Bruxa Errante, a Jornada de Elaina

Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 01 – Cap. 07 – Antes do Início da Competição

Cheguei a um certo país pela manhã. Acabei o encontrando por coincidência enquanto voava pelas planícies com a minha vassoura, e por ter o encontrado do nada, não tinha a menor ideia de como era este lugar.

Em aldeias tão pequenas que não precisavam nem de um portão, uma inspeção de imigração era desnecessária, mas sempre que alguém entrava em um país com um grande território, os guardas do portão fariam perguntas. Então, a menos que algo incomum estivesse acontecendo, perguntariam sempre as mesmas coisas.

— Nome?

— Elaina.

— País de origem?

— O País Pacífico de Robetta.

— Motivo da visita?

— Passeio turístico.

— Tempo de permanência?

— Provavelmente três dias.

Normalmente as perguntas terminariam por aí, pagaria a taxa de entrada, se tivesse, e o guarda diria algo como: “Bem-vinda e tome cuidado” enquanto dava um passo para trás para dar espaço para que entrasse…

— No café da manhã, você come pão ou arroz?

Mas, as perguntas continuaram… E foi uma muito estranha.

— Oi…? — Fiz uma careta e demonstrei que não entendi a questão.

Sem sequer piscar, o guarda repetiu:

— No café da manhã, você come pão? Ou come arroz? Essas informações são necessárias, então responda honestamente.

Deve estar tendo alguma competição de gastronomia. Bom, ele disse que é uma informação necessária, então devo responder honestamente. Mesmo que eu ache que a pergunta seja um pouco estranha demais.

— Não tenho preferência. Sou uma viajante, por isso sempre como a comida dos lugares que visito.

Quer dizer, não posso dizer “Eu só como pão!” em um país onde sempre comem arroz. E o contrário também. Vou manter uma posição neutra.

— Hmm… Que incomum. — disse o guarda, acariciando sua barba antes de continuar. — Entendo. Nesse caso, vou colocar que come os dois. — Então deu um passo para trás e falou:  — Por favor, cuide-se, senhorita bruxa.

Depois de me curvar ao guarda, passei pelo portão.

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Na mesma hora entendi a razão por trás da estranha pergunta.

Parecia que existiam duas culturas em um mesmo lugar.

Quando saí do portão, vi um grande canal bem na minha frente. Com o canal como linha divisória, as casas à direita eram todas no estilo oriental, enquanto as casas à esquerda eram todas no estilo ocidental.

Logo em frente ao portão, existiam duas estradas. A placa à direita dizia: CIDADE LESTE: COMEDORES DE ARROZ AQUI!, enquanto a outra dizia: CIDADE OESTE: COMEDORES DE PÃO AQUI!

Parece que o país está dividido em duas facções: arroz e pão.

— Hmm… — Eu travei. Realmente não me importava mesmo quanto a comer pão ou arroz.

Mas, pensando bem, esta seria minha primeira vez visitando uma cidade ao estilo oriental. Estou sempre viajando por cidades ao estilo ocidental. Beleza, já decidi.

Tomei a direita.

A estrada estava revestida por pedras quadradas bem colocadas e dignas casas de madeira formavam filas ordenadas. Eu podia ver o palácio real à frente, construído no centro da divisa, assim como o canal.

Mais ou menos na metade da estrada para o palácio, havia uma ponte. Ela não combinava muito com a paisagem histórica. Pude ver um pequeno barco passando no meio do círculo formado pela ponte e seu reflexo na água.

— …?

Fiquei um pouco confusa quando vi pessoas estranhas no barco.

Tinha um homem sentado no corrimão tomando café da manhã. Ele estava vestido com roupas orientais, então, provavelmente, era um residente da Cidade Leste. Mas quando voltei a olhar, ele definitivamente estava segurando um pedaço de pão. Uma pessoa do arroz está comendo pão.

Ao lado do homem, uma mulher enchia a boca com um bolinho de arroz, que parecia muito gostoso. Ela parece ser membro da facção do arroz, mas está usando um vestido de estilo ocidental.

Fiquei intrigada. A cena era muito estranha.

— Hmm, com licença? — chamei os dois.

Depois de trocar um olhar com a mulher, o homem me respondeu.

— Pois não?

Você está comendo pão, mas está vestindo roupas orientais. Isso é estranho.

Fiz uma pergunta simples e clara:

— Que tipo de país é esse?

— Que tipo de país? Hmm. — O homem cruzou os braços e deixou a resposta para a mulher ao seu lado. — Como você responderia essa pergunta?

— Um ótimo país.

— Sim! É um ótimo país. Srta. Viajante, você está em um ótimo país.

Não era isso que eu queria como resposta. Quis dizer mais como, bem…

— A paisagem é ótima, mas você é ainda melhor.

— Nããão, você que é.

— Oh-ho-ho!

— Ah-ha-ha…

.​.​.​

Parece que sou um incômodo. Provavelmente deveria sair agora.

Além disso, acho que não vou conseguir a informação que quero com esses dois pombinhos aí, então não é como se estivesse saindo no meio da nossa conversa, né?

De qualquer forma, agradeci a eles e saí.

Andei pelas partes oriental e ocidental da cidade, na esperança de encontrar algumas informações.

Porém, quanto mais andava, mais estranho ficava. Eu não conseguia dizer o motivo pelo qual tinha tão pouca gente por aí durante a manhã, mas à tarde, quando as ruas ficavam cheias, apareciam tantas pessoas atravessando a ponte que parecia que não existia qualquer divisão.

Ainda mais estranho, apesar de suas próprias placas dizendo NÃO VENDEMOS PARA MEMBROS DA FACÇÃO DO ARROZ, as barracas de pão estavam descaradamente vendendo seus produtos para pessoas vestindo roupas orientais.

Não eram apenas nas barracas, todas as lojas da cidade pareciam ter um regulamento em vigor, desde a mercearia até o verdureiro. Todas tinham placas proibindo o atendimento aos clientes que vinham do lado oposto da cidade. No entanto, todos ignoravam. As placas não tinham absolutamente nenhum propósito.

Voltando da Cidade Oeste para a Cidade Leste, abri a cortina de uma loja de bolinhos.

— Bem-vinda. Como posso ajudá-la?

Sentei em uma cadeira e uma jovem vestida com roupas orientais se agachou diante de mim. Apontei para a placa do lado de fora que dizia NÃO VENDEMOS PARA MEMBROS DA FACÇÃO DO PÃO, e disse:

— Eu sou comedora de pão.

— Isso é uma piada? — A garçonete cobriu a boca educadamente com uma das mãos e soltou uma risadinha.

— Uma piada?

Ela sorriu para mim e disse:

— Ninguém presta atenção a essas decorações!

Claro. Posso ver isso só por observar o estado da cidade. Mas então qual é o sentido das placas?

— Seu pedido?

— Ah, quero três bolinhos de arroz doce com soja, por favor.

— É para já.

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Ainda me sentindo desconfortável, procurei uma pousada no lado ocidental da cidade.

Têm pousadas no lado oriental também, mas não posso ficar lá. Só consigo dormir em camas confortáveis. Ou talvez apenas tenha mais dificuldade em me ajustar a quartos de estilo oriental. Também não sou grande fã de andar descalço em tapetes de palha.

Andei pela cidade e depois entrei em uma pousada barata. Havia uma placa na frente que dizia: RECUSAMOS MEMBROS DA FACÇÃO DO ARROZ.

Bem, vamos ignorar essa placa.

— Noite. — Quando entrei, o dono da pousada, que parecia indiferente, estava apoiando o queixo nas mãos sobre o balcão.

— Uma noite de estadia, por favor — disse, pegando uma moeda de prata.

— Obrigado. Agora preencha o formulário.

— Pode deixar.

Já estava acostumada com esses formulários. Terminei de preenchê-lo com uma série de traços rápidos de caneta. Ao entregar o formulário preenchido ao homem, perguntei:

— Se não se importa, posso pedir que me fale um pouco sobre este país?

— Nunca te vi por aqui antes, senhorita… Você é uma viajante?

— Sim. E esta terra é tão estranha que mal consigo pensar direito.

O estalajadeiro ficou quieto por um momento, então disse:

— O que você quer saber?

Oh, ele entendeu. Como seria de esperar de uma pessoa que regularmente faz negócios com viajantes.

— Tudo bem, diga-me por que a Cidade Oeste e a Cidade Leste são tão diferentes uma da outra.

O homem finalmente me deu a informação que eu procurava.

— Antigamente, esta terra era composta por dois países vizinhos que se estendiam pelo canal. O país do lado leste herdou uma cultura oriental, e o país do lado oeste, uma cultura ocidental. Cada um tinha seu próprio rei. Os dois reis se davam bem e o relacionamento entre os dois países era ótimo, bem, não era tão diferente de como é agora.

— Uhum. — Simples o suficiente.

— Um dia, os dois começaram a conversar. Disseram: “Por que não transformar os dois países em um?” Ninguém reclamava disso, já que Oeste e Leste queriam a mesma coisa. Na verdade, parecia que a decisão estava até atrasada.

— Foi então que as pontes entre as duas cidades foram construídas?

O estalajadeiro assentiu.

— Sim. Os reis construíram para comemorar a fusão.

— Entendi. — Deve ser por isso que elas são tão novas e estranhas.

— Um pouco depois, os dois reis tiveram um filho cada. O rei do lado ocidental teve uma filha e o rei do lado oriental teve um filho. Os filhos se davam tão bem quanto seus pais e acabaram se casando. Construíram um palácio bem no canal, exatamente no meio do país unido, e começaram a morar lá. Agora os dois se tornaram um símbolo de nossa terra. E isso é tudo que sei — disse o homem, colocando a chave do meu quarto no balcão.

Peguei e disse:

— Muito obrigada. A propósito, senhor, posso perguntar mais uma coisa?

— O que seria?

Contei a ele sobre a estranha pergunta que me fizeram quando entrei no país, e sobre as placas estranhas no portão e na frente das lojas, e sobre o casal que encontrei na ponte.

— No início, pensei que o país estava dividido internamente, mas olhando por aí, parece que as pessoas não prestam atenção nenhuma às placas. Cruzam as pontes e se misturam. Então, de que adianta ter essas placas?

O homem ouviu em silêncio enquanto eu falava e acenou com a cabeça quando terminei.

— Hmm. Essas placas são uma preparação para uma grande competição.

Ele disse isso com tanta naturalidade que me perguntei se tinha ouvido errado.

— Grande competição? O que isso deveria significar?

— Ouvi dizer que querem unificar o país sob a cultura oriental ou ocidental. Bem, é por isso que os guardas do portão estão fazendo perguntas estranhas, e é a razão por trás das placas.

Talvez depois que este país foi fundido pelos reis da geração anterior, tenha aparecido um movimento para separá-los de novo.

Mas por quê?

— Aqueles dois não sabem o significado da palavra compromisso — disse o homem com uma risada.

A propósito, depois de tudo isso, ele me cobrou uma “taxa de informação”.

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Depois de passar vários dias lá, comecei a me preparar para partir novamente. Essa mistura de culturas ocidental e oriental era, sem dúvidas, fascinante, mas, se posso ser franca, era a única coisa que havia de bom.

Senti que já tinha visto o suficiente.

No final das contas, estava saindo sem entender uma parte essencial do lugar, mas tudo bem… né? Não me importei o suficiente para realmente procurar respostas. Mesmo que pudesse ouvir se alguém se importasse em explicar por que as placas estavam por aí.

Bem, está tudo bem. Tentando me convencer de que não me importava, passei pelo portão…

— Ah, espere um minuto, por favor, Senhorita Bruxa.

E fui parada… O guarda estava segurando sua lança na frente dele, bloqueando meu caminho.

— Hmm, por que disso…? — Tenho certeza de que havia algo de estranho.

— Se você puder, poderia nos dar um pouco mais do seu tempo?

— …? E por que eu faria isso?

Dependendo do tempo, da situação e do motivo, não me opus a ouvir o que ele tinha a dizer. Se for algo bobo, vou dizer não e ir embora.

— Você foi convocada pelo lorde e pela lady.

— Mas o quê…?

Bem, parece que a razão não é boba.

Andamos pelo canal, onde fui levada ao castelo entre as duas culturas. Eles me conduziram pelo interior do palácio, uma mistura de estilos oriental e ocidental, e finalmente chegamos a um enorme salão de recepção.

O salão parecia uma sala de estilo ocidental e uma sala de estilo oriental, que foi dividida em duas, e depois colada.

Não combina nadica de nada

Ouvi alguém fechando a porta atrás de mim quando entrei e pude ver dois tronos um pouco mais à frente. O homem e a mulher sentados ali pareciam estar no meio de uma discussão. Não pareciam ter me notado.

— Estou te dizendo, a competição deve ser um jogo de shogi! Não tem outro jeito!

— Isso é porque você é melhor no shogi! Quantas vezes tenho que dizer que devemos jogar xadrez!

— E quantas vezes eu tenho que te dizer, você é melhor no xadrez!

— Grrr…

— Rrrr…

A atmosfera parecia poder resultar em violência a qualquer minuto, enquanto os dois se encaravam de seus tronos. Limpei a garganta para que notassem a minha presença. Não é a coisa mais educada a se fazer na presença da realeza, mas foi eficaz para fazer com que me notassem.

— Hã? Você deve ser…

— A viajante, não é? Ora, ora…

Eu me curvei.

— Disseram que Vossas Altezas tinham alguns negócios comigo, então vim assim que fui chamada. Como posso ser útil?

— Hmm. A verdade é…

O rei abriu a boca para falar, mas a rainha o interrompeu.

— Vou contar para a bruxa, você fica quieto.

— O que…? Eu vou explicar…

— Não, eu vou.

Alguém vai me contar o que está acontecendo? Não me importo com quem seja… Olá…?

Eventualmente, depois de discutirem, o rei assumiu a liderança e me contou tudo.

— O fato é: esta terra está à beira de uma guerra. Como você pode ver, esta mulher e eu não estamos nos dando bem. Combinamos de acertar as coisas com uma disputa, mas agora não podemos decidir como será. Ouvi dizer que você é neutra, não associada a nenhuma facção, então queremos que decida como devemos proceder.

— Vocês não podem decidir como fazer a competição…? — Não, antes disso… — Em primeiro lugar, poderia começar me contando por que quer realizar esta competição?

O rei ergueu a voz:

— Porque ela insultou o povo do lado ocidental! Ela disse: “Pessoas que não comem arroz no café da manhã não são humanas”!

Sem demora, a rainha o interrompeu com uma objeção:

— Não, é porque você disse: “Pessoas que não comem pão no café da manhã são mais baixas do que cachorros”!

— Tá bom, chega. Vocês dois, fiquem quietos por um momento, por favor.

— …

Isso estava ficando desgastante, então calei a boca deles e assumi o controle da situação. Voltei a conversa para o rei.

— Alteza, quando entrei neste país, a primeira coisa que vi foi uma placa estranha. Era uma placa desconcertante, destinada a dividir a facção do arroz e a facção do pão, mas me diga, qual é a serventia exata daquilo?

— Isso torna mais fácil ver qual lado tem mais pessoas.

— Nós as colocamos em prática para que pudéssemos saber qual era mais influente.

Por que a rainha está respondendo também? Bem, tanto faz. Chamar a atenção dela seria muito problemático.

— E qual foi o resultado? — perguntei.

O rei respondeu:

— Tem mais pessoas no lado ocidental.

— Tem mais pessoas com influência no lado oriental. — A rainha acrescentou.

— É por isso que eu disse que deveríamos decidir com base no maior número de pessoas.

— Não. Devemos decidir um vencedor com base na influência financeira. É claro.

— Você não entende nada e nunca entendeu.

— Eu poderia dizer o mesmo sobre você.

— …

— …

Enquanto os dois se encaravam de novo, de repente me lembrei de algo. Sobre o que estavam gritando quando cheguei? Era xadrez e shogi, não era?

Se a discussão é sobre decidir por meio da regra da maioria ou por meio de poder financeiro, então por que estavam falando sobre jogos de tabuleiro?

Sem nem mesmo esperar minha resposta, os dois retomaram obstinadamente a discussão.

— Por causa disso, não podemos decidir. Nesse caso, quero escolher o método para determinar a competição com um jogo de xadrez.

— Não. Shogi.

— …

— Você não entende. Se jogarmos shogi, você será beneficiada!

— Você não entende, você sempre ganha no xadrez!

— …

Senti como se só estivesse bisbilhotando. Para ter certeza, perguntei ao rei e à rainha:

— A propósito, quando essa briga começou?

Os dois se viraram para mim e responderam simultaneamente:

— Dois anos atrás.

— Ah, entendo. Bem, então acho que deveriam deixar pra lá, não vão resolver isso nunca — falei, e deixei o palácio. Os dois continuaram gritando e não tentaram me impedir.

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Agora eu entendia porque os residentes de cada cidade ignoravam totalmente as placas. Passaram-se dois anos desde que o rei e a rainha disseram que iriam realizar uma competição e unificar o país sob uma cultura ou outra. O tempo passou e nada aconteceu, e nenhum dos cidadãos parecia se importar com o monte de placas colocadas por causa de uma discussão.

As placas já haviam se tornado nada mais do que decorações.

Olhando de outra forma, era um sinal de que a autoridade da coroa havia perdido o sentido. No momento, ninguém do país estava prestando atenção ao que a realeza dizia.

— Ah, Madame Bruxa. Gostou do nosso país?

O guarda saiu para me cumprimentar quando voltei para o portão do palácio. Passei direto por ele e só me virei depois de colocar os pés no mundo exterior.

Olhando para a curiosa colisão de culturas, falei:

— É um lugar agradável e tranquilo. — Embora eu não possa falar sobre seu futuro.

Talvez o rei e a rainha perceberiam que estavam perdendo tempo e voltariam sua atenção para o governo. Talvez continuassem essa discussão e o país todo ficaria cada vez mais estranho. Ou talvez tudo continuasse como estava.

O que quer que acontecesse, não era da minha conta.

— Isso mesmo. É um lugar legal, não é?

O guarda do portão assentiu com satisfação.

 


 

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