Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 07 – Cap. 04 – Entre Estátuas e Bruxas

Bem, que seja…

Desta forma, a cortina subiu na minha dramática história de restauração de estátuas.

— Entendo… Entendo a situação.

Fiquei acenando com a cabeça na frente de uma estátua de gesso, que aparentemente havia sido consertada vários dias antes.

— Em suma, você está em apuros, porque a bruxa que veio à sua cidade antes de mim mexeu descuidadamente em sua estátua e acabou deixando-a parecendo com… isso?

— Exatamente.

A funcionária assentiu enquanto eu olhava para a estátua de gesso.

Infelizmente, não tinha como saber como era a estátua antes, então não estava totalmente claro o que aconteceu para a trazer à sua condição atual.

Mas era bastante óbvio que certas modificações foram adicionadas após o fato.

Comecemos com as roupas. Era uma estátua de uma deusa, mas, por algum motivo, estava vestida com um manto. Além disso, estava usando um chapéu triangular.

Seu cabelo era longo e de cor indeterminada, já que era feito de gesso, mas provavelmente era de cor cinza. Tinha um rosto familiar, o rosto de uma garota no final da adolescência. Era muito bonita, devo dizer. Tenho certeza de que quem viu a estátua pensou assim também.

A propósito, essa garota, essa estátua, esse monumento à graça e à beleza, quem era ela?

Isso mesmo, era eu.

— ……

Obviamente, a ação deve ter sido feita por alguém bem familiarizado com o meu rosto.

Não vou citar nomes, mas tenho certeza de que ela provavelmente era uma jovem de cabelos pretos, vestida com uma túnica preta e usando um chapéu triangular preto. Essa é definitivamente a impressão que estou tendo. É a única possibilidade.

— Como você pode ver, a estátua mudou completamente… Não podemos exibi-la assim.

A funcionária estava transtornada.

— Entendo… — Balancei a cabeça solenemente. — Longe de devolver a estátua à sua aparência original, a outra bruxa a fez tão fofa que parece que pode subir direto para o céu, né…? Bem, então o que você quer me dizer… é que você tem medo de que a estátua seja roubada e uma guerra estoure?

— Não.

— Seria mais apropriado chamá-la de anjo do que de deusa, certo? Vamos dá-la uma mudança de nome.

— De jeito nenhum.

—  Como ela veio a ter esse tipo de aparência em primeiro lugar…?

— Originalmente, pedi para consertá-la, mas a Bruxa do Carvão que executou os reparos disse: “De alguma forma, minhas emoções me dominaram depois que vi a estátua”, ela fez muitas “melhorias”, e então, a escultura acabou como está.

— Entendi. Que pessoa horrível.

— Enquanto ela estava nisso, continuava insistindo que, “Na minha mente, é assim que uma deusa deve ser.”

— Sem dúvida, ela deve ser terrível.

Aparentemente, esta cidade infeliz foi visitada por uma louca. O que também significava que me permiti me tornar amiga de uma louca.

A funcionária virou-se para mim.

— Por favor, faça alguma coisa, Madame Bruxa. É muito difícil para nós tê-la em exibição assim. Por favor, eu poderia, de alguma forma, fazer com que você a restaurasse?

Ela se curvou profundamente.

— ……

Bem, restaurar uma estátua de gesso ao seu estado original não deve ser nenhum problema para uma bruxa, mas…

Olhei fixamente para esta estátua, que se parecia tanto comigo.

— Esta estátua é muito importante para o nosso país — disse a funcionária ao meu lado. — Ela nos foi presenteada por outra cidade na fundação desta biblioteca de registros históricos, então…

A funcionária me explicou a história da estátua como se tivesse memorizado exatamente o que estava escrito na placa da base.

— Há muito tempo, conseguimos ganhar muito dinheiro com esta estátua… É isso que quero tentar fazer desta vez também, mas se ela se parecer assim… consegue ver o problema?

— ……

Sua explicação caiu em uma especulação vulgar, mas deixei passar o melhor que pude.

E então, depois que a funcionária terminou de me contar sobre seus sentimentos apaixonados pela estátua (e sua fixação por dinheiro), tive uma percepção.

—  Posso te perguntar uma coisa…?

Me virei para olhar para a funcionária e ela inclinou a cabeça.

— Você… não, todo mundo nesta cidade amante da história quer reiniciar o boom do gesso, certo? E, ao fazer isso, encher a cidade de pessoas que amam estátuas, como antes, correto?

— Sim, está certo — Ela assentiu e colocou um adendo desnecessário: — E, claro, também seria bom ganhar um pouco de dinheiro enquanto fazemos isso.

No entanto, a origem dos problemas da cidade estava no fato das pessoas terem parado completamente de prestar atenção às estátuas.

— Então, todos vocês querem voltar à prosperidade que tinham antes, certo? — Perguntei.

Ela assentiu.

Nesse caso…

Se é o que você quer…

— Bem, então conheço um método ainda mais fácil do que restaurar esta estátua ao seu estado original — disse à funcionária.

No dia em que a estátua de gesso foi exposta, todo tipo de gente veio visitá-la, e eles esgotaram os limites da linguagem abusiva.

— Pensar que haveria um canalha que mexeria com uma estátua tão histórica!

— Que horrível! Isso não pode ser considerado menos do que um desrespeito à história!

— Devemos prender o vilão que fez isso com a estátua imediatamente!

Pode-se dizer que a indignação deles era justificada.

Não sei se ela estava entusiasmada com o projeto, ou talvez sobrecarregada, mas, de qualquer forma, a Bruxa do Carvão se empolgou com a estátua, então a funcionária e eu decidimos exibi-la sem mais alterações.

Consequentemente, o canto da estátua de gesso da biblioteca de registros históricos estava lotado de pessoas, e vários repórteres de jornais estavam dando grande importância à situação em seus artigos, que acabaram funcionando como anúncios para a exposição e, ironicamente, devolvendo o local ao seu antigo estado de agitação.

— Inacreditável…! Para se intrometer com uma estátua histórica dessa maneira!

— Quem no mundo poderia ter feito isso?! Isso… Isso…

— …Huh? É meio fofo, não é?

— …Na verdade, acho que esse design está certo, né?

Jovens se reuniram para tentar vislumbrar uma estátua que alguma viajante havia profanado, enquanto aqueles que estavam por perto durante o boom do gesso anterior se amontoavam no canto da estátua, lamentando nostalgicamente os dias passados.

A funcionária soltou um suspiro enquanto olhava para a biblioteca lotada.

— Que multidão incrível…

Ela ficou realmente surpresa.

— Nunca pensei que chamaria tanta atenção assim… Como alguém que amou a estátua antes, esse é um sentimento confuso.

— Quem se importa? — respondi. — Não importa se as pessoas estavam ou não interessadas na escultura original. Isso não muda o fato de que eles estão aqui para ver agora, e que a arte está alcançando um novo público. Seja como for, o entusiasmo deles é autêntico.

Pelo menos, as pessoas se importam o suficiente para ficarem bravas com alguma estranha que adulterou uma estátua de gesso.

Não era um motivo pior do que qualquer outro.

— Mas em pensar que o que a Bruxa do Carvão fez com aquela estátua acabou sendo uma coisa boa… — murmurou a funcionária, olhando vagamente para a multidão. — Se expandirmos para o merchandising, poderemos ganhar muito dinheiro.

— Uhum.

Entendo. Nem pensei em merchandising… Pense só, se alguém começasse a vender mercadorias com a estátua em sua nova condição, os jornais definitivamente fariam um grande show para condená-los. E, como se sabe, isso chamaria ainda mais atenção para a própria estátua. Sem dúvida, você poderia ganhar muito dinheiro vendendo essas mercadorias. Ah, mas já que a estátua foi modificada por Saya, lidar com os direitos autorais seria um problema… Espere, mas se ela me desafiar, eu poderia usar o estatuto de direitos de uso de imagem para me proteger.

— Senhora Bruxa, você está tendo pensamentos perversos?

— Não…

Me virei friamente. Não era hora para pensamentos perversos. Afastei os motivos ocultos que passaram pela minha mente.

A multidão barulhenta continuou a encher a biblioteca, indiferente às nossas intrigas casuais.

— No final, suponho que não tenha nenhuma intenção de devolver aquela estátua ao seu estado original, não é? — A funcionária resignada resmungou enquanto olhava para a multidão.

Balancei a cabeça apenas uma vez e respondi: — Acho que isso pode ser o melhor.

E então, secretamente, compartilhei algumas informações com a funcionária.

— A estátua sempre foi assim.

Sempre foi uma pessoa diferente do pescoço para baixo.

 

[O caso de uma aluna em particular]

— Me pergunto se uma deusa teria um rosto assim? — Minha professora cantarolava pensativa enquanto dava tapinhas na estátua de gesso que eu tinha acabado de esculpir. — Não, talvez seja melhor deixá-la um pouco mais fofa…

— As pessoas não querem que uma estátua de uma deusa seja fofa.

— Bem, então o que será que elas querem?

— Uma beleza reverente e misteriosa… talvez?

— Entendo… em outras palavras, alguém que se parece comigo. É isso que você está dizendo?

— Errado.

— Fran, vai modelar o rosto da deusa baseada em mim, não é?

— Você está atrapalhando meus reparos. Por favor, vá para outro lugar e me deixe trabalhar.

Meu nome é Fran.

Isso pode ser uma surpresa, mas gostaria de escrever um relato de um crime que envolveu minha professora e eu. Há muitas partes que serão desagradáveis de se ouvir, mas agradeceria muito se pudesse, de alguma forma, ficar comigo até o final.

Se bem me lembro, o tempo estava limpo naquele dia.

Minha professora e eu éramos viajantes, e uma certa cidade nos confiou um pacote.

Aparentemente era uma estátua de uma deusa que estava na cidade desde a antiguidade, mas quando estávamos saindo para continuar nossa jornada, as pessoas nos disseram: “Nossa cidade vizinha acabou de completar sua biblioteca de registros históricos e gostaríamos de dar-lhes isso como um presente”, e nos pediram para levá-la. Poderia se dizer que tivemos essa tarefa incômoda imposta a nós.

— Aquela outra cidade não existe há muito tempo, então parece que não possuem artefatos importantes como este. Para marcar a criação de sua biblioteca de registros históricos, eles solicitaram às cidades vizinhas o envio de documentos históricos. E, bem, nossa cidade infelizmente não está tão interessada nessas coisas, então decidimos enviar isso para eles.

Por que diabos você construiria uma biblioteca de registros históricos se o local não tem muita história…?

Essa pergunta me ocorreu, mas minha professora respondeu: — Sim, claro. Permita-nos ajudar —, e trocou um aperto de mão com o funcionário da cidade, então acabamos transportando a coisa.

— Ah, Senhora Bruxa? Disseram-me que as despesas de envio devem ser pagas antecipadamente, sendo assim… — Podia se ver os dois tendo um vai-e-vem furtivo, mas eu era apenas uma aprendiz, por isso fingi não ver.

De qualquer forma, foi assim que transportamos uma misteriosa estátua de gesso.

E então, imediatamente após sairmos do portão da cidade…

Começou a discussão de quem deveria carregar a coisa, e minha professora fez a proposta: — Que tal alternarmos? — Então, foi isso que fizemos. À medida que íamos de um país para outro, montávamos em nossas vassouras e literalmente a jogávamos para frente e para trás.

Só descobrimos a verdade chocante depois que estávamos no meio do caminho.

Havia um bosque perfeito de árvores entre as duas cidades, então decidimos descansar lá e trouxemos nossas vassouras para o solo.

Uma vez que estávamos no chão, minha professora disse inocentemente: — Pensando bem, nunca dei uma boa olhada nesta estátua de deusa… — Ela puxou o pano que estava cobrindo o pacote.

— Ah, agora que mencionou, também não olhei para isso. — Esperei logo atrás da minha professora, para testemunhar a revelação da deusa.

Mas…

— ……

— ……

Colocamos o pano de volta.

— Não tem cabeça… — Minha professora ficou pálida.

— Também não tem braços… — Eu tinha ficado pálida.

Será que vimos errado? Devemos ter visto errado. Isso mesmo, não há como uma estátua de uma deusa ser tão incompleta. Isso seria totalmente ridículo.

Puxei o pano novamente.

— ……

— ……

— É um desastre…

— Um desastre total…

Como diabos o pacote foi quebrado? Vamos pensar sobre isso, considerando a maneira como transportamos o pacote até agora.

A seguir está o que me lembro:

— Levante! — Minha professora jogou o pacote para mim com uma forte explosão de magia.

— Há! — Joguei o pacote de volta com uma forte explosão de magia.

— Rrr! — Minha professora jogou o pacote com… você sabe o resto.

— Rya! — Eu joguei o pacote… você sabe o resto.

— Hee-yah! — Minha professora… você sabe o resto.

— Ha-yah! — Eu… você sabe o resto.

Isso é tudo.

— Me pergunto como diabos ela foi quebrada… não tenho ideia… — Olhei para longe.

— Eu sei… não posso nem imaginar como… — Minha professora estava ao meu lado, olhando para longe.

— ……

— ……

Havia duas viajantes perplexas diante de uma estátua de gesso que havia sido quebrada por seus descuidos. Nós duas éramos magas, mas estávamos enfrentando um problema que não podia ser resolvido apenas lançando feitiços. Então, nós duas simplesmente ficamos ali em silêncio. Infelizmente, a menos que encontrássemos as partes danificadas, a estátua da deusa permaneceria sem a cabeça e os braços.

Não havia como entregá-la à biblioteca de registros históricos em seu estado atual.

A propósito.

Quem diabos eram essas duas bruxas que acabaram nesta situação desesperadora?

Isso mesmo, éramos nós.

Por fim, acabamos refazendo nosso caminho, olhando para ver se a cabeça e os braços da estátua estavam simplesmente espalhados em algum lugar. No entanto, por alguma razão, não conseguimos encontrar nada que se parecesse com partes de estátuas em nenhum lugar e, no final, não tínhamos certeza do que havia acontecido com elas.

— Senhorita! Comprei algumas peças de estátua!

Então, decidimos fazer novas.

Foi quando a conversa que incluí no início deste relato se desenrolou. Estávamos ansiosas sobre o que aconteceria se alguém percebesse que o rosto estava diferente, e nosso segredo fosse exposto, mas imaginamos que, se alguém perguntasse, poderíamos apenas dizer que fomos pagas apenas para transportar a coisa.

Nós duas soltamos um suspiro enquanto olhávamos para a reforma finalizada.

— Esta é… inconfundivelmente uma deusa…

— Espera, não é apenas o seu rosto, senhorita?

— Em outras palavras, uma deusa, sim.

— Você tem gesso no lugar do cérebro?

De qualquer forma, havíamos tentado, com nossas excelentes habilidades, reparar a cabeça e os braços danificados.

Não havia vestígios da antiga estátua. Do pescoço para cima, era uma bela mulher. Em suas mãos danificadas, colocamos, de alguma forma, uma lança que compramos num ferro velho em uma cidade próxima e a remodelamos para parecer verídica. Levei a sério a restauração da estátua da deusa até a metade do processo, mas decidi que não me importava mais quando minha professora decidiu fazer o rosto da deusa parecer quase idêntico ao dela.

— Acho que provavelmente não receberemos reclamações se for assim.

— Você está certa. Acho perfeito.

— Que tal? É adorável. Parece comigo, né?

— Você está certa. Acho perfeito.

Minha professora estava cheia de uma confiança misteriosa e meus olhos eram como os de um peixe morto. Levamos a estátua de gesso para a cidade que havia erguido recentemente sua biblioteca de registros históricos.

No entanto…

A funcionária pública que veio nos cumprimentar olhou para a estátua da deusa e franziu a testa.

— Esta é… a estátua da deusa…? — A funcionária perguntou, com uma expressão intrigada. — Tinha ouvido falar de que a estátua da deusa estava sem cabeça e braços, mas…?

Nós ficamos atordoadas. Era como se o próprio céu tivesse desabado sobre nós.

Isso é algo que ouvi mais tarde em segredo, mas, pelo que parecia, a estátua da deusa originalmente perdeu seus braços durante uma guerra.

Em outras palavras, tudo estaria bem se tivéssemos transportado o pacote com olhares inocentes em nossos rostos.

Acabamos causando ainda mais problemas e agora estávamos em uma grande enrascada.

— Hum… na verdade, eles os encontraram logo antes de chegarmos à sua cidade. Ela foi consertada! — Minha professora confusa deixou sua boca correr.

Não pode pensar que ela vai ser enganada por uma explicação como…

— Isso é mesmo verdade?! Uau! E meu deus, ela é linda.

Ah, ela foi enganada. Essa foi fácil.

— Ela é linda, não é? Bem, ela é uma deusa, afinal — Minha professora estava com uma expressão muito satisfeita.

— Muito obrigada. Isso certamente atrairá multidões para nossa biblioteca de registros históricos.

— Oh-hoh-hoh, não há de quê! Só fizemos o que era natural como viajantes. — Não ficou claro se minha professora sabia ou não que ela não estava sob suspeita, mas continuou com sua expressão satisfeita.

Enquanto olhava vagamente para as duas, a funcionária da cidade e minha professora, me senti bastante aliviada.

Depois de um tempo, a funcionária disse: — Ah, Madame Bruxa? Me foi dito que as despesas de envio seriam pagas na chegada, sendo assim… — E as duas começaram uma troca silenciosa, mas eu era apenas uma aprendiz, então fingi não ver. Não estava a par dos detalhes do negócio, então fiquei quieta.

Mais tarde, ouvimos que um boato, que a cabeça e os braços da estátua da deusa haviam sido consertados, tinha se espalhado pelo campo como um incêndio. De fato, um novo boato de que a deusa havia, de alguma forma, recuperado as partes perdidas durante a guerra, começou a circular e, para o bem ou para o mal, a cidade e sua biblioteca de registros históricos se viram no centro de um boom histórico sem precedentes.

Entretanto, a maioria dos visitantes que vieram de países estrangeiros percebeu de imediato que a cabeça e os braços eram obviamente falsos, e, assim, o hype diminuiu.

Atualmente, ouço dizer que a história das duas viajantes que se empolgaram em mexer na estátua ficou mais famosa fora da cidade, mas ainda hoje escondo o fato de que fui uma dessas viajantes.

Gostaria de levar a história deste incidente para o meu túmulo.