86: Oitenta e Seis

86: Oitenta e Seis – Vol. 08 – Cap. 02: Moby-Dyck ou a Baleia

Sob um céu espesso, sombrio e encoberto, estava a superfície negra e chumbo do mar. Rochas de ébano recortadas jaziam na costa repleta de recifes, enquanto o rugido melancólico do oceano abafava os gritos das aves marinhas. Ao longe, podia-se avistar destroços de navios de guerra amontoados como montanhas, alinhando o panorama.

“…Acho que isso é o mar”, disse Shin, desviando o olhar de sua primeira visão do oceano.

“Não, não é! Não é assim!” Frederica aumentou o tom, batendo os pés em protesto.

Eu quero ver o mar. Sempre que esse pensamento lhe vinha à mente, Frederica imaginava um mar azul e cintilante sob um céu claro e ensolarado, ou praias brancas repletas de restos de corais. Gotas de água do mar refletindo a luz do sol, palmeiras, flores belas cercadas pelo alegre cantar das gaivotas.

O mar ser negro não se devia apenas às nuvens escuras. Era por causa das rochas e areia no fundo do oceano, o que significava que mesmo com tempo bom, a água do mar ali continuaria negra. Sempre seria assim. E como a temperatura da água era congelante o ano todo, eles não podiam nadar nela também.

“E qual é esse cheiro podre no ar?! O que significa esse… esse fedor…?!”

“Não deveria cheirar a sal? Não tenho certeza, porém.” Ele havia lido algo nesse sentido em algum momento, mas não estava realmente certo. Mesmo que ele encontrasse o cheiro do mar salgado, ele não o reconheceria.

“…Ah. Finalmente, estamos no mar, mas não sei o que fazer…!” Frederica falava com lágrimas nos olhos enquanto encarava com reprovação uma onda batendo com estrondo contra as rochas. Sentia como se suas expectativas tivessem sido completamente frustradas e não tinha para onde liberar essas emoções acumuladas.

“Você está satisfeito com isso?!” ela perguntou a Shin com raiva. “Você não disse à Vladilena que queria mostrar o mar a ela?! Ver ao lado dela?! Certamente, esse não é o mar que você imaginou!”

“Vou admitir que isso não era exatamente o que eu esperava…”, disse Shin, virando-se para olhar alguém parado ao longe.

Eles ainda não haviam conversado desde então.

“Mas a Lena parece feliz com isso de qualquer maneira.” Olhando à frente, ele podia ver Lena atônita, seu rosto pálido irradiante enquanto observava as ondas subirem e descerem. Apreciando a reação dela com um olhar lateral, Shin não pôde deixar de sorrir também.

(N/R Báleygr: Nosso ceifador está tão apaixonado~ )

“Vocês dois… Vocês realmente são…”

De longe, eles podiam ouvir uma “canção” — como o soprar de uma flauta fina e prateada, seguindo suavemente junto às ondas.

“Aquele ‘canto’ anteriormente veio de um dos maiores espécimes. O grito de uma classe de cinquenta metros, assim como essa garota. Ouvir isso não é incomum nos países da Frota, mas vocês têm bastante sorte de pegá-lo em seu primeiro dia aqui.”

Eles estavam no saguão de uma base militar, que originalmente era um museu ligado à universidade naval. Foi requisitado no início da guerra e convertido em uma base.

De pé no centro do saguão estava um oficial jovial, vestindo um uniforme Azul-Marinho Indigo com forro carmesim. Ele tinha uma bela tatuagem de um pássaro de fogo estendendo suas asas gravadas em seu rosto. Estendia-se da testa, passava pela borda do olho esquerdo e descia até o osso da bochecha.

Sua voz serena ecoava sonoramente na brisa salgada do mar. Sua pele estava bronzeada, e seu cabelo castanho-claro parecia desbotado pelo sol. Tinha olhos verde-esmeralda, que provavelmente eram sua cor natural.

E ainda assim, os olhos do Esquadrão de Ataque não estavam fixos nele. Sua atenção foi capturada pelo grande objeto suspenso imponentemente — embora talvez um pouco menos pelo quão apertado parecia — no teto.

Era um esqueleto massivo de uma besta, grande demais para existir em terra nos tempos modernos.

“Caçar essa garota é a realização de maior orgulho da nossa Frota Orphan— ou pelo menos eu gostaria de dizer isso, mas ela morreu de causas naturais e foi levada pela correnteza até a costa. Eles também pegaram muitos peixes e os comeram com óleo quando a encontraram. Um dia bastante bom para eles, no geral. Os estudiosos realmente lutaram para embalar e preservar o esqueleto, no entanto.”

Sua espinha longa se estendia como uma árvore milenar, assemelhando-se a um dragão em forma, carregando consigo uma caixa torácica larga o suficiente para uma pessoa viver razoavelmente dentro. Tinha um pescoço longo, que se conectava a um crânio irregular.

Mesmo reduzida a um esqueleto, sua pura magnitude e majestade eram avassaladoras. Shin achou que já tinha visto o esqueleto de uma criatura semelhante antes. Foi muito antes de ter sido enviado para o campo de internamento, em algum museu. Uma amostra de uma criatura grande, cujos os ossos ele uma vez confundiu com os de um dragão…

“Emprestamos ela ao museu real da República de San Magnolia antes da guerra, então alguns de vocês podem tê-la visto antes. Se viram, não se acanhe e levantem as mãos. Vamos lá!”

Parecia que não era apenas similar. Era o exato mesmo esqueleto. Shin segurou a língua, no entanto, e ninguém mais levantou a mão. O museu em questão estava em Liberté et Égalité, que tinha uma população predominantemente Celena. A maioria das pessoas presentes na sala era Eighty-Six e suas famílias não iriam lá.

O oficial da Frota Orphan parecia surpreso.

“Bem, isso é estranho… Os pequenos geralmente ficam mais animados para vê-la. De qualquer forma, o nome dela é Nicole. Fiquem à vontade para chamá-la de Nikki. Nem um leviatã é assustador quando é apenas um esqueleto assim, certo?”

Essa criatura era chamada de leviatã. Um animal marinho beligerante que reinava supremamente nos mares profundos e escuros — especialmente nos mares abertos ao redor das costas do continente — desde antes da história registrada. Para ser exato, era uma espécie dessas criaturas marinhas hostis.

Mesmo com a humanidade se espalhando pelo continente, os leviatãs permaneceram como os governantes supremo do oceano, recusando-se a abandonar seu trono aquático ao impedir viagens marítimas. Isso permanece verdade até os dias de hoje, quando os humanos chegaram com suas embarcações de aço carregadas de armas. Qualquer arma e plataforma produzida pela humanidade era um alvo para a ira dos leviatãs.

Isso era o motivo pelo qual a humanidade não podia navegar em nenhuma água além das áreas costeiras. Todo comércio marítimo e rotas de transporte, a operação de barcos de pesca e o deslocamento de navios militares eram limitados a uma pequena área de água próxima às costas.

O mar não era o mundo da humanidade. A humanidade não podia deixar o continente. E apenas um país via esse fato como inaceitável — e ainda o considerava inaceitável.

“Então, com isso dito, estarei trabalhando ao lado de vocês desta vez. Capitão da Stella Maris, o navio principal da Frota Orphan da marinha integrada de Regicide. Me chamem de Ishmael Ahab. Podem me chamar de Capitão Ishmael, Coronel Ishmael ou Tio Ishmael. Mas não Capitão Ahab, era assim que todos nós chamávamos meu falecido pai… o comandante da frota.”

E essa zona era o próximo local de envio do Esquadrão de Ataque, os Países da Frota Regicide. Um agrupamento de países formado por uma frota de navios de guerra que buscavam conquistar os mares e exterminar os leviatãs.

No passado, tribos navegantes existiam ao longo das costas do continente. As últimas onze dessas tribos formaram os onze Países da Frota, que desenvolveram a única frota do continente capaz de navegar pelos mares abertos, com um navio principal construído para se opor aos leviatãs.

Shin e o Esquadrão de Ataque se reuniram neste salão para receber o esboço da operação iminente dele. Atrás dele estava uma mulher um pouco mais velha, que abriu os lábios. Ela também estava perfeitamente vestida com um uniforme Azul-Marinho Indigo e tinha uma tatuagem vermelha em forma de escamas sobre sua pele escura.

“Já está na hora de encerrar esse bate-papo, Irmão. Os membros do Esquadrão de Ataque podem ir embora se você não se apressar.”

“Ah, desculpe, desculpe. Eu só pensei que deveríamos apresentar a boa e velha Nikki primeiro… Ah, essa beldade aqui é minha irmã mais nova e vice, Tenente Esther. Podem chamá-la de Estie… Oops.”

A Tenente Esther o encarou sem dizer uma palavra, o que o fez baixar a cabeça.

Um jovem oficial de herança mista L’asile e Oriente com uma tatuagem de peônia carregava um quadro branco, colocando-o atrás deles e saindo sem dizer nada.

“Tudo bem, vamos lhes dar o esboço, então. Nossa frota de mar aberto os transportará até a base Mirage Spire, então vocês devem tomar a fortaleza e destruir o Morpho. É isso.”

“…”

Um silêncio tenso… ou melhor, exasperado, se instalou sobre os Eighty-Six. Como se estivessem se perguntando se aquele homem realmente estava na posição de comandar alguém. Lena interveio para complementar a explicação dele.

“O Mirage Spire está localizado perto do mar aberto, que faz fronteira com o território dos leviatãs. Nem a Federação nem o Reino Unido têm embarcações capazes de navegar por essas águas. Portanto, o Esquadrão de Ataque dependerá do Super Porta-aviões e de sua frota para transporte e proteção sobre o mar.”

Com o Super Porta-aviões como sua base, a frota de mar aberto era um comboio de cruzadores de longa distância com dez mil toneladas, embarcações anti-leviatãs de seis mil toneladas, embarcações de reconhecimento otimizadas para rastrear os movimentos dos leviatãs, além de navios de suprimento.

Antes da Guerra da Legião, cada um dos onze Países da Frota tinha uma frota própria, e essas onze frotas povoavam os mares do norte.

Desde o início da guerra, essas frotas foram empregadas para a defesa da terra, muitas delas afundaram e cada frota tinha apenas alguns navios restantes…

Daí a frota integrada, pensou Shin enquanto lembrava da introdução de Ishmael. Nenhuma das onze frotas tinha navios o suficientes restantes para operar por conta própria, então reuniram seus navios, formando uma grande frota integrada: a Frota Orphan.

A Tenente Esther continuou, usando ímãs para fixar o mapa da operação no quadro branco. Na parte inferior do mapa estava a linha costeira dos Países da Frota. No centro, um ponto vermelho marcava o objetivo deles. A maior parte do mapa era azul, simbolizando o mar.

“A Frota Orphan cuidará da viagem de vocês até o objetivo e de voltar, e também criará uma distração. Estima-se que o alcance do Morpho atualmente seja de quatrocentos quilômetros. Em comparação, a velocidade máxima de cruzeiro da Frota Orphan é de trinta nós.”

“Quando convertido para unidades terrestres de medida, dá… cinquenta quilômetros por hora.”

“Hm. É lento.”

“Quem trial isso?! Vou te dar uma surra. Você tem ideia de quantas toneladas pesa o Super Porta-Aviões?! Estamos falando de cinco dígitos aqui. Não espere que ele vá tão rápido quanto seu pequeno Feldreß de patas longas, que nem pesa dez toneladas.”

“Irmão, eu entendo como você se sente, mas precisamos avançar. Por favor, acalme-se”, disse a Tenente Esther.

“Segundo Tenente Oriya, isso foi inadequado,”  Lena repreendeu Rito.

“Desculpe.”

Vendo Ishmael e Rito ficarem em silêncio, Esther pausou para lembrar o que ia dizer e continuou:

“…Sim, então a velocidade máxima é de trinta nós. Em outras palavras, levaríamos sete horas para ultrapassar o alcance de bombardeio do Morpho em linha reta e alcançar a base Mirage Spire. Enquanto fazemos isso, duas das frotas gerais da marinha integrada partirão antecipadamente para atrair o fogo do Morpho e tentar se aproximar da Mirage Spire.”

Esther colocou uma cobertura transparente sobre o mapa e começou a escrever nele. Duas linhas da costa até a Mirage Spire — provavelmente na distância mais curta de seu porto de origem. Depois, pegou uma caneta de cor diferente, desenhando uma linha da base da Frota Orphan para o norte e depois mudando de direção para o sudeste, rumo à Mirage Spire.

“Antes do início da distração, vamos zarpar furtivamente. Navegaremos ao norte ao longo da borda do alcance de bombardeio, atracando no arquipélago Flightfeather. Depois que o inimigo começar a enfrentar a frota de distração, entraremos no alcance de bombardeio enquanto nos escondemos dentro da tempestade. Em outras palavras, estaremos esperando a tempestade chegar e então começaremos a operação assim que isso acontecer.”

“Por acaso, a Legião não é capaz de combate naval, então não precisaremos nos preocupar em lutar com nenhuma outra legião além do Morpho…,” acrescentou Ishmael. “Ou pelo menos, a Frota Orphan não detectou nenhum tipo de Legião Naval nos últimos dez anos de luta.”

Esther assentiu.

“Tão lamentável quanto é, nosso país é pequeno. Acreditamos que, em vez de tentar criar armas eficazes contra nós no norte, a Legião decidiu investir seus recursos no desenvolvimento de métodos eficazes para combater a Federação e o Reino Unido.”

“A triste realidade é que mesmo sem produzir unidades navais, eles ainda nos causam problemas suficientes.”

“…”

Esta foi uma piada que deixou estrangeiros como o Esquadrão de Ataque sem saber como responder. Provavelmente, por isso não havia nenhum tipo de Legião naval, no entanto… Shin inclinou ligeiramente a cabeça e levantou uma questão.

“Mas… há alguns pequenos grupos da Legião no mar. Com base em como estão se movendo, suponho que sejam grupos de patrulha. Eles são relevantes para nós?”

“Hm? Oh… olha só. Você é aquele sobre quem os rumores falavam.”

Ishmael olhou para Shin com perplexidade por um momento antes de assentir, compreendendo. Aparentemente, ele tinha ouvido falar da habilidade de Shin.

“Esses não são unidades navais; são naves-mãe para lançar unidades de reconhecimento avançado. O Morpho precisa delas para disparar com precisão contra qualquer embarcação que se aproxime. Tenho certeza de que você já sabe disso, mas o Rabe¹ não pode permanecer no ar sobre o mar.”

(N/R Báleygr: Rabe é a Unidade da Legião do Tipo de Controle de Observação.¹)

Lena virou-se para Shin surpresa, mas ele apenas assentiu. A razão para isso não estava clara, mas não havia unidades Rabe sobre o mar. O Morpho era um canhão de longa distância sem nada para guiá-lo. Sua precisão não era alta.

Isso não era como na ofensiva em grande escala, onde disparava salvas contra alvos grandes, claros e fixos que não podiam escapar dos tiros, como bases e fortalezas. Desta vez, estavam lidando com alvos móveis no vasto mar. Se fosse atingir navios pequenos sem um Rabe para ajudar, precisaria de unidades de reconhecimento avançado.

“A frota de distração cuidará de distrair e afundar esses navios de reconhecimento, então vocês não precisam se preocupar com eles. Na verdade, vocês não têm nada com que se preocupar; o Super Porta-aviões não vai afundar, não importa o que aconteça.”

Talvez Ishmael tenha decidido que não valia a pena explicar manobras navais a soldados crianças que nunca tinham vivenciado combate naval. Talvez fosse uma questão de orgulho, como se dissesse que o combate naval era o campo da Frota Orphan e eles deveriam apenas deixar com eles. Ele até passou rapidamente sobre o tema de seu transporte no caminho para a base e sorriu animadamente.

“A Frota Orphan está muito grata por tê-los aqui, Eighty-Six. E é por isso que… nós juramos pelo nome da Stella Maris: Nós devolveremos o Esquadrão de Ataque em segurança, custe o que custar.”

Os dormitórios da universidade requisitada serviram como alojamentos do Esquadrão de Ataque durante a missão. Os corredores eram revestidos com mosaicos de azulejos em um design antigo típico do extremo sul.

Theo vagava por esses corredores sozinho depois que as luzes se apagaram. Ele encontrou Rito, que saía do que parecia ser um escritório com um monte de livretos finos debaixo do braço.

“…O que você está fazendo aqui?”

“Ah, Segundo Tenente Trial.”

Talvez Rito tenha crescido, porque Theo teve a impressão de que seus olhos estavam mais próximos dos dele do que estavam alguns meses atrás.

“Bem, você vê, pensei que eles poderiam ter alguns sobrando, então vim perguntar, e eles tinham. Pensei que mesmo que não sejam úteis agora, serão bons quando a guerra acabar,” disse Rito, falando rapidamente. “Eles disseram que estarão recrutando pessoas de fora do país também.”

“…Rito, entendo que foi minha culpa por perguntar isso do nada, mas você poderia organizar seus pensamentos antes de falar em vez de dizer as coisas assim que elas vêm à mente?”

“Ah, sim, senhor. Tenho ouvido isso bastante ultimamente. Er… A universidade daqui tem um ensino médio vinculado a ela. Estes são materiais de estudo para isso. Pensei em levá-los de volta para a sala de estudo da base para que as pessoas que não vieram aqui também possam lê-los.”

Então, o rosto de Rito se iluminou.

“Mas você viu aquilo?! O leviatã! Aquilo é incrível! É como um verdadeiro monstro!”

Theo lembrou-se de que Rito era um dos Processadores mais jovens. Quando alguns dos figurões lhes davam quadrinhos ou filmes ou desenhos animados, ele os assistia religiosamente. Filmes de monstros eram alguns de seus favoritos, aparentemente.

Theo achou aquilo comovente. E honestamente, ele e muitos dos Processadores mais velhos também gostavam desse tipo de entretenimento, já que não tinham acesso a nada assim desde que eram crianças pequenas.

“Então você quer trabalhar em algo que envolva os leviatãs? Depois que a guerra acabar.”

“Só achei que poderia ser legal. Parece divertido.”

“Você realmente começou a pensar sobre todas as coisas, não é?”

“Todas as coisas” incluíam querer escavar fósseis na Aliança e querer inventar uma bicicleta voadora.

“Ah, sim. Quero dizer, eu…” Ele parou, como se estivesse pensando. “Primeiro Tenente Rikka, você conhece Ludmila? Uma das Sirins. Alta, com cabelo vermelho?”

“…Sim.”

Alta, com cabelo vermelho…

Vamos lá, todos. Por favor.

Era como uma apresentação arrepiante do fim que aguardava os Eighty-Six . Eles eram diferentes das Sirins. Eles sabiam trial. Mas parecia que, assim como as Sirins, suas mortes poderiam passar sem recompensa.

“E sobre Ludmila?”

“Durante a operação na Montanha Dragon Fang, eu estava no mesmo esquadrão que ela. Na época, eu ainda tinha medo das Sirins, mas então ela começou a falar comigo.”

Ocorreu a Theo que Rito realmente parou de ter medo das Sirins em algum momento.

“Ela me disse para ser feliz. Viver como eu quiser. E eu… acho que percebi. As Sirins, elas… elas só estavam preocupadas conosco à sua maneira.”

