Rose observava os homens de preto com seus olhos cor de mel.
Fazia várias horas desde que foi levada até o auditório. O sol já havia se posto, e a luz quente do telhado iluminava o local.
Ela cortou as restrições dos seus braços com uma pequena faca escondida. Fingindo ainda estar presa à cadeira, passou a faca para uma garota do Conselho Estudantil, que então entregou para o próximo aluno na fila.
Rose poderia se mover a qualquer hora, mas estava ciente de que agir no momento seria um desperdício.
Seus inimigos podiam ser poucos, entretanto, todos eram poderosos demais para se negligenciar. Além disso, eram terrivelmente eficientes. Do grupo, um homem conhecido como Rex e o seu superior, Sir Esbelto, eram imensamente mais fortes do que o resto. Os professores que os subestimaram e se opuseram acabaram mortos, sem conseguirem fazer nada. Mesmo que os reféns pudessem usar magia, suas chances de vitória seriam questionáveis.
Por sorte, fazia tempo que Rex não voltava. Ela esperava que a Ordem dos Cavaleiros tivesse acabado com ele lá fora…, mas sabia que um guerreiro feroz não podia ser derrotado tão facilmente. O pensamento mais honesto dela era que precisava melhorar a situação de alguma forma antes que ele retornasse.
Enquanto o Sir Esbelto passava a maior parte do tempo na sala de espera, aparecia vez ou outra para procurar por Rex, o qual xingava baixo por sua ausência prolongada. A julgar pela sua aparência e magia densa, Rose acreditava que superava um lutador especialista, podendo até mesmo ser mais forte que Iris Midgar…, não que ela quisesse acreditar nisso. Se fosse verdade, as chances de Rose derrotá-lo, mesmo que recuperasse a magia, eram praticamente zero.
De qualquer forma, sabia que não era o momento certo para agir ainda. Mas a verdade era que não tinha tempo.
Conforme os minutos passavam, Rose conseguia sentir a magia saindo do seu corpo. Ela não sabia o motivo, mas a sua melhor suposição era que estava relacionado ao fenômeno que a bloqueava. Mesmo que estivesse longe de se sentir fraca, os alunos com menos magia estavam começando a se sentir doentes. Em mais algumas horas, alguns deles poderiam sofrer de deficiência mágica, o que significava que perderiam a chance de contra-atacar para sempre.
Havia uma figura que sempre suprimia o pânico e desconforto quando aquilo tomava conta do coração dela.
Toda vez que Rose se lembrava da postura heroica do garoto que se sacrificou para salvá-la, uma sensação quente surgia em seu corpo. Ela não deixaria que o desejo dele fosse esquecido. Enquanto repetia essa promessa a si mesma, esperava pelo momento certo.
E, então, era chegada a hora, inesperadamente.
O auditório se iluminou de repente por uma radiante luz branca.
Rose não sabia o que era aquilo, mas reagiu antes que pudesse pensar.
Não tinha como ligar para de onde vinha. Seus instintos diziam que essa era a última chance.
Enquanto todos estavam cativados pela luz forte, Rose cerrava os olhos enquanto corria na direção de um dos seus sequestradores. No momento em que envolveu a mão ao redor do pescoço desprotegido dele, percebeu algo.
Consigo usar magia! Ela arrancou a cabeça dele com as mãos.
Não sabia porque podia usar magia de novo, mas não importava. Pegou a espada da cintura do homem decapitado, ergueu-a e gritou:
— Temos nossa magia de volta! Pessoal, ergam-se! Essa é a nossa hora de revidar!
O auditório agitou-se.
A garota do Conselho Estudantil se moveu, cortando as restrições que prendiam os alunos, e os que foram libertados começaram a se mexer. O ar pulsava com a euforia coletiva e efervescente deles.
Rose nocauteou um homem ao liberar uma onda de magia nele.
Tudo pela vitória, isso era o que estava em sua mente.
Naquele momento, percebeu que era o símbolo da insurreição.
Se continuasse lutando, eles lutariam também. Continuaria lhes mostrando uma vitória incontestável. Rose manejava sua espada com toda a força sem focar em como estava distribuindo a magia em seu corpo.
— Sigam a presidente do Conselho Estudantil!!
— Tirem a espada dela!!
Ela era alvo de atenção, ódio e aplausos enquanto assassinava quantidades imensuráveis de inimigos e libertava todos os alunos, tudo isso enquanto continuava lutando.
Todos admiravam e aspiravam sua valentia.
Mas o seu estilo de combate também era imprudente, e ela não pensava duas vezes em sua regulagem interna de magia. O seu poder podia ser imenso, entretanto, deixava o seu corpo, e ela rapidamente se aproximava do seu limite. Podia sentir isso enquanto calmamente prestava atenção nas suas limitações. Sua magia escapava, fazendo com que a esgrima perdesse força e o corpo fosse ficando pesado.
Ao invés de matar com um golpe, passou a precisar de dois golpes, então três.
Estou quase terminando… Só mais alguns…, pensava, mas podia sentir que se aproximavam dela.
Só preciso matar mais um. Percebeu algo enquanto se aproximava do seu limite.
O entusiasmo dos alunos consumira o auditório. Mesmo que Rose fosse derrotada, eles não parariam de lutar.
O garoto passou o seu desejo a Rose, que o distribuiu a todos. Enquanto muitas vidas eram perdidas em batalha, alguém continuava a carregar a sua tocha.
Não foi um desperdício.
A morte dele, e aquela que a aguarda, não foi em vão.
Rose, do reino das artes, tinha seus motivos para treinar com a espada. Nunca contou a ninguém sobre eles; não passava de um sonho bobo que tinha desde criança. Mesmo assim, era um sonho que ela queria realizar a qualquer custo. Esperava ter chegado um pouco mais perto de realizá-lo.
Enquanto estes pensamentos percorrem sua mente, moveu a espada pela última vez.
Estava quase desprovida de magia, sem contar que foi fraca e lenta.
Entretanto, decapitou o inimigo com o golpe mais belo de toda sua vida.
Era a melhor sensação que já teve. Naquele momento, sentia como se enfim tivesse compreendido algo precioso.
Mas… doía saber que compreendeu isso quando o fim estava próximo. Rose viu espadas vindo na sua direção de todos os lados, desejando ter vivido só mais um dia.
Então, aquilo se tornou realidade.
Um redemoinho negro chocou-se contra os inimigos, fazendo com que eles cuspissem litros de sangue e acabando com todos em um piscar de olhos.
O silêncio tomou conta do lugar, com se tudo estivesse parado.
No olho do furacão estava um homem de manto preto.
— Soberbo. Você possui uma esgrima linda… — disse ele para Rose, com uma voz que parecia ecoar das profundezas da terra.
Ele parecia estar elogiando a forma com que ela manejava a espada, o que a afetou mais do que palavras poderiam expressar.
— Meu nome é Shadow.
O homem que se chamava Shadow… não era nem um pouco assustador.
— E-eu me chamo Rose. Rose Oriana… — A voz dela tremia, chocada demais para ficar de pé.
A esgrima dele era extremamente superior à dela. Suas habilidades eram o resultado de um treinamento assíduo, eliminando excessos, de aperfeiçoamento, de integração de técnicas variadas. Rose sentia como se o tempo tivesse parado. Nunca viu uma esgrima tão perfeita quanto aquela.
— Venham a mim… minhas servas leais…
Shadow liberou magia com um tom azul-violeta na direção do céu. Enquanto Rose se banhava naquela luz, um grupo inteiramente vestido de preto adentrou o auditório.
Droga, são reforços deles…? Rose se perguntava.
Mas seus temores foram sanados.
O grupo tocou o chão com graciosidade e entrou em ação.
Não tinha como ser uma disputa interna… Mas também não pareciam ser da Ordem dos Cavaleiros. Ao observar com maior atenção, notou que a tropa era composta apenas por mulheres. E, além disso…
— São fortes…
Cada uma delas era poderosa… uma força da natureza.
Cortavam os sequestradores em um piscar de olhos.
As mulheres possuíam as mesmas técnicas de espada que Shadow, o que significava que essas guerreiras aterrorizantes estavam sob seu comando.
— Mestre Shadow, fico feliz por estar bem.
— Ah, Nu.
Uma mulher vestida de preto se aproximou dele e se curvou.
— O líder deles incendiou o campus e fugiu da área.
— Patético… Deixe-o comigo.
— Entendido.
— Ele acha mesmo que pode escapar…? — Shadow deu uma risada baixa.
