86: Oitenta e Seis

86: Oitenta e Seis – Vol. 01 – Cap. 02 – Tudo Tranquilo no Fronte Esquelético

 

— 129 dias até a data final!! Glória a porra do esquadrão Ponta de Lança!!

Na parede dentro da garagem preta onde a cor já tinha desbotado graças ao clima, havia um antigo quadro-negro que fora colocado por alguém desconhecido, aquelas grandes palavras em giz colorido indicavam uma contagem regressiva.

Shin que estava olhando para uma prancheta levantou os olhos e viu essa frase otimista no quadro. Na verdade, a contagem deveria estar em cento e dezenove dias. Quando Kujo foi mandado para esse esquadrão, atualizava o número todos os dias.

Dez dias atrás, ele morreu.

Shin parou de olhar para a contagem regressiva e baixou a cabeça para olhar os registros de manutenção que estavam na prancheta. O “Juggernaut” estava parado no Hangar. Ele foi em direção ao seu “Juggernaut” pessoal.

Os brilhantes olhos tinham a cor vermelha igual a um piropo1Piropo é um mineral do tipo granada de cor vermelho-sangue., e o cabelo curto tinha a cor de ônix2Ônix é uma gema variante do quartzo, tem de várias cores, mas aqui se refere ao ônix mais clássico que é de cor preta.. Ele havia herdado as linhagens sanguíneas nobres de piropo e ônix, e entre os quais eles chamam de Oitenta e Seis, Shin tinha as características mais marcantes de um Colorata.

Seu lindo rosto era marcado por uma expressão calma e indiferente, um pouco indiferente, seu corpo era esguio e sua pela branca refletia sua antiga posição como membro da nobreza do império. A paisagem do fronte oriental eram predominantemente florestas, pradarias e pântanos, Shin estava usando uma roupa camuflada de cor amarela e marrom escura. Seu colarinho estava bagunçado, mas não precisava arrumar, pois não tinha nenhum superior lá para supervisioná-lo. Um lenço azul envolvia seu pescoço.

O som de batidas de máquinas ecoou no hangar, a manutenção continuava enquanto a equipe brigava uns com os outros. No pátio na frente do hangar havia pessoas jogando basquete, dois contra dois, usando regras estranhas. Um calmo riff de guitarra veio de algum lugar, era uma antiga música de anime que estava sendo tocada. Kino estava descansando dentro de seu cockpit que tinha a escotilha transparente, enquanto lia uma revista pornô, acenou para Shin quando viu que tinha chegado perto.

Mesmo estando no fronte de batalha, os membros dessa base tinham dias livres e relaxados sem batalhas.

De acordo com o relatório enviado para o Controlador, agora deveria ser a hora deles estarem patrulhando a área ao redor. Eles deviam fazer isso todos os dias, mas o esquadrão considerou isso inútil e então não faziam. Aqueles que queriam sair para fazer algo, iam para cidades vizinhas procurar coisas úteis, enquanto outros iam fazer as tarefas que lhes foram designadas (cozinhar, lavar roupas, limpar, plantar vegetais, alimentar as galinhas, e outras coisas do tipo),  outros apenas ficavam matando tempo.

O som barulhento de botas militares ecoou no chão, em seguida, um grito mais alto que o barulho de um tanque, ecoou pelo hangar.

— Shin! Shinei Nouzen! Você fez uma bagunça novamente, seu desgraçado!

Como um rato esperto, Kino saiu rapidamente do cockpit e se escondeu nas sombras, enquanto Shin apenas olhou apaticamente para a pessoa que gritou.

— O quê?

— Você ainda tem coragem de me dizer “O quê” Cangalheiro!? Seu desgraçado—!

Quem estava brigando com Shin era um homem com um rosto selvagem, parecia um cão de guarda, usava óculos escuros e tinha algumas mechas brancas no meio de seu cabelo cinza, era um mecânico que tinha aproximadamente cinquenta anos, usando roupas cheias de mancha de óleo.

O chefe de manutenção do esquadrão Ponta de Lança, Lev Audreht. Shin, de dezesseis anos, era considerado um veterano entre os “processadores”, mas Audreht era um sobrevivente do grupo de recrutas de nove anos atrás, era um ancião entre os veteranos.

— Por que você tem que ferrar tanto a máquina toda vez que você vai para a batalha? O atuador e o amortecedor estão totalmente estragados de novo. A máquina não vai conseguir ficar estável assim, quantas vezes eu tenho que te dizer para parar de ser imprudente!?

— Me desculpe.

— Você acha que um simples pedido de desculpas vai arrumar isso? Não estou aqui para fazer você pedir desculpas, estou tentando te mudar para melhor. Um dia desses, você ainda vai morrer em uma batalha estúpida! Já estamos ficando sem peças de reposição e até o próximo reabastecimento de peças, vai ser difícil reparar as coisas!

— E as unidades reservas?

— Éeeee nós temos unidades reservas, mas graças a um certo líder ai que quebrou quase todas as unidades reservas, só sobraram duas unidades! Fazer a manutenção sozinho do seu “Juggernaut” leva o triplo do tempo dos outros. Quem você acha que é, um príncipe!?

— O sistema feudal foi abolido na revolução trezentos anos atrás.

— Você é um pirralho de merda… do jeito que está desgastando e destruindo as unidades, só duas ou três não vão ser suficiente pra você até que o próximo reabastecimento de peças chegue, você me ouviu!? O que caralhos você quer que eu faça, fique rezando para que não destrua os “Juggernaut”? E depois? Ficar esperando que a sucata que você destrói não venha te assombrar depois pelo resto da sua vida, ou algo do tipo, hein!?

— Qualquer coisa podemos pegar peças do “Juggernaut” do Kujo.

Shin falou aquilo com seu tom de voz monótono habitual, Audreht ficou em silêncio por alguns segundos.

— Sim, podemos usar algumas peças da unidade do Kujo…, mas eu não quero fazer isso. Sério, você não acha que tem algo de errado nisso? Usar peças das unidades dos mortos no seu próprio “Juggernaut”?

Shin virou ligeiramente a cabeça e apontou para o seu “Juggernaut”, o “Cangalheiro”. Tinha um esqueleto segurando uma pá desenhado com spray na parte da frente da unidade e o esqueleto estava sem cabeça.

Audreht apenas fechou o rosto.

— Não tem por que pensar nisso agora que ele morreu… é isso que você quer me dizer, Cangalheiro?

O velho mecânico apenas acenou com a cabeça pensativo, virou-se para as portas do hangar entreabertas, olhando para as intermináveis planícies de primavera.

O céu, tão grande, tão distante, estava azul e sem nuvens, parecia derreter tudo sob ele. Debaixo dele, a Centaurea Cyanus3Informações: Aqui. cor de lápis-lazúli e a grama cor de esmeralda brilhavam, o cenário se estendia indefinidamente, tinha sido o túmulo de milhões de Oitenta e Seis, espalhados por todo esse campo de batalha.

Os Oitenta e Seis não têm túmulos. Eles não existiam, então naturalmente, não tinham túmulos. Até mesmo enterrar seus cadáveres era proibido.

Os porcos que tinham a aparência de humanos, não tinham o direito de descansar e nem a liberdade para lamentar a perda de seus amigos. Foi assim desde o começo da guerra há nove anos e continua assim até os tempos atuais.

— O Kujo explodiu em pedacinhos, não foi?

— Sim.

Minas automatizadas, armas contra infantaria sem rosto, com quatro membros e com o corpo cheio de explosivos. Eles eram medonhos, se pareciam com humanos, tanto que, se olhasse de longe, pareciam vítimas no meio do campo de batalha. Kujo foi ajudar outro esquadrão em uma batalha noturna e acabou se encontrando com um desses.

— Mas agora está tudo bem. Ele está lá nesse momento, não é?

— Provavelmente.

Pessoalmente, Shin não acreditava na existência do céu nem do inferno, mas acreditava que a alma de Kujo tinha deixado esse lugar e ido para um lugar melhor.

Audreht deu um olhar intrigante.

— O Kujo teve sorte de ter sido do mesmo esquadrão que você… esses caras também.

A bola entrou pelo aro e a rede maltrapilha balançou quando a quadra explodiu em aplausos. A música de anime ecoava junto com o riff de guitarra e letras aleatórias, esse canto reverberava pela área da base.

Audreht sabia muito bem que esse cenário diante dele nunca seria visto em qualquer outro esquadrão além desse.

Batalhas contínuas. Patrulhas diárias para se prevenir de ataques da “Legião”. A grande tensão e o medo acabariam aos poucos com a psique de uma pessoa, e através das batalhas, amigos seriam perdidos. Como todos os dias eram árduos para eles, não conseguiam ter uma vida humana digna, quem dera conseguir relaxar e se divertir.

Mas mesmo assim, esse esquadrão conseguia relaxar e não se preocupava com ataques inimigos, mesmo que esses fossem inevitáveis.

— …Esse pessoal consegue viver em paz graças a você Shin.

— Mas aquele que demora três vezes mais na manutenção dos “Juggernaut” sou eu, não é?

Audreth ficou sem palavras. Shin só deu de ombros quando percebeu o olhar descontente sob os óculos escuros de Audreth.

— Pirralho… era só uma brincadeirinha, e você levou a sério.

— Eu me senti incomodado com isso. Mesmo que eu não tenha demonstrado isso com ações.

— Idiota. O trabalho de nós, mecânicos, é fazer com que vocês, seus pirralhos, voltem vivos. Uma ou duas unidades é um preço baixo a se pagar para que vocês consigam voltar vivos para casa. Temos que consertá-las, não importa o quanto isso seja difícil.

Falou isso e então se virou envergonhado para o lado.

— …De qualquer forma, o nosso Controlador mudou novamente. Que tipo de pessoa será dessa vez?

Silêncio.

— …Sim.

— Sim não é resposta… fala direito…

— Parece que é isso mesmo.

Devido as constantes mudanças, Shin esqueceu os nomes dos Controladores há muito tempo. Na verdade, os “processadores” nunca se importaram com a existência deles.

Porque os Controladores há muito já abandonaram seus deveres. Uma vez que tivesse muitos pulsos eletromagnéticos, o radar não conseguiria mais transmitir os dados e o QG no continente não conseguiria mais comandar direito. Sendo assim, os “processadores” nunca se importaram com os Controladores, pois a existência deles não mudava nada.

O dever do Controlador virou praticamente só supervisionar os “processadores”, no final esse era o trabalho deles. A missão do Controlador era suprimir o espírito de rebelião dos Oitenta e Seis, usando os Para-RAID, que lhes permitia monitorar todas as suas ações e também permitia dominá-los.

Shin lembrou das conversas pouco frequentes da semana passada e disse:

— Ganhei mais trabalho pra fazer. Parece que tenho que escrever um novo relatório de patrulha toda semana.

— … Eles não vão ler, e o único maluco que enviou descuidadamente os mesmos relatórios de cinco anos atrás foi você.

Para entender, ele não mudou as datas e as localizações, e desde então, eles nunca mais saíram para patrulhar, então tudo que tem nos relatórios é mentira. Shin ainda estava perplexo que a farsa dos relatórios nunca foi descoberta.

— Você por acaso mandou relatórios antigos por engano?

Ele se lembrou da voz calma, que mais parecia o badalar de um sino prateado, o questionando sobre esse detalhe, e suspirou.

— Nunca pensei que você seria tão descuidado.

— Ela riu enquanto falava, a risada dela era cheia de bondade verdadeira e sinceridade.

— No dia que ela foi designada, no momento que sincronizamos com ela, quis nos cumprimentar, falou que iriamos conversar mais no futuro. E então ela nos contata no mínimo uma vez por dia. Eu acho que é um caso raro entre o exército republicano.

— Parece ser gentil… bem, ela vai sofrer. Coitada.

Shin pensou o mesmo, mas não respondeu.

Nesse mundo, justiça ou ideais não tinham poder nem sentido—

— …Sim.

E por algum motivo, Shin se virou para as intermináveis planícies da primavera, como se alguém tivesse chamado ele.

— Ba dum tss! Isso aqui é literalmente um “Porco vivendo do lado de fora da Grand Mur!”.

— Muito engraçado, hein Haruto.

Na cozinha do exército, Seo, que corajosamente se voluntariou para cozinhar a geleia de frutas, respondeu sem rodeios a frase idiota que seu companheiro de esquadrão falou. Ele era um Jade, com cabelo loiro e olhos verdes, tinha dezesseis anos, era meio baixo e magro.

O garoto rubi, Haruto, colocou o enorme javali na entrada do pátio, levantou os braços mostrando toda a sua felicidade e coçou a cabeça.

Ele não tinha nada para fazer hoje, então foi caçar javalis na floresta que tinha lá perto.

— Hmm, vocês são chatos, onde está a reação, a risada de vocês? Isso foi engraçado, não foi?

— Se você quer mesmo uma resposta, foi uma piada sem graça… mas bem…

Seo soltou o livro de esboços que estava segurando e começou a medir a caça que estava bem na frente dele. Provavelmente foi arrastado até aqui por um “Juggernaut”, mas deve ter sido difícil caçá-lo, pois era um javali enorme.

— Isso é incrível. É muito grande.

— Não é mesmo? Vamos fazer um churrasco hoje essa noite! Onde está o Raiden? E Angel? Eu quero trocar quem vai ficar encarregado da janta com eles.

— Bom, o Shin é o responsável de hoje. Raiden foi para a “Cidade” procurar algumas coisas, e a Angel e as outras garotas estão encarregadas de lavar as roupas hoje.

Haruto encarou o Seo.

— Quando isso foi decidido?

— Provavelmente… depois do café da manhã.

— Agora é quase meio-dia.

— Aham.

— …!!

Mesmo que tivesse que lavar as roupas da base inteira, com seis pessoas lavando as roupas, não era difícil lavar tudo.

O lugar onde era lavada a roupa ficava à beira de um rio, o dia estava ensolarado, um típico dia de primavera.

Haruto deu uma olhada.

— …Então agora elas estão tomando banho. O rio é um paraíso, certo?

— Antes que você vá para o céu de verdade, saiba que todas elas levaram armas.

Haruto congelou no mesmo instante. Seo deu um grande suspiro, pegou a colher de madeira e mexeu a panela. Quando viu que a geleia de frutas estava quase pronta, apagou o fogo.

Ele estava fechando a tampa quando o seu Para-RAID ativou.

Quando veio para cá, Seo teve um dispositivo RAID implantado na parte de trás do pescoço, também tinha um brinco com dados para sincronização de registros. O dispositivo RAID e o brinco foram ativados ao mesmo tempo, gerando um calor imaginário. Ele tocou no brinco com a ponta do dedo e mudou para o modo de comunicação.

— Ativar…

Quando o Para-RAID sincronizou, os olhos verdes do Seo se transformaram em azul gelo. Não muito longe dele estava o Haruto, a mão dele segurava seus ouvidos enquanto o sorriso desaparecia do seu rosto.

— Shin… e agora?

 

 

No ponto de lavar roupa na beira do rio. O rio era largo, e muitos corpos d’água podiam ser vistos, as seis membros femininos do esquadrão Ponta de Lança estavam brincando de lutinha no meio da água.

— O que você está fazendo, Kaie? Ande logo.

Krena parou de lavar quando viu sua parceira de esquadrão inquieta e deu um grito para ela. Ela tinha um cabelo castanho avermelhado curto e olhos cor de topázio4Topázio é um mineral cristalino classificado como uma pedra preciosa bastante usada na Joalharia. dourado como um gato.

Tinha tirado o seu uniforme de combate e tinha amarrado as mangas ao redor da cintura, a blusa fina mostrava as curvas de seu corpo bem em plena luz do dia, mas nenhuma de suas amigas estava tímida, mesmo todas estando vestidas assim.

— Não, tipo, se parar pra pensar, dá um pouco de vergonha…

Kaie era uma garota que tinha cabelo preto e olhos negros, além de ter a pele branca e sedosa. Embora sua voz parecesse a de um garoto, era uma garota. Seus olhos estavam levemente vermelhos, provavelmente por tentar ficar atenta para que a roupa dela não molhasse e grudasse no corpo. Tinha um rabo de cavalo pequeno, seu busto era plano, dando um ar sedutor para ela.

— E realmente deveríamos estar fazendo lutinha na água… Warrgh!!

Angel, com seu cabelo prata azulado espalhado por toda a suas costas, pegou um pouco de água com as mãos e jogou na Kaie. Ela não tinha tirado o uniforme, mas tinha aberto bastante o zíper, para uma dama que parecia elegante, esse era um estilo ousado. O cabelo prateado provava que era uma Adularia, mas tinha olhos azuis-claros herdados da sua bisavó, uma Celesta, então foi banida de dentro das fronteiras e considerada uma Oitenta e Seis pela república.

— Você é muito séria, Kaie. Está tudo bem, nossas roupas serão lavadas de qualquer forma.

As outras garotas concordaram,

— E o Shin vai entender.

— Ah, sim. Ele também tinha falado que hoje estava quente. Até mesmo deu um sorriso, o que não é normal pra ele.

— Bom, isso é compreensível, mesmo vindo daquele líder carrancudo.

Falando isso, elas de repente sorriram para a Krena.

— N-não é isso que estão pensando! Não foi isso que eu quis dizer!

— O que tem de tão bom nesse cara que sempre tem uma resposta na ponta da língua?

— Eu já falei que não é isso!

— De qualquer forma, o que você acha, Kaie?

— Shin? Hmm, eu pessoalmente não acho que ele seja ruim. Não é de falar muito, é meio estoico, mas ele é bom.

— Es-es-es-es-es-es-espera um pouco, Akie!?

Krena de repente entrou em pânico, Kaie segurou a risada. Krena era muito fácil de ler.

— Entendi, entendi. Mas como ninguém pegou ele ainda, eu vou atacar primeiro. Vamos mostrar para ele “Um ataque noturno à moda oriental” essa noite, o mais rápido possível…

— K-Kaie! E-erm, eu não penso nada sobre o Shin, mas, eu não acho que isso seja legal! Vo-você devia ser mais como uma Yamato Nadeshiko5É como os japoneses se referem a uma mulher com atributos e modos que são tradicionalmente desejados por homens, como elegância, autopreservação, timidez, etc; geralmente atribuído a pessoas com educação tradicional., ou algo do tipo.

Krena ficou agitada e as garotas sorriram ao mesmo tempo.

— VOCÊ É TÃO FOFA, KRENA!!!!

Alguns segundos depois, Krena entendeu o que aconteceu.

— Ei!

— Ei, encontrei vocês.

O arbusto chacoalhou e Daiya, um companheiro de esquadrão apareceu. Ele era alto e magro, tinha o cabelo loiro brilhante e olhos cor de esmeralda.

Apenas um detalhe, ele era um garoto.

— KYAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH!!!

— WAHHH!!!!

Daiya foi alvejado pelas armas supersônicas de todas as garotas, que provavelmente estavam engatilhadas desde o começo e também foi acertado por todos os itens que elas conseguiram jogar, assim recuou rapidamente para dentro do arbusto.

— Ei! Quem foi que jogou uma pistola! Podia ter me machucado se estivesse engatilhada!

— KYYAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHH!!!

— WAHHH!!!

Daiya, atingido diretamente por um objeto nessa segunda rodada, finalmente ficou em silêncio.

As garotas colocaram as roupas às pressas e Angel se aproximou.

— Então, Daiya, o que foi?

— Séria bem legal se você me perguntasse “Você está bem?” com uma voz doce nesse momento, Angel.

— Bom, você está bem, Daiya?

— Tá, foi mal, por favor, não diga isso com essa cara medonha, eu vou chorar assim…

Kaie prendeu o velcro do uniforme de combate, viu que as outras já tinham se vestido e então falou,

— Ok Daiya, você pode sair agora… o que foi?

— Ah sim. Na verdade, hoje eu sou o mensageiro.

Parece que alguém tinha pedido que ele entregasse uma mensagem. Krena usou seus braços inutilmente para tentar cobrir o seu corpo voluptuoso que não conseguia ser camuflado nem pelo uniforme de combate, fez um beicinho.

— Você podia ter nos contatado usando o Para-RAID. Por que veio até aqui?

Daiya coçou a cabeça.

— Bom, seria bem estranho me comunicar com garotas usando o Para-RAID bem quando vocês estão se divertindo e se eu acidentalmente ouvir sobre suas histórias de amor? Se bem que provavelmente eu ouviria algo como “A Krena realmente gosta do Shin~” ou algo desse tipo.

— O qu…!

O rosto da Krena ficou vermelho ao ouvir ele falar em um tom fofo o qual ela nunca usaria para falar e as outras garotas do esquadrão começaram a murmurar.

— Hmm, Espiar é algo imperdoável, mas você tomou a decisão certa.

— Nós na verdade não nos importamos, mas a Krena definitivamente não aguentaria.

— E estávamos falando sobre isso nesse exato momento.

— Ah sim, se o Shin se sincronizar conosco da próxima vez, diga aquilo em voz alta Krena. Vamos ver como ele vai reagir.

— Ela ficou dizendo que o Shin era horrível, sempre o “Deus da Morte” sem expressão, sempre sério, e que ele não era nem um pouco fofo.

— E-e-e-e-e-e-e-e-eu não disse isso! Parem com isso!!

— VOCÊ É TÃO FOFA, KRENA!

— WAHHHH!! Suas idiotas!!!

Krena, que foi provocada por todo mundo (incluindo Daiya) segurou a cabeça enquanto gritava.

Kaie tentando segurar a risada perguntou,

— Então, se não foi isso, o quê? O que você queria dizer de verdade então.

Ao ouvir, Daiya perdeu toda a expressão de seu rosto.

— Ahh… é daquele Shin.

E com essas palavras, os rostos das garotas ficaram tensos.

 

 

O homem não vive só de pão.

Milhares de anos atrás, um salvador etéreo disse uma vez e então virou um ditado clássico. Na vida de uma pessoa, sempre se precisa de coisas a mais para enriquecer o corpo e a mente, como lanches, café, música, jogos e coisas do tipo. Os porcos brancos da república que os jogaram nesse inferno, nunca lhes deram nada além do mínimo para sobreviver, pois provavelmente achavam que não era necessário.

Por outro lado, se um homem quisesse viver, a principal coisa era encher o estômago.

— Certo Fido, temos um problema aqui.

O que um dia foi uma cidade, agora não passa de escombros, de tempos em tempos, eles procuravam nessa cidade alguma coisa que ainda estivesse comestível, alguns vegetais crescendo nos jardins de alguma das casas, animais de estimação voltando a ser selvagens depois de escaparem de seus lares no caos da guerra e coisas de entretenimento abandonado.

Eles estavam em uma praça enterrada sob escombros. O vice-comandante Raiden comeu a comida sintetizada e o pão esmagado, produzidos em uma fábrica e que foi obtido em uma sala do pânico em uma das cidades próximas. Seu uniforme estava solto, mostrando seu enorme e grande corpo. Ele era um Eisen puro-sangue, seu cabelo curto cor de metal escuro e seu rosto afiado parecia robótico.

O “Catador” era um drone que seguia o “Juggernaut” e o reabastecia com munição e pacotes de energia. Era esguio, tinha quatro pernas curtas, não era muito bonito. Nesse momento, um certo “Catador” na frente dele baixou a cabeça, avaliando os objetos a sua frente através de um sensor óptico em forma de lente.

— Qual desses é lixo?

— Pi.

Ele imediatamente estendeu o braço mecânico e jogou a comida sintética para o lado.

Rainden observou o objeto branco rolar para longe e pegou o pão que foi deixado para trás, começou a mastigar. Até um drone sabia que aquilo era um lixo. As línguas daqueles porcos brancos devem estar podres, já que conseguem considerar aquilo como comida.

Todos os campos de concentração e bases tinham fábricas de alimentos e fábricas automatizadas para suprir as necessidades das batalhas.

A fonte de energia do sistema automático de reabastecimento de comida e o controle da produção vinham por cabos subterrâneos do outro lado da grand mur. No entanto, quem controlava esse sistema eram os porcos brancos que não os consideravam humanos, então, a comida era pouca e de péssima qualidade. O que eles chamam de comida sintetizada parecia bem mais bombas plásticas do que comida, devem te fazer ficar mais burro com o gosto ruim que isso tinha.

Assim, seria preciso procurar nos lixões abandonados há nove anos se comida de verdade podia ser encontrada. Felizmente, esse esquadrão não tinha necessidade de patrulhar, então muito tempo e pacotes de energia podiam ser conservados, fazendo com que os esquadrões procurassem pelas cidades enquanto pilotavam o “Juggernaut”.

— Então Fido, hoje estamos procurando outras coisas além desse lixo. Pegue o quanto quiser, incluindo outros tipos de comida.

— Pi.

Raiden, que estava sentado no chão parecendo um delinquente, se levantou e Fido o seguiu com seus passos fazendo rangidos. Uma das missões dos “Catadores” era encher seus cockpits com qualquer coisa, detritos de máquinas, cápsulas de bala, comida, etc. As instruções de Raiden, no antanto, eram um pouco estranhas.

Só para constar, o termo “Catador” era só um apelido. Se os suprimentos não fossem suficientes para uma batalha, eles pegariam itens utilizáveis de “Juggernauts” destruídos ou de outros “Catadores”. Fora de combate, eles vagam pelo campo de batalha e pegam itens que podem ser usados. Por isso os “processadores” os chamam de “Catador”. Eram bons companheiros de equipe, pois com eles não tinham que se preocupar com a falta de munição ou com a falta de pacotes de energia, eram abutres que pegavam toda a carniça que sobrava no campo de batalha.

Fido é um “Catador” que está do lado de Shin há cinco anos.

Disseram que foi capturado por Shin depois de um ataque inimigo, onde acabou sendo o único sobrevivente, não tinha sido completamente destruído, mas tinha perdido a mobilidade.

Ela tinha uma capacidade mínima de aprendizado, mas um mero robô quebrado que foi capturado não teria inteligência suficiente para agradecer. Porém desde então, Fido sempre prioriza Shin reabastecendo as coisas para ele primeiro, seguia-o para qualquer esquadrão que ele fosse designado, ficando sempre ao seu lado. Diferente dos “Catadores” que não sem importavam com sentimentos, esse mostrava algum tipo de lealdade. Era um modelo antigo que começou a ser feito no começo da guerra e como esteve servindo por muito tempo, provavelmente aprendeu muitas coisas.

E a esse drone que obedientemente segue seu mestre, Shin simplesmente o nomeou como “Fido”. Um bom nome para um cachorro. Como nina ou rex…. Como era de se imaginar, tinha alguma coisa erada com a cabeça daquele cara.

— Pi.

— Hm?

Fido de repente parou atrás do Raiden, e se virou. Olhou para onde os sensores ópticos estavam olhando e viu ossos brancos desgastados, em baixo de uma grande árvore que crescia nas sombras dos escombros.

— …Ahh.

Então foi por isso que Fido o chamou. Raiden se aproximou do cadáver. O uniforme estava todo esfarrapado, os braços amputados ainda seguravam o rifle. No seu pescoço tinha uma etiqueta de identificação presa por uma corrente, ele não parecia ser um Oitenta e Seis. Provavelmente, era um dos membros do exército original da república que lutaram incansavelmente nove anos atrás.

Alguns segundos depois, Raiden ouve um Pi, Fido soltou outro de seu barulho característico, se perguntando se conseguia pegar alguma coisa útil dali. Fora da batalha, ele priorizava a coleta das sobras dos mortos, provavelmente era um hábito que pegou do Shin. Nunca tinham pegados corpos, por que os porcos brancos tinham proibido eles de recuperarem os cadáveres.

Depois de fazer uma pequena pausa, Raiden balançou a cabeça.

— Não precisa… deixa ele ai.

Ele reconheceu a árvore que estava em frente a ele. Era uma Sakura. Era uma árvore originária do extremo oriente do continente, ela florescia quando chegava a primavera. Esse ano, durante a estação do desabrochar, por sugestão de Kaie, todos os membros do esquadrão tinham que vir ver essa árvore florescendo lindamente. As pétalas cor-de-rosa se fundiam na noite quando a lua iluminava o lugar, era uma vista linda.

O soldado estava deitado nesse carpete de pétalas, olhando para as lindas flores. Não havia motivo para enterrá-lo negando a ele essa linda visão.

Ele pode ter sido um Alba, mas vivenciou o campo de batalha, foi um guerreiro que deu seu corpo e alma pelo seu país. Ele não pode ser considerado um porco branco igual àqueles outros.

Após um breve momento de silêncio, olhou para cima e sentiu um calor imaginário em sua orelha.

— Para todas as forças que estão dando um passeio. Vocês me ouvem?

— Seo? O que é isso?

Uma voz límpida podia ser ouvida como se estivesse ao lado. Como representante de todos os membros sincronizados que estavam fora da base, Raiden respondeu.

— Houve uma mudança repentina no clima. Uma tempestade se aproxima.

Raiden estreitou os olhos. Ao leste, no céu acima das áreas acima das áreas controladas pela “Legião”, podia-se ver alguma coisa cinza se espalhando, era tão fraco que ele, mesmo tendo uma visão excepcional, teve que apertar os olhos para ver melhor.

As Efemeridas6Do alemão “Eintagsfliege” é uma espécie de inseto aquático. Mais detalhes aqui da “Legião” eram do tamanho de uma borboleta, capazes de absorver e refratar a luz e as ondas eletromagnéticas, interceptando os sinais de um campo de batalha. Esses drones lideravam o caminho sempre que um ataque começava, anulando o radar do inimigo e protegendo muito bem seus aliados. Eles eram uma peça chave nos ataques da “Legião”.

— Quando?

— Eu acho que em cerca de duas horas. Parece que outras forças estão se juntando atrás das que estão se aproximando de nós. Reabasteça com o que conseguir.

As forças mais perto estavam tão distantes que não conseguiam ver a olho nu e o radar já estava desativado. Mesmo assim, Seo… não, aquele que estava falando aquilo conseguia determinar como era a real situação como se tudo estivesse na palma de suas mãos.

— Entendido. Retornando imediatamente— Chise, Clotho. Me encontre na entrada da rota 12.

— Entendido

— Parece que não tem um “Pastor” dessa vez, assim fica mais fácil. Pode ter mudanças nas rotas do inimigo, mas vamos fazer uma emboscada perto do ponto 304 e vamos acabar com eles de uma só vez.

Raiden deu ordens ao seu grupo de batedores e correu de volta ao seu “Juggernaut”. A voz de Seo parecia muito alegre quando disse aquilo. Raiden estava com um sorriso selvagem estampado no rosto.

— Apenas “Ovelhas” hum? Que ótima hora para caçar.

Mesmo a situação parecendo pior do que eles descreveram, as táticas das “Ovelhas” eram bem mais simples e fáceis de lidar já que não tinham um “Pastor” liderando. Tendo conhecimento das forças inimigas de antemão, eles se sentiam muito mais aliviados.

Pelo amor de deus, esse maldito “Deus da Morte”, pensou Raiden, franzindo a testa.

Qual foi o primeiro pensamento?

Aquele “Deus da Morte” de olhos vermelhos vagando pelo campo de batalha, procurando por cabeças perdidas.

Raiden e os outros voltaram para a base e encontraram outras dezoito unidades de prontidão, prontas para agir. A unidade de Seo era a que estava mais próxima da entrada, ele estava sorrindo igual um gato travesso.

— Você é muito lento, Raiden. Pensei que você tinha pisado em alguma mina terrestre.

— Eu voltei o mais rápido que pude. E, além disso, para com essas piadas sobre minas terrestres.

— Ah, foi mal.

Kujo foi explodido por uma mina terrestre automática. Nos dois meses desde que esse esquadrão foi formado, ele foi a terceira KIA.

A taxa de morte dos “processadores” é bem alta. Todos os anos, centenas de milhares eram recrutados, um ano depois restavam menos de mil. Mas isso já era um grande avanço comparado com os seus antecessores, os quais todos praticamente morriam. Naquela época, a única maneira de lutar contra a “Legião” era ir no meio de um batalhão deles com foguetes e bombas nas mãos, então a taxa de mortos de cada dia eram de, pelo menos, cinquenta por cento.

Mas mesmo que a taxa de KIA desse esquadrão seja extremamente baixa, eles ainda estão no fronte de batalha.

Nunca teve um campo de batalhas onde não houve perdas.

A chegada da morte sempre é repentina e justa.

— Todos estão aqui? Então escutem.

Todos ficaram a postos quando ouviram a calma voz ao longe.

O mapa da primeira área de guerra já estava cheio de anotações contendo várias informações importantes para aquela operação. Shin já estava na frente deles, parecia iluminado pela luz luar.

Seu rosto branco estava acompanhado pela familiar roupa de camuflagem desértica, o emblema de capitão indicava que ele era o líder. O lenço azul continuava ao redor de seu pescoço e esse era um dos motivos do seu apelido sinistro.

A cabeça do “Deus da Morte” já tinha sido arrancada, mas ainda estava escondida pelo lenço, ou algo do tipo.

— Vou explicar a situação.

O líder desse esquadrão, apelidado de “Deus da Morte”, viu todos os seus companheiros com seus frios olhos vermelhos.

 

 

A reunião sobre os números dos inimigos, das rotas de embate e de quais seriam as contramedidas foi bem simples, porém bem explicada. Todos os “processadores” entraram nos “Juggernauts”. Cada um deles, seja pelo rosto ou físico, dava para perceber que eram jovens soldados, no meio ou no final de sua adolescência.

Depois que tudo foi selado dentro da escotilha, as vinte e uma unidades blindadas acordaram de seu sono.

O M1A4 “Juggernaut”, era um drone de guerra blindado não tripulado, com homens dentro.

Suas quatro patas eram finas e longas, sustentando o pequeno corpo marrom claro em forma de casulo. A unidade possuía duas metralhadoras pesadas como armas adicionais, um par de fio de arame e um canhão de 57mm nas costas.

De longe, a máquina parecia uma aranha com as armas balançando na parte da frente, junto com o canhão principal nas costas, pareciam as garras e a cauda de um escorpião. Esse era o caixão de seus compatriotas Oitenta e Seis.

A emboscada seria feita em uma cidade abandonada. Shin estava escondido em um canto de uma igreja em ruínas, estava sentado na cabine apertada do “Juggernaut”, então abriu os olhos.

A área que virará um campo de guerra era uma avenida, eles se dividiram em várias equipes, espalhadas pelos cantos da rua para terem certeza que as trajetórias de disparo não ficassem uma em cima da outra. A equipe do fronte era composta pelo número um e o número três (Shin e Seo), agiriam independentemente da equipe de cobertura composta pelo número dois e quatro (Raiden e Kaie), flanqueando a rua. A equipe de canhão liderado pelo número cinco (Daiya) e a equipe de atiradores de elite era liderada pelo número seis (Krena) estavam escondidos do outro lado da rua esperando.

Shin olhou sem demonstrar reação para a pequena tela holográfica, detectou a quantidade e a formação dos inimigos e estreitou os olhos.

O cockpit do “Juggernaut” era semelhante ao de um jato de caça, com vários interruptores alinhados e um controle, uma tela de LCD mostrava várias informações. Diferente da escotilha anti vento do caça, o cockpit do “Juggernaut” era totalmente coberto, era impossível ver o lado de fora. Ao invés disso, tinha três telas ópticas dimensionais e uma janela holográfica que mostrava mensagens, fornecendo informações ao piloto, mas não diminuía a escuridão nem deixava menos claustrofóbico o lugar. Pode-se dizer que era um caixão.

A formação do inimigo era como o esperado, tinha a forma de um trigo —a equipe de reconhecimento liderando a vanguarda e quatro equipes na ponta do “trigo”. Essa era a formação ofensiva clássica do esquadrão blindado, de fato, como dizem o número e a habilidade da “Legião” sempre foram superiores, então eles não usariam nenhuma formação diferente da habitual. Assim então, são facilmente identificados.

Não importa qual seja a previsão, o inimigo sempre vai enviar uma força de combate enorme para tentar ganhar com números. Essa tática nunca mudou.

Enfrentando essa “Legião”, esse apelido era merecido, seria difícil acabar com eles mesmo com o dobro de tropas, e um exército normal já teria recuado devido ao desespero e ao desamparo. No entanto, o estilo de combate dos “Juggernauts”, dos Oitenta e Seis, sempre foi o de lutar contra muitos, contra números esmagadoramente grandes, apenas com poucas unidades.

De repente, Shin se lembrou de uma frase que ouviu há muito tempo, quando alguém recitou para ele uma frase da bíblia.

Alguém.

Ele não se lembrava mais do rosto nem da voz dessa pessoa.

Tudo o que ele conseguia se lembrar, era a última cena, a voz. E aquela frase.

— E perguntou-lhe: Qual é o teu nome?7Do latim “E perguntou-lhe”. Se refere ao versículo de Marcos 5:9 da bíblia “E perguntou-lhe: Qual é o teu nome? E lhe respondeu, dizendo: Legião é o meu nome, porque somos muitos.”.

Raiden ouviu Shin murmurar algo através do Para-RAID, parecia algum barulho, colocou as pernas para baixo e se sentou em posição vertical. Ele estava escondido sob os escombros, sua visão estava coberta pelo cinza do concreto, e o radar estava inativo.

Shin não estava falando na língua nativa de lá, a língua da república, então ele não conseguia entender. Tudo o que conseguiu ouvir foi “dicit ei legio nomen mihi”8Ele está completando o versículo, a parte que ele falou em latim é “Legião é o meu nome”..

Seo reclamou,

— Shin, você está lendo a bíblia em uma situação como essa? Que péssimo gosto. Especialmente por que está falando bem essa frase agora!

— O que foi que ele disse?

— Quando o messias perguntou se eles eram demônios ou espíritos dos mortos, eles responderam, “Legião”, por que somos muitos.

Raiden ficou em silêncio. Claro, por que aquilo era horrível.

De repente, outra pessoa se sincronizou no Para-RAID.

— Controlador um para todas as unidades. Desculpe pelo atrasado.

Uma encantadora voz, que parecia o badalar de um sino prateado, entrou pelos ouvidos através do Para-RAID. Parece que a nova Controladora foi designada para o esquadrão depois que o Controlador anterior se demitiu por ter ficado aterrorizado pelo “Deus da Morte”. Pela voz, ela parecia ter mais ou menos a mesma idade que eles.

— Inimigo se aproximando. Por favor intercepte eles no ponto 208.

— Cangalheiro para Controlador um. Confirmando. Posicionamento no ponto 304 completo.

Shin respondeu automaticamente. Parece que houve um suspiro no outro lado do Para-RAID.

— Que rápido… impressionante da sua parte, Cangalheiro.

A Controladora ficou maravilhada com aquilo. Claro, Raiden começou a murmurar. Shin e o resto do pessoal do esquadrão tinham codinomes, mostrando que eles eram veteranos.

A maioria dos “processadores” usavam o nome do seu esquadrão e números. Aqueles que tinham codinomes diferentes eram veteranos que sobreviveram a pelo menos um ano de batalhas, já que a taxa da sobrevivência era menor que um por cento. Eles foram abençoados com talentos e habilidades que aqueles que morreram nunca tiveram; eram demônios, deuses da morte em forma de monstros.

Todos os “processadores” do Ponta de Lança tinha codinomes únicos, eram veteranos de quatro, cinco ou mais anos de combate. Eles eram muito bons, até mesmo a princesa que se escondia atrás da muralha da cidade sabia disso.

Mas, ao mesmo tempo, ele ficou silenciosamente impressionado.

Sabendo que a “Legião” atacaria, o ponto 208 era um ótimo ponto para contra-atacar. Fazia apenas uma semana que ela tinha virado a Controlador do Ponta de Lança, mas pelo jeito ela não era só uma pessoa gentil.

Uma sirene.

Os sensores das patas ressoaram. A janela holográfica apareceu na frente dele e deu zoom.

Na frente deles, onde havia escombros de um prédio caído na rua principal que estavam flanqueando, apareceu uma mancha preta na outra extremidade onde o sol brilhava; depois de alguns segundos, o horizonte estava coberto de metal.

Eles chegaram.

A tela do radar imediatamente encheu de unidades inimigas.

O exército de robôs invadiu a cinzenta cidade destruída, como uma sombra que devora toda a luz, começou a se aproximar deles.

As unidades estavam alinhadas, cada esquadrão de cinquenta a cem metros de distância entre eles. Mesmo os mais leves deles, os batedores (Formiga9Do alemão: Ameise.) pesavam dez toneladas, quando avançavam faziam um leve ruído de ossos, passos não podiam ser ouvidos. Apenas o farfalhar das folhas… enquanto eles se aproximavam.

Era uma visão surreal, mas infelizmente era real.

Com três pares de pernas eles avançavam; as pernas se mexiam conforme o sensor sob o abdômen ordenava, tinham armas anti-infantaria de 7,62 mm nos ombros balançando. Os Formigas eram como piranhas.

Tinha também a unidade de combate a curta distância (Lobo Cinzento10Do alemão: Grauwolf.), um drone aterrorizante que parecia um tubarão com seis pernas, com lança-foguetes antitanque de 76mm, nas contas e lâminas de alta frequência no par de pernas dianteira refletindo uma luz opaca.

Eles estavam juntos com tanques de cinquenta toneladas (Leão11Do alemão: Löwe.) que tinha oito pernas que quase não conseguiam suportar o peso, eles carregavam um terrível e horripilante canhão de cano sem estrias de 120 mm enquanto continuavam a marchar imponentemente.

O grande enxame de drones Efemeridas espalhados pelo céu bloqueava o sol, fazendo sombras no chão. A “Legião” tinha nano máquinas que agiam como sangue e sistema nervoso, suas peles derretidas flutuavam no ar como um pó prata ou como a neve branca.

Os batedores Formiga entraram na zona de tiro. Passaram pela primeira equipe da emboscada, liderando o resto das unidades, até o último Leão entrar—

Quando todos entraram na zona de tiro.

— Fogo.

Shin ordenou. Na mesma hora, todas as unidades que estavam esperando puxaram o gatilho ao mesmo tempo.

O primeiro tiro foi da quarta equipe, mirando a vanguarda deles, e na mesma hora, a equipe um atirou com os canhões focando a retaguarda. Os fracos Formigas e os Leão que tinham armaduras finas na parte das costas foram abatidos, ficando incapacitados, antes que o que sobrou da “Legião” pudesse reagir, as outras unidades bombardearam com os canhões.

Explosões. Boom. As lascas de metal destruídas e o sangue prateado das nano máquinas espalharam-se junto com as chamas.

Na mesma hora, os vinte e um “Juggernauts” se viraram.

Alguns deles saíram da cobertura para continuar atirando, enquanto outros rapidamente se espalharam usando obstáculos e escombros como cobertura, se movendo para trás ou para o lado de seus companheiros atirando na “Legião”, depois se afastando. Aqueles que começaram com os tiros, saíram de suas coberturas e começaram a flanquear o inimigo.

O “Juggernaut” era um fracasso como máquina.

A liga de alumínio usada não conseguia resistir a tiros de metralhadoras pesadas. Mesmo que sua mobilidade fosse muito maior do que as dos tanques, o poder de fogo do canhão deles era muito inferior se comparado com o do Leão.

As quatro patas delicadas só conseguiam suportar pouco peso; provavelmente por que o tempo para desenvolver a parte de locomoção tenha sido bem curto (quanto mais patas, mais complexo era de se fazer a parte de locomoção da máquina), as vezes a pressão nas patas era muito grande e elas muitas vezes perdiam o equilíbrio em terrenos mais moles como nos pântanos que existiam no fronte oriental. Geralmente robôs de combate em filmes e animes frequente conseguiam pular e correr de forma bem rápida, mesmo no ar, mas isso era só imaginação, era só um sonho, para essa máquina falha. Podia até rir de tão ridícula que era, pois era literalmente um caixão móvel.

O “Juggernaut” era tão fraco, que não conseguia nem lutar direito contra um fraco Formiga, imagine então contra um Lobo Cinzento ou um Leão. Geralmente, para conseguir vencer tinha que lutar com várias unidades e usar o terreno e os obstáculos para compensar essa falta de força, tentar atacar pelos flancos ou por trás, onde as armaduras dos inimigos eram mais fracas. Essa era a tática que foi passada de geração a geração por sete anos, veio dos Oitenta e Seis anteriores que aprenderam e melhoraram essas técnicas em troca de grandes sacrifícios.

Os “processadores” do esquadrão Ponta de Lança usaram essas táticas para sobreviver por todos esses anos no fronte de batalha e estão mais familiarizados com isso do que qualquer outro esquadrão. A química entre eles foi desenvolvida e aprimorada para que conseguissem entender uns aos outros e assim conseguissem lutar com mais facilidade, sem ter que depender de informações adicionais ou contato do Controlador.

E, antes que percebesse, seu rosto mostrava um sorriso de escárnio.

Nós temos a proteção do “Deus da Morte” aqui.

O “Juggernaut” que carregava a gravura de um esqueleto sem cabeça, o “Cangalheiro”, rapidamente disparou através das sombras e dos prédios desmoronados,

Os tiros dos inimigos não o atingiam e ele nunca errou. Conseguia fazer caminhos incríveis para atacar os pontos cegos do inimigo, ou atraí-los para uma emboscada de seu esquadrão, não importando se eram Formiga, Lobo Cinzento ou Leão.

A missão do Shin era atacar sozinho os flancos inimigos para quebrar sua formação, abrindo caminho. O estilo dele se focava em combate a curta distância, explorando os pontos fracos dos inimigos.

Os pontos vermelhos no radar indicavam que os inimigos ainda não foram derrotados, ele sabia disso, pois seus olhos cor de sangue não viam quase nenhum ponto vermelho desaparecer do radar. Como um verdadeiro “Deus da Morte”, com seu olhar gélido ordenou que todas as máquinas inimigas fossem destruídas. De repente, sentiu um pequeno lamento.

Novamente, ele não apareceria, hum?

Esse pensamento sem sentido preencheu sua mente por alguns segundos. Antes de sumir junto com uma enorme explosão que aconteceu quando puxou o gatilho. Seus olhos e pensamentos foram movidos para o próximo alvo e enquanto disparava, dava instruções para seu esquadrão de como matar de forma mais eficaz as máquinas.

— …Equipe três. Façam o inimigo ir atrás de vocês e vão para o sudoeste. Equipe cinco, mantenha sua posição e espere até que todos os inimigos tenham entrado na zona de tiro para começarem a atirar.

— Daiya (Cão Negro) aqui, Entendido… Angel (Bruxa da Neve) use esse tempo para recarregar.

— Seo (Raposa Risonha) também. Tente não atirar em nós, Cão Negro!

— Haruto (Falcão). No ponto 270, distância de 400 metros. Está saindo do prédio. Assim que aparecer. Atire.

— Entendido. Kino (Fafnir12Dragão da mitologia nórdica. Aqui) me dê uma mãozinha aqui.

Uma onda de tiros de canhão pôde ser ouvido de longe, os escombros da cidade tremiam.

Os Lobo Cinzentos escalaram a parede perpendicular ao solo, tinha uma mobilidade muito grande, com o objetivo de atacar de cima, foram despedaçados no momento que saltaram, explodindo no ar.

Shin procurou com seus olhos o próximo alvo e detectou movimentos estranhos antes de desviar o olhar.

— Pessoal, cessar fogo, se espalhem.

Todos imediatamente executaram o comando repentino, ninguém questionou, por que fazer uma coisa tão estúpida dessas? Enquanto a linha de frente estava lutando, a “Legião” mandou reforços. Ainda havia uma unidade da “Legião” que não tinha aparecido.

Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimm, um zumbido estridente.

 Os bombardeiros vieram de longe e pousaram em todas as esquinas, fazendo explosões repentinas, a terra preta explodiu no ar.

Era o ataque de suporte dos canhões automáticos de 155 mm, os bombardeiros de longa distância “Escorpião”.

Com o auxílio do computador de bordo foi calculado a trajetória, estimasse que o canhão foi disparado a 30 km na direção nordeste. Mas na verdade, essa informação era inútil, pois não tinham armas e nem como ir lá para atacá-los. O que eles podiam fazer é analisar o terreno e a posição dos observadores inimigos para tentar prever onde seriam os próximos disparos—

— Controlador um para todas as unidades. Enviando agora as possíveis localizações dos observadores, três deles. Por favor encontrem e destruam-nos.

Shin levantou uma sobrancelha. Havia três pontos brilhantes no mapa, comparando com a distribuição das tropas inimigas que tinha descoberto, mandou instruções para a atiradora Krena que estava escondida entre os prédios da parte de trás.

— Krena (Pistoleira) Ponto 030, distância de 1200 metros, quatro unidades no telhado.

— Entendido. Deixa comigo.

— Controlador um, transmitir dados por meio de laser pode revelar nossa localização. Por favor, transmita os dados usando só a sua voz durante a batalha.

— …! Me desculpe.

— A próxima onda de observadores está chegando. Por favor, continue tentando descobrir a posição deles.

Nesse momento, parece que ele sentiu um sorriso radiante se abrir do outro lado do Para-RAID.

— Claro!

Ao ouvir a resposta sincera da Controlador, Shin franziu a testa — mas então, sua atenção voltou para o campo de batalha com flashes repentinos e alertas.

Os canhões bombardeavam o campo de batalha como uma grande tempestade, já que a “Legião” não se importava com as máquinas aliadas. Essas táticas bárbaras poderiam ser usadas, já que todos eram drones sem vida. Raiden ouviu as explosões e continuou a procurar sua próxima presa.

Olhando a quantidade de rastros de balas, conseguiu ver que o inimigo ainda estava em maior número. Se acertassem um tiro neles, tomariam um dano crítico e uma explosão de canhão de tanque iria obviamente fazê-los em pedacinhos.

Disparou por cima da cobertura e se escondeu nas sombras de uma ruína, apenas para encontrar um convidado por lá. Era o “Cangalheiro”. Ele parecia ter acabado com sua munição e estava sendo reabastecido pelo “Catador”, Fido, como de costume.

— Tem muitos deles, hein.

— Não parece que estamos caçando? Aproveite.

Ele com certeza ouviu a conversa dele com Seo, já que deu uma resposta sarcástica dessas.

— …Tem muito mais Leãos do que o esperado. Parece que eles foram reabastecidos.

Percebeu friamente, como se acabasse de lembrar-se de levar um guarda-chuva por causa de uma garoazinha. Em vez disso, Raiden nunca viu Shin vacilar em nada. Ele provavelmente nunca vacilaria em nada durante toda sua vida, ou até mesmo depois de sua morte.

— Temos um limite de cobertura. Nesse ritmo nossos movimentos serão detectados. É melhor acabarmos com todos eles antes que isso aconteça.

Os braços de metal de fido trocaram o contêiner de munição e a reposição de munição foi feita. “Cangalheiro” se levantou.

— Eu vou dar um jeito nos Leões. Deixo os outros inimigos e o comando dos reforços para você.

— Entendido, Cangalheiro… você vai ser xingado pelo velho Audreht de novo.

“Cangalheiro” parecia ter soltado uma risada. Escombros explodiram.

Na velocidade máxima, o “Juggernaut” disparou entre um ponto de cobertura para outro e rapidamente conseguiu se aproximar de quatro Leões inimigos. Isso não poderia ser simplesmente chamado de suicídio, muito menos de imprudência, a Controladora gritou,

— Cangalheiro! O que você está…!?

Um Leão ajustou a mira de seu canhão e abriu fogo. O “Cangalheiro” pulou para o lado, desviando do tiro. Outro tiro foi disparado e ele desviou.

Fogo, tiros, e mais tiros; tanto humanos quanto os drones já teriam sido obliterados pelos tiros contínuos do canhão de 120 mm, mas o “Cangalheiro” conseguiu desviar de todos os tiros e continuou avançando. Ele não mudou a sua rota depois de ver os canhões inimigos em seu caminho, em vez disso continuou avançando usando sua experiência, instinto e habilidades de pilotagem inacreditáveis, como um esqueleto sem cabeça se contorcendo,

Os quatro Leão se viraram irritados, olhando com um olhar medonho, avançaram com tudo.

Seus corpos de aço eram os mais pesados que tinham, mas conseguiam acelerar até a velocidade máxima silenciosamente de sua posição até a posição do “Cangalheiro”. A mobilidade dos inimigos era tão injusta, tinham poderosos amortecedores e um potente atuador linear.

As oito pernas foram levemente dobradas e uma unidade pulou de repente, tentando esmagá-lo. Nessa hora—

O “Cangalheiro” pulou imediatamente.

Desviou do ataque do Leão pulando para o lado, girou no ar, aterrissou e pulou novamente. Ele subiu em uma perna do Leão, pisando nas juntas, subiu e rapidamente chegou no topo do canhão, abriu as pernas, se inclinou para frente e encostou seu canhão principal na armadura de aço do inimigo.

Visivelmente, ali era a parte mais fina da armadura, bem em cima da parte de trás do canhão.

Fogo.

O tiro de alta velocidade perfurou as placas de aço, enquanto o potente explosivo cuja a velocidade de explosão é 8000 metros por segundo, explodiu dentro do Leão.

O “Cangalheiro” já estava olhando para o segundo Leão, saltou do primeiro que já estava saindo fumaça negra. Se esquivou de todos os tiros com facilidade, quando chegou na perna, balançou as lâminas de alta frequência, uma arma para combate de curta distância, ninguém além do Shin tinha isso, era muito poderoso, mas o seu alcance era muito curto.

Quando a segunda unidade perdeu o equilíbrio e tropeçou, disparou e a eliminou, a usou para bloquear o tiro da terceira unidade. Enquanto os sensores das unidades Leão estavam se distraindo com as chamas das explosões, ele jogou o arame, se agarrou em um prédio alto e pulou na terceira unidade que estava movendo seu canhão feito um louco depois de perder o alvo. E então disparou nela.

— !

Ele conseguia perceber que a Controladora do outro lado do Para-RAID estava sem palavras.

Se o desenvolvedor desse caixão de aço visse o que o “Cangalheiro” fez, ele poderia desmaiar ou ficar aterrorizado. Raiden estreitou os olhos enquanto observava a bala de Shin.

O “Juggernaut” não foi feito para esse tipo de batalha. Era simplesmente uma arma suicida que era abatida com um único tiro, não tinha grande poder de fogo, nem armadura e nem mobilidade, só era boa se conseguisse atirar de longe. Para destruir um só Leão, seria preciso muitos Juggernauts.

Naturalmente o preço por isso era enorme.

As pernas do “juggernaut” eram frágeis e com excesso de força, elas seriam totalmente destruídas no final da batalha, tanto que a própria unidade se tornaria facilmente um alvo para outras unidades da “Legião” que visavam proteger a força principal, os Leão. Devido aos esforços de Shin, Raiden e os outros podiam acabar com os outros inimigos sem se preocuparem com os Leão, o resultado já estava decidido. Na verdade, Raiden estava curioso como Shin conseguiu sobreviver. Não só sobreviveu agora, mas por cinco anos, esse monstro continuou a sobreviver usando tais métodos insanos.

É uma pena, Raiden sempre pensou.

Eles lutam juntos há três anos, há três anos Raiden era o vice-comandante de Shin, seu substituto. Ambos tinham codinomes pessoais, mas Raiden nunca conseguiria imitar os movimentos dele. Ele nunca conseguiria superá-lo. Aquele “Deus da Morte” sem cabeça era um prodígio da guerra. Ele não era só sortudo, mas se tivesse bastante tempo e equipamentos bons, Shin poderia se tornar o núcleo principal para a destruição de toda a “Legião” sozinho, e ele tinha o potencial para se tornar um herói em qualquer época.

Mas infelizmente, Shin acabou nascendo na época errada. Se tivesse nascido antes, no passado, na época dos cavaleiros, teria sido um grande guerreiro, e se estivesse na última guerra da humanidade, seria um herói que teria seu nome gravado nos anais da história da guerra.

Ali era só um maldito fronte de batalha sem importância, ele não seria reconhecido.

Não tem dignidade nem direitos humanos, quando morrer não vai ter um túmulo e nada do que fez será registrado para a posterioridade. Era usado como uma arma e depois seria abandonado para morrer em um campo de batalha desconhecido; esse era seu destino. Igual a milhões de companheiros e aliados que morrem nesse campo de batalha, não deixaria nada além de seus ossos podres.

As nuvens formadas pelos drones Efemeridas começaram a se dissipar, o brilho do sol retornou, enquanto o resto da “Legião” recuava com a cobertura dos Escorpiãos. Os frios drones destruídos nunca serviriam de vingança pelo sacrifício de seus companheiros, pois quando consideram que as perdas já passaram do limite aceitável, eles recuam imediatamente.

O pôr do sol iluminava o “Cangalheiro” em meio aos destroços dos Leão.

Aquela luz sob ele era como a luz do luar brilhando sob a lâmina de uma antiga espada, incrivelmente bela.

Caso não houvesse batalhas noturnas ou ataques dos inimigos, as poucas horas que tinham entre a limpeza depois do jantar até a hora de apagar as luzes eram um precioso tempo livre para eles.

 

 

Angel limpou a cozinha, fez café para todos e voltou encontrando todas as pessoas da base reunidas no pátio na frente do hangar.

— Certo, um tiro no Mestre urso e dois no Cavaleiro Coelho. Sete pontos para o Haruto!

— Argh, errei dois ali. Eu realmente não sou bom com armas~

— Oho, Fido de repente colocou um desafio! Coloque as latas de lado! Como Kino, que é a próxima, se sairá dessa vez?

— Você está falando sério… Ahhh! Não consigo fazer isso! Próximo! Quem é o próximo, ande logo!

— Sou eu. Eh… Kaie Tanya, a próxima!

— Certo, dois pontos.

— Woah, todos os cinco tiros acertaram. Como esperado de você, Raiden.

— Hmph, foi fácil.

— Hum, não fique se achando. Sai daí, Krena, mostra pra eles suas habilidades divinas!

— Certo, deixa comigo! Fido, não arrume, só deixa ai!

— Woooaaaaaaahhhhhhhhh!!!!

— … Meu deus, você está dificultando hoje, Fido. Deixar em formato de torre deixa mais difícil ainda.

— Shin, sua vez.

— Nn.

— …. Woooaaaaaaahhhhhhhhh, você acabou com todos. Você é irritante como sempre…

Havia muitas latas vazias depois do jantar, então todos pegaram suas pistolas para dar alguns tiros. Seo desenhou alguns animais fofos nas latas para indicar os pontos, enquanto isso Fido recolhia as latas que foram derrubadas ao mesmo tempo em que o pessoal atirava, organizando-as em formato de torres ou pirâmides.

Angel sorriu enquanto observava a ótima atmosfera do lugar.

O jantar estava muito bom. Eles cortaram o javali e assaram a sua carne, adicionaram muito molho feito de groselha, acompanhado de vegetais colhidos dos campos, leite enlatado e sopa de creme de cogumelos. Não era divertido comer na cantina, então todo mundo pegou e levou as mesas para o lado de fora; aqueles encarregados de cozinhar tinham muitas coisas para fazer, então todo mundo ajudou a fazer o jantar.

Foi agradável. Ela se sentia muito feliz quando todos estavam juntos.

Shin nem olhou para as latas que tinha derrubado, começou a folhear as páginas de um livro em um canto um pouco afastado da multidão; Angel colocou uma caneca de café na frente dele.

— Bom trabalho.

Shin em resposta apenas levantou os olhos. Angel entregou a bandeja com as canecas de café para Daiya, pegou uma cadeira, colocou do lado oposto a Shin e se sentou.

Ele continuou a ler o grosso livro, seus olhos estavam focados nele. Um gato preto com garras brancas, que o esquadrão tinha adotado, estava tentando brigar com as páginas do livro. Ela sorriu.

— É interessante?

— Não muito. — Shin falou, mas provavelmente sentiu que essa resposta tinha sido muito fria e direta, então continuou. — Quando penso em outras coisas, eu não presto muito atenção nele.

— …Entendo.

Angel disse enquanto franzia um pouco a testa. Esse fardo era algo que nem ela nem seus companheiros de esquadrão conseguiam compartilhar com ele.

— Obrigada por tudo.

De repente, o dispositivo RAID esquentou.

— Para todos do esquadrão. Agora é uma boa hora?

A voz da Controladora soou. Fazia uma semana desde que tinha assumido a função, e todos os dias, interagia com todos naquele horário, depois do jantar, sem deixar passar um dia sequer.

— Sem problemas, Controlador um. Bom trabalho novamente hoje.

Shin respondeu no lugar de todos. Seus olhos continuam focados no livro, mas o gato não deixava ele virar a página, então levantou o livro.

Os companheiros de esquadrão que estavam jogando rapidamente tiraram as balas das armas e as guardaram. O governo proibiu o uso de armas para todos os Oitenta e Seis para que não houvesse rebeliões. No entanto, como ninguém olhava, pegaram algumas de uma instalação militar abandonada que tinha nas redondezas.

— Sim, bom trabalho também, você e a sua equipe lutaram bem, Cangalheiro… todos estão jogando alguma coisa? Peço desculpas se estou incomodando vocês, então, por favor, continuem.

— Só estamos matando tempo. Por favor, não se importe com isso.

Vocês podem desligar o Para-RAID se não quiserem conversar, foi o que a garota disse na primeira vez que se sincronizaram, então desligaram e começaram uma competição de arremesso de facas. Shin respondeu enquanto observava seus companheiros. Raiden, Seo, Kaie e alguns outros provavelmente decidiram tomar um pouco de café, pegaram algumas cadeiras ou se sentaram na mesa mesmo.

— Sério? Parece que vocês estavam se divertindo…, mas nesse caso então.

Parece que a Controladora finalmente ia começar a falar do assunto principal. Shin quase podia ver o olhar sério dela em sua direção.

— Cangalheiro. Eu tenho algumas coisas para falar para você hoje.

Em vez de ser um esporro de um superior, parecia um conselho gentil da presidente do conselho estudantil para um aluno da elite. Shin tomou um gole do café, sem se importar nem um pouco com isso. Não pretendia escutar nada que uma Controladora que estava escondida dentro das muralhas da cidade tinha para falar.

— Sobre o que é?

— É sobre os relatórios de patrulha e o da batalha. Não parece que eles foram enviados por engano… Eu vi que todos eles eram iguais.

Shin levantou os olhos.

— Você leu todos eles?

— Somente os que foram feitos depois que você foi designado para o esquadrão Ponta de Lança.

— …Você está fazendo isso de novo?

Raiden parecia muito perplexo, mas Shin o ignorou.

— Pra que você precisa saber como está o fronte de batalha? É uma perda de tempo.

— É um dos trabalhos dos Controladores analisar as táticas e as formações da “Legião”.

Depois de dizer isso, a Controladora relaxou um pouco o tom de voz.

— Eu entendo que você não manda nenhum, pois nós Controladores não lemos. É nossa culpa, então não vou repreendê-lo por isso, mas a partir de agora, por favor, escreva-os para mim. Eu vou ler eles.

Que saco.

Shin pensou, e então falou.

— Eu não escrevo bem.

— Você é muito teimoso.

Daiya murmurou, Shin ignorou ele enquanto virava a página do grosso livro de filosofia em suas mãos.

Claro, a Controladora não sabia o que ele estava fazendo nesse momento já que não estava ali na sua frente. Ela provavelmente vai assumir que como um “processador” que ficou preso em um campo de concentração desde a infância não deve ter tido a educação básica, dito e feito.

— Ah… desculpe, mas se é assim então, eu acho que você precisa treinar mais. Pois isso certamente será útil mais tarde.

— Quem sabe.

— …

A Controladora claramente ficou desanimada.

— Ele ainda consegue ler — Seo bufou e arremessou uma faca, a faca bateu na Princesa Balanço, derrubando-a da mesa.

Kaie segurou sua caneca com as duas mãos e inclinou um pouco a cabeça,

— Não, isso vai ajudar bastante, não vai, Cangalheiro? Seu hobby é ler de qualquer forma… você não está lendo um livro de filosofia nesse exato momento? Parece ser um livro meio difícil.

Houve um silêncio mortal do outro lado do Para-RAID.

A Controladora falou. A voz dela ainda era gentil, parecia que estava com um sorriso em seu rosto, mas por algum motivo, tinha uma pressão diferente em sua voz.

— Cangalheiro?

— ………………..Entendido.

— Por favor, mande todos os relatórios de agora em diante, você entendeu? Os relatórios de batalha também. TUDO.

— …Não posso só mandar os dados do gravador das batalhas?

— De jeito nenhum. Por favor, escreva-os.

Shin mordeu a língua. Kaie, que estava olhando a cena cautelosamente, tremeu, o rabo de cavalo balançou atrás de sua mão. Ela imediatamente juntou as palmas das mãos e abaixou a cabeça pedindo desculpas, não era culpa dela, mas Shin apenas deu um aceno com a mão.

Meu deus… a Controladora suspirou, parecia que tinha entendido o por que dele não enviar os relatórios. Ela aquietou seu coração e falou com seriedade.

— A análise aqui vai ser muito útil para formular táticas. Vocês são a elite, seus registros de batalha servirão para facilitar isso. Com um bom planejamento a taxa de baixas nos campos de batalha vai diminuir e também reduzirá as perdas de vocês, então eu espero muito que você nos ajude.

— …

Shin não respondeu e a Controladora continuou em silêncio. Talvez ela tenha percebido que o motivo pelo qual os “processadores” não confiavam nos Controladores era por causa dos outrs que não trabalhavam direito.

Então, o tom da garota ficou alegre, provavelmente para afastar o clima ruim de antes.

— De qualquer forma, a data do relatório é de muito tempo atrás, você pegou esse relatório de alguém? Ou nunca foi modificado desde então?

— Ahh, esse cara sempre foi assim, Controlador um. Ele sempre foi assim, antes mesmo de conhecê-lo era já era assim.

Raiden falou isso com uma voz como se estivesse provocando. Parecia que a Controladora tinha ficado confusa.

— Lobisomem, você conhece o Cangalheiro há muito tempo?

Kaie deu de ombros.

— Mais da metade de nós aqui são assim. Por exemplo, o Daiya (Cão Negro) e a Angel (Bruxa da Neve) sempre estiveram no mesmo esquadrão desde que se alistaram, enquanto o Haruto (Falcão) e eu, estamos juntos a um ano. Seo (Raposa Risonha) e a Krena (Pistoleira) juntaram-se ao esquadrão que estava o Shin (Cangalheiro) e o Raiden (Lobisomem) dois anos atrás… vocês dois se conhecem a dois anos, certo?

— Três anos.

Raiden respondeu, e a Controladora ficou em silêncio.

— … Faz quanto tempo desde que vocês se alistaram?

— Todo mundo aqui está no quarto ano. Ahhh, o Cangalheiro é o mais experiente aqui, este é o quinto ano de serviço dele.

A Controladora parecia encorajada.

— Então, o Cangalheiro está quase terminando o tempo de serviço… o que você pretende fazer depois de se aposentar? Tem algum lugar que você queira ir, ou algo que você queira ver?

Todos focaram sua atenção em Shin. Ele continuou a olhar para o livro e respondeu categoricamente.

— Vai saber. Nunca pensei nisso.

— Entendi… mas acho que é bom começar a pensar nisso agora. Talvez você consiga pensar em algo legal; tenho certeza que isso será bom.

De repente, Shin sorriu. O gato sonolento ao lado dele levantou as orelhas e olhou para Shin,

— Talvez seja.

 

 


 

Tradução: Shintaro

Revisão: Hiroshi

QC: Bravo

 

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