A luz fraca das lâmpadas velhas iluminavam seus preciosos olhos. Olhos de ágata, como os de um animal pensativo e inocente.

“Eles estavam preocupados conosco. No Setor Eighty-Sixth , eles nos diziam para morrer, mas as coisas são diferentes aqui. A Federação quer que estudemos, e isso é um dever, mas é só porque eles estão tentando nos dizer para vivermos como quisermos, certo? Então podemos fazer o que quisermos e ir para onde quisermos.”

Ir para onde quiser. Ver o que quiser. Fazer o que quiser. Depois que a guerra acabar. Ou mesmo que não acabe, e você saia do exército. Isso é…

“Isso é algo pelo que podemos desejar. No Setor Eighty-Sixth, tudo o que tínhamos era orgulho. Não tínhamos mais nada, e não queríamos mais nada. Mas agora é diferente… Eu entendi isso, então quero desejar todas as coisas.”

Todas as coisas que ele não podia desejar no Setor Eighty-Sixth. As muitas coisas das quais ele foi privado.

Theo ouviu suas palavras, perplexo. Ele pensava que Rito havia crescido, mas não era apenas isso. Em algum momento, ele se tornou capaz de pensar e dizer esse tipo de coisas.

Rito estava… tentando sair do Setor Eighty-Sixth .

E isso deixou Theo perplexo. Ele ficou feliz que Shin aprendeu a desejar o futuro. Ele viu que Raiden e Anju estavam tentando seguir em frente também, e isso também o deixou satisfeito. Mas não eram apenas eles. Era o Rito também. E provavelmente havia muitos passando pela mesma coisa. Theo simplesmente não percebeu.

Eles estavam deixando o campo de batalha.

Rito olhou para Theo com um sorriso despreocupado, sem perceber o choque em que Theo estava.

“Então, por enquanto, quero examinar todas as opções… Nossas operações nos levam por todo o continente, então eu também posso trazer coisas interessantes para todos verem.”

<< …Você pretende tentar ler o processador central de um Pastor para expor a posição do quartel-general secreto? >>

Shin assumiu que ela poderia ter informações pertinentes à operação, mas ela não tinha nenhum recurso de comunicação que pudesse usar. E assim ele mandou trazer o recipiente de Zelene junto com a 1ª Divisão Blindada, disfarçado como um contêiner de munições.

O recipiente em si estava em um espaço de carga oculto dentro do veículo de transporte. Como qualquer coisa relacionada à medida de desligamento tinha que ser mantida longe dos ouvidos de qualquer outra pessoa, Shin tinha que encontrar o momento certo para visitá-la.

<< Então, basicamente, você está apostando na possibilidade de que alguém da facção Imperial ou um oficial de alta patente seja um Pastor. Provavelmente existem outras formas de descobrir a posição, porém. A Federação adotou uma abordagem bastante fria, vejo. >>

“É possível?”

<< Certamente existem Pastores que faziam originalmente parte da facção Imperial. >>

Shin teve alguns sentimentos conflitantes com essa resposta. Um certo sentimento de conflito vinha borbulhando dentro dele desde que Zelene lhe contara sobre a medida de desligamento. Ele queria que a guerra acabasse. Mas o método que Zelene lhe contara para acabar com a guerra e descobrir o quartel-general escondido… Ele simplesmente não conseguia deixar de sentir que algo não estava certo.

<< Seus nomes e pontos de implantação são— Aviso. Violação de artigo proibido— Não vai dar. Não consigo verbalizar isso. >>

E é por isso que parte dele se sentiu aliviada quando a voz de Zelene de repente se tornou fria e sem emoção, interrompendo suas próprias palavras. Ele não queria sacrificar Frederica. Lutar até o final significava depender de sua própria força até o fim da guerra. Não significava se apegar a um milagre.

E além disso… embora pudessem ser inimigos, Shin não queria ver os Pastores—os fantasmas dos mortos na guerra—como meras partes mecânicas.

<< De qualquer forma, a Legião possui as informações que a Federação procura. E quanto à leitura das informações de seus processadores centrais… Seja como for, é assim que nós, Pastores, existimos. >>

Suas memórias—as informações armazenadas em seus cérebros—eram lidas e transferidas para outro recipiente. Não deveria ser impossível, tanto teoricamente quanto tecnologicamente… Se fosse possível, então algum dia… Havia algo que Shin sentia que tinha que confirmar em algum momento.

<< No entanto, existem outras maneiras que não exigem que você esteja obcecado em encontrar os Pastores da facção Imperial. Por exemplo, as ordens são transmitidas para as unidades comandantes em cada base por meio de um satélite de comunicações. Se esse satélite for destruído, as unidades Rabe mais próximas trial entrar para cobrir e compensar— >>

“Zelene. Antes disso… tem algo que eu gostaria de perguntar.”

<< Hm? O que é? >>

Esta era uma dúvida que ele estava guardando desde sua conversa inicial com Zelene. E foi por isso que ele temia a ideia de que sua habilidade poderia permitir que ele falasse com um Pastor. A verdade por trás do que poderia ser seu pecado.

“Você pode ouvir minha voz. E sendo um Pastor, você também pode entender o que estou dizendo. Isso vale para outros Pastores?”

Parecia que Zelene pretendia virar a cabeça para um lado, mas não conseguia.

<< Sim. Embora, isso dito, seja fraco. Provavelmente é porque você está bem na minha frente, e não há outras unidades Legionárias nas proximidades… Então isso não significa que sua presença expõe onde você pode estar atacando ou onde sua unidade está implantada. >>

“Não foi isso que eu quis dizer…”

Ele não queria fazer essa pergunta. Não queria, e também não queria ouvir a resposta. Mas ele tinha que perguntar.

“Se eles pudessem me ouvir e entender, e nós tivéssemos um meio de entendimento mútuo, como você e eu agora, seria possível que eu pudesse falar com outros Pastores?”

Lutar, matar e enterrar. Ele sempre pensou que não tinha escolha a não ser fazer isso. Mas e se eles realmente não precisassem matar e se machucar de maneira sem sentido? E se pudessem conversar pacificamente e alcançar um entendimento mútuo?

Ele uma vez pensou que era odiado, que nunca poderiam se entender. Mas no último momento, a mão ardente e ilusória de seu irmão entregou uma única palavra final. Ele ouviu seus verdadeiros sentimentos.

Ele poderia ter evitado aquele cruel adeus final? “Eu poderia ter falado… com meu irmão…?” Zelene ficou em silêncio por um momento.

<< …Entendi. Você tinha um irmão. Um membro da família que foi assimilado pela Legião. >>

Ele deu um pequeno aceno com a cabeça… Ele não conseguiu encontrar palavras para contar a ela o que aconteceu. Não agora.

<< E você o derrotou. O Pastor que era seu precioso irmão. >>

“…Sim.”

<< Entendi… >>

Parecia que ela havia caído em um silêncio contemplativo. Após um momento, ela falou suavemente.

<< Antes de responder à sua pergunta, deixe-me lhe fazer uma pergunta… Eu sou humana? >>

Foi a vez de Shin ficar em silêncio.

“Bem—”

Essa foi uma pergunta que Lerche lhe fez uma vez. E na época, ele não pôde dar uma resposta. Se lhe perguntassem se Lerche ou Zelene eram humanos ou não, ele não poderia afirmar com confiança que sim para ambas. Sua capacidade de ouvir os sussurros de seus fantasmas confirmava friamente esse fato. Zelene não era humana. Ela não estava viva. Ela era um fantasma— Não, algo até menos que isso. Ela era os restos arruinados de um fantasma.

Mas Shin não conseguiu dizer isso a si mesma. Não conseguia dizer a ela, de frente para ela, que ela não era humana. Ele simplesmente não conseguia.

Zelene aparentemente percebeu seu conflito e, de alguma forma, ele podia sentir seu sorriso.

<< Você é gentil. >>

“…”

<< Você é um bom garoto. Se fosse possível, adoraria ser sua amiga. Eu realmente me sinto assim. Mas nem eu nem seu irmão podemos mais ser seus amigos. E você entende por quê, não é? É porque… >>

…Eles eram da Legião.

<< A única razão pela qual posso conversar com você é porque estou contida. Porque todos os meus sensores estão selados. Em termos dos meus sensores, eu nem sequer posso reconhecer que você está bem na minha frente. Se eu fizesse isso… Se eu reconhecesse que há um ser humano parado perto de mim… Eu não seria capaz de manter o suficiente da minha racionalidade para manter uma conversa. Isso é o que se tornar um Pastor significa. Você se torna uma máquina de matar. Você pode ter uma personalidade humana, mas ainda é um monstro, impulsionado por impulsos destrutivos. >>

No Reino Unido, eram as mãos de Zelene. No Setor Eighty-Sixth , eram as mãos de seu irmão. Mãos estendidas com malícia e sede de sangue. Mas nos momentos antes de ser destruído, as mãos de seu irmão foram gentis.

<< Isso é verdade para mim também. Você é um garoto gentil, e eu gostaria de ser sua amiga. E é precisamente por isso que sinto o desejo de matá-lo. >>

Naquele momento, a voz de Zelene estava realmente cheia de sede de sangue. A sede de sangue exclusivamente da Legião. A sede de sangue irracional de uma máquina autônoma de matar, que não precisava de motivos ou justificativas para matar humanos.

<< E isso é tão verdadeiro para o seu irmão. Como um Pastor, seu irmão não pôde fazer nada além de tentar matá-lo. Seus instintos como máquina assassina o ordenava a matar qualquer humano que enfrentasse, e ele era impotente para se opor a eles. E embora você possa ser capaz de conter uma Ameise, você não teria sido capaz de manter um Dinosauria cativo. Então deixe-me dizer isso… Você não cometeu um erro. >>

Shin olhou para cima, chocado. Zelene estava dentro do recipiente e não diante de seus olhos, mas… ele sentiu como se pudesse sentir um par de olhos gentis olhando diretamente para os seus.