Abrindo o manto, cortou as portas do auditório com um único golpe de espada e, de bônus, o oponente perto dele se tornou um amontoado de carne imóvel.
Ele imitava ligeiramente a esgrima de Rose, movendo sua espada como se a exibisse antes de desaparecer na noite.
Cada um dos seus movimentos servia como um exemplo perfeito para Rose.
— Está tudo bem? — A garota conhecida como Nu se aproximou dela.
— Sim…
— Aquelas técnicas foram fantásticas — comentou Nu, preparando sua katana preta e engajando na luta.
A esgrima dela era extraordinária. Ela acabava com os homens de preto, deixando-os de cara no piso.
Rose podia sentir o seu senso comum – não, seu senso como cavaleira negra – sendo destruído. A esgrima exibida por aqueles guerreiros não se encaixava em nenhum molde preexistente.
Era uma arte completamente nova.
De onde esse grupo poderoso e metodologia saíram? Ficou chocada por nunca ter ouvido falar deles antes.
— Fogo! Fogo está vindo nessa direção!
A voz a puxou de volta para a realidade. Podia sentir as chamas aumentando nos fundos do auditório.
— Fujam se estiverem perto da saída! — gritou, comandando os alunos. Graças ao grupo só de mulheres, puderam evitar sacrifícios desnecessários.
O fim da batalha estava próximo.
Rose acompanhou os feridos até a saída.
— A Ordem dos Cavaleiros está vindo!!
Todos ficaram aliviados com a mensagem. Ela soltou a tensão do corpo e quase caiu, mas foi capaz de manter-se de pé com rapidez.
Os alunos estavam sendo evacuados do auditório um por um. O fogo se intensificou, e os homens de preto foram aniquilados.
Antes que Rose percebesse, o grupo de mulheres de preto se fora.
Elas desapareceram habilidosamente sem serem detectadas, não deixando traços, como se nunca tivessem estado ali.
Rose ajudou cada aluno a sair do auditório até que ninguém mais restasse e olhou para as chamas opressoras que consumiam a estrutura.
— Quem eram eles…?
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Um incêndio distante lançava um brilho fraco sobre o escritório do vice-diretor à noite.
Uma silhueta se movia na sala escura, tirando vários livros das prateleiras e deixando-os queimar no chão.
Os livros eram consumidos por um fogo pequeno que iluminava bem o local.
A silhueta pertencia a um homem todo trajado de preto.
— O que você está fazendo vestido desse jeito, Vice-Diretor Lutheran…?
A sombra negra estremeceu. Ele devia estar sozinho ali, mas um jovem garoto foi capaz de entrar sem que percebesse.
O garoto estava sentado de pernas cruzadas no sofá, lendo um livro. Sua aparência comum e cabelo preto, um zé-ninguém. Mas ele sequer olhava para as chamas que se espalhavam a partir das sombras. Seu olhar continuava focado em um livro espesso, e o som das páginas sendo viradas ecoavam pelo aposento.
— Você tem uma boa percepção — comentou o homem, removendo a máscara para revelar um rosto de meia-idade.
Era realmente o Vice-Diretor Lutheran, mostrando fios cinzas em seu cabelo penteado para trás.
Lutheran jogou a máscara no fogo, então as roupas pretas, incinerando tudo. A luz se intensificou.
— Para referência futura, suponho que irá deixar que eu pergunte como descobriu, Cid Kagenou.
Lutheran sentou-se de frente para o garoto.
— Soube no momento em que coloquei os olhos em você.
Cid olhou para Lutheran por um segundo, mas logo voltou a atenção para o seu livro.
— Soube apenas ao me ver, hein? Talvez seja a forma como ando ou meu físico… De qualquer forma, tem olhos afiados.
Lutheran observava Cid, cujo foco estava voltado ao livro.
As sombras dos dois bruxuleavam com a luz das chamas.
— Posso lhe fazer uma pergunta para a minha referência? — Cid perguntou enquanto encarava o livro.
Lutheran, em silêncio, fez sinal para que continuasse.
— Por que fez isso? Não parece o tipo de pessoa que gosta dessas coisas.
— Por quê? Bem, começou há muito tempo — murmurou Lutheran, cruzando os braços. — Eu estava no ápice da minha carreira, antes mesmo de você ter nascido.
— Ouvi dizer que venceu o Festival Bushin.
— Sim, mas esse de longe não foi o meu momento de maior orgulho. O ápice da minha carreira era maior do que isso. Você não entenderia se eu contasse.
Lutheran riu. Ele não parecia estar falando de maneira irônica, pelo contrário, parecia um tanto cansado.
— Logo depois de eu chegar no topo, fiquei terrivelmente doente e fui forçado a me aposentar. Depois de anos lutando, toda a minha honra evaporou no mesmo instante. Enquanto buscava uma cura para a minha doença, encontrei potencial em uma pesquisadora de artefatos chamada Lukreia.
— Sinto muito, mas essa história vai demorar?
— Um pouco. Lukreia era a mãe de Sherry, uma mulher azarada, odiada por aqueles em seu campo por ser inteligente demais. Como pesquisadora, possuía um conhecimento sem igual, e eu a achei benéfica para mim. Apoiei o seu trabalho e reuni artefatos para ela, e ela focou na pesquisa, a qual usei depois. Não tinha interesse em fama nem fortuna, por isso nos demos bem. E, então, me deparei com o Olho da Avareza. Era o artefato que eu buscava. Mas, sabe, Lukreia… aquela mulher idiota, disse que não era seguro e estava prestes a pedir para que a nação o guardasse. E foi por isso que a matei. Depois que a cortei das extremidades até o fundo, empalei seu coração e torci minha lâmina.
O livro de Cid permanecia aberto enquanto ele continuava de olhos fechados e ouvia a história de Lukreia.
— Adquiri o Olho, mas a pesquisa estava incompleta. Foi então que, convenientemente, encontrei outra pesquisadora, Sherry, a filha de Lukreia. Ela era ingênua e tola, atendendo a todos os meus desejos. Nunca soube que eu era o inimigo, aquela criança adorável e estúpida. Graças à mãe e à filha, o Olho agora está completo. Tudo o que preciso fazer é arrumar o local para reunir a magia e preparar a camuflagem perfeita. Hoje… será o meu melhor dia, no qual todos os meus sonhos se realizarão.
Lutheran soltou uma risada maldosa para si mesmo.
— Então, serve como referência para você?
Em resposta, Cid abriu os olhos.
— Acho que entendi grande parte. Porém… há uma coisa que não entendi.
— Pergunte, então.
— Disse que matou Lukreia e usou a filha dela. É realmente verdade? — Cid desviou os olhos do livro e os fixou em Lutheran.
— Claro que é. Isso te deixa irritado, Cid?
— Você nunca saberá… Posso separar com clareza o que é importante para mim e o que não é, sabe. — Cid baixou ligeiramente os olhos.
— Posso perguntar por quê?
— Faço isso para continuar focado. Tenho um sonho que sempre quis realizar, sonho este que costumava ser inalcançável. É por isso que continuo cortando coisas da minha vida.
— Eh?
— Todos nós passamos a vida acumulando coisas que amamos. Adquirimos amigos, amores e trabalhos… e assim continua. Mas, por outro lado, corto essas coisas da minha vida, decidindo o que não preciso. Joguei muitas coisas fora. No final do dia, só me resta aquilo que não posso viver sem. É por isso que vivo, e não me importo tanto com o que acontece fora isso.
Cid fechou o livro com uma batida, ficou de pé e o jogou no fogo.
— Está me dizendo que os destinos daquela mãe e filha idiotas não importavam para você, é isso?
— Não. Eu disse que não me importo tanto, mas isso não significa que eu realmente não dou a mínima. Neste exato momento, sinto-me um pouco… incomodado. — Cid brandiu a espada que estava em sua cintura. — Acho que já está na hora de começarmos. Alguém pode entrar aqui se demorarmos demais.
— Sim. Infelizmente, temos que nos despedir.
Duas lâminas desembainhadas brilhavam com as chamas, e a batalha terminou no mesmo instante.
A espada de Lutheran perfurava o peito de Cid, o qual jorrava sangue.
Cid chocou-se contra a porta, jogado no corredor infernal. Em um piscar de olhos, o seu corpo foi coberto pelas chamas carmesins que o engoliram.
— Adeus, rapaz.
Lutheran guardou a espada enquanto o fogo do corredor entrava na sala, ficando mais intenso, então se virou, prestes a sair do escritório.
— Aonde pensa que vai?
— Nnr…!
Como se saísse das profundezas de um abismo, uma voz profunda ressoou detrás dele. Quando olhou para trás, viu um homem de preto usando uma máscara mágica, um capuz e um manto negro que queimava com um brilho vermelho. O recém-chegado não dava atenção alguma às chamas que envolviam sua espada.
— Maldito…! — Lutheran apertou a espada.
— Meu nome é Shadow. Me espreito na escuridão e caço as sombras…
— Então é de você que tenho ouvido falar… — Lutheran tinha sua lâmina desembainhada em mãos.
Agarrando sem muita força o cabo da sua katana, Shadow o confrontou.
Ambos trocaram olhares por um momento, e Lutheran foi o primeiro a olhar para o lado.
— Vejo que é bastante forte.
— Hmm…
— Também vivi com a minha espada. Posso entender tudo ao confrontar o meu oponente… e até mesmo o fato de que estou em desvantagem neste momento. Sinto muito, mas devo lutar com todo o meu poder.
Ele pegou uma pílula vermelha do bolso da frente e a engoliu, após isso, pegou o Olho da Avareza e o seu dispositivo de comando.
— O verdadeiro valor do Olho só se torna aparente quando os itens estão combinados assim.
Um tinido foi ouvido quando os dois artefatos se uniram, emitindo uma luz radiante que formava uma hélice de palavras brilhantes de um alfabeto antigo. Lutheran ria enquanto colocava o artefato no peito.
— Neste exato momento, eu renascerei.
O artefato afundou em seu peito, roupas e pele, como se fosse submergido em água.
— AAAAAAAAaaaaaaaaaaah!! — gritou enquanto arranhava o peito.
As letras antigas brilhantes se reuniram ao seu redor, prendendo-se ao seu corpo. Uma luminescência pintou todo o local de branco.
A luz foi perdendo a intensidade, e Lutheran estava ajoelhado no meio de fumaça branca.
Ele ficou de pé a um ritmo lento. Quando olhou para frente, um conjunto de letras pequenas e brilhantes grudou em seu rosto como se fosse uma tatuagem.
— Fantástico… Incrível… Meus poderes estão retornando e a minha doença será curada!
Lutheran estava no meio de um redemoinho de chamas que ondulava por causa da força da sua magia poderosa. As letras brilhantes não estavam apenas gravadas em seu rosto, mas também em suas mãos e pescoço.
— Você jamais compreenderá minha força frenética! Essa magia está muito além de todas as limitações humanas — zombou Lutheran. — Deixe-me testá-la com você.
Então, desapareceu.
No instante seguinte, Lutheran atacou Shadow por trás. Ouviu-se um eco agudo, e o ar entre eles vibrou devido ao impacto.
— Eh, que defesa impressionante.
Shadow bloqueou o ataque com a sua espada negra enquanto continuava olhando para frente. Lutheran usou toda a sua força para manter-se contra ela, mas a arma do seu oponente não se movia.
— Eu o subestimei. Entretanto, o que acha disso?
Ele desapareceu mais uma vez. Desta vez, havia sons estridentes em sucessão.
Um, dois, três.
Em todas as vezes, a espada de Shadow apenas se ajustava ligeiramente, com o mínimo de movimentos possível.
Na quarta vez, Lutheran apareceu na sua frente.
— Eu não achei que bloquearia aquela. Reconheço a sua força. — Ele encarava Shadow e ria calmamente. — Para respeitá-la de maneira apropriada, liberarei o meu verdadeiro poder. — Ele mudou de posição.
Focou uma quantidade devastadora de magia na espada erguida sobre a cabeça.
— Na vida após a morte, pode se orgulhar por ter me feito liberar o meu poder.
Aquele golpe foi na direção de Shadow com força e velocidade para pulverizá-lo.
Mas a lâmina negra defendeu com facilidade.
— O quê?!
Uma explosão de faíscas voou entre a lâmina negra e a espada de luz.
— Você conseguiu bloquear essa também?!
— Com o seu nível… sim.
Os dois se encararam de uma distância perigosamente próxima.
— Ksh… Acabei de começar.
A espada de Lutheran cortava rapidamente, deixando para trás uma trajetória belíssima de imagens residuais brancas no ar.
— RAAAAaaaah!!
Enquanto rugia, a lâmina negra repelia seus ataques.
— AAAAAaauugh!!
Os golpes brancos atingiam a lâmina negra, ambas se chocando como se compusessem uma música juntas, o que adicionou mais uma camada à noite em chamas.
Mas já estava prestes a terminar.
Com um golpe da lâmina preta, Lutheran voou para trás, chocando-se contra a mesa e caindo no chão.
— Gak… Impossível…! — Ele apertava o corpo dolorido à medida que ficava de pé. Seus ferimentos se curariam rapidamente, mas parecia que o texto antigo estava ficando mais fraco. — Não achei que seria difícil assim. Heh, estou impressionado. Entretanto, não importa o quão forte seja, acabarei com todos vocês.
— O que quer dizer com isso…?
— Bem, fiz com que os incidentes parecessem ser obra do Jardim das Sombras. Com as evidências das testemunhas, tudo foi preparado. Independentemente da sua força em batalha, sofrerá um final trágico.
Lutheran gargalhou, contorcendo o rosto enquanto esperava a resposta de Shadow.
Todavia, Shadow estava rindo. Uma gargalhada aterrorizantemente profunda vinha dele.
— O que é tão engraçado?
— É divertido ver você achando que algo tão insignificante assim poderia acabar conosco.
Lutheran parou de sorrir.
— Só está com medo de admitir a derrota.
Shadow balançou a cabeça como se dissesse: você não sabe de nada.
— Desde o começo, nunca andei no caminho da justiça nem do mal. Fazemos o nosso próprio caminho.
Shadow ergueu o manto incendiado.
— Você fala bastante. Nos acusa pelos pecados do mundo. Nós os aceitaremos, mas nada irá mudar. Ainda faremos aquilo que devemos fazer.
— Você diz que não teme se opor contra o mundo? Quanta arrogância essa sua, Shadow!
— Então venha e me faça mudar de ideia.
Lutheran avançou com a espada na direção acima da cabeça de Shadow, que se esquivou do ataque logo antes de a sua cabeça ser cortada ao meio.
— O quê?!
Sangue fresco jorrou.
A lâmina negra foi cravada no pulso direito de Lutheran, e ele imediatamente moveu a espada na mão esquerda e começou a recuar.
— Impossível!
Desta vez, a espada negra cortou seu pulso direito. Enquanto Lutheran estava surpreso, a katana de Shadow vinha em sua direção.
— Guh… gah…!
Lutheran se sujou com o próprio sangue ao falhar em contra-atacar os ataques que seus olhos não conseguiam perceber. Seus pulsos, pés, antebraços e coxas foram perfurados centenas de vezes.
A próxima rajada de golpes estava concentrada em seu ponto vital.
— Cortando das extremidades até o fundo…
A voz profunda de Shadow ecoava em cada estocada.
— E torcendo minha lâmina em seu coração, é isso…? — disse, enfiando a lâmina no peito de Lutheran ao mesmo tempo.
— O q…?!
Mesmo que sangue jorrasse da sua boca, Lutheran agarrou a arma apontada para o seu coração e resistiu. Os seus olhos encontraram os do garoto, os quais estavam atrás da máscara.
— Não pode ser. Você é Ci…!
No momento em que estava prestes a finalizar sua frase, a lâmina foi torcida.
— Ga… agh… aghh…!
Quando gritou, um rio de sangue foi bombeado para fora do seu peito. A luz em seus olhos e o texto antigo começaram a desaparecer. Tudo o que restava era o cadáver de um homem de meia-idade magro.
E, então, a silenciosa batida de passos.
— Pai…?
Sujo da cabeça aos pés de sangue, Shadow se virou e viu… uma garota com cabelo cor de pêssego.
— Paaaaaaiii!! — Ela passou correndo por Shadow e agarrou o cadáver.
— Não… Como…? Por quê…?!
Ela se debruçou sobre o corpo magro e chorou. O seu pai adotivo não se movia mais, e Shadow observava as lágrimas dela caírem e molharem o rosto do cadáver, então se virou.
— É melhor não saber…
E, assim, desapareceu em meio às chamas selvagens, deixando os choros dela para trás.
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Ela ficou sabendo que o garoto com um ferimento grave nas costas estava sendo tratado na escola.
Quando essa informação chegou até Rose, ela não aguentou e correu até a barraca de primeiros-socorros da escola que queimava na escuridão da noite.
