Bruxa Errante, a Jornada de Elaina

Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 2 – Cap 03 – Uma Princesa Fugitiva, Perseguida por Quem?

Uma floresta de folhas de outono caídas. As folhas, tingidas de um escarlate vivo, dançavam suavemente até o chão da floresta, pintando a estrada entre dois países de um vermelho-brilhante.

Uma garota solitária percorria o caminho que havia sido transformado em um tapete vermelho.

Ela usava um robe preto e um chapéu pontudo. Estava frio, então suas pernas finas estavam vestidas com uma meia-calça preta.

A garota, com a óbvia aparência de uma bruxa, era, de fato, uma bruxa – e uma viajante.

— Uff…

Ela parou e ergueu a cabeça para vislumbrar um céu azul-claro. Parada de braços cruzados com olhos que escondiam pensamentos melancólicos, sua beleza superava os padrões de qualquer pessoa. Se acontecesse de alguém vê-la assim, sem dúvidas desmaiaria, enfeitiçada por sua graciosidade. Homem ou mulher, isso não importava. Todos inevitavelmente se tornariam cativos de seus encantos. Ela era positivamente perigosa.

E esta jovem mantinha sua beleza somente para si mesma.

Qualquer um se perguntaria sobre sua identidade.

Isso mesmo. Ela sou eu.

— …

Um, eu estava obviamente brincando.

Normalmente, quando me movia de um país para outro, voava na minha vassoura, como seria de esperar de uma bruxa, mas desta vez foi diferente.

Decidi que seria um desperdício passar voando e deixar a incrível paisagem que acompanhava essa estrada de lado.

O tempo frio também não ajudava.

— …

Além disso, para ir da terra que acabei de visitar – Cidade Roda D’água, se bem me lembro – para o país vizinho, só tinha que prosseguir por esta estrada e chegaria em pouco tempo.

A sombra do meu próximo destino deve aparecer a qualquer momento.

Se não me falha a memória, minha próxima parada é

— Eh…?

Meus pensamentos foram interrompidos. Antes que eu percebesse, congelei no lugar.

Pude ver uma figura seguindo em minha direção.

Era um homem com um cavalo. Ele estava descendo calmamente pelo meio da estrada com o animal em seu encalço.

O sujeito percebeu que eu estava o olhando e sorriu. Ele tinha cabelos loiros e olhos azuis, se tratava de um jovem de aparência gentil vestido com roupas que pareciam muito caras.

Se fosse um simples homem bonito, não acho que eu teria parado de andar para ficar olhando para ele. Teria simplesmente dado uma olhada da cabeça aos pés e talvez o cumprimentaria enquanto nos cruzássemos: Ah, olá. O tempo está bom, não é? – Bem, tá bom, essa não seria uma saudação das melhores.

Mas o homem que parou seu cavalo na minha frente era aparentemente uma daquelas pessoas.

O que quero dizer com isso é que ele era obviamente…

— Um príncipe?

Com seu sorriso gentil ainda no mesmo lugar, ele balançou a cabeça.

— Ah, você me conhece?

— Só aconteceu de eu ver o brasão da Cidade Roda D’água no seu peito.

— Entendo… Hmm. Como você já supôs, sou o príncipe da Cidade Roda D’água. Meu nome é Robert. É um prazer conhecê-la, Madame Bruxa.

Ele largou as rédeas do cavalo e estendeu a mão.

Quer um aperto de mão. Tá bom.

Segurei sua mão, falei um breve “Como vai?” e soltei.

— Então, se estamos nos cruzando aqui, você deve estar no caminho da Cidade Roda D’água para a Cidade Cata-Vento; correto?

— Estou, de fato. — Balancei a cabeça.

Esta estrada comercial era a única que ligava as duas cidades. No dia anterior eu estive na Cidade Roda D’água. E agora estava a caminho da Cidade Cata-Vento.

— E o que você achou do meu país?

— Estava cheio de rodas d’água.

— …

— …

— Hã…? Isso… foi tudo que achou?

— Bem, sim.

Não havia acontecido nada do que valesse a pena falar.

— E-entendo… Isso foi tudo, hein…?

Quase ignorando o príncipe desanimado, respondi:

— A propósito, Príncipe Robert, você está voltando da Cidade Cata-Vento?

— Hmm? Ah… bem, não exatamente.

— Como assim?

— Estou procurando uma noiva.

Uhum.

— Bem, fico muito lisonjeada, mas temo que seja impossível para eu casar, já que sou uma viajante e tudo mais.

— Do que você está falando…? — O Príncipe Robert estava obviamente exasperado. — Minha noiva desapareceu!

— Desapareceu…?

Tem certeza de que ela não fugiu?

O Príncipe Robert assentiu.

— A verdade é que planejávamos nos casar em breve. Mas a garota com quem vou me casar é a princesa da Cidade Cata-Vento. Para realizar a cerimônia na Cidade Roda D’água, tenho que levá-la até lá.

— Uhum.

Então você vai se casar com a princesa do país vizinho? Impressionante.

— No entanto, parece haver uma facção por lá que não quer que ela se case comigo, e esta manhã, momentos antes de eu chegar na Cidade Cata-Vento, a forçaram a se casar com outra pessoa.

— …

Seu belo rosto estava contorcido de tristeza.

— Ela estava chorando. Suponho que estava angustiada por se casar com alguém que não amava. E então exerci minha função de príncipe e a capturei.

— Hã…?

Minha nossa. Que reviravolta romântica.

— Quando saímos da Cidade Cata-Vento, a coloquei em um trenó que foi atrelado ao meu cavalo e corri para a Cidade Roda D’água.

— Um trenó?

Como se ela fosse alguma bagagem?

— Mas no meio do caminho, quando me virei para olhar para trás, ela tinha sumido. Mesmo comigo tendo certeza de que estava sentada comendo um croissant no momento em que partimos, juntos, da Cidade Cata-Vento.

— Você não acha que ela pode ter caído?

— Ah… É por isso que estou procurando por ela.

— Entendo.

Ela foi sequestrada? Aconteceu um acidente? Ou ela fugiu? O que será? Pelo que pude perceber ao ouvir o príncipe, parecia bastante provável que tivesse ocorrido algum acidente e ele a tivesse deixado descuidadamente – com trenó e tudo – em algum lugar pela estrada.

No momento atual era difícil dizer.

— A princesa da Cidade Cata-Vento… ela é uma linda garota com cabelo dourado ondulado e olhos vermelhos flamejantes… Você por acaso a encontrou?

— Caminhei todo o caminho desde a Cidade Roda D’água, e você é a primeira pessoa que encontrei, Príncipe. — Falei a mais pura verdade.

Ele meio que franziu a testa, parecia abatido.

— É mesmo…?

No entanto, eu estava sentindo que a situação era muito mais complicada. Tinha quase certeza de que havia algo mais profundo por trás do casamento desse príncipe com a princesa do território vizinho.

Poderia ser, por exemplo, um casamento político para aproximar as duas famílias.

— Onde você conheceu a princesa? — Fiz uma pergunta com segundas intenções.

— Hmm? A conheci durante a festa comemorativa pelo fim dos dez anos de guerra. Foi amor à primeira vista.

— Uhum, o fim da guerra, você diz? Então a Cidade Roda D’água e a Cidade Cata-Vento já estiveram em guerra? Entendi.

Então é um casamento político?

— Digo, isso aconteceu já faz mais de dez anos. Nenhuma das cidades foi capaz de tolerar ter outra tão parecida logo ao lado, então partiram para a guerra.

— Mesmo com as duas sendo tão parecidas?

— Foi por serem tão parecidas. Você não se sentiria desconfortável se houvesse alguém como você sempre ao seu lado? Por causa dessas coisas triviais, uma rixa nasceu e, no final, uma guerra… A estrada em que estamos agora foi o palco de algumas das batalhas mais ferozes. Em alguns lugares, vivia banhada pelo sangue de soldados, e alguns chamavam ela de “o rastro de restos”.

— Esse é um apelido de muito mau gosto…

Olhei para a estrada que estava tingida de vermelho-brilhante. Mas não era vermelho-sangue, eram só as folhas caídas de outono.

Isso era lindo.

— Demorou muito para as duas cidades aprovarem isso, mas finalmente conquistamos a paz. Se eu e ela nos casarmos, nossos países terão algo ainda melhor do que um tratado.

— A princesa está de acordo com esta união?

— É claro. Se não estivesse, então não estaríamos noivos!

— Hmm…

É mesmo?

Eu tinha certeza de que o Príncipe Robert forçou o casamento e que a relutante princesa fugiu – mas acho que estava errada.

Balancei a cabeça.

— Se eu acabar me encontrando com ela por aí vou mencionar que te vi.

Ele olhou para cima.

— Ah, por favor, faça isso. E quando o fizer, por favor, diga a ela para vir para a Cidade Roda D’água. Precisamos prosseguir com a cerimônia de casamento… — Então o Príncipe Robert tomou outra direção. — Ah, sim, a propósito, se você a encontrar, vou te recompensar com dez moedas de ouro.

Agora estamos falando a mesma língua.

— Entendo. Vou dar o meu melhor.

— Por favor, faça isso.

— Pode contar comigo.

Não fiquei cega pela ganância. Só queria ajudar o príncipe. Sério.

Mas os ricos realmente não têm medo de jogar sujo, hein? Acho que seus ativos financeiros são sua arma mais forte, então podem ter o que quiserem, desde que paguem o preço certo.

Foi isso que pensei enquanto observava o Príncipe Robert se afastando.

Depois de me separar dele, continuei andando um pouco até avistar outra pessoa.

Sentindo que seria falta de educação ficar olhando, mantive meus olhos em um lugar e dei algumas espiadinhas na pessoa que andava em minha direção.

— …

Era uma linda jovem mulher.

Mas na mesma hora eu soube que não era a princesa da Cidade Cata-Vento – ela era alta demais.

Seu cabelo era todo reto e possuía um tom vermelho-ardente. Ela não estava usando um vestido digno de uma princesa, mas sim uma armadura vermelha sinistra. E, o mais perturbador de tudo, estava com uma espada presa ao quadril.

Uma mulher ruiva com uma armadura vermelha caminhando por uma estrada vermelha.

Foi esse tipo de mulher que cruzou comigo.

Estou com um mau pressentimento.

— Você… — disse ela.

Sua voz cortante me perfurou por trás.

Parei e me virei.

— O quê…?

— Você estava olhando para mim, não estava? O que quer?

— Ah, não é nada… é só que você chamou minha atenção, isso é tudo.

— Chamei sua atenção, hein? O que achou de mim?

Baixei meu olhar e analisei sua armadura.

— Acha mesmo que se alguém com essa aparência perigosa estivesse andando lentamente pela estrada não atrairia o seu olhar?

— Prefiro cuidar da minha vida.

— Isso não é resposta.

— …

— Aconteceu alguma coisa…? — perguntei sem maldade.

Eu já sabia qual seria a resposta.

Ela vinha da direção da Cidade Cata-Vento. Pelo fato de estar vestida com uma armadura, era difícil imaginar que pudesse ser qualquer tipo de viajante errante.

Além disso, sua armadura me levou a acreditar que era uma pessoa encarregada de proteger algo.

Para simplificar…

— A verdade é: a princesa da minha pátria está desaparecida.

Foi o que pensei.

— Está desaparecida? Nossa, que horror.

— Você sabe de algo? Ela é uma linda garota com cabelos dourados ondulados.

— Não, nadinha.

Não vi nenhuma garota assim… Mas ela parece estar causando um grande rebuliço.

Nesse ritmo, eu não teria um segundo para sentar e descansar quando chegasse na Cidade Cata-Vento. Havia uma grande possibilidade de todo o país estar em pânico.

A mulher fez uma careta.

— Então é isso…? Bem, se acontecer de você encontrar a princesa, por favor, traga-a para a Cidade Cata-Vento.

Ah, esse é o lado oposto ao qual o Príncipe Robert quer que ela vá.

                …

Balancei a cabeça entusiasmada.

— Muito bem. Vou dar o meu melhor… Aliás, qual é o seu nome?

— Rosamia.

— Bem, Senhorita Rosamia, com certeza vou levá-la até você. Isso se a encontrar.

— Por favor, faça isso.

— Tá bom.

Talvez.

Meu estômago estava roncando.

Já deve ser quase a hora do almoço.

— …

Por alguma razão, sempre que eu ficava com fome, me tornava extremamente sensível a qualquer cheiro. Mesmo no ar frio e revigorante do inverno, eu sempre conseguia sentir o cheiro da comida.

Era tipo: Ah, que cheiro delicioso – ou coisa assim.

— …

Quando o aroma da comida fez cócegas em meu nariz, parei no meio do caminho.

Esse cheiro. Que aroma delicioso.

O que poderia ser…? Ah, é pão. O cheiro de pão. O perfume único, ligeiramente doce e suave flutuou pelo ar.

— Não há ninguém na minha frente ou atrás de mim… isso significa…

Seguindo o cheiro, saí da estrada, entrando em um matagal. Não existiam dúvidas de que o pão estava naquela direção.

A grama farfalhou e balançou conforme eu avançava, e o cheiro ficou ainda mais forte.

E assim…

— Mnf…!

No meio do matagal. Na base de uma árvore. Sentada ali com um croissant na boca, olhando para mim surpresa, estava uma garota.

E ela estava com uma cesta cheinha de croissants no colo. Estava usando um vestido de noiva branquinho e de aparência cara e tinha cabelos dourados ondulados. Seus lábios vermelho-brilhantes pararam de se mover quando ela me notou.

Será…?

Atraída pelo cheiro delicioso, inesperadamente encontrei outra pessoa.

— Princesa, eu presumo? Da Cidade Cata-Vento?

— …!

Seus ombros sacudiram de surpresa, e a garota mastigou o resto do croissant que estava segurando.

Então isso é mais importante do que me responder. Entendo.

A garota mastigou por um momento, então finalmente engoliu em seco e olhou para mim.

— Quem é você? Você deve se apresentar antes de perguntar o nome de outra pessoa. Que falta de educação.

Mas não lembro de ter perguntado o seu nome. Eu só estava confirmando.

— A Bruxa Cinzenta, Elaina… Sou uma viajante.

— Bem melhor. Elaina… Esse é um nome bem legal. Meu nome é Chocolat. E é como você diz. Sou a princesa da Cidade Cata-Vento.

— O que uma princesa está fazendo em um lugar como este?

— Isso não é óbvio? Estou almoçando.

— Bem, poderia me dar um desses croissants?

— Ah, pode pegar.

— Obrigada.

Escondida na sombra das árvores, comi croissants com a Princesa Chocolat enquanto tentava entender sua história.

Enquanto isso, mantive em segredo que havia me encontrado com seu noivo, o Príncipe Robert. Afinal, ainda estava convencida de que esse era um casamento político. Não estou dizendo que duvidava dele, mas decidi que esse era o melhor que poderia fazer se quisesse descobrir o que realmente estava acontecendo entre eles.

O primeiro passo é fazer uma pergunta simples.

— Você planeja voltar ao seu país?

— Estou sendo perseguida por uma pessoa assustadora. Mesmo se eu quisesse voltar, não posso.

— Uma pessoa assustadora?

— Sim. Uma pessoa assustadora que vai destruir a minha felicidade.

Hmm. Isso se alinha com a história do Príncipe Robert – então…

— Seria essa a pessoa que estava tentando forçá-la a um casamento?

— Sim, essa mesma… Você sabe sobre a minha situação?

— Sim, mais ou menos… ouvi alguns trechos.

— De quem…?

Eu poderia dizer que a Princesa Chocolat ficou de guarda alta. Isso fazia sentido: ela queria se casar com o príncipe do país vizinho, mas havia alguém de sua própria cidade tentando impedi-la. Pegando suas palavras emprestadas, havia uma pessoa assustadora que iria destruir a sua felicidade – e enquanto essa pessoa estivesse por perto, teria que tomar cuidado.

Se fossem da mesma cidade, isso indicaria que havia a possibilidade de que seu inimigo não estivesse trabalhando sozinho.

Bem, isso complica as coisas. Vamos revisar nossas suposições anteriores.

Não se preocupe. Ouvi tudo da boca de seu amor.

Ah, que alívio.

Enquanto ela tentava se acalmar, a princesa deu outra enorme mordida em seu croissant. Segui seu exemplo e enfiei mais um pedaço de pão na boca.

Tudo bem, vamos continuar com essa linha de questionamento.

Então você não quer ficar com seu amor?

Mas a pessoa assustadora provavelmente ficaria por perto, não acha? Só vou ficar aqui esperando.

Você vai ficar comendo croissants enquanto espera?

Sim.

Mas o cheiro vai te entregar.

Duvido que exista outra criatura no mundo inteiro com sua habilidade inútil de farejar croissants. Você é praticamente uma viciada em croissants.

Isso não é verdade!

Que falta de educação.

Ah, sério? Aqui, sente o cheiro. A Princesa Chocolat agitou seu croissant perto do meu nariz.

Devorei ele na mesma hora.

Delicioso.

Por que você comeu o meu…?

A grama do vizinho é sempre mais verde.

Mas estamos literalmente sentadas na mesma grama.

Aí está mais uma razão para eu ter comido.

Estávamos lutando como dois vizinhos com territórios bem semelhantes.

Devorei o restante do meu croissant e me levantei.

Tá, já chega de ficar gastando tempo. Vamos?

A Princesa Chocolat ergueu os olhos para mim.

Ir aonde…? Seus olhos estavam cheios de apreensão. Você não ouviu uma palavra do que eu disse? Tenho a intenção de esperar aqui mesmo pelo meu amor. Não quero encontrar aquela pessoa assustadora.

Mas se você só ficar aqui, mais cedo ou mais tarde aquele pesadelo ambulante vai te encontrar.

Ela ficou em silêncio e eu voltei a falar:

Fui nomeada por seu amor para encontrá-la e levá-la de volta, Princesa. Estendi a mão. Como agradecimento pelos croissants, permita-me acompanhá-la.

Príncipe Robert e Rosamia.

O que eles tinham em comum era a garota agora andando ao meu lado – os dois estavam procurando pela Princesa Chocolat.

Se eu tivesse que adivinhar, diria que um dos dois provavelmente tem algo a ver com a pessoa assustadora que a Princesa Chocolat não para de mencionar. Afinal, cada um deles quer levá-la para um país diferente.

Isso indica que, se eu escolher o lado errado, poderia estar entregando a Princesa Chocolat para a pessoa errada. Em qual devo acreditar? Bem, tenho certeza de que se eu ficar com a princesa, a resposta eventualmente se tornará óbvia.

— Hã…? Estamos indo para Cidade Roda D’água?

— Sim. Seu amor está esperando por você lá.

Depois de uma longa sessão de brainstorming, decidi que deveríamos seguir em direção onde o príncipe Robert estava esperando. O príncipe era o mais confiável entre os dois. Não havia como dizer o que Rosamia ouvira de quem a ordenou que procurasse a princesa. Era possível que ela estivesse trabalhando para a pessoa assustadora que estava tentando forçar a Princesa Chocolat a se casar contra sua vontade.

Se eu tivesse que escolher um lado, achei melhor acreditar no Príncipe Robert. Mesmo que ele fosse o príncipe do país vizinho, um país que tinha entrado em guerra com o da própria princesa… Digo, para começar, a guerra já havia acabado há mais de dez anos, e agora os dois países eram até parceiros comerciais, então esse era um ponto que eu precisava considerar.

Me virei para a Princesa Chocolat.

— Bem, devemos chegar antes do pôr do sol. Até então, caminhe ao meu lado como se estivéssemos dando um passeio.

— Certo… — A Princesa Chocolat estava com uma expressão abatida. — Mas me pergunto…

— Se pergunta o quê?

— Por que meu amor está me esperando na Cidade Roda D’água?

Não faço ideia…

— Você não acha que é porque a pessoa assustadora que está atrás de você pode estar à espreita na Cidade Cata-Vento?

Além disso, ele é o príncipe da Cidade Roda D’água, então não acho tão incomum que espere em sua própria cidade.

A Princesa Chocolat baixou a cabeça.

— E finalmente estaríamos realizando nosso tão esperado casamento… Demorou muito até sermos capaz de oficializar isso — resmungou ela.

— Não se preocupe com isso. Parece que vocês vão prosseguir com seus planos na Cidade Roda D’água.

— O que quer dizer com isso…?

— Seu casamento, é claro — falei para a Princesa Chocolat, que estava com a cabeça inclinada e confusa. — O plano original era realizar o casamento na Cidade Roda D’água, não era?

Falei isso e a Princesa Chocolat parou onde estava.

— Do que você está falando?

Ela me olhou com desconfiança. Foi uma sensação estranha – uma sensação de que estávamos conversando sobre algo muito importante, mas pensando em coisas completamente diferentes.

Talvez fosse melhor recomeçarmos do início.

— Seu amor é o Príncipe Robert, certo?

— Não. — A Princesa Chocolat balançou a cabeça. Então disse sem rodeios: — Ele é aquele que temo e que está atrás de mim!

Antes que eu pudesse responder a este novo desenvolvimento dramático, aconteceu.

Não, em vez de dizer “aconteceu”, devo dizer “voou”.

— Ngaaaaaahhh…!

Da direção da Cidade Roda D’água, para onde estávamos indo, um homem apareceu voando.

Ele tinha cabelos loiros e olhos azuis. Gritando com uma voz rouca enquanto passava por nós, o homem rolou ao longo da estrada que estávamos percorrendo, espalhando folhas vermelhas até que finalmente parou.

— Será que ele está bem?

O príncipe parecia bastante abatido.

— Este homem é a pessoa assustadora que vai destruir a minha felicidade… — disse a Princesa Chocolat, segurando a barra do meu robe.

Parece que ele já se acabou sozinho.

— Mas quem diabos…?

Não tinha como ele ter avistado a Princesa Chocolat e ter saído da Cidade Roda D’água voando. Ou melhor, se tivesse vindo voando, era por alguém tê-lo colocado para voar.

Será que levou um coice do cavalo?

Olhei na direção de onde ele tinha surgido – na direção da Cidade Roda D’água.

— Erm…

E dei um passo para trás.

— Rosamia…! — murmurou a Princesa Chocolat ao meu lado.

Caminhando lentamente em nossa direção, vindo da Cidade Roda D’água, estava a cavaleira da Cidade Cata-Vento, Rosamia. Ela parecia estar de muito, muito mau humor, irradiando sede de sangue. Possuía a aura de alguém que poderia quebrar o pescoço dos outros caso esbarrassem nela.

Ela carregava um tronco enorme, o que só a deixava ainda mais assustadora. Parecia estar pronta para quebrar algumas cabeças.

— Rosamia! Rosamia, você veio! Ai, graças a deus…

— Hã? Ah, espera, Princesa Chocolat!

De repente, eu não fazia mais absolutamente nenhuma ideia do que estava acontecendo.

A princesa correu direto para Rosamia, ignorando minha tentativa de contê-la.

Assim como uma donzela se reunindo com seu amor.

Hmm…?

Tive um palpite – mas não, não, não poderia ser.

— Princesa!

A cena continuou, me deixando completamente de lado. Rosamia abriu os braços para receber a Princesa Chocolat, que corria em sua direção.

E aquele tronco que ela estava segurando?

Jogou fora. Sem nem pensar.

— Princesa!

— Rosamia!

As duas se abraçaram apaixonadamente.

— Urgh…

Pensei ter ouvido o gemido de um homem que havia sido espancado até ficar quase morto vindo de trás de mim, mas estava sentindo medo, então não me virei.

— Ah, Princesa…! Graças a deus, graças a deus…

— Rosamia…! Fiquei com tanto medo…

Isso era coisa demais para processar.

Eu só queria parar de pensar nisso tudo.

Só para ter certeza, pedi para a Princesa Chocolat e Rosamia me explicarem a situação. Se eu fosse resumir aquela história sinuosa, seria algo assim.

Mas, primeiro, um pouco de história.

A princesa da Cidade Cata-Vento, Chocolat, e a cavaleira ao seu lado, Rosamia, estavam apaixonadas uma pela outra. Era um lindo amor mútuo entre duas mulheres, e amor é amor.

Afinal, o amor assume todas as formas, então vamos continuar com a história.

De qualquer forma, as duas pombinhas eram tão apaixonadamente devotadas uma à outra que ninguém poderia ficar entre elas.

No entanto, houve alguma resistência à ideia da princesa se casar com uma simples cavaleira, e quando o rei da Cidade Cata-Vento, o pai da Princesa Chocolat, descobriu que seria um casamento entre duas mulheres, ficou extremamente infeliz porque sua filha não teria nenhuma criança desta união.

E então o rei decidiu forçá-la a se casar com outra pessoa. Seu parceiro seria o príncipe da cidade vizinha, Robert.

Quando as duas pombinhas descobriram sobre o casamento entre Robert e a Princesa Chocolat, planejado em segredo pelo rei, se opuseram ferozmente.

“Mas, Pai, não tenho interesse em homens.”

“Sua Majestade, decidi passar minha vida com a princesa.”

As duas apresentaram seu caso perante o rei.

“Rosamia…”

“Princesa…”

E ficaram com vergonha enquanto me contavam isso tudo.

No entanto, o rei as ignorou por completo. Em vez disso, definiu uma data e hora específicas para o casamento.

Em alguns dias, o Príncipe Robert virá buscá-la. Vá e se case na Cidade Roda D’água“, disse o rei a ela, pelo visto.

Suspeitei que o plano para seu casamento com o Príncipe Robert já estava em andamento há algum tempo. E, como imaginei, era um casamento político.

Deixando isso de lado, as duas ficaram perturbadas com o casamento que se aproximava.

E então chegaram a uma conclusão.

“É isso! Se nos casarmos antes do casamento com o Príncipe Robert, o problema estará resolvido!”

“Essa é minha princesa!”

E então a Princesa Chocolat e Rosamia planejaram uma cerimônia de casamento secreta em uma igrejinha. Os preparativos para sua cerimônia secreta avançaram, e a Princesa Chocolat ficou em lágrimas por finalmente poder se casar com a pessoa que amava.

No entanto, ele apareceu. A pessoa assustadora que iria destruir a sua felicidade – o Príncipe Robert – irrompeu pela porta da igreja e sequestrou a Princesa Chocolat. Em seguida, ele a colocou em um trenó (com uma cesta de croissants), o atrelou a seu próprio cavalo e galopou em direção à Cidade Roda D’água.

A Princesa Chocolat lidou com tudo com bastante naturalidade.

Simplesmente desamarrou a corda que conectava o trenó ao cavalo e escapou.

E então, calmamente comendo croissants no meio da floresta, esperou que sua amada fosse ao seu resgate.

E felizes para sempre.

Bem, não exatamente…

— Rosamia!

— Princesa!

— Rosamia…

— Princesa…

— Rosamia…?

— Princesa…?

— Rosamia!

— Princesa!

Tenho certeza de que qualquer um pode imaginar como seria desagradável ouvir esse tipo de troca agonizante a cada minuto.

Elas só estão falando o nome uma da outra. Então por que sinto tanta vergonha alheia? A cena era tão estranha, eu só queria cobrir meus olhos e ouvidos e me esconder onde estava.

— Me beije…

— Eu não posso, Princesa. As pessoas estão vendo.

— Não me importo com isso.

— Mas…

— Você não gosta mais de mim?

— Não, não diga isso…

— Então, por favor…

— Princesa…

— Rosamia…

Era muito difícil de assistir.

Então me virei e olhei para o outro lado. Mas fiz isso para escapar da atmosfera estranha entre elas – e definitivamente não para poder olhar para ele.

— Ah, oi de novo…

Quando me virei, ele estava de pé. Ele tinha levado um golpe direto do tronco que Rosamia jogou de lado, mas estava sorrindo para mim. Sua roupa estava rasgada e o sangue escorria por sua testa, mas eu sabia de quem se tratava, sem sombra de dúvidas.

— Você é o príncipe, certo? — Tive que perguntar, só para ter certeza. — Continua vivo?

— De fato, sou o príncipe da Cidade Roda D’água. E nem preciso dizer que estou bem e vivo.

— Achei que você iria apanhar muito mais depois de levar um golpe direto daquele tronco, mas está se saindo melhor do que eu esperava.

— Um ataque como aquele não é nada.

— Quem é você…?

— Sou o príncipe da Cidade Roda D’água.

Não, não foi isso que quis dizer… Ah, tanto faz.

Se eu zombasse de cada um de seus erros, isso nunca acabaria.

— A propósito, como você se sente vendo essa cena?

Mostrei as garotas – presas em um abraço apaixonado – ao Príncipe Robert, que estivera no centro de um grande e infeliz mal-entendido.

— Ah… isso faz meu coração disparar…

— Tem certeza de que não é por causa do sangue jorrando da sua cabeça?

— Sinto que posso estar despertando para algo novo…

— Ah-ha, parece que seu ferimento na cabeça é mais sério do que imaginei.

— Tá, chega de brincadeiras.

— Isso era uma brincadeira?

— Estou pelo menos meio sério…

— Não tão sério quanto esse ferimento na cabeça.

— Será que isso pode ser tratado?

— Acho que já é um pouco tarde demais para isso.

— …

— E agora?

— Ah, bem… Não posso deixar de fazer algo em relação a algumas coisas, ainda mais vendo isso.

— Como assim?

O Príncipe Robert estava sorrindo, como sempre.

— Antes, quando aquela cavaleira estava me batendo com um tronco, descobri algumas coisas. Entre elas, descobri que fui enganado pelo rei da Cidade Cata-Vento, e que o verdadeiro amor não era para ser entre mim e a princesa, mas entre uma cavaleira e a princesa.

— Huh.

— Não pude acreditar, mas vendo as duas agora, eu entendo. Parece que não passei de um pateta.

— …

Bem, eu já tinha imaginado.

Mas não poderia dizer isso, então fiquei em silêncio.

— Amor entre duas mulheres… Incrível.

Enquanto o príncipe estava ao meu lado, ficando poético, eu não disse nada.

Fiquei ali por um tempo, uma espectadora da incompreensível troca entre Rosamia e a Princesa Chocolat, até que finalmente o Príncipe Robert deu início a uma conversa séria.

— Decidi desistir de me casar com ela.

— É mesmo? Bem, então…

— Digo, na verdade acho que não tenho outra escolha a não ser desistir.

— …

Ela não parece ter olhos para ninguém além de Rosamia.

— Além disso, agora preciso voltar ao meu país e fazer algo.

— Eh?

— Estou pensando em legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

— Ah, então é isso?

— Essa não é uma resposta muito entusiástica.

— É que me contive um pouco.

— Bem, mesmo agora ainda imagino que algumas pessoas irão se opor… No entanto, acredito que também existirão outras que estarão de acordo com o amor entre os gêneros. Se nós, como país, pudermos reconhecer isso, tenho certeza de que o mundo ficará mais pacífico do que antes.

Entendo.

— E o que você realmente acha…?

— Amor entre duas mulheres… Incrível.

— …

Quando fiquei em silêncio, os sons das duas garotas se pegando encheram o ar. Foi como se elas tivessem sido levadas para seu paraíso particular.

Mesmo se eu parasse de viajar no futuro e me estabelecesse em um país em algum lugar, não acho que escolheria viver em nenhuma das pontas dessa estrada.

— Ah, lembrei — falei, gritando para parar o Príncipe Robert, que tinha começado a se afastar.

Ele se virou, sorrindo brilhantemente (mas ainda encharcado de sangue).

— O que é?

— … — O encarei e estendi minha mão.

— Hã? O que é isso? — Parecia que minha intenção não estava clara, pois ele inclinou a cabeça, confuso.

— Dez moedas de ouro, por favor — falei com um sorriso. — Como prometido, encontrei a princesa.

Algum tempo depois, em um país diferente, ouvi um boato sobre a Cidade Cata-Vento e a Cidade Roda D’água. Ambos os países agora reconheciam plenamente as relações entre pessoas do mesmo sexo, e cada uma havia feito seu próprio grau de progresso.

Parecia que as relações diplomáticas entre as duas cidades estava no mínimo florescendo.

E graças ao casamento da princesa da Cidade Cata-Vento com outra mulher, outros casais do mesmo sexo, que vinham mantendo seu amor em segredo, começaram a tornar tudo público.

Na Cidade Roda D’água, o príncipe fez um grande anúncio para encorajar esses casamentos: “Vamos subsidiar qualquer mulher que queira se casar com outra mulher!” Como resultado, os casais fizeram fila para estabelecer casamentos de fachada, o que aparentemente estava causando muitos problemas.

Dessa forma, os países que antes não tinham nada a oferecer além de rodas d’água e cata-ventos adquiriram algumas peculiaridades.

Ouvi dizer que estavam recebendo muitas visitas.

No entanto, a população parecia estar diminuindo.

Por que será que isso estava acontecendo?

 


 

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