<< Você achou que poderia tê-lo poupado, não foi? É por isso que você me perguntou. Muito bem, então. Vou responder à sua pergunta. Você não poderia. Você não teve escolha a não ser lutar contra seu irmão. Não havia como seu irmão sobreviver e viver ao seu lado. Esse fato foi gravado em pedra no momento em que seu irmão se tornou um Pastor… Você não o perdeu por nenhum erro ou negligência própria. >>

Não foi sua culpa.

<< Era verdade naquela época, e continuará sendo verdade. A única maneira que você tem de lidar com a Legião… é derrotando-nos e nos colocando para dormir. >>

Grethe assentiu dentro da janela holográfica, tendo recebido o relatório de Lena.

“Bom trabalho… Sinto muito, Coronel Milizé. Tive que deixar aqueles pestinhas aos seus cuidados.”

“De jeito nenhum. Afinal, você está encarregada de entrar em contato com nosso próximo destino, a Sagrada Teocracia de Noiryanaruse.”

Dessa vez, Grethe não acompanhou a 1ª Divisão Blindada nem a 4ª Divisão Blindada, que foi designada para a frente sul para tentar restaurar as comunicações com os países do sul.

Enquanto duas das Divisões Blindadas do Esquadrão de Ataque estivessem em serviço ativo a qualquer momento, ambas poderiam ser implantadas no mesmo destino, ou poderiam ser enviadas para duas regiões diferentes, como agora.

Em outras palavras, as coisas estavam ruins o suficiente para que eles tivessem que se esticar. Lena franziu a testa.

“Ouvi dizer que estamos recebendo incessantes pedidos de implantação, mas não achei que as coisas estivessem tão ruins em todos os lugares…”

Ela viu quando pisou no campo de batalha dos Países da Frota. Perímetros defensivos que pareciam prestes a ruir devido a ataques severos. Soldados exaustos e com falta de pessoal. O terrível espetáculo dos destroços de navios afundados, que se acumulavam nas cidades empobrecidas e na costa.

Fazia sentido que apelassem por ajuda assim que a Federação conseguisse restaurar as comunicações com eles. Eles estavam desesperadamente precisando de ajuda, mesmo que fosse uma força no nível do Esquadrão de Ataque.

“Já se passaram dez anos. Não há muitos países que consigam manter um combate constante por tanto tempo.”

“…”

Apenas países grandes como o Reino Unido e a Federação, ou países protegidos por fortalezas naturais como a Aliança, tinham uma grande distância entre as linhas de frente e a frente de casa. Esse lugar era diferente.

Mas isso fez Lena se perguntar. Mesmo que fosse o caso, por quê? Os Países da Frota e a Sagrada Teocracia, e qualquer outro país que tivesse restaurado as comunicações, estavam todos pedindo ajuda militar. Mesmo que tivessem resistido à luta por uma década e mal tivessem passado pela ofensiva em larga escala do ano passado. Era como se no ano desde a ofensiva em larga escala, algo tivesse acontecido para piorar significativamente a situação da guerra…

Grethe então deu uma tosse seca, como se quisesse dissipar o silêncio sufocante.

“A propósito, Coronel? Acho que há outro relatório que você esqueceu de fazer.”

“Huh?!”

Lena revirou apressadamente sua memória, enquanto Grethe sorria para ela.

“Você deu sua resposta ao Capitão Nouzen? Como foi?”

Seu próprio oficial superior também estava a pressionando sobre isso?!

“E-e-e-eu não tenho certeza do que você está falando!”

“Manter um garoto na expectativa é um privilégio de uma garota, mas se você deixá-lo em suspense por muito tempo, ele vai se cansar de você. Deixe-me dizer que o capitão parecia muito deprimido depois que tudo aconteceu.”

Grethe então parou de falar, fazendo uma careta como se estivesse lembrando de uma memória desagradável. Lena ficou na frente da janela holográfica, com o rosto vermelho como um pimentão. Ela queria se enterrar.

“Olhar para o rosto dele quase me fez sentir pena daquela Killer Mantis… O que me lembra. Willem se juntou a nós nessa viagem por algum motivo. Eu me pergunto o que aconteceu com isso.”

“Você mencionou um vazamento de informações através da Ressonância Sensorial no Reino Unido…”

Como a divisão de pesquisa não tinha papel na próxima missão, eles ficaram na base do Esquadrão de Ataque, Rüstkammer. Sentada em seu escritório, Annette falou, olhando para seu convidado com suspeita.

Ela não era muito familiarizada com ele, e ele estava visitando-a fora do horário de trabalho. Mas mais importante do que isso…

“Eu já dei meu relatório de que o vazamento não foi do Para-RAID, Chefe de Estado-Maior Ehrenfried.”

“Sim, eu me lembro. No entanto… Que tal isso, Henrietta Penrose?” Ele a encarou com um sorriso fino, seus olhos cintilando como lâminas.

Um ataque a uma fortaleza naval a trezentos quilômetros da costa se aproximava. Não havia esperança de apoio dos aliados e era uma carga imprudente contra as linhas inimigas. Esses poderiam muito bem ser os últimos dias dos Eighty-Six.

Mas eles não os passaram lamentando. Muito pelo contrário: saíram juntos para a cidade e foram brincar à beira-mar. A vida no Setor Eighty-Sixth sempre foi vivida à beira da morte. O campo de batalha era sua terra natal. Tendo vivido suas vidas entre uma batalha e outra, frequentemente ansiavam pelas simplicidades da vida.

Além trial, para a maioria deles, era a primeira vez que viam o mar. Mesmo para aqueles que tiveram a sorte de nascer perto do mar, era a primeira vez nas costas do norte. Sim, para eles, a guerra era a rotina diária. E embora se preparassem para o que estava por vir, não deixavam que seus nervos os privasse dos prazeres que tinham.

Eles observavam a água, seguindo os movimentos dos peixes. Quando um peixe aparecia, eles corriam, percebendo que era maior do que pensavam. Eles espantavam os pássaros marinhos que voavam ao redor e pegavam peixinhos e caranguejos nas poças de maré.

Eles não estavam familiarizados com a forma como as pessoas normalmente brincavam na praia, mas não precisavam saber muito para se divertirem.

Parado de costas para aquela alegre algazarra, Shin ficava em silêncio sobre uma das rochas, contemplando o mar infinito diante dele.

Não importa quantas vezes eu olhe para isso, é…

Raiden, ao lado dele, igualmente encantado com a vista, não escondia seu espanto.

“…Isso é incrível. Realmente é apenas água, até onde os olhos podem ver.”

Felizmente, naquele dia, as nuvens haviam se dissipado e o sol brilhava. O céu azul-claro do norte e a cor do mar não eram tão escuros quanto no dia anterior. Do horizonte nebuloso ao longe, os gritos dos pássaros marinhos de alguma forma pareciam com miados de gatos.

Por acaso, Lena se sentiu mal por deixar seu gato de verdade, TP, para trás mais uma vez, então o trouxe consigo nesse envio. Ele estava atualmente vagando pelo quarto de Lena. Da mesma forma, Fido, que estava descontente por ter sido deixado para trás em sua viagem para a Aliança, ignorou a ordem direta de Shin para ficar quieto e os seguiu até a praia. Atualmente, ele estava ajudando Rito e Marcel a pescar.

“E toda essa água também tem aquele gosto. Eu não acreditaria se não estivesse bem na minha frente…”

“Você provou?” perguntou Shin, surpreso com a possibilidade de que Raiden não estivesse agindo de maneira ingênua.

No entanto, tudo o que ele obteve em troca foi um silêncio constrangedor. Aparentemente, ele cedeu à curiosidade e provou um pouco da água.

“Como era o gosto?”

“Como sal… Ou, bem, também tinha gosto de peixe. Você sabe como o produto local são ovas de peixe salgados? Era como isso, mas mais fino”, disse Raiden, depois fez uma careta.

“Você achou aquilo bom? Eu achei estranho, sinceramente.”

Shin ficou perplexo com aquela pergunta. Aquelas ovas de peixe-vermelho e salgados eram servidos em sua mesa na cafeteria da base em que estavam estacionados, junto com geleia e manteiga. Aparentemente, era um alimento tradicional preservado nos Países da Frota. A maioria das pessoas achava estranho e se recusava a comer, mas Shin atendeu à recomendação do pessoal e experimentou.

“Não, não muito? Não era especialmente ruim.”

Embora tivesse que admitir que não podia chamá-lo de saboroso.

“…Sua língua é tão estranha quanto você, cara…”

Frederica, que estava pegando conchas nas proximidades, se intrometeu na conversa deles.

“Deixando de lado o senso de paladar deficiente de Shinei, eu diria que, neste caso, é muito uma questão de preferência. Eu, por exemplo, achei bastante palatável.”

“Sim, você estava devorando tudo lá atrás. Você colocou um monte de creme azedo na sua torrada”, concordou Raiden.

“Sim, e a torrada não foi a única coisa que você devorou lá atrás”, Shin acrescentou, também concordando.

“Ah, como ousam falar de uma dama dessa maneira!” Frederica repreendeu-os, com o rosto corado. “É-v-e-verdade, eu ganhei um pouco de peso, mas isso é apenas porque estou no auge do meu período de crescimento!”

Eles não tinham a intenção de zombar dela. Estavam apenas relatando fatos.

“Sim, nós sabemos. Queríamos dizer de um jeito bom. Um bom apetite é uma coisa boa na sua idade, não é?”