Alunos e instrutores que não estavam ocupados ajudavam a apagar o fogo.
A Ordem dos Cavaleiros movia-se para tratar os feridos e perseguir o Jardim das Sombras. E Rose enfim chegou à barraca depois de passar pela multidão agitada.
O garoto sendo tratado era um cavaleiro negro do primeiro ano com o cabelo preto, e tinha as mesmas características daquele que ela procurava.
Mas ele devia ter morrido naquela hora, ainda que não tivesse conferido os seus sinais vitais. Ela não teve tempo nem compostura para tal.
O que significava que, talvez, mas só talvez, ele poderia estar vivo. Poderia muito bem estar dentro daquela barraca.
Rose não era capaz de abandonar aquela débil esperança.
Sua mente negava a expectativa enquanto o seu coração dizia que era verdade. Rose notou que isso estava deixando-a fraca.
Dentro da barraca que cheirava a sangue e álcool, o time de primeiros-socorros estava agitado, atendendo os pacientes. Rose andou pela barraca, checando o rosto de cada um… até que encontrou o garoto de cabelo preto.
Ele estava deitado de barriga para baixo em uma cama, tendo o ferimento em suas costas tratado.
O médico conversava com ele, então estava consciente… talvez.
— H-hmmm… Você é Cid Kagenou? — Rose fazia parecer que queria pedir um favor.
— Sim…? — Ele virou a cabeça para olhar. O rosto era o mesmo daquele garoto heroico.
— Estou feliz… tão feliz…
— Espere… hein?!
Ela o abraçou, apertando-o com força enquanto a cabeça dele era pressionada contra seus peitos. Rose jurou que jamais o perderia de novo.
Algo quente surgiu em seu coração.
— Hm… Estamos no meio do tratamento…
— Ah! É mesmo.
A voz tímida do médico trouxe Rose de volta à realidade, e ela soltou Cid.
— E como estão os seus ferimentos?
— O corte nas costas dele é profundo. É um milagre não ter danificado os nervos nem órgãos internos, também não é fatal.
— Minha nossa! Sério?!
— Sim, sério.
— Uou! Isso é ótimo! — O corpo inteiro dela tremia de alegria.
— Hm, sim, então acho que consegui escapar do ataque fatal inconscientemente. Não, eu desmaiei, por isso não sei de certeza, mas foi assim que sobrevivi. — Cid soava defensivo por algum motivo desconhecido.
— Você deve ter agido por reflexo, graças ao seu treinamento duro. Incrível.
— Hm, não exatamente.
Rose ajoelhou-se diante dele e o olhou direto em seus olhos.
— Tenho certeza que foi. Seus esforços e paixão em sim deram vida a este milagre.
Ela acariciou a bochecha de Cid enquanto olhava para ele, perto o bastante para quase sentir sua respiração.
— Hmm…
— Não precisa dizer nada. Eu aceitarei os seus sentimentos. — Os olhos dela se enchiam de lágrimas enquanto o observava, e suas bochechas ficaram vermelhas como uma rosa.
— Está tudo bem contanto que esteja convencida de que eu sobrevivi milagrosamente. Mas depois não saia por aí dizendo que foi uma anomalia estranha.
— Pode deixar. Agora descanse.
— A negociação está completa. Boa noite.
Rose o observava apaixonadamente enquanto ele fechava os olhos e adormecia. O seu coração nunca bateu tão rápido assim em toda sua vida.
Badum, badum, batia ele.
Até então, só tinha ouvido falar desse sentimento, porém, agora, enfim estava sentindo-o em primeira mão.
— Já que salvou minha vida… lhe darei meu coração…
Ela acariciou o cabelo de Cid e ficou ao seu lado até amanhecer.
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— Não acha que fizeram um bom trabalho? — perguntou uma elfa loira extremamente bela, apresentando uma folha de papel.
Em um vestido preto que a fazia parecer a própria escuridão, estava no prédio da Mitsugoshi tarde da noite.
Gamma pegou o papel da beldade e murmurou:
— Lady Alpha… nem sei o que dizer.
— Sinto muito. É uma pergunta difícil de responder.
Alpha riu para si mesma. O papel que encontrou era um cartaz de procurado que possuía um rascunho de Shadow em seu manto negro.
— Shadow: inimigo do Reino Real. Procurado por assassinato em massa, incêndio, roubo, sequestro… Que homem travesso.
— Você também está nos cartazes de procurados do Jardim das Sombras, Lady Alpha. Ainda que só mencione o seu nome.
— Onde?
Gamma pegou outro papel e entregou a ela para que lesse.
— O Jardim das Sombras… Que organização terrível.
O brilho da lareira iluminava o seu perfil, e sua beleza sobrenatural difundia da escuridão.
— Mas é uma pena. Não acredito que voltamos correndo para cá para chegar quase no fim.
Alpha jogou o cartaz de procurado no fogo, murmurando para si mesma enquanto observava as chamas o envolverem e o carvão cobrir as bordas do papel.
— Nos acusam pelos pecados do mundo. Nós os aceitaremos, mas nada irá mudar. Ainda faremos aquilo que devemos fazer. Que lindo…
Alpha olhava o papel se tornar cinzas.
— Lá no fundo, costumava achar que estávamos do lado da justiça. Porém, não era assim.
A luz e sombras ao redor do seu rosto deslumbrante mudam com as chamas bruxuleantes. Às vezes, parecia uma deusa, e em outras, um demônio. O fogo alternava caprichosamente entre as duas.
— Ele está preparado, e nós devemos seguir seus passos.
Alpha se virou para Gamma, que engoliu em seco, nervosa, ao ver o seu rosto.
— Reúna todos os membros disponíveis das Sete Sombras.
— Sim, o farei agora mesmo. — Gamma curvou a cabeça. Suor frio escorria pelo pescoço e desaparecia em seu decote.
Depois de um vento frio da noite passar por ela, ergueu a cabeça, mas não havia ninguém ali.
Tudo o que restava eram as chamas na lareira bruxuleando violentamente.
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— Com licença…!
Ao ouvir alguém o chamando na frente do campus queimado, o garoto comum de cabelo preto se virou.
— Ah, sinto muito, eu estava completamente distraído. O que foi?
— Eu ouvi que poderia te encontrar aqui caso esperasse. Há algo sobre o quê quero conversar… — admitiu a garota de cabelo cor de pêssego, observando-o.
— Tranquilo. Vai levar um tempo até que as autoridades venham me interrogar mesmo. Além disso, por enquanto as aulas vão ser canceladas.
— Hm… Obrigada pelo outro dia. — Ela curvou a cabeça ligeiramente. — Você realmente me salvou, Cid.
— Não foi nada.
— Eu realmente não teria conseguido sem você.
— Está tudo bem. Não se preocupe com isso.
— Além disso, tem algo que preciso te contar. Hm, decidi estudar no exterior.
— Eh, isso explica a bagagem.
Havia filas e mais filas de bagagens atrás dela.
— Sim, pegarei uma carruagem até Laugus.
— Então vai para a cidade acadêmica… Uou, isso é ótimo.
— Eu preciso fazer uma coisa, então irei, pois não sou capaz de conseguir com o conhecimento que tenho agora.
— Tudo bem. Desejo o melhor a você.
— E também… não tem mais um motivo para continuar aqui. — Ela virou-se para a escola pesarosamente. — Queria que pudéssemos ter conversado mais, Cid…
— Eu também, mas algum dia nos encontraremos novamente.
— Sim, estou ansiosa por isso. — Ela riu e passou por ele.
— Ah, espere um segundo.
— Sim? — Ela parou ao ouvir sua voz e se virou.
— Posso perguntar o que você tem que fazer?
A garota sorriu, apreensiva.
— É segredo.
— Entendo.
— Mas, quando tudo isso terminar… você ouvirá a minha história?
— Com certeza…
Os dois riram antes de se distanciar um do outro.
Enquanto partiam, nuvens sopradas pelo vento cobriam o sol do verão, e a brisa morna carregava o cheiro de chuva.
— Eu prometo…
E o vento carregou o sussurro dela até os seus ouvidos.
Ele pareceu ter ouvido tudo, um conjunto de palavras que não eram para os seus ouvidos. Se virou para olhá-la enquanto ficava cada vez menor, distanciando-se dele.
Pequenas gotas de chuva pingaram do céu, molhando o cabelo rosa-claro dela, e ele continuou andando como se nada tivesse acontecido.
E nenhum dos dois se virou novamente.
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