois o grito alegre de Elise.
— Ei, o que você vai me dar como recompensa?
Correndo na minha direção, ela revelou um enorme sorriso.
Então falei, assumindo um ar de importância:
— Vou comprar todas as roupas que você quiser. Essa é a sua recompensa.
Pensei que isso a deixaria feliz, mas seu rosto se contorceu em uma expressão complicada.
— Você quer dizer… só para mim, não é?
— Do que você está falando?
— Um… Eu gostaria de pedir para você comprar algo para a minha irmã também.
— …
Afaguei a cabeça de Elise suavemente.
— Se é isso que você quer, então pode ser, não importa o custo.
Correndo os dedos sobre suas roupas duras e sentindo a textura áspera de seus chifres, ela revelou um sorriso que chegou até seus olhos.
— Yay!
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Com seu novo guarda-roupa, Elise estava pronta para a próxima fase de seu treinamento. Nos bancos de neve, seus pequenos passos formaram padrões de pegadas enquanto ela dava um passo para frente e outro para trás. A alguma distância à sua frente estava um coelho branco que se misturou à neve, torcendo o nariz e as orelhas ao pular em algum lugar.
Desta vez não estávamos mirando em alvos parados, mas sim em presas vivas.
— Desta vez também há uma recompensa?
— Se você acertar, vou deixar você comer minha deliciosa comida caseira.
— É mais deliciosa do que a dos restaurantes que sempre frequentamos…?
— Existe certa diferença entre o trabalho de amadores e profissionais.
— Eu gostaria que fosse um prêmio diferente…
— Não precisa ser tão sincera, Elise.
— Eh-heh-heh.
— Ei, se continuarmos perdendo tempo o seu coelho vai fugir — falei, e Elise pareceu se lembrar de sua tarefa, preparou o arco e olhou atentamente para o seu alvo.
Então ela exalou uma baforada de ar branco e soltou o dedo.
A flecha se enterrou na neve com um baque.
— Você achou que o coelho estava hibernando sob a neve…?
E, assim como antes, passamos muitos dias indo e vindo entre a floresta fora da cidade e os restaurantes dentro dela.
— Ah não, hoje pedi mais do que consigo comer, de novo! Erro meu. Aqui, pode ficar pra você. Aproveite em casa.
Enquanto estávamos sentadas no restaurante, como sempre, entreguei toda a comida restante para Elise.
— Obrigada, Senhorita Elaina.
Pegando a comida cuidadosamente com as duas mãos, Elise revelou um sorriso suave. A garota que sempre tinha uma expressão sombria agora enfeitava seu rosto gentil com um sorriso caloroso – ou assim parecia.
Talvez tive a impressão errada. Talvez seja orgulho.
Mas tive a sensação de que sua história caminhava para uma direção positiva, de pouco em pouco.
Talvez eu consiga concluir este trabalho do meu jeito.
Um dia depois que tive essa ideia, Elise pegou seu primeiro coelho. A neve finalmente parou, dando lugar a um lindo dia de sol.
— Ei, olha, Elaina! Consegui! Consegui; olha!
Um pequeno coelho do campo estava estendido sobre um monte de neve brilhando à luz do sol. Suas pernas tremiam como se quisesse escapar da flecha espetada em seu pescoço, e uma mancha vermelha se espalhava pela neve branca.
— Finalmente. Parece saboroso.
Sem esperar que a vida do coelho chegasse ao fim, puxei a flecha. O coelho se aproximou com ela, pendurado, todo frouxo e fazendo peso.
— Então, sobre aquele prêmio que você mencionou…
— Aham. Será minha comida caseira.
— Quer dizer que você vai cozinhar isso?
— Isso aí.
— Você consegue fazer isso?
— Posso parecer requintada, mas sou excelente quando se trata de preparar um coelho. Na verdade, sou muito boa. Faço todos os coelhos pularem de medo.
— Os coelhos não estão sempre pulando…?
— Além do mais, isso não faz parte do seu prêmio, mas tenho uma proposta.
— O quê?
Coloquei o coelho, que finalmente parou de se mover, em um pedaço de neve limpa e sem sangue. Ouviu-se um ruído de trituração e a neve logo abaixo do coelho derreteu, como se estivesse se abrindo.
— Você tem uma casa em que morou há muito tempo, certo? Não tem vontade de voltar a morar lá?
— Em nossa velha casa? Mas…
— Você aprendeu a caçar por conta própria. Não tem mais qualquer motivo para continuar na cidade. O que acha? Sente vontade de voltar para a casa onde morou com seus pais?
— …
Ela ficou em silêncio.
— Mas, claro, não estou tentando te forçar a isso.
Esperei ansiosamente até que ela voltasse a falar.
O silêncio caiu sobre a floresta. Depois de algum tempo, como se tivesse se lembrado do que estava acontecendo, Elise balançou a cabeça.
— Isso… mesmo. Sim. Eu quero. Eu provavelmente deveria ter deixado esta cidade há muito tempo.
Suas palavras me deixaram aliviada.
Agora ela definitivamente iria crescer – ou assim pensei.
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Depois de sangrar o coelho que Elise pegou, nós o amarramos com barbante e voltamos para a cidade.
Quando voltamos já era hora do almoço e a rua principal estava cheia de gente. Quando passamos pelas pessoas, ficaram boquiabertas, como se estivessem testemunhando algo incomum e, a cada vez, Elise se encolhia um pouco mais.
— Você não tem mais nada com que se preocupar — falei, colocando a mão em seu ombro. Ela revelou um sorriso tímido.
Para a garota, se distanciar deste país – daquela coisa que parecia uma casa destruída por um incêndio – era motivo de felicidade. Assim que chegamos em casa, Elise correu para juntar suas coisas.
O oficial do governo que me contratou apareceu exatamente naquele momento.
— Lady Elaina. Como está indo o pedido…? — Segurando um pequeno pacote em suas mãos, ele se curvou ligeiramente.
— Tudo tranquilo. Acho que em breve as coisas correrão como todos vocês esperavam.
— Então é isso…? Que bom.
— Você não parece muito feliz com isso.
— Bem, quando nossos desejos se tornam realidade, nem sempre são como imaginamos que seriam.
Após uma pausa momentânea, eu disse:
— Tenho tentado fazer o melhor que posso por ela. E agora isso tudo está acabando. Não precisa mais trazer esses pacotes.
Pude ver que o oficial do governo agarrou o pacote com mais força.
— Muito obrigado… Aceite nossas desculpas por arrastá-la para nossos problemas. — Depois de se curvar profundamente, ele me deu as costas. — Isso é um tanto ousado da minha parte — disse o homem por cima do ombro —, mas eu poderia fazer apenas mais um pedido a você, Senhorita Elaina?
— Dependendo do que for, posso exigir uma taxa adicional; tudo bem?
Ele não respondeu. Simplesmente disse:
— Se você tiver a chance, eu agradeceria se pudesse de alguma forma transmitir nossos verdadeiros sentimentos a ela. — E então foi embora.
Fiquei sem resposta.
Porque não sabia se seria capaz de fazer isso.
— …
Elise voltou logo depois que o oficial saiu, equilibrando uma grande quantidade de bagagem em seus braços.
— Sinto muito pela demora. Demorei um pouco para empacotar tudo depois que acordei minha irmã.
Ela estava com a irmãzinha nas costas.
— Não a apresentei à Senhorita Elaina, apresentei? Esta é minha irmãzinha, Mirina.
Parecia que o momento em que eu teria que dizer a ela sobre os verdadeiros sentimentos do homem estava se aproximando.
Continuamos caminhando, lenta mas firmemente.
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— Estamos em casa — disse Elise, removendo a neve que estava grudada em seus sapatos, perto da porta da frente. Ela entrou, ainda carregando Mirina.
— …
Imitando-a, limpei meus pés e segui a trilha de neve derretida para dentro da casa. As pequenas pegadas na neve conduziam da entrada até a sala de jantar.
Bem na frente da cozinha, havia uma mesa com duas cadeiras de cada lado. Provavelmente tinham sido uma vez ocupadas pelos quatro membros da família.
Ela puxou uma das cadeiras e sentou a irmã nela.
— Ei, Elaina. Que tipo de prato você vai preparar com esse coelho? — O olhar de Elise se voltou para minha mão.
— Que tal ensopado cremoso…?
— Yay! Mirina adora isso! — Elise abraçou os ombros da irmã por trás, o mais feliz possível.
Não houve resposta.
— Sim…! Isso vai ser ótimo. — Elise acenou com a cabeça para a irmã com um enorme sorriso.
— Vou começar a cozinhar… — falei. — Então espere um pouquinho mais, Elise.
— Certo, vou esperar aqui com minha irmã.
Ainda sorrindo, Elise sentou-se ao lado de Mirina.
— Tá bom….
Minha voz ecoou vagamente pela casa.
A ouvi conversando toda animada enquanto me ocupava na cozinha.
— Ei, isso é muito nostálgico, não é?
— Vou ocupar o lugar da mamãe e do papai de agora em diante, tá, Mirina? Ah, mas já que tenho que cozinhar também, acho que terei ainda mais serviço do que eles.
— Não se preocupe. Tenho certeza de que posso fazer um ótimo trabalho.
E também foi assim por todo o percurso até o local. Foi especialmente horrível quando saímos da cidade, com Elise segurando a irmã com os braços. Durante todo o caminho, ela ficou sorrindo e ouvindo a voz da irmã mais nova, que eu não pude ouvir.
— …
Um aroma agradável exalou da panela que começou a ferver.
Em meio à atmosfera sufocante, finalmente consegui respirar. Depois de inspirar profundamente, mexi a panela e a fragrância de cenouras, batatas e carne de coelho cozida com creme branco e turvo encheu o ar.
— …
Tudo o que fiz desde que cheguei a este país valeu a pena.
Isso incluía concordar com o pedido do oficial, tirar a garota da cidade cruel e, ao mesmo tempo, fornecer-lhe um ambiente onde pudesse caçar e viver por conta própria. Trabalhei muito para que ela pudesse voltar para esta casa.
Pensei que se eu pudesse levá-la para longe – tirá-la da cidade, longe de outras pessoas – então a garota miserável retomaria os sentidos.
Mas não deu certo.
Parecia que desejei mais do que devia.
E parecia não haver cura para a profunda tristeza que a atormentava.
Da cozinha, olhei por cima do ombro e a observei.
Afastando-se de sua irmã com um sorriso, a garota me notou.
— Ah, Senhorita Elaina, você já terminou?
— Agora só precisamos esperar enquanto cozinha.
— Ah, sério? Bem, então não vai demorar muito!
— …
— Qual é o problema?
— Nada…
— …? Ei, você tem agido de forma estranha esse tempo todo, Senhorita Elaina. Você mal disse uma palavra durante todo o caminho até aqui e não falou muito desde que chegamos.
— …
— Sabe, minha irmã também não falou muito… Isso não é estranho? Acho que há algo de errado.
— Estou agindo de um jeito estranho…?
— Sim.
— … — Fiquei em silêncio.
— Eu sei, viu? Algo está definitivamente errado. — Elise balançou a cabeça em resposta a uma voz que não consegui ouvir.
E então voltou para a conversa alegre que estava tendo com sua irmã, me ignorando completamente.
— Você não deve estar se sentindo bem…. Isso é bem provável.
— Ah-ha-ha… Isso mesmo. Você vai se sentir melhor depois de comer um ensopado.
— Eu sei… É melhor que eu mesma cozinhe da próxima vez, assim posso mostrar a nossa gratidão.
E, assim por diante, ela falou com sua irmã, seu rosto era a imagem do contentamento.
— …
Foi mais do que eu podia suportar.
— Elise…
— O quê?
Recuei um pouco quando ela virou seu sorriso implacável na minha direção. Em algum momento, comecei a achar seu rosto sorridente aterrorizante.
— Elise, apenas… pare com isso… — implorei, incapaz de encarar seu olhar.
Então falei a única coisa que me restava dizer. Expressei a verdade que estava diante de mim.
— Sua irmã está morta.
Lá, apoiada em uma das quatro cadeiras, estava uma jovem vestida com um casaco comprido, exatamente do mesmo tipo que Elise estava vestindo. Com um lindo cabelo loiro pendendo para baixo de seu capuz.
O cadáver cheirava a morte.
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— Já faz cerca de um mês. Um grupo de mercadores da cidade cometeu um grave erro.
— Hmm.
O oficial do governo, sentado à minha frente, começou a contar uma história incrivelmente triste.
— Havia uma família do povo fera morando perto de nossa cidade. Os mercadores elaboraram um plano para capturá-los e vendê-los. Me disseram que era porque estavam com pouco dinheiro.
“Primeiro, planejaram capturar o casal que saiu para caçar. Iam mentir para eles e dizer que estavam perdidos, então se aproximar do homem e da mulher, pegá-los desprevenidos e sequestrá-los.
“Claro, não conseguiriam simplesmente capturar um casal do povo fera. Cercados pelos mercadores, os dois resistiram ferozmente.
“Enquanto lutavam na instável face inclinada da montanha, perderam o equilíbrio.
“Os mercadores que sobreviveram foram até a base do lugar para ver como estavam, mas todos os que haviam caído estavam mortos. O casal inocente do povo fera estava entrelaçado com os mercadores do mal em sua morte.
“Essa foi a causa de tudo o que aconteceu.
“Três mercadores sobreviveram. Eles trouxeram os corpos para nossa cidade e me contaram o que aconteceu. Infelizmente, mentiram para mim.
“’Três mercadores e o casal do povo fera que morava por perto perderam a vida em um acidente’, disseram. Infelizmente, acreditei neles. Como os dois do povo fera eram um casal, pensei que poderiam ter crianças. Temia que estivessem esperando o retorno de seus pais até naquele exato momento. Então levei os mercadores até as montanhas comigo. E encontramos a casa.”
O resto do que o oficial me contou era praticamente igual à história de Elise. O funcionário que visitou Elise e sua irmã em sua casa disse-lhes que seus pais morreram em um acidente e levaram as duas garotas para a cidade.
No entanto, quanto ao que aconteceu a partir daí, as histórias de Elise e do oficial eram completamente diferentes.
— Aconteceu vários dias depois que as garotas chegaram a este país. Houve um incidente.
Então ele me disse a verdade.
— Os mercadores sobreviventes visavam as garotas, por dinheiro e vingança. Eles se esgueiraram para a casa delas à noite, com tochas e facas nas mãos
“Os três mercadores encontraram a irmã mais velha primeiro. Assim como seus pais, ela – Elise – não vacilou, mesmo cercada por adultos. Ela lutou, lutou e lutou.
“Mas continua sendo uma criança. Fisicamente falando, nunca teve chances.
“Os mercadores a contiveram e se vingaram. Os homens colocaram suas facas de lado e bateram nela. A chutaram. Mesmo quando ela estava se encolhendo, implorando por socorro, com lágrimas escorrendo pelo rosto, não pararam.
“Suponho que pretendiam machucá-la, mas deixá-la viva e sequestrá-la, em vez de matá-la.
“Foi então que um dos homens acabou apunhalado pelas costas, a arma era a faca que ele mesmo tinha deixado de lado. Quando os mercadores se viraram, se depararam com outra garota, uma pouco mais jovem que Elise. A irmã mais nova, Mirina, tentou salvar sua irmã mais velha do ataque unilateral.
“O homem ferido soltou a irmã mais velha, gritando, e atingiu Mirina com uma tocha. Então ele rapidamente jogou a tocha de lado e pegou uma faca. Mirina estava chorando, com as mãos cobrindo o rosto, e ele a esfaqueou várias vezes, até que ela soltou seu último suspiro.
“Foi terrível. Horrorizados, os dois mercadores restantes tentaram deter o terceiro homem. Mas logo depois que se aproximaram dele, o homem que estava montado em Mirina parou de se mover.
“Elise matou o homem usando outra das facas dos comerciantes.
“Enquanto Elise ficava parada, atordoada, o fogo subiu da tocha descartada, as chamas lamberam tudo na casa, e a cada segundo que passava o fogo só aumentava.
“Os dois mercadores sobreviventes fugiram em pânico.
“Ouvindo notícias do incêndio de cidadãos que moram nas proximidades, corri para a casa das garotas e, quando finalmente cheguei, o fogo havia se espalhado para a rua. Começamos a lutar contra as chamas na mesma hora, mas, ainda assim, só conseguimos salvar metade da casa.
“Logo identificamos a causa do incêndio. Encontramos as três facas no local, o cadáver carbonizado do comerciante, e recebemos depoimentos de testemunhas oculares na vizinhança. Com essas coisas como prova, questionamos os outros dois mercadores e os prendemos.
“E então, após o interrogatório, os dois finalmente nos disseram a verdade.
“Porém, mesmo sabendo o que realmente aconteceu, já era tarde para fazer qualquer coisa.
“Elise ficou diferente desde o dia do incêndio.
“Ela não quer se separar do corpo de sua irmã. Longe disso, está tratando o cadáver como se estivesse vivo. Ela o alimenta, veste com roupas e se aconchega perto dele para dormir.
“Devido ao mau julgamento dos mercadores de nosso país, assim como do meu, a pobre garota perdeu a noção da realidade.
“Os dois mercadores confessaram tudo, e a notícia de suas ações se espalhou pela população local. Mesmo com os cidadãos sentindo pena dela, ficaram com medo e começaram a evitá-la.
“Além disso, ela parou de ouvir o que qualquer pessoa diz. Passou a evitar as pessoas, olhando para todos com um olhar cheio de terror.
“Este problema vai muito além de qualquer coisa que possamos resolver e já está fora de nosso alcance há algum tempo.”
Foi isso que o oficial me disse.
Mas eu ainda continuei confusa em relação a um detalhe crucial.
— Para resumir tudo… — falei, suspirando —, você não se importou em acolher a criança miserável, mas agora que a situação saiu do controle, quer expulsá-la. No entanto, suas palavras não estão alcançando ela, então, mesmo que você tenha tentado uma abordagem gentil, ela não vai embora. Você não sabe como a garota reagirá se você tentar uma abordagem mais agressiva, então está pedindo para uma estranha fazer o seu trabalho sujo. É isso?
— …
O covarde respondeu com o silêncio, então continuei.
— Você está me dizendo que esse é o motivo para banir uma criança desta cidade…?
Fui para a casa parcialmente destruída, debatendo se deveria aceitar o pedido, e fiquei muito surpresa quando te vi, Elise.
E foi então que decidi aceitar o emprego. Porque eu já tinha te visto uma vez, lá na padaria.
Antes de te encontrar na barraca de maçãs, fiz uma pesquisa rápida pela cidade. E, em minha pesquisa, descobri que todas as pessoas têm a mesma coisa a dizer sobre você.
— A criança miserável.
Todas as pessoas andando pela cidade falam a mesma coisa.
— Ela está realmente miserável.
— Cair em tal estado por causa de um grupo de homens maus… Que trágico.
Até as donas de casa que moram por perto franziram as sobrancelhas ao me contar.
— Ela veio morar aqui por causa de alguns adultos horríveis… certo?
— Isso mesmo… Que devastador. Ela nem toca nas refeições que o oficial deixa na porta.
— Sim, olha. Ali. Aquele é o pacote de comida que ela jogou para longe. Ela sempre faz isso… joga o que ele deixa ali para bem longe. Ela não se importa se é dinheiro ou comida.
O dono da barraca de autoatendimento também falou comigo, esfregando a mão enfaixada.
— Sim, parece que já faz um tempo que ela está roubando maçãs. Bem, eu sabia sobre a situação dela, então realmente não queria repreendê-la, mas… Uma criança não pode sobreviver com nada além de maçãs, então tentei levá-la para outro lugar, pensando que ela poderia comer algo mais se fizesse isso. Mas ela só gritou alguma coisa sem sentido… E, bem, foi isso que aconteceu.
Conversei até com o dono da padaria.
— Ah, Senhorita Bruxa. Você também viu, não viu? Aquela garota sempre tenta comprar pão com… você sabe. Sei que a situação dela é grave, mas… estou administrando um negócio aqui, então não tinha certeza de como lidar com ela.
No primeiro dia em que te encontrei, Elise, vi algo estranho na padaria. Uma garota com um grande capuz tirou uma pilha de insetos mortos do bolso e tentou comprar pão com eles. Foi uma visão muito peculiar.
A garota se referia aos insetos como dinheiro.
Depois de discutir com o lojista, que gentilmente explicou com uma expressão bem preocupada que não se pode comprar pão com insetos mortos, aquela garota franziu o rosto, em estado de choque, e saiu correndo da loja.
Inclinei minha cabeça, confusa, enquanto te observava partindo.
E então, no dia seguinte, percebi que aquela garota era você.
E é por isso que decidi aceitar o pedido do oficial, para o seu bem.
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— Mentiras.
Logo depois que terminei de explicar tudo, Elise murmurou uma única palavra.
De seu lugar ao lado de Mirina, ela levantou a cabeça.
— Essas coisas todas não passam de mentiras… todas mentiras. Por quê? Por que você está tentando me torturar também, Senhorita Elaina? Alguém te obrigou a fazer isso? Você viu tudo o que aconteceu, não viu, Senhorita Elaina? As pessoas daquela cidade são horríveis.
“Aqueles idiotas me trataram como se eu fosse um monstro. Queimaram a minha casa. Mas minha irmã não está morta. Ela está viva e bem aqui ao meu lado.
“Então isso é tudo mentira. Essa história é um absurdo.”
Ela sacudiu Mirina pelos ombros. A garota já estava morta há muito tempo, e sua cabeça pendia de forma não natural.
— Viu? Olha. Aqui. Ela está viva, não está? Minha irmã não pode estar…
Como se para interrompê-la, como se para traí-la, o cadáver que estava sacudindo violentamente caiu da cadeira.
Com um baque pesado, Mirina caiu no chão.
— Ah… — Naquele momento, a realização passou pelos olhos de Elise. — N-não… Minha irmã está… Mirina está viva…
Ela se levantou, estendeu a mão em direção ao cadáver e parou no meio do caminho. As pontas de seus dedos estavam tremendo violentamente.
Era algo inacreditavelmente doloroso de se ver.
— Elise…
— Não. Não, não, não…! De jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum, de jeito nenhum! Mirina tem, digo, ela ficou comigo o tempo todo. Ela não pode estar morta…!
— …
Me coloquei entre Elise e o cadáver e abracei a garota com força. Eu podia sentir a textura áspera de seu longo casaco com as pontas dos dedos, ainda carregando o frio do inverno.
— Senhorita Elaina… isso não pode ser. Mirina está…
— Elise… — Tornei meu abraço mais apertado. — Você não pode… Você não pode mais fugir.
— Eu não estou fugindo…
— Você passou por muita coisa. Não há como negar isso. Entendo que você só queira fugir de tudo. Mas você não pode. Porque se continuar desviando os olhos e fugindo, vai correr tanto que nunca mais conseguirá voltar à realidade.
— …
— Eu trabalhei tão duro para me tornar sua amiga, e não posso suportar ver seu trauma lentamente te devorando enquanto está viva.
— …
— Volte à realidade, por favor.
E então pedi mais uma vez.
— Por favor, deixe-me ajudá-la.
Não houve resposta.
Apenas silêncio enquanto ela abria a boca, e nenhum som saiu de seus lábios. Seus dedos trêmulos agarraram meu robe com força enquanto ela murmurava incoerentemente: “Não, não, de jeito nenhum, pare com isso.“
Em pouco tempo, seu resmungo transformou-se em lamento, e ela se agarrou a mim e chorou e chorou.
Não deixei que ela se afastasse até que as lágrimas finalmente parassem.
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— Olá.
— Ah, Lady Elaina. Olá… Vejo que você está comendo o pão da padaria de novo.
— Aham. Gostei dele… mas esta é provavelmente a última vez que vou comê-lo.
— …?
— Eu te disse: terminei o trabalho sem maiores problemas. Depois de deixar a cidade, não pretendo voltar a esta área novamente.
— É mesmo…?
— Um rosto sombrio, como sempre.
— Eu já te disse. Nós realmente não queríamos expulsar a garota. É só que essa era a única maneira.
— Em qualquer caso, isso não muda o fato de que você iria apenas expulsá-la… e vamos falar sobre o meu pagamento.
— Ah, certo… Ainda tinha isso. Um…
— Não preciso disso, então poderia enviar para a casa dela?
— Hein?
— Não vou repetir.
— Não, é só que…
— Não importa o que você diga; não quero. Ponto final.
— Lady Elaina…, como está a garota? Ela se recuperou?
— Quem sabe? Eu que não, disso tenho certeza.
— É mesmo…?
— Sim. Já estou indo.
— Por favor, tome cuidado…
— Ah, certo, certo. Esqueci de dizer uma coisa.
— Hmm? O que seria?
— Quando ela vier aqui de novo… faça o possível para não fazer esse tipo de cara, entendeu?
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Passei algum tempo com a garota.
Corríamos pelo cenário nevado em dias de sol, ela caçava e cozinhávamos juntas. De novo e de novo.
Foi um período de tempo agradável.
E então, quando Elise realmente aprendeu a caçar sozinha, de repente disse:
— Agora estou crescida.
Diante dos túmulos onde repousavam os três membros de sua família, ela disse isso a ninguém em particular.
— Bem, então acho que meu trabalho está feito.
— Não estou dizendo que você deve ir embora, mas… Mas obrigada por tudo, Senhorita Elaina.
— Não precisa agradecer. Só fiz o que achei melhor.
— O que você vai fazer agora?
— Vou voltar a viajar.
— Vou ficar sozinha…
— Eu também…
— Nesse caso, eu poderia ir com você!
— Ah, bem… Isso é um pouco…
— Você é honesta demais, Senhorita Elaina.
— O que você está planejando fazer agora, Elise?
Ela tirou o capuz e olhou para o céu. Com a cabeça inclinada em direção ao horizonte claro, sua respiração se elevou como fumaça e desapareceu no ar frio. O sol estava emitindo um pouco de calor, mas era tão fraco que facilmente se perdia em meio ao vento gelado.
Elise se virou para olhar para mim.
— Acho que vou tentar voltar para aquela cidade por um tempo.
— Mesmo não tendo nada além de memórias ruins de lá…?
— Mm. Se eu for agora, sinto que posso fazer algumas memórias diferentes — disse ela. — Além disso, como fiz algumas coisas ruins para as pessoas de lá, gostaria de me desculpar.
— …
— Eu digo isso, mas ainda não tenho certeza, sabe. É só… algo que acho que gostaria de fazer algum dia.
— É mesmo?
Acho que é uma boa ideia – concordei.
— Bem, em qualquer caso, se eu for, será depois de me decidir e terminar de me despedir de todos. Pelo menos por mais um tempo… pelo menos até a neve derreter, vou continuar morando aqui.
Só então, na floresta atrás dela, houve um som farfalhante.
Ela se virou e a neve que estava descansando em um galho de árvore caiu no chão. O topo da árvore balançou suavemente e um pouco de verde voltou ao mundo de puro branco.
Parecia que a neve começaria a derreter aos poucos.
Contudo…
— Acho que ainda vai demorar um pouco, hein?
Ela balançou a cabeça lentamente diante da minha declaração e sorriu.
— Um pouco — disse a garota.
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