“Você precisa comer mais e ganhar peso se quiser crescer, então coma o quanto quiser.”

Frederica ficou em silêncio, com uma expressão carrancuda, e depois concordou com uma expressão estranhamente decidida.

“Na verdade, eu vou amadurecer. Não posso ficar criança para sempre, afinal.”

Havia algo que beirava o nobre e o trágico em seus olhos vermelhos como sangue.

“E então… Uau?!” Ela parou abruptamente com um grito, jogando uma concha que tinha acabado de pegar. “Ela se mexeu! Ela acabou de se mexer!”

…Sim, você ainda é uma criança, concluíram tanto Shin quanto Raiden.

Enquanto Frederica olhava com nojo, Raiden se agachou para ver o que ela tinha deixado cair.

“Oh, tem algo dentro?” ele perguntou.

“Não…”

Enquanto isso, Shin pegou uma concha espiral da areia e a examinou em silêncio. Raiden se aproximou dele curiosamente, depois ficou em silêncio. Um par de pernas crustáceas e contorcidas se agitava de dentro da concha.

“…Acho que é um caranguejo eremita…”

“Olhando para ele se mexer de perto, é meio grotesco…”

“Sinceramente, é de você que estamos falando, você provavelmente pensou que era seu dever como comandante priorizar a missão, Milizé.”

Lena estava em seu escritório temporário em sua base. Ela pediu a Ishmael para entregar todos os dados de combate mais recentes que podiam ser divulgados, e agora os estava examinando. Vika suspirou enquanto a observava, seus olhos violetas imperiais estavam surpresos.

“Ninguém se oporia se você fosse à praia para mudar o ritmo. A única razão pela qual não fui é porque já vi o mar o suficiente. Não é particularmente incomum para mim.”

“Existe um vasto oceano além das fronteiras mais ao norte do Reino Unido, além da Cordilheira Frost Woe e dos picos do norte”, Lerche, que estava sempre à disposição de Vika, acrescentou. “No inverno, está completamente coberto de gelo. É um espetáculo.”

Parecia que Shin e os outros tinham ido brincar na praia, então ela estava bem ficando para trás.

“Não… Eu vi o mar ontem, e vou vê-lo durante a operação mais tarde. Mas pensei que a próxima vez que devesse vê-lo seria quando a guerra acabasse.”

Shin tinha dito a ela que queria mostrar o mar para ela, e ela aceitou esse desejo. Então… mesmo que ela não pudesse responder aos sentimentos confessos dele ainda, ela queria ao menos manter esse desejo.

“Nós dissemos que iríamos ver o oceano quando a guerra acabasse. Então quero manter essa promessa.”

Enquanto Vika zombava dela, o sorriso desapareceu de seus lábios enquanto ela se virou para encará-lo.

“Mas, mais importante, Vika. Há algo que preciso perguntar a você.”

Ela tinha pedido a Ishmael para mostrar o status de guerra dos Países da Frota após o grande ataque do ano passado. E embora parte disso pudesse ser atribuído à falta de números exatos, já que não tinha passado um ano, o número de baixas não correspondia à escala das batalhas. Muitos foram deixados para trás e considerados desaparecidos no campo de batalha.

As batalhas eram tão intensas e o caos era tão vasto.

E havia mais relatos de testemunhas oculares de Tausendfüßler – que geralmente eram consideradas unidades de apoio logístico para a Legião. Ela perguntou a Grethe, que confirmou que não houve casos semelhantes na Federação.

“Como está a situação no Reino Unido? Você pode me falar sobre a mudança nas táticas da Legião que ela lhe contou? Em detalhes.”

Embora seus amigos brincavam alegremente à beira de sua visão, Theo estava imerso em seus pensamentos, seu olhar fixo além das ondas.

O mar.

Fazia cerca de um ano que eles disseram que gostariam de vê-lo um dia. De forma estranha, também foi quando estavam perseguindo o Morpho. E embora quisessem vê-lo, havia a possibilidade iminente de que poderiam perder para o Morpho e morrer, sem nunca terem esse desejo realizado…

Então, uma parte dele pensou que tudo bem mesmo que não acontecesse. Este lugar era mais como um objetivo vago. E agora estavam perto do oceano. Eles chegaram até lá, tudo de maneira demasiadamente fácil. Quase anti-climaticamente.

Claro, na época, Theo não estava pensando neste mar do norte. Mas o oceano era apenas um símbolo de lugares que nunca tinham visto antes.

Talvez fosse por isso que, quando ele viu o oceano pela primeira vez, não houve sensação de realização. Nenhuma empolgação ou emoção intensa para falar a verdade.

Tudo o que ele sentiu foi um vazio. Como se houvesse um buraco mínimo, mas ainda assim escancarado, em algum lugar de sua consciência. Era parecido com quando ele se perdia e ficava simplesmente parado. Afinal de contas… nada sobre ele tinha mudado. Nada mesmo.

Ele pensou que não havia avançado, que nada tinha mudado desde que deixara o Setor Eighty-Sixth . E ainda assim, aqui estava ele, vendo novos lugares. Tudo parecia tão inútil. Mesmo que ele ficasse parado, mesmo que permanecesse inalterado, mesmo que não soubesse no que aspirar… ele ainda seria arrastado pela correnteza das coisas e levado para novos lugares.

Foi assim no Reino Unido e na Aliança. Pensando bem, tinha sido assim desde que foram protegidos pela Federação e levados à mansão de Ernst. O mar diante de seus olhos parecia melhor do que no dia anterior; o sol o fazia parecer menos negro. Mas o azul-escuro ainda o atingia como melancólico, e o vento frio e seu cheiro pareciam de alguma forma mordazes e zombeteiros.

Mesmo que fosse a primeira vez que via o oceano… não lhe parecia bonito de forma alguma. Pela primeira vez em muito tempo, ele foi feito para perceber isso. Uma espécie de percepção que se tornou enraizada nele no Setor Eighty-Sixth .

Este mundo não precisa de humanos.

O mundo não se importava com as conveniências, sentimentos ou emoções de alguém. As pessoas podiam morrer, e as estrelas brilhariam na esfera celestial da mesma forma. As pessoas podiam mal sobreviver e se agarrar à vida, apenas para pesadas chuvas caírem em suas celebrações. O mundo era tão indiferente à humanidade que quase parecia malévolo.

E parecia que ele tinha sido lembrado desse fato. Incapaz de permanecer onde estava, Theo virou-se e caminhou de volta em direção à cidade.

“Eu sempre pensei que as cidades fora do campo de batalha fossem pacíficas, mas…,” Anju murmurou para si mesma com um suspiro.

Uma das senhoras na cafeteria disse a ela que haveria um festival na cidade portuária anexada a esta base. O Festival da Princesa do Navio, era chamado. No passado, cada uma das cidades dos Países da Frota tinha um navio associado a elas, e a figura de proa desses navios dizia-se que abrigava um espírito sagrado chamado Princesa do Navio. Uma vez por ano, as cidades realizavam um ritual de festival para deificar esses espíritos.

Uma estátua de uma jovem ficava na frente da prefeitura, decorada com inúmeras flores, o que dava a impressão de um festival. Exceto… a praça em frente a esta prefeitura estava em um estado de desordem tão grande que poderia ser confundida com algo direto do Setor Eighty-Sixth .

Nuvens de poeira, prédios danificados, calçadas quebradas e árvores à beira da estrada murchas. As estruturas de alguma forma mantinham suas funções, mas as pessoas já haviam perdido o tempo livre, a energia e os fundos para consertá-las. Crianças corriam por aí usando roupas antigas que, embora limpas, estavam cheias de remendos. E apesar do festival acontecer, as barracas eram todas modestas, vendendo doces sintetizados baratos.

Mas, em contraste, para o quão pequena era a cidade, os cidadãos enchiam as ruas com energia, saindo de residências pré-fabricadas montadas perto da praça e de um parque próximo. Aquelas eram destinadas aos refugiados que tiveram que evacuar conforme a linha de frente recuava pouco a pouco ao longo da última década, se aproximando lentamente da frente doméstica.

Este foi o preço que os Países da Frota tiveram que pagar por lutar por dez anos, apesar de seu tamanho diminuto.

“Eu acho que a Federação e o Reino Unido foram as exceções… Os outros países estão todos no limite.”

A verdade era que eles haviam perdido há muito tempo a força para continuar lutando, mas ainda lutavam para sobreviver, travando batalhas da maneira que podiam.

E o fim inevitável disso viria quando eles esgotassem completamente suas forças, apenas para serem pisoteados pelo inimigo e exterminados.

A realidade disso agora estava clara diante dela.

“Mas eles ainda estão fazendo o festival,” Michihi, que estava ao lado de Anju, murmurou baixinho.

Eles decoravam a estátua da moça, cada flor sendo modesta por si só, mas todo o conjunto delas era impressionante. Isso era provavelmente o máximo que os habitantes da cidade poderiam reunir. Eles riam, aplaudiam e chamavam clientes e gritavam. Mas apenas ganhar o pão de cada dia era desgastante. O estado da cidade mostrava vividamente quão perto a guerra contra a Legião os tinha levado à beira da extinção.

E ainda assim eles cerravam os dentes, se forçando a sorrir e rir neste festival étnico. Os Eighty-Sixth eram a minoria na República, e mesmo entre eles, os Orientais do leste do continente eram ainda mais raros. E Michihi falou, carregando a aparência daquela linhagem sanguínea.

“Eu não sei muito sobre festivais. Quer dizer, não havia ninguém para nos repassar essas tradições. Não me lembro da minha terra natal, e minha família toda já faleceu. Então, ver isso me faz sentir solitária.   Mas mais do que isso, estou sentindo inveja. Essas pessoas têm algo que é tão importante para elas que fariam isso mesmo que fosse incrivelmente difícil de fazer. E estou… com inveja disso.”

Algo precioso. Algo ao qual se pode se apegar, não importa o quê. Algo que… dá forma a alguém. E os Eighty-Six , cuja única identidade era a determinação de lutar até o amargo fim… careciam desse algo precioso.

Theo deixou a praia e voltou para a cidade, mas não se sentiu confortável no tumulto das ruas. Para uma cidade tão pequena, havia muita gente, e a maioria era da linhagem Jade, assim como ele. A raça Veridiana, que incluía os Jades, era nativa da costa sul do continente. Uma fração deles perseguia os leviatãs, migrando para esta terra e fundando sete dos onze países da Frota.

Mas apesar de tudo isso, em nenhum lugar encontrou parentesco de sangue ou um amigo. Ele não conhecia esse festival.

É provável que alguns de seus camaradas estivessem na praia agora porque não conseguiam se sentir à vontade perto do festival também. Preferiam ficar fora da cidade. Fora do mundo da humanidade. Um lugar governado por algo que não era humano.

Assim como o Setor Eighty-Sixth .

Não havia nada para herdar ali. Nenhuma raiz para se associar. Ali, eles não teriam que se incomodar pelo fato de não terem nada no que se apoiar. Podiam viver no campo de batalha, onde dependiam apenas de si mesmos e de seus camaradas.

Em outras palavras, eles não tinham uma base para se apoiar além deles mesmos. Ao contrário das pessoas desta cidade, não tinham um lugar de origem em nenhum lugar deste mundo. E isso era algo que Theo pensava ter percebido algumas vezes desde que deixou o Setor Eighty-Sixth. E ainda assim, por alguma razão, doía.

Eles descobriram que havia um método para parar a Legião. Parar a guerra não era mais um esforço sem esperança, mas uma possibilidade realista.

E talvez perceber isso tenha sido o gatilho. Mas mais do que qualquer coisa… ver Shin, e então Raiden, Rito e Anju tentando se esforçar pelo futuro era provavelmente a maior razão.

Theo mesmo tinha dito, em certo momento, que Shin deveria tentar aproveitar mais a vida. Que não deveria ser assombrado pelo fato de seu irmão e muitos de seus camaradas terem morrido antes dele. Então Theo estava honestamente aliviado em vê-lo pensando no futuro pela primeira vez. Ele sabia que precisava deixá-lo ir agora…

… mas isso o deixava terrivelmente solitário ao mesmo tempo.

Porque o que ele deveria fazer agora? Ele não tinha bases para se apoiar, nenhum lugar no mundo ao qual pertencesse. Shin talvez tenha encontrado salvação e se tornado capaz de alcançar o futuro, mas o que Theo deveria fazer? Ele sabia muito bem que a salvação não vinha facilmente. Afinal, como ele poderia conseguir algo quando nem mesmo sabia o que significavam “esperança” ou “futuro” para ele? E se ele não conseguisse isso, o que ele deveria fazer?

Ele não sabia. Ele estava assustado.

Depois de cambalear por algum tempo, como se estivesse tentando escapar da sombra que o seguia, ele se viu de volta à base. Aparentemente, ele havia caminhado até o cais do Super Porta-Aviões.

O cais trial vários andares e era significativamente maior em escala do que o hangar dos Juggernauts. Apesar disso, a ponte do navio tinha a mesma altura das passarelas, o que realçava seu tamanho. Diante dele estava a imponência de uma enorme base naval feita para despachar aeronaves para o mar aberto.

Em seu convés estavam aviões de patrulha anti-leviatã, feitos para fazer a vigilância das manadas de criaturas marinhas lentas e numerosas – tantas quantas a Legião – que habitavam as águas. E é claro, havia caças destinados a despachá-las.

Para descobrir e eliminar os leviatãs, o navio também estava equipado com um sistema sonar para caçar a maior raça de leviatãs, os Musukura. Essas criaturas eram capazes de disparar um feixe de luz e, para eliminá-las, primeiro teriam que atraí-las com caças.

Esse Super Porta-Aviões e os aviões que ele transportava estavam na linha de frente da luta contra os leviatãs.

Um homem, que estava parado na frente do navio e olhando para sua figura de proa, virou-se ao ouvir os passos de Theo. Cabelos loiros-escuros e olhos verdes. Uniforme Azul-Marinho Indigo e uma tatuagem de pássaro de fogo.

Ishmael.

“…Hmm. Garoto, você é do Esquadrão de Ataque? Seu nome era, hum…”

Uma longa pausa pairou entre eles.

“……Er.” Ishmael desistiu eventualmente.

“É Rikka.”

“Oh, perdão. Normalmente nos distinguimos pelas nossas tatuagens. É difícil nos diferenciar apenas pelos rostos, sabe?”

Pelos desenhos das tatuagens? Theo o olhou com suspeita. Supostamente, marcar-se com uma tatuagem era um costume dos Clãs do Mar Aberto, mas as tatuagens pareciam iguais para Theo. Aparentemente, os desenhos das tatuagens diferem de acordo com a raça ou origem de cada um. Ishmael tinha uma tatuagem de pássaro de fogo, enquanto Esther tinha uma de escamas. Orientais tinham tatuagens de flores, Topázios tinham padrões de trepadeiras e Celestas tinham padrões geométricos. Jades, Emeralds e Aventuras tinham tatuagens em forma de ondulações, relâmpagos e espirais, respectivamente.

Mas pensando bem, ele não tinha visto outro Jade com uma tatuagem de pássaro de fogo como a de Ishmael.

“Você não deveria estar brincando na água com seus amigos? Ouvi dizer que a Federação e a República não conseguem chegar ao mar agora.”

“Eu estava lá antes, mas… me cansei disso.”

“E o festival na cidade?”

“…Não me interessa.”

Por alguma razão, Ishmael o olhou com um sorriso amargo.

“Você é um Jade, não é? De onde você é? De onde eram seus ancestrais antes de migrarem para a República?”

“Hã…? Estritamente falando, acho que eles vieram de várias partes do continente…”

“Ah, um erro da minha parte. Minhas desculpas. O que você disse se aplica a quase qualquer um. Os de sangue puro absoluto só pertencem à nobreza do Reino Unido e do Império. E a República, suponho… Oh, não que eu esteja difamando sua belíssima Coronel, o Príncipe, ou seu Comandante de operações.”

Os pais de Shin eram de sangue puro, mas ele mesmo era um filho misto, então ele não se encaixava nessa descrição também. Mas isso não importava.

“Sou do sul, de um lugar chamado Elektra… Acho que isso foi há duzentos anos, no entanto,” respondeu Theo.

“Ah, então viemos das mesmas raízes. Meu clã também era dessa área. Migraram de lá uns mil anos atrás, mais ou menos. Ainda assim, podemos compensar isso. Bem-vindo à sua terra natal, garoto.”

O tom dele era totalmente jovial, e apesar disso, Theo foi dominado por um intenso sentimento de negação. Essa pessoa era apenas da mesma cor que ele. Do contrário, era um completo estranho. Theo apenas tinha alguns antepassados distantes relacionados a esse país. Isso já não era a terra natal de sua família há duzentos anos.

Mais do que tudo, os únicos que Theo talvez pudesse chamar de compatriotas sequer compartilhavam suas cores – eles simplesmente tinham que ter sido Eighty-Six que lutaram no mesmo campo de batalha que ele.

Só porque ele compartilhava suas cores com alguém não significava que ele queria ser visto como parente deles. Especialmente não vindo de alguém que tinha uma pátria e herança para se apoiar – junto com o comandante da frota, que era seu pai… sua família.

Não de alguém que tinha todas as coisas que ele não tinha.

“…”

Enquanto Theo permanecia em silêncio, Ishmael deu simplesmente de ombros. Aquilo lembrou Theo de alguém.

“Veja, isso é coisa minha. Eu não consigo evitar provocar pessoas assim. É como ter um gato sibilando para você. Me dá vontade de mexer com você. Mas isso não se aplica só a você. Vocês, Eighty-Six, têm um jeito de decidir quem são seus amigos e afastar todos os outros.”

Então ele acrescentou, com um sorriso despreocupado, que havia alguns Eighty-Six que não eram assim. Como o capitão dele e o vice-capitão, e o moleque que disse que a Stella Maris era grande e lenta… Em outras palavras, Shin, Raiden e Rito.

Aqueles que costumavam ser como Theo, mas mudaram antes que ele percebesse. Aquelas palavras afundaram em seu coração, fazendo-o congelar. Se alguém fosse seu camarada, eram os Eighty-Six que compartilhavam de seu orgulho e modo de vida. Mas, neste ponto, até esses camaradas dele…

“Sabe, a gente… a gente tem se afastado ultimamente.”

“…Sim, temos.”

Theo tinha ido para algum lugar em algum momento. Anju também tinha ido embora, embora no caso dela, ela estivesse interessada no festival. Kurena, no entanto, nem mesmo queria vir ver o mar com eles.

Raiden naturalmente percebeu isso, assim como Shin.

Aqueles que não vieram para a praia porque não queriam ver o mar, e aqueles que vieram aqui porque não aguentavam a animação da cidade. Aqueles que estavam animados com a primeira vista do mar, e aqueles que decidiram ir ver o festival desconhecido.

Todos eles se misturaram entre esses diferentes grupos, mas em algum ponto, uma divisão se formou entre eles. Algo mudou na maneira como se viam uns aos outros.

Lutar até o fim naquele campo de batalha de morte certa. Eles não tinham sangue comum para se apoiar, não tinham cores comuns para uni-los. Aquele orgulho era o único laço deles, e os unia como Eighty-Six… Mas em algum ponto, eles começaram a se separar.

“Você não deveria se preocupar com isso, porém.”

Um tal camarada dividido disse a outro, sem olhar na sua direção. Ainda assim, sentindo aquele olhar vermelho-sangue se voltar para ele, Raiden continuou falando, os olhos ainda desviados.

“Não é como se você tivesse deixado alguém para trás ou os abandonado ou algo assim, cara. Eles só estão fazendo as próprias escolhas, no próprio ritmo. Então não importa que escolha você faça, você não precisa se preocupar com o resto.”

“…Eu sei,” disse Shin.

Pelo tom de voz dele, ele realmente entendia isso. Mas também não estava em paz com isso.

“Mas se dizer isso te machuca… Eu acho que vocês já me salvaram o suficiente. Então, se chegar a hora…”

Raiden não pôde evitar de sorrir amargamente.

Seu idiota. Como pode dizer isso? Aquele que tem nos salvado a cada passo sempre foi…

“Você não precisa… Você já fez o suficiente. Você é o nosso Ceifador, afinal.”

“Yeah, yeah. Aqui estou eu, velho.”

A voz de Theo saiu mais emburrada do que ele pretendia. Ele mudou de assunto à força, irritado. Ele não era algum tipo de gatinho assustado ou algo assim. Ele poderia ter uma conversa casual.

“Sobre o que é o festival?” ele perguntou.

“Hm? Oh, o Festival da Princesa do Navio. É uma tradição dos países da Frota. Celebrando os deuses dos navios. Acho que nesta cidade é um barco torpedo?”

Ele mencionou algum tipo de categoria de barco militar que havia se tornado obsoleta com o avanço da tecnologia… Mas então ele parou, com uma expressão interrogativa.

“…Ou era algo mais?” Ishmael perguntou então.

“Hã…? Você não sabe?”

“Bem, eu… quer dizer, eu não sou nativo desta cidade.”

Theo olhou para cima, para Ishmael, que não encarava seus olhos.

“Você não estava ouvindo? Acho que não. Quando a Frota Orphan se formou no início desta guerra, evacuamos um país inteiro, transformando-o em um campo de batalha para derrotar a Legião. Não tínhamos área suficiente entre as bordas norte e sul do nosso território para formar uma formação defensiva, e a Legião nos invadiu pelo leste. Então evacuamos o país mais oriental. Essa era minha terra natal. O País da Frota Cleo.”

“…Ah.”

Ele tinha ouvido falar disso. Lena mencionou antes de serem enviados para cá. Só não tinha ocorrido a ele. Não até ouvir alguém que tinha perdido sua terra natal dizer isso. Não era diferente de um certo país que foi forçado a descartar uma boa porcentagem de seu território e cidadãos para formar o campo de batalha de zero fatalidades chamado Setor Eighty-Sixth.

Não muito diferente da República.

Vendo Theo olhando para ele, imóvel, Ishmael acenou a mão displicentemente.

“…Você não precisa me olhar assim. Não fomos tratados tão mal quanto vocês. Eles não nos expulsaram com armas apontadas para as nossas costas, e não confiscaram nossos pertences também. Fugimos com tudo o que podíamos carregar, e não fomos realmente discriminados quando nos estabelecemos em outro lugar. As moradias que nos deram eram provisórias, porém, mas o lugar para onde evacuamos também passou por dificuldades… Heh, quer dizer, até o comandante da frota teve que levar a Stella Maris e toda a frota para evacuar também”, disse brincando e riu.

Esse comandante da frota era… Sim. Era o nome do comandante da frota morto. Ele não tinha visto ninguém com a mesma tatuagem de Ishmael, apesar da base estar agitada com a preparação para a operação. Havia a possibilidade de que não fosse apenas o comandante da frota; todos os outros que tinham aquela tatuagem já estivessem…

Então ele realmente não tinha essas coisas afinal.

Ele era semelhante aos Eighty-Six mesmo nesse nível. Para eles, que haviam perdido suas famílias, terras natais e foram privados de qualquer cultura e tradição para se apoiar. Então talvez… Não, ele estava quase certamente preocupado com os Eighty-Six , que passaram pelas mesmas dificuldades que ele.

“Desculpe… E, er…”

As palavras de Rito surgiram novamente em sua mente. Alguém estava preocupado com eles, agora que estavam fora do Setor Eighty-Sixth . E aqui ele havia conhecido alguém que estava na mesma posição em que estavam… Alguém cheio de orgulho.

“…obrigado.”

Ele sentiu como se tivesse vislumbrado um pequeno ponto de luz ao fim de um longo túnel escuro.

A luz do sol se pondo refletia na superfície do oceano, o brilho dourado se erguendo como uma coleção de espelhos sobrepostos. Era uma visão deslumbrante e brilhante. A Capitã de um destróier anti-leviatã, uma mulher com uma tatuagem de peônia, disse a ele que o farol nos arredores da cidade oferecia uma boa visão esférica das estrelas.

Era aberto ao público como um observatório e, de fato, o horizonte parecia um arco daquele ponto de vista. Oferecia uma visão completa do espetáculo radiante dos raios baixos do pôr do sol cintilando na superfície da água.

O mar crepuscular brilhava com um dourado queimante, como um espelho quebrado. De alguma forma, a beleza disso parecia para Yuuto a própria imagem de rejeição. Shiden e Shana estavam por perto; aparentemente, alguém tinha contado a eles sobre esse lugar.

Eles estavam na mesma unidade, mas não eram próximos o suficiente para falar livremente. Especialmente porque Yuuto era taciturno por natureza. E assim eles simplesmente ficaram sem trocar olhares ou palavras, o calor de seus corpos distante um do outro. Observando o mesmo pôr do sol desconhecido.

“Os clãs do Mar Aberto se uniram para formar uma única marinha. Não é tanto uma unidade militar, mas sim um grupo que se assemelha mais a uma espécie de família.”

Yuuto virou seu olhar na direção dessa nova voz. Esther tinha subido até o observatório e, por alguma razão, Kurena estava com ela também. Ele tinha presumido que ela não conseguia se animar para ir à praia ou à cidade, então ela ficou na base, onde Esther a encontrou e a trouxe consigo. Shiden e Shana provavelmente estavam lá sob circunstâncias similares.

Parecia que não apenas Esther e a senhora que falou com Yuuto estavam determinadas a se meter nos negócios deles. Era todo o exército da Frota Orphan e até mesmo as pessoas da cidade que estavam ansiosas para mostrar-lhes o festival. Todos eles lhes deram a mesma impressão.

No início, ele pensou que estavam sendo gratos pela unidade estrangeira enviada para ajudá-los, ou que estavam simplesmente hospitaleiros com os primeiros hóspedes que receberam do exterior em uma década, mas… Agora parecia que havia mais nisso do que isso.

Os Países da Frota existiam há alguns séculos, enquanto os clãs do Mar Aberto exploravam os mares há milhares de anos, competindo com os leviatãs pelo controle das águas. Apesar de perderem nessa batalha repetidamente, essas pessoas nunca desistiram. E parecia que agora, de alguma forma, eles estavam chamando – declarando que não tinham nada além dessa luta decidida. Que isso era tudo o que tinham.

“Eu acho que isso é uma espécie de simpatia… Por nós, os Eighty-Six,” Esther continuou falando de maneira objetiva.

“Então, para isso, como tenente do Capitão Ishmael, eu o chamo de meu irmão mais velho. Mesmo não havendo parentesco entre nós.”

“Er…”

Kurena olhou de volta para Esther, claramente impressionada. Tudo o que ela fez foi perguntar casualmente, no meio de uma conversa ociosa, por que ela se referia a Ishmael como seu irmão mais velho, apesar dele ser mais jovem e não ser parente dela.

“…Desculpe. Eu realmente não entendo, senhora…”

Ela adicionou a última palavra, percebendo que estava falando com uma tenente. Felizmente, Esther não pareceu se importar enquanto simplesmente olhava para Kurena com curiosidade.

“Você não entende? Eu pensei que vocês Eighty-Six tinham relações semelhantes.” Kurena piscou uma vez.

“…Você quer dizer nós?”

“Sim. Por exemplo, você e seu comandante de operações, Capitão Nouzen. Quando eu os conheci, pensei que vocês poderiam ser irmãos. Bem, era óbvio que vocês não eram parentes por sangue, no entanto.”

Deixando de lado que as características faciais de todos eram diferentes, as cores com as quais nasceram eram completamente diferentes. Mas algo sobre esses meninos e meninas parecia similar. O olhar nos seus olhos, talvez. Era óbvio à primeira vista que nenhum deles era parente por sangue, e ainda assim…

“Algo sobre vocês era visivelmente similar… Sim, acho que poderia chamar de a forma das suas almas. Vocês viveram no mesmo campo de batalha, destinados aos mesmos túmulos, viveram vidas semelhantes e se orgulhavam do mesmo modo. Não foram laços de sangue, mas laços de parentesco da alma que formaram suas conexões… Da mesma forma que o orgulho dos clãs do Mar Aberto forma nossas relações.”

Essas palavras doces abalaram Kurena. Ela murmurou fervorosamente. Como uma pessoa que acabara de receber água no final de uma longa jornada por um deserto árido.

“Parentesco… da alma.”

“Exatamente. E mais do que laços de sangue ou camaradagem do mesmo país, essa é uma conexão que nunca pode ser cortada. Não importa o quê.”

Esther falou entusiasmadamente dentro do brilho dourado, como se estivesse dizendo o óbvio.

“E então, aconteça o que acontecer, ele sempre será um irmão mais velho para mim. E da mesma forma, o Capitão Nouzen sempre será um irmão mais velho para você. Isso nunca mudará.”                                                              

“Tínhamos apenas uma estimativa aproximada da distância e dos números deles, já que estão tão longe de nós, mas saber disso torna as coisas muito mais fáceis. Tanto para nós quanto para a frota de distração.”

A sala de briefing foi montada na capela da universidade apropriada. A luz filtrava-se pelos antigos e coloridos vitrais e descia sobre a mesa. Lá estava Ishmael, examinando os documentos espalhados diante dele com um sorriso. Entre eles, estava um mapa naval, onde Shin havia marcado as posições das naves-mãe da unidade de reconhecimento avançado.

“Permita-me convidá-lo para o almoço quando voltarmos como agradecimento por isso, Capitão. Frutos do mar secos, como é a tradição.”

“…”

Percebendo que ele não especificou os peixes ou frutos do mar, mas apenas disse vagamente “frutos do mar”, Shin ficou em silêncio. Theo falou em seu lugar.

“Capitão, você quer dizer aquelas iguarias finas com que os locais gostam de provocar os turistas?”

“Não, de jeito nenhum… É só que o animal cru em si parece um pouco estranho, só isso.”

Lena sorriu ao ver que os Eighty-Six estavam se dando bem com Ishmael e as pessoas dos Países da Frota. Os soldados da Frota Orphan e os moradores da cidade eram todos amáveis e de bom coração. Talvez fosse por isso.

“Ah, aguardem o jantar esta noite, pessoal. É época de festival e estamos gratos por tê-los aqui, então as boas senhoras que comandam a cozinha estavam empolgadas para preparar um banquete para vocês.”

Ishmael ergueu a mão e acenou, deixando a sala de briefing para trás. Vendo-o partir com um sorriso, Lena então observou a sala, olhando para os comandantes de esquadrão do Esquadrão de Ataque e os oficiais de staff.

“Então… Vamos começar nossa própria reunião de briefing.”

Os oficiais de inteligência, que sorriam assim como ela, e Zashya, que parecia perplexa por algum motivo, rapidamente a observaram com expressões sérias. Os Eighty-Six não pareciam particularmente nervosos e estavam tranquilos em suas cadeiras, relaxados. Como costumavam ser. Lena não deu atenção a isso e ativou a janela holográfica.

“Em primeiro lugar, temos um diagrama esquemático de nosso objetivo atual, a Torre Mirage.”

Era um esquema tridimensional produzido a partir da análise de imagens capturadas por um barco de reconhecimento. Tinha uma estrutura de aço clara, mas de alguma forma se assemelhava ao cadáver de uma criatura viva. E apesar disso, ainda tinha a imponência de uma fortaleza marinha.

“A altura até o último nível é estimada em cento e vinte metros. Consiste em sete torres, com uma central apoiada por seis pilares. Seu interior é especulado ter entre dez a doze andares. O núcleo de controle da base e o Morpho estão localizados no último andar. Para destruí-los, enviaremos três destacamentos de Juggernauts de artilharia para garantir nossa entrada.”

A capacidade de carga significava que só podiam levar algumas de suas forças. A capacidade de carga da Stella Maris permitia transportar cento e cinquenta Juggernauts. O Super Porta-Aviões normalmente levava um número mínimo de helicópteros de patrulha, que foram movidos para alguns dos outros destróieres. Mesmo assim, o número de Juggernauts que poderiam transportar era limitado.

O plano inicial era que suas forças restantes fossem enviadas para as linhas de frente dos Países da Frota, com algumas embarcações ficando para trás para garantia, mas…

“Segundos-tenentes Rito Oriya e Reki Michihi. Suas unidades permanecerão em terra, onde serão posicionadas nos fundos das linhas de frente deles para funcionar como uma força de defesa móvel.”

Rito piscou algumas vezes surpreso.

“Michihi e eu não fazemos parte da força de ataque? E o que você quer dizer com ‘defesa móvel’?”

“A principal força naval da Frota Orphan chamará a atenção da Torre Mirage. Quando o combate na base começar, há a possibilidade de que as unidades terrestres da Legião lancem um ataque em retaliação. Por isso, precisamos que fiquem para trás com as forças residuais.”

Michihi e Rito trocaram olhares e depois assentiram, com os lábios franzidos. Se fosse esse o caso…

“Entendido.”

“Nós cuidaremos disso.”

“Também há a possibilidade de que a composição e formação do inimigo possam mudar. Explicarei as contramedidas para isso mais tarde, então reserve um tempo para isso.”

Vika olhou na direção dela.

“Então é por isso que você pediu munição extra da Federação… Você colocará Alkonosts na linha de defesa também, certo? Com exceção dos exploradores que estarei dirigindo pessoalmente, deixarei o comando para Zashya, então fique à vontade para usá-los.”

Devido às limitações de peso, os Juggernauts, que tinham maiores capacidades de combate em todos os aspectos, tiveram prioridade sobre os Alkonosts quando se tratava de atacar a base.

“Sobre os Pastores que estamos procurando”, Shin então disse, “pelo que consigo ouvir, existem dois deles. O Morpho, e como estamos assumindo que esta é uma base de arsenal, o outro deve ser o núcleo de comando de um Weisel. Eles estão a uma boa distância, então só consigo dizer quantos estão lá fora, não como estão posicionados. Uma vez que nos aproximarmos mais, devo ser capaz de descobrir, porém. O grupo de Lerche atuará como exploradores, mas estarei à frente deles, então não devem atrapalhar.”

Ao ouvir sua explicação direta, Lena lembrou-se de um certo conjunto de instruções e franziu a testa. Eram instruções desconcertantes e absurdas do exército da frente ocidental, que Grethe havia entregue a ela.

“Recebemos instruções para capturar os núcleos de controle do inimigo se possível para analisar suas intenções, mas você não precisa se esforçar demais para alcançar esse objetivo… Você pode considerar isso como de baixa prioridade.”

Por um momento, Shin ficou estranhamente silencioso. Mas antes que Lena pudesse pensar em algo a respeito, ele assentiu tão friamente quanto sempre.

“Entendido.”

“Shinei.”

A janela em seu quarto nos alojamentos oferecia uma vista para o mar e, como ele ia dormir e acordar em horários determinados para se preparar para a operação, o mar estava escuro sempre que acordava. A hora ainda estava no meio da noite, muito cedo para ser chamada de manhã.

Além do silêncio da cidade adormecida, ele conseguia ouvir o contínuo grave do rugido do mar alcançar seus ouvidos. Era um sussurro silencioso, não muito diferente do constante lamento da Legião. Sem tentar ouvir esse som e a voz além dele, Shin virou o olhar para a porta, onde aquela voz o chamou.

Frederica entrou no quarto, ainda esfregando os olhos sonolentos.

“O que você está observando? Há algo de peculiar lá fora?”

“Oh… Não estava olhando para nada em particular.”

“Então foi a voz da Legião… do Morpho?”

Além do silêncio adormecido da cidade, além do rugido das ondas, estava o som de um fantasma… o Pastor da Torre Mirage. Frederica se aproximou de seu lado com passos leves, seus olhos carmesim pensativos fixos além do mar.

“Shinei.”

Mesmo agora, Frederica não chamaria Shin pelo apelido. Shin conseguia perceber, de alguma forma, que isso era uma espécie de auto-admoestação que ela impôs a si mesma. Para não confundi-lo com o cavaleiro imperial que se parecia com ele, a quem ela chamava por um apelido – Kiri.

“Shinei. O Morpho na fortaleza inimiga…”

Ela fez uma pausa por um momento. Como se temesse dizer o resto.

“É o Kiriya?”

“…? Você não olhou?”

A habilidade Esper de Frederica lhe dava o poder de ver o estado presente das pessoas que ela conhecia, mesmo que essa pessoa fosse um fantasma. Shin respondeu à sua pergunta com outra pergunta, pensando que ela saberia sem perguntar a ele.

Mas ao perguntar, ele percebeu: Talvez ela não conseguisse se “ver”. Ela tinha medo da possibilidade de realmente ver Kiriya novamente.

“Não é o seu cavaleiro”, ele disse.

“Sua voz e palavras são diferentes.” Frederica ergueu a cabeça imediatamente.

“Acho que ele é do Império, mas não é o seu cavaleiro… Então não sei se é a fonte de informação que Ernst mencionou.”

Frederica então abaixou a cabeça novamente, tristemente. Ela mordeu o lábio, depois olhou diretamente para cima para ele, suplicante.

“Shinei, se essa chance vier até nós, você deve me usar afinal. Quanto mais o tempo passa, mais vidas inocentes são perdidas. E não há como saber quando essa devastação pode atingir a Federação. Se isso acontecer, não há garantia de que você sobreviva. Mas eu… Eu sou apenas um pequeno sacrifício, então—”

“Não.”

“Shinei!” Ela segurou-o.

Seu físico era muito menor que o dele, é claro, então tudo o que ela podia fazer era sacudi-lo levemente. Ele entendia como ela se sentia. Se estivesse na posição dela, provavelmente teria dito o mesmo… e até agido de acordo com suas palavras. Assim como ele havia pensado que agir como isca teria salvado seus amigos dois anos atrás, no final da missão de Reconhecimento Especial.

Então ele pensou que entendia sua impaciência e resolução. Mas ainda assim…

“Uma pessoa pode ser um pequeno sacrifício… Sacrificar a minoria é justificado se for para salvar a maioria. Essa é a lógica que usaram para nos jogar no Setor Eighty-Sixth.”

Os olhos de Frederica se arregalaram ligeiramente. Olhando para baixo para ela, Shin continuou falando. Ele conhecia sua impaciência e sua resolução. Mas ainda assim, isso era uma coisa na qual ele não cederia.

“Eu não acho que sacrificar você seja a coisa certa a fazer… Eu não quero repetir os erros da República.

Tradução: LordAzure, Jeff-f

Axios

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