86: Oitenta e Seis

86: Oitenta e Seis – Vol. 01 – Cap. 01 – O campo de batalha sem mortes

 

Nesse campo de batalha, não houve nenhuma morte.

— …Agora então, o relatório das batalhas.

— O exército não tripulado “Legião” do Império invadiu a área 17. Eles foram repelidos e exterminados pelos autômatos “Juggernaut” da nossa República de San Magnolia. Em contrapartida só tivemos pequenas baixas, e nenhum KIA…

Localizado na primeira área, na capital de San Magnolia, tem a rua principal da Liberté et Egalité1Liberdade e igualdade, tão pacifica e elegante que é impossível de se imaginar que este país está em estado de guerra a nove anos.

As fachadas brancas dos prédios feitas de pedras antigas e de estilo ocidental tinham vários entalhes. Sob a luz do sol da primavera e o límpido céu azul, o verde das árvores junto das rústicas e antigas lâmpadas negras da rua formavam um contraste com o céu azul. Em um café localizado na esquina da rua, havia estudantes e casais, todos nascidos com cabelos prateados, rindo e tagarelando.

Em cima do telhado azul da prefeitura. Havia uma estátua do revolucionário de San Magnolia e a bandeira de cinco cores, as cores simbolizavam a liberdade, igualdade, fraternidade, justiça e a pureza. Os ladrilhos de pedra da rua principal se estendiam diretamente até os subúrbios, cuidadosamente preparados depois de muito planejamento urbano.

Um jovem garoto de olhos grandes e prateados estava passando segurando as mãos de seus pais enquanto ria bem alto.

Talvez essa família estivesse simplesmente em um passeio. Lena sorriu para eles e voltou-se a tela da televisão holográfica gigantesca, o sorriso em sua face sumiu na mesma hora e seus olhos prateados perderam um pouco de seu brilho.

Esta garota de dezesseis anos vestia um uniforme de oficial feminino da República com o colarinho ciano. Tinha um lindo rosto que era branco como a neve e tão delicado como vidro, o comportamento elegante dela era uma prova de sua nobre formação. Seus sedosos cabelos prateados tinham cachos suaves e brilhavam como cetim, e sob suas sobrancelhas compridas, tinha grandes olhos que eram da mesma cor de seus cabelos. Essas eram as provas de que era uma das nobres com o sangue de Selena, era uma “sangue puro”, tinha o sangue daqueles que viviam nessas terras muito antes da formação da República.

— Com a excelente liderança de Controlador, os drones de alta capacidade continuaram a lutar e assim conseguiram completar a missão de defender o país sem ter que mandar humanos para os perigosos frontes de batalha; O grande poder desse avançado sistema de combate é indiscutível. Parece que a <Legião> cessará suas operações daqui dois anos, mas com toda certeza o Império do mal será aniquilado pela organização da justiça que é a República. Viva San Magnolia. Glória a bandeira de cinco cores.

A âncora feminina da televisão tinha cabelos brancos como a neve, olhos grandes e exibia um sorriso orgulhoso em sua face, mas o rosto de Lena estava envolto em tristeza.

Esses relatórios de batalha continuavam a ser exibidos várias e várias vezes desde o início da guerra, eles eram bem mais surreais do que apenas otimistas, mas a maioria dos cidadãos não duvidavam nem um pouco deles. Ironicamente, a realidade era que metade da República tinha sido conquistada nos primeiros seis meses de guerra, assim suas fronteiras diminuíram, e desde então as terras não puderam ser recuperadas.

Além disso, Lena virou sua cabeça para o lado, olhou para a rua principal, envolta pela luz da primavera, o cenário mais parecia uma pintura.

A âncora da televisão, os estudantes e os casais no café, os pedestres que andavam pelas ruas, a família que passou por ela e a própria Lena.

Sendo o primeiro país republicano moderno no mundo, San Magnolia se gabou por aceitar imigrantes de outros países e por também recompensá-los. A República era historicamente um refúgio para os Albas, e os outros países tinham pessoas de diferentes cores vivendo lá. Sendo eles os Aquilas que eram tão escuros quanto a noite, ou a luz dourada dos Auratas, o brilhante vermelho dos Rubellas, ou os Caeruleas com seus refrescantes olhos azuis, A República acolheu pessoas de todas as cores dentro de suas fronteiras.

Mas, mesmo assim, na movimentada rua principal da capital, não, até mesmo na capital inteira, ou em todas as oitenta e cinco áreas legisladas, não se encontrava nenhuma pessoa que não fosse um Alba com cabelos prateados e olhos prateados.

Sim. Dos soldados que foram oficialmente registrados como humanos no campo de batalha, era realmente verdade que não havia tido nenhum KIA.

Contudo.

— … O que querem dizer com “não teve KIAs”…?

Uma parte do palácio de Blanc Neige2Neve Branca, uma curiosidade branca de neve é Blanche Neige que existe desde a época imperial, o quartel-general militar foi projetado com o design deslumbrante da era imperial, era o destino de Lena; Localizado nesse palácio estava o Grande Aglomerado Fortaleza, a <Grand Mur> o qual englobava todos os setores, todos os soldados da República estavam lá.

Do lado de fora da <Grand Mur>, no fronte de batalha a mais de cem quilômetros de distância, não havia soldados republicanos. Os únicos na linha de frente eram os “Drones” — Os “Juggernauts” — eles eram comandados pela sala de controle do país. Havia, pelo menos, cem mil pessoas controlando os “processadores”, e atrás deles estava a linha de defesa que era composta de uma área com minas antitanque, canhões automáticos de interceptação, mas para chegar até aqui os Juggernauts teriam que falhar. É claro que as tropas dentro da <Grand Mur> nunca estiveram em uma única batalha. O que os outros faziam era simplesmente montar estratégias de operação e fazer a parte da logística. Nesse momento, o exército da República não tinha nenhuma pessoa em combate.

Lena franziu a testa quando sentiu um fedor repugnante de álcool vindo dos oficiais que passavam. Provavelmente estavam assistindo algum jogo na grande televisão da sala de comando. Ela deu-lhes um olhar de reprovação, apenas recebeu olhares de desdém em troca.

— Olhem para essa bonequinha.

— Ah, que assustador… você vai ir falar com aqueles drones que você mantém na sua sala?

Ela virou sem nem pensar duas vezes.

— Pessoal…

— Bom dia, Lena.

Uma voz veio do lado, ela se virou e encontrou sua amiga Arnett.

A capitã do departamento de pesquisas era a única que tinha a mesma idade e que tinha entrado no mesmo ano que ela, e também sua única amiga da mesma idade.

— …Bom dia Arnett. Você certamente acordou cedo para alguém que sempre está dormindo.

— Eu estou indo embora. Passei a noite inteira trabalhando… não me compare com esses idiotas. Eu trabalho. Tivemos um problema que apenas a gênia da Capitã Anrietta Penrose aqui podia resolver

Arnett bocejou, parecia um gato. Ela tinha um cabelo prateado e curto, além de olhos grandes da mesma cor.

Enquanto conversavam, Arnett olhou de relance para os oficiais bêbados que se afastavam e deu de ombros. Seus olhos mostravam que pensava ser inútil tentar repreender aqueles idiotas.

Olhando para aqueles olhos prateados, Lena percebeu que Arnett estava tentando ajudá-la e então ficou vermelha como um tomate.

— Ah, falando nisso, você tem um alerta no seu terminal. Eu posso te ajudar caso não consiga resolver ele.

— Não precisa… desculpe, e obrigada por aquilo, Arnett

— Sem problemas. Mas tente não se aproximar muito desses drones.

Lena queria responder, mas sacudiu a cabeça e foi até seu terminal.

A sala era apertada, escura e úmida e estava cheia de controles, suas paredes e piso eram prateados. A tela principal do terminal emitia uma luz fraca e lá se podia ler “Esperando”.

Lena sentou-se na poltrona futurista, colocou uma elegante gargantilha, o dispositivo RAID, puxou para trás seus cabelos prateados e orgulhosamente olhou para cima.

Neste país, onde o fronte de batalha ficava bem longe, essa sala minúscula era o único campo de batalha dentro das oitenta e cinco áreas da República.

— Começando identificação. Major Vladlena Milize. Oficial comandante do Fronte oriental, nona área de batalha, terceira força de defesa.

Depois da identificação por voz e pela íris, o sistema de controle foi ativado.

Em seguida, grandes amontoados de informações foram aparecendo um atrás do outro, na tela holográfica, essas informações foram obtidas por sistemas auxiliares de observação que estavam no fronte de batalha. A tela exibia um mapa digital cheio de pontos brilhantes, indicando as forças aliadas e as inimigas.

Havia setenta pontos azuis os quais mostravam os drones aliados e, desses, vinte e quatro estavam no terceiro esquadrão que era comandado por Lena, enquanto vinte e três estavam no segundo e quarto esquadrão, respectivamente. Os pontos vermelhos indicavam os inimigos, tinha tantos que era difícil conseguir contar.

— Para-RAID ativado. Sincronizando com o alvo, unidade de comando central “Plêiades3São um grupo de 7 estrelas da constelação de touro, mas também na mitologia grega eram as 7 filhas de Atlas e Pleione.”.

Os cristais azuis do dispositivo RAID, imediatamente começaram a esquentar a nuca dela. Não tinha calor vindo dos cristais em si, mas essa sensação era imaginaria já que os sentidos estavam sendo ativados e sincronizados nesse momento por causa do Para-RAID.

Os cristais nervosos virtuais começaram a trabalhar. Através do sistema nervoso virtual criado, uma parte específica dentro do cérebro estava sendo ativada, o Cérebro Noturno4Uma região não usada do cérebro, foi abandonada com o passar do tempo no processo evolutivo.

Isso passou pela consciência e pelo subconsciente da Lena, se aprofundando cada vez mais. Geralmente, é impossível acessar essa parte conscientemente, mas a “passagem” para o subconsciente coletivo, a “subconsciência” compartilhada com toda a humanidade foi gradualmente sendo aberta, e então ela se conectou com a consciência do comandante do terceiro esquadrão que tinha o codinome de: “Plêiades”.

Os sentidos de “Plêiades” eram um só com os da Lena.

 

 

 

— Para-RAID concluído. Controlador um para Plêiades, por favor, tome conta de mim hoje.

Sua voz era calma e estável. Depois de uma pausa, a “voz” de um jovem, cerca de um ano ou dois mais velho que ela respondeu:

— Plêiades para Controlador um. Para-RAID está ok.

Essa “voz” soou sarcástica. Lena era a única na sala de controle e essa voz não era de ninguém que estava perto dela. Ao invés disso, era a voz da unidade de comando do “Plêiades” que havia se sincronizado com os seus sentidos, dando esse efeito imaginário de som.

Uma voz.

O “Juggernaut” que foi construído muito rapidamente em resposta à “Legião” não tinha função de comunicação; Não tinham a capacidade de fazer pensamentos complexos os quais poderiam ser considerados como sentimentos ou consciência.

O Para-RAID era feito da consciência coletiva da raça humana.

A zona de minas antitanques, uma linha de defesa montada para resistir às forças inimigas blindadas.

O intenso fronte de batalha onde drones de ambos os lados se destruíam, uma batalha onde não havia nenhuma KIA, mas na verdade…

— Claro que deve ser difícil para vocês, humanos (Albas), nos cumprimentarem já que somos os Oitenta E Seis5Aqueles que moram na área 86., aqueles que apenas se parecem com humanos.

Oitenta e Seis.

Foi o último posto avançado que a República (os humanos) ficou quando a “Legião” varreu o continente — Apenas porcos que se parecem com humanos restaram na área não humana (área oitenta e seis) atrás das oitenta e cinco áreas legisladas.

“Colorata”, esse é o termo depreciativo usado para as pessoas que não são cidadãos da República (Albas), eles viviam como cidadãos da República, mas são considerados inferiores a humanos por seus próprios países, vivem fora dos abrigos, fora da Grand Mur e estão sempre na linha de frente.

 

 

Nove anos atrás. Ano 358 do calendário da República, Ano 2139 do Anno Astrum.

O país do norte do continente, o Império Geade, que faz divisa com a parte leste da República, declarou guerra. A primeira onda de drones de combate completamente não tripulados a <Legião> começaram a invasão.

Diante da força avassaladora da superpotência militar Geade, o Exército Ortodoxo da República desmoronou em apenas meio mês.

Naquela época, os militares reuniram todos os seus homens e começaram com a tática de desmoralizar e atrasar o exército inimigo, enquanto isso o governo da República tomou duas decisões.

A primeira: Evacuar todos os cidadãos da República para as oitenta e cinco áreas legisladas.

A outra era iniciar a ordem presidencial 6609, a lei especial de segurança em tempos de guerra.

Essa lei fez com que todos os Coloratas residentes na República fossem considerados como inimigos aliados ao Império. Então perderam sua cidadania, depois foram mandados para campos de concentração fora das oitenta e cinco áreas onde são sempre monitorados.

Com toda certeza isso foi uma traição à legislação e ao próprio significado da bandeira de cinco cores que a República tanto se orgulha. Todo e qualquer Colorata nascido no Império, exceto os Albas, começaram a ser tratados como animais e serem presos, isso foi uma forma muito descarada de discriminação e preconceito.

Naturalmente, os Coloratas protestaram. No entanto, o governo os silenciou usando a força.

Também houve alguns Albas que protestaram. No entanto, a maioria apoiou essa ideia. Disseram que os Coloratas não estavam satisfeitos com os recursos, terras ou posições que eles tinham.

Os rumores que os Coloratas eram espiões eram bem mais fáceis de serem aceitos do que a triste realidade de que o país ficou para trás em questão de tecnologia militar.

E com as forças inimigas cada vez mais deixando a República sem saída, os humanos precisavam de bodes expiatórios para descontar sua raiva e ressentimento.

E assim então, a supremacia racial instantaneamente ganhou reconhecimento e justificativa. A nobre e humana primeira República moderna no mundo acabou reconhecendo apenas os Albas como humanos, enquanto todos os Coloratas do antiquado e desumano Império foram considerados inferiores, foram considerados tolos e bárbaros animais que apenas tinham a aparência parecida com a dos humanos, mas que não conseguiram evoluir ao estágio de humanos.

Todos os Coloratas foram mandados para campos de concentração e foram obrigados a servir ao exército, eles que construíram as muralhas da fortaleza de <Grand Mur>. Todos os bens e propriedades, foram confiscados e apropriados pelo governo da República, enquanto isso os cidadãos louvavam o governo humano por deixar eles não irem para o exército, nem terem que trabalhar ou pagar impostos adicionais mesmo estando em época de guerra.

A discriminação contra os Coloratas e os Oitenta e Seis começou a ocorrer entre os Albas dois anos depois que tudo começou. Os soldados eram todos compostos por membros Oitenta e Seis, e todos esses soldados que estavam ativos foram mandados para os campos de batalha dentro de drones.

Os drones construídos com tecnologia republicana nunca conseguiriam entrar em funcionamento sozinhos, nunca conseguiriam ser autômatos.

No entanto, como os Albas, que eram tão superiores aos outros, poderiam admitir que não conseguiram construir algo superior aos drones feitos pelo inferior e ultrapassado Império?

Os Oitenta e Seis não são humanos, então o que eles estão pilotando não será tripulado por humanos, será algo “não tripulado”.

A indústria militar da República (IMR) criou uma máquina de combate “automatizada e não tripulada (Drone)”, o chamado <Juggernaut>.

Foi considerada uma arma perfeita, pois reduzia as baixas humanas para zero, então quando foi introduzida nas batalhas todos os cidadãos elogiaram muito a República.

Era uma máquina de combate não tripulada por humanos, onde dentro havia os Oitenta e Seis que serviam apenas como processadores.

Ano 367 do calendário da República.

Dentro dos intensos campos de batalhas sem nenhuma KIA, os soldados Oitenta e Seis que não eram contados como mortos oficialmente, pois não eram considerados humanos, eram tratados como peças descartáveis e continuavam a se sacrificar todos os dias pelo bem dos humanos.

 

 

Lena viu que os pontos vermelhos que indicavam que a <Legião> estavam indo para o leste, recuando em direção a uma área que tinha sido ocupada por eles há muito tempo atrás, então relaxou um pouco.

Sete unidades do terceiro esquadrão foram destruídas, uma amargura subiu pelo peito dela. Os Sete “Juggernauts” foram destruídos junto com seus processadores. Não houve sobreviventes entre eles.

O nome “Juggernaut” foi escolhido por seus criadores, que se consideravam muito intelectuais, por ser o nome de um Deus estrangeiro de uma mitologia antiga.

As pessoas que ansiavam pela salvação se reuniram, os Oitenta e Seis, apenas para serem esmagadas pelas rodas da carruagem.

— …Controlador um para Plêiades. Confirmando a retirada inimiga.

Ela suspirou, e através do processador de “Plêiades”, Lena falava com um piloto Oitenta e Seis, que lutava por si e por sua família para conseguir recuperar a cidadania republicana.

Através da sincronização de áudio é possível transmitir ou receber áudios, o Para-RAID era um novo sistema de comunicação, bem mais potente que as versões antigas que paravam de funcionar dependendo da distância, do clima, do tipo de terreno ou dos pulsos eletromagnéticos que eram emitidos.

Em teoria, esse método permite que os sentidos sejam sincronizados, mas apenas o áudio é sincronizado nesse caso. Ter a visão sincronizada seria demais para o Controlador. Só o áudio era o suficiente para transmitir as informações necessárias. Se for comparar, era semelhante a um comunicador ou um telefone, portanto, não teria nenhuma sobrecarga de informações para o Controlador.

No entanto, Lena sabia que não era só por isso.

Sem a visão sincronizada, ela não teria que testemunhar a carnificina que acontecia, não teria que ver o olhar hediondo das máquinas inimigas bem na frente dela, nem a devastação de seus aliados sendo mortos, e o vermelho do sangue e dos órgãos esparramados pelo campo de batalha.

— O monitoramento dos inimigos será realizado pelo quarto esquadrão. Terceiro esquadrão, por favor, retorne.

— Plêiades aqui, entendido… obrigado por vigiar esses porcos aqui com o seu telescópio, Controlador um.

Ao ouvir a resposta cheia de sarcasmo de Plêiades, ela olhou para baixo.

Ela era uma Alba, uma das odiadas que vitimava os Oitenta e Seis. Ao mesmo tempo, também tinha o dever como Controlador de vigiar os Oitenta e Seis.

— Bom trabalho, Plêiades. A todos do esquadrão, e aos sete mortos… dou o meu mais sincero obrigado.

— …

O silêncio era frio e cortante. O Para-RAID apenas sincronizava o áudio, mas como era conectado por várias consciências, as emoções de uma conversa podiam ser transmitidas mesmo assim.

— …Obrigado pelas suas palavras gentis como de costume, Controlador um.

Lena ficou perturbada com o tom malicioso e frio, um grande contraste de raiva e ódio habitual.

 

 

No dia seguinte, as mesmas notícias de sempre, o inimigo sofreu grandes perdas e a República teve apenas pequenas baixas, mas ninguém morreu, como sempre a moral e o progresso da República prevaleciam contra o Império. Pode-se suspeitar que inclusive fosse sempre a mesma gravação repetida todos os dias. Havia um logotipo do canal nacional de televisão, era uma espada e um pé cortado. Esse símbolo era atribuído ao revolucionário de San Magnolia, seu significado é a destruição da opressão e a quebra do domínio.

— …E também, considerando que a guerra terminará em apenas dois anos, o governo decidiu reduzir o orçamento. Então, a 18ª área do fronte de batalha sul deve ser abandonada e todos os funcionários de lá demitidos….

Então a área 18 do sul caiu. Lena deu um suspiro.

Essa não era uma questão que podia ser resolvida apenas dizendo que vão cortar gastos. Mesmo depois de perder terras, era muito absurdo que eles não tivessem nenhuma intenção de recuperar essas terras, até mesmo planejam reduzir o orçamento militar do país.

Os bens confiscados dos Oitenta e Seis já tinham se esgotado, os grandes gastos militares resultariam em uma diminuição de benefícios sociais e de outras áreas que começariam a gerar um gargalo. Então o governo não conseguiu negar os pedidos dos cidadãos para diminuir os recursos militares.

Sentada na frente de Lena estava sua mãe usando um vestido de época, ela abria seus lábios vermelhos brilhantes enquanto falava com ternura.

— …Qual é o problema, Lena? Pare de ficar olhando e coma logo.

O café da manhã estava na mesa, a maioria dos alimentos eram sintetizados, feitos em fábricas de alimentos.

O país estava com menos da metade de suas terras, mas, mesmo assim, ainda tinha cerca de oitenta e cinco por cento de sua população, fora os Oitenta e Seis. Claramente não havia lugares para se plantar alimentos. Com a <Legião> atacando e interferindo sempre, se comunicar com outros países se tornou impossível, os outros países nem se importavam em comercializar mais com a República. Lena tomou um gole do chá vermelho que tinha um gosto diferente daqueles que ela já tinha provado antes, cortou um pedaço de carne sintética feita a partir da proteína do trigo, o gosto não era nem um pouco parecido com carne real.

A compota6São conservas de frutas cozido aos pedaços em açúcar e com mais algum líquido, é tipo geleia. que acompanhava o chá era a única coisa real, feita com framboesas que eram plantadas no jardim. Isso era um luxo, se considerar que a República não tinha terras nem para plantações, quem dera para jardins.

A mãe dela disse com um sorriso no rosto,

— Lena está na hora de você parar de trabalhar e se casar com o filho de alguma outra família.

Lena apenas suspirou baixinho. Os relatórios das batalhas continuavam sempre os mesmos todos os dias, assim como as palavras de sua mãe.

Ascendência. Status social. Linhagem. Sangue superior.

A mansão glamourosa foi construída quando os Millizes ainda eram nobres. O vestido de seda que a mãe da Lena usava era condizente com a mansão, mas estaria fora de época quando saísse da mansão.

Os momentos felizes parecem ter acabado ali.

Ela parecia ter se afastado do mundo exterior, parece que tinha se trancado em seu próprio mundo imaginário.

— A nobre princesa da família Millize não deve se envolver com as <Legião> nem com os “Oitenta e Seis”. Pode até ser verdade que seu falecido pai era um soldado, mas, mesmo assim, está não é mais uma era de guerra.

Não era mais a era de guerra, nem de qualquer coisa do tipo; Nesse momento, o país está em guerra contra a <Legião>. Mas os cidadãos moram tão longe dos campos de batalha que não sabiam o que era guerra, só tinham visto elas em filmes. Há muito tempo já esqueceram o que é isso.

— Querida mãe, é nosso dever como cidadãos da República, proteger nosso país. Além disso, eles não são “Oitenta e Seis”. Eles são como nós, eles indiscutivelmente são cidadãos da República.

O rosto fino e delicado de sua mãe imediatamente fez uma cara de repudio.

— Seres de cor suja, como assim cidadãos da República? Deuses, os rebanhos de gado não são atraídos sem uma isca, o governo só permitiu que pisassem nas terras da República.

Os Oitenta e Seis se juntaram ao exército porque eles e suas famílias receberiam cidadania republicana. Devido ao grande racismo em todas as oitenta e cinco áreas, nos últimos nove anos, desde o início da guerra nunca foi revelado onde eles moravam. No entanto, provavelmente muitos deles voltaram para suas antigas casas, onde passam todos os seus dias.

Como era de se esperar devido suas grandes contribuições essa era uma recompensa justa, mas infelizmente, havia alguns que não concordavam com isso. Essa pessoa na frente de Lena, suspirando enquanto balança a cabeça é um exemplo clássico disso.

— Ahh, imundos, todos esses seres imundos. E pensar que há dez anos, essas criaturas que parecem seres humanos ficavam se divertindo na Liberté et Égalité e agora está acontecendo novamente, aah. Até quando a liberdade e a igualdade da República serão difamadas assim?

— …Parece que são as suas palavras agora que estão difamando a liberdade e a igualdade, querida mãe.

— Hm? O que há de errado com você?

Ao ver o olhar cético de sua mãe, Lena apenas suspirou.

Com certeza, sua mãe não tinha entendido.

Isso não se aplica apenas a sua mãe. Nesse momento, os cidadãos estão muito orgulhosos do governo republicano, as cinco cores da bandeira simbolizam a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a justiça e a pureza. Eles aprendem com os livros de história, sobre as coisas ruins que as monarquias e as ditaduras fizeram, eles aprendem a odiar a opressão, ficam indignados com a repressão, desprezam a discriminação e condenam o genocídio dizendo que é algo diabólico.

Mas mesmo assim, não conseguem ver que todas essas coisas estavam sendo feitas pela República. Se Lena falasse isso, apenas olhariam com pena para ela, perguntando:

— Você não consegue ver a diferença entre humanos e aqueles porcos?

Lena mordeu seus lábios rosados.

Essas palavras eram muito convenientes, conseguiam mudar a perspectiva de muitas pessoas. Uma vez que os nomes forem descartados, os humanos se tornam porcos.

Sua mãe franziu a testa, parecendo um pouco perturbada. No entanto, parecia que ter pensado em alguma coisa quando soltou uma pequena risada.

— Seu pai cuidava desses animais, então por isso também devemos vê-los como iguais?

— …Não desse jeito.

O pai dela se opôs à deportação dos Oitenta e Seis o máximo que pode, pedindo para que a lei fosse revogada. Lena respeitava muito seu pai, mas não concordava totalmente com seus ideais.

Mesmo assim, ainda lembrava.

As chamas ardentes. As silhuetas das aranhas de quatro patas.

A sombra de uma pessoa usando armadura.

A mão estendida para ajudá-la. O brilhante vermelho e o preto que a assombravam desde o nascimento.

A voz estridente de sua mãe quebrou o silêncio.

— Ainda assim, Lena, o gado tem suas próprias regras e deveres como gado. Não tem como você esperar que os tolos e bárbaros Oitenta e Seis entendam os grandes ideais e as virtudes dos humanos. Você apenas tem que prendê-los e controlá-los.

Lena terminou seu café da manhã sem dizer mais nada, limpou sua boca com um guardanapo e se levantou.

— Estou saindo mãe.

 

 

— Você deseja que eu… mude a sua divisão?

O escritório do diretor era adornado com um papel de parede dourado e marrom. O diretor Carl-Stahl estava sentando em uma antiga cadeira, e quando deu as ordens, Lena piscou seus olhos prateados em confusão.

De fato, muitos oficiais seriam trocados devido a mudanças de esquadrão. Devido a luta intensa no fronte de batalha as pessoas dos esquadrões morrem e ficam desgastados e as vezes esquadrões não conseguem mais se sustentar. Então era comum que os esquadrões sejam dissolvidos e reagrupados. Lena não queria ser transferida de esquadrão, mas não tinha o que fazer, alguns de seu esquadrão haviam morrido.

Realmente, a <Legião> é poderosa.

O Império Geade, sendo uma potência militar e tecnológica, abusou dessa filosofia e desenvolveu tecnologias avançadas, e com isso, criaram armas devastadoras e drones incríveis. Desenvolveram uma inteligência artificial superior a qualquer outra criada em sua época, uma inteligência que nunca ficaria cansada, irritada ou aterrorizada, já que não tinha nenhum humano pilotando elas. Não importa quantos sejam destruídos, as fábricas eram totalmente automatizadas e localizadas em lugares de difícil acesso nas terras da <Legião>, as fábricas cuspiam máquinas sem parar formando um grande enxame de drones.

Ao contrário do que era divulgado para os cidadãos, os <Juggernauts> não conseguiam competir contra a <Legião>, e naturalmente, a quantidade de baixas não eram mínimas. Na verdade, um grande número de baixas ocorria a cada confronto, sempre tinham que repor os juggernauts para conseguir aguentar o fronte de batalha.

No entanto, o esquadrão que Lena comandava não tinha tido muitas baixas.

O rosto carrancudo de Carl-Stahl mostrava uma expressão relaxada. Ele era alto e corpulento, tinha ombros largos, sua barba cobria seu queixo deixando-o com um ar imponente e de grande presença.

— O seu esquadrão não será reagrupado. Na verdade, o comandante de outro esquadrão se aposentou, então temos que substitui-lo urgentemente.

— Então, esse esquadrão está encarregado de defender uma base importante?

Parecia que precisavam arranjar alguém para substituir esse comandante o mais rápido possível.

— Exatamente. Fronte oriental, primeira força de defesa da primeira área de guerra, o codinome do esquadrão é “Ponta de lança”. São veteranos escolhidos a dedo do fronte oriental… Em outras palavras, a elite.

Lena estava muito perplexa, suas adoráveis sobrancelhas se curvaram, fechando sua expressão.

A primeira área de guerra era a área defensiva mais propensa a ser atacada brutalmente pela <Legião>. A primeira força de defesa era o principal esquadrão daquele campo de batalha, tinha responsabilidades bem maiores que a segunda, terceira e quarta força os quais estavam encarregados de fazer a vigilância noturna e o suporte, só saiam para o combate quando a primeira força não podia lutar.

— Uma major tão nova quanto eu pode não estar à altura de tal tarefa…

Carl-Stahl fez uma careta.

— Como a garota mais nova da 91ª turma a ser promovida a major pode dizer uma coisa dessas? Ser muito humilde nem sempre é algo bom, Lena.

— Desculpe, tio Jerome.

Lena abaixou a cabeça, Carl-Stahl se referia a Lena pelo seu primeiro nome, pois era um grande amigo de seu falecido pai. Os dois eram uns dos raros sobreviventes da guerra a nove anos atrás, onde o principal exército da República foi dizimado. Quando era nova, ele brincava com ela várias vezes, depois que seu pai morreu, cuidou de Lena, desde o financiamento do funeral até de vários outros assuntos.

— Para ser honesto… ninguém quer ser o Controlador do esquadrão Ponta de lança.

— Eles não são a elite? Não seria uma grande honra para soldados da República comandá-los?

Nem todos os Controladors cumprem com seus deveres. Lena ouviu alguns rumores que havia Controladores que ficavam na sala de controle jogando videogames, alguns nem se incomodavam em dar ordens, outros não davam informações para seus esquadrões, ficam apenas assistindo seus esquadrões morrerem como se fosse um filme, competiam uns com os outros apostando qual esquadrão seria dizimado primeiro. Na verdade, eram raros os que trabalhavam de verdade, mas esse assunto era completamente diferente.

— Hmm, o esquadrão onde só tem a elite…

Carl-Stahl falou com um tom sério.

— …A unidade líder do Ponta de lança, codinome <Cangalheiro>, tem uma história complicada.

Cangalheiro. Que nome estranho.

— Aqueles que o conhecem, o chamam de Deus da Morte, e ficam bem longe dele por medo… tem um rumor que diz que ele acabou com o seu antigo Controlador.

— Hm?

Lena não conseguiu conter o espanto. Normalmente, era o contrário.

Um Oitenta e Seis acabando com um Controlador?

Como?

— Que tipo de história é essa?

— Eu não tenho tempo para falar dessas histórias com meus subordinados enquanto estamos trabalhando…, mas dizem que, estranhamente, muitos Controladores que tomaram conta de esquadrões que o Cangalheiro comandava solicitavam mudança de esquadrão ou pediam aposentadoria. Teve até um que pediu transferência de esquadrão depois de apenas uma missão e outro que cometeu suicídio, mas tecnicamente não existe nenhuma correlação de fatos.

— … Você disse… suicídio?

— Isso pode parecer surreal… Ouvi dizer que os que se aposentaram ainda ouvem as “vozes da morte”.

— …

Com certeza, parecia uma história de assombração.

Carl-Stahl notou que Lena ficou em silêncio, então pensou em algo para consolá-la,

— Pode me dizer se não quiser, Lena. Acho bom que permaneça com seu esquadrão atual. Como falei, o Ponta de lança tem veteranos. Então é difícil sincronizar com todos eles quando entram em combate. Com isso em mente, apenas manter a vigilância mínima é o suficiente. Sobre a questão de comandar, você pode deixar isso com eles…

Lena franziu a testa.

— Eu Aceito. Gerenciar, comandar e liderar o esquadrão Ponta de lança.

Proteger o país é um dever e um privilégio para um cidadão da República. Liderar a vanguarda será uma grande honra para ela, isso não era algo que poderia recusar.

Carl-Stahl estreitou os olhos pensando. Sério, essa criança…

— Apenas fique no mínimo, isso já deve bastar. Nada mais que isso… e, por favor, evite se comunicar com os drones dos quais você estará encarregada.

— Um comandante tem como obrigação, entender seus subordinados. A comunicação com eles é algo imprescindível, desde que aceitem se comunicar comigo.

— Meu deus, só você mesmo…

Com uma feição gentil, suspirou. Carl-Stahl tirou um maço de documentos de sua mesa, colocou em frente a ela.

— Mais uma vez, eu vou lhe alertar. Não registre o número de mortos no relatório. Nós atualmente sempre dizemos que não há humanos lutando no fronte de batalha e que qualquer coisa que não deveria estar em seu relatório será ignorado… seu protesto nunca será ouvido por ninguém.

— Mesmo que você diga isso, eu não posso aceitar isso sem fazer nada… e as leis contra os Coloratas não fazem mais nenhum sentido.

O Império Geade, que varreu o continente usando seu grande poder militar, foi extinto há quatro anos.

Era raro tentar decifrar os sinais emitidos pelo Geade devido às constantes interferências eletromagnéticas. Mas há quatro anos, desapareceram e nunca mais se ouviu falar neles. Talvez tenha sido pelo fato da <Legião> terem os dominado, ou por alguma outra razão, mas de qualquer forma, já tinham sido destruídos.

Os campos de concentração dos Oitenta e Seis foram construídos por causa da ideia de “Descendentes do Império”, mas esse motivo já foi perdido há muito tempo com a morte do Império há quatro anos.

Mas as pessoas não estavam dispostas a abandonar o grande entretenimento que a discriminação virou. Eles continuaram a pisar e a abusar, ficaram cada vez mais iludidos com essa ideia de serem superiores, de que eram os escolhidos. Escolheram o caminho mais simples, o de não admitir que estavam atrasados e o caminho de esconder o atual cenário usando o Império e seus drones como justificativa.

— Fingir que nunca falhou é uma falha maior ainda. Isso já era imperdoável para começar…

— Lena.

A voz ríspida chamou seu nome e Lena se calou.

— Você é um pouco idealista demais. Não só com os outros, mas com você mesma também. Ideais altos demais não podem ser alcançados nunca.

— …Entendo.

Os olhos prateados de Carl-Stahl se arregalaram, mostrando um brilho amargo em seu olhar nostálgico.

— Você é muito parecida com o Vaclav… agora então, Major Vladlena Millize, deste dia em diante, eu concedo o cargo de Controlador da primeira força de defesa da primeira área de guerra. Espero que você trabalhe duro.

— Muito obrigada.

 

 

— Então você aceitou? O que te interessou nesse trabalho, Lena?

Uma mudança de esquadrão significava mudanças em muitas outras coisas, e uma delas era a configuração do Para-RAID, onde quer que fosse conectado.

A chefe da equipe de desenvolvimento do Para-RAID era a Arnett, e ela também estava encarregada de mudar e ajustar as configurações de seu Para-RAID. Lena, que tinha feito um checkup por um conselho de Arnett, agora estava vestindo seu uniforme militar.

Ela cuidadosamente pendurou a roupa de tecido sintético no cabide, enquanto abotoava sua blusa a respondia. Arnett estava na sala de observação, separada de Lena por um painel de vidro.

O palácio da época imperial era usado como prédio de pesquisa, embora parecesse majestoso como era em seus dias durante a monarquia, os metais e vidros que estavam espalhados por toda a parte davam uma sensação fria e melancólica. Uma das paredes de vidro mostrava um mural com peixes tropicais e recifes de corais.

— Isso é apenas uma desculpa. Eles não querem trabalhar e por isso jogam para os outros.

Lena curvou os lábios em um sorriso enquanto segurava a liga de suas meias. Estava passando por uma avaliação periódica relacionada com o uso do Para-RAID. Arnett se preocupava muito com ela.

— É verdade que alguém cometeu suicídio?

Arnett, que estava atrás da parede de vidro olhando para a tela holográfica mudando os valores das configurações, tomou um gole de café de sua caneca… o que quer que aquela coisa espessa que se parecia com lama fosse…. E então disse:

— A parte dos fantasmas pode ser algo inventado por gente que não tinha nada melhor para fazer, mas dizem que quem se matou estourou os miolos com uma espingarda.

Lena colocou a saia e a blusa, arregaçou as mangas e se virou. Levou suas mãos até seus cabelos prateados que cobriam os ombros e os colocou para trás.

— …Sério?

— Eles me fizeram investigar se era um defeito no Para-RAID. Mas… deixando isso de lado, ele era um comandante. Não é bom deixar vazar essa notícia de suicídio.

— E então?

 

 

 

Arnett deu de ombros.

— Quem se importa?

— Quem se importa, hum…?

— Ele está morto. O que mais eu deveria investigar? O dispositivo RAID estava normal, foram feitas investigações. Tinha algo “Se possível traga o Cangalheiro, entendido?” Então eu pedi para que eles o trouxessem, mas os idiotas da filial da logística falaram “Esse voo não tem espaço para porcos~”.

Ela cruzou os braços com raiva, se encostou preguiçosamente na parede e bufou. Era muito bonita e elegante, mas seu comportamento não era nem um pouco feminino.

— Se eles tivessem trazido o ser, eu teria investigado ele completamente, dos pés à cabeça. Pelo amor de Deus.

Lena franziu a testa quando Arnett disse coisas que ela não gostava. Ela sabia que Arnett não falou por querer aquelas coisas, mas não achou nada legal de qualquer forma.

— … Então, sobre o Cangalheiro?

— Nem sei, esses caras da polícia militar não falaram nada. Eu li o relatório deles, não tinha nada basicamente. Ele apenas falou que não sabia de nada e só. Quem sabe o que realmente aconteceu?

Arnett mordeu os lábios e deu um sorriso sarcástico.

— Disseram para ele que o Controlador tinha morrido e ele respondeu: — Era só isso que queriam dizer? Ele basicamente falou E daí? Bem tanto faz, ele é apenas um mero Oitenta e Seis. Mesmo que seu superior tenha morrido, não tinha como esperar uma reação melhor dele.

— …

Lena ficou em silêncio e o sorriso de escárnio desapareceu do rosto da Arnett.

— …Ei, lena, no final das contas, você deveria se juntar ao time de pesquisa.

— ?

Lena piscou confusa e então viu Arnett levantando as sobrancelhas como um gato. Os olhos prata esbranquiçados estavam mostrando uma sinceridade inesperada.

— O exército agora não é nada mais que um lugar para onde os desempregados vão. A nossa equipe de pesquisa ainda faz alguma coisa, mas o resto é apenas um bando de idiotas de áreas com número maior que não tem onde cair mortos.

Atualmente, as zonas legisladas da República consistiam da área 1 a qual era o centro, e as outras eram numeradas em quadrados ao redor do centro. Quanto maior o número da área, pior eram as condições de vida, segurança, grau de escolaridade e também maiores eram a taxa de desemprego.

— Daqui dois anos, quando a <Legião> se for, o que você pretende fazer? A medalha de “Soldado aposentado” no seu ombro não vai te ajudar em nada a achar um novo emprego.

Lena apenas fechou o rosto.

Todos os drones <Legião> vão parar de operar daqui dois anos.

Isso foi descoberto depois de terem capturados alguns drones <Legião>. Suas unidades centrais de processamento continham uma vida útil fixa que não pode ser modificada. Cada nova geração poderia durar apenas cinquenta mil horas no máximo, ou mais ou menos 6 anos. Essa provavelmente era uma medida de segurança caso os drones perdessem o controle, já que são totalmente feitos por fábricas automatizadas.

Desde a confirmação que o Império tinha sido dizimado há quatro anos, a unidade central de processamento dos drones <Legião> devem parar de funcionar daqui dois anos. De fato, se for parar para olhar nos frontes de batalha, os números de <Legião> estavam diminuindo, provavelmente por que as máquinas de produção estavam muito gastas e sem manutenção.

— Obrigada. Mas ainda estamos em tempos de guerra.

— Então você não tem que ir fazer isso.

Arnett não recuou. Depois que tudo foi configurado, ela desligou a tela holográfica e deu um aceno com a mão enquanto se inclinava para frente.

E então, ela soltou:

— Real ou não, você vai ser a Controlador de processadores problemáticos. Quem sabe como isso vai acabar… e o Para-RAID pode não ser totalmente seguro.

Lena apenas abriu seus olhos.

— … Não já foi provado que os Para-RAIDs são completamente seguros?

Parece que Arnett deixou escapar acidentalmente uma informação que não devia. Ela olhou igual uma criança que tinha acabado de ser pega no flagra e diminuiu o tom da voz.

— Lena, você não conhece esse país? Você não pode acreditar em tudo o que eles dizem.

A república, tão orgulhosa de seu sangue superior, não permitiria quaisquer falhas em suas tecnologias. E mesmo se houvesse, não admitiriam. Isso não se aplica só aos Para-Raids… mas também aos <Juggernaut>.

— Na verdade, podemos dizer que é tipo um superpoder, ou algo do tipo. Nós investigamos algumas dessas pessoas e descobrimos que se ativar essa parte do cérebro causará um efeito Para-RAID… o mesmo que essa coisa faz.

Ela apontou para o dispositivo RAID em sua mão. A argola de prata elegante tinha cravado nele alguns cristais azuis. Vários cabos conectavam os cristais ao terminal, enquanto as informações eram substituídas.

— Esses “Super-humanos” eram irmãos, sincronizados uns com os outros, então nós simplesmente escrevemos um código genético pai-filho modificado no dispositivo RAID de um Controlador e nas unidades processadoras. E por qual motivo isso pode fazer com que eles sincronizem, ainda não sabemos direito.

— Mas… essa era a pesquisa do seu pai, certo?

— Uma pesquisa colaborativa. A base da pesquisa, ou a hipótese, veio do colaborador. Meu pai apenas preparou o equipamento e fez com que as cobaias conseguissem reproduzir o fenômeno.

— Então, você pode fazer o colaborador trabalhar novamente nisso, não é?

Naquele momento, os olhos da Arnett ficaram frios e sem vida.

— Impossível… ele é um Oitenta e Seis.

Os Oitenta e Seis não são considerados humanos de forma nenhuma, então não tem seus nomes registrados, simplesmente recebem seus números quando vão para um dos campos de concentração. Mas em quais eles estão, ninguém sabe.

— Os dispositivos RAID possuem sistemas de segurança para que isso não aconteça, mas quando os Para-RAID são ativados por várias pessoas, o cérebro é sobrecarregado e na sincronização máxima, leva a um colapso mental. Além disso, tem também o problema de que se usar muito pode fazer com que uma pessoa se “perca”… você sabe sobre o acidente do meu pai, certo?

— …”

O pai da Arnett, o professor Joseph Von Penrose, infelizmente ficou louco em um experimento bem depois de ter concluído o dispositivo RAID e publicado a tese sobre os Para-Raids, depois chegou a falecer por esse motivo.

Disseram que a ativação do dispositivo RAID acidentalmente foi ajustada para o nível máximo teórico. Alguns dizem que talvez ele tenha entrado em “um certo lugar” mais profundo que a subconsciência coletiva, um lugar onde era a subconsciência coletiva do próprio mundo, vendo toda a humanidade como “um todo” em vez de “indivíduos”.

— Se você usar por muito tempo, ninguém sabe que efeitos poderão ocorrer… um ou dois Oitenta e Seis mortos não importam, mas o que acontecerá se algo ruim acontecer com você?

Lena instintivamente deu um olhar de repúdio a ela. Lena sabia que Arnett simplesmente estava preocupada com ela, mas não conseguiu se conter.

— Não faça isso… essa sua parte é desprezível.

Arnett apenas acenou impacientemente com a mão.

— Certo, certo. Você é bem curiosa.

Um silêncio constrangedor se instaurou no lugar.

De repente, Arnett deu um sorriso, acabando com o silêncio.

— Falando em curiosidade, Lena, você quer um pouco de bolo Chiffon7É um tipo de bolo bem leve e fofo que é uma combinação do bolo amanteigado e o bolo esponja, provavelmente todo mundo já comeu um bolo desse tipo, mesmo não sabendo que era esse o nome.? É algo novo que eu fiz com ovos.

— Eh?

Parecia que tinham surgidos orelhas de gato invisíveis na cabeça de Lena, Arnett tentou não dar risada.

Como qualquer garota, Lena tinha um desejo incondicional por doces. O bolo Chiffon levava muitas claras de ovo, um item que era um luxo entre os luxos na República que estava carente de terras para a criação de aves. Tal extravagância só podia ser possuída pelas princesas de Von Penroses —que eram ex-nobres, e possuíam uma mansão enorme onde criavam galinhas.

— Hã… esse não é o tipo de coisa que tem sabor de queijo, mesmo sem ter queijo dentro, só para tirar o gosto de queimado, hã bem… Parece um sapo… ou algo do tipo…?

Só uma nota, esse era o feedback de alguém que já comeu as comidas feitas pela Arnett.

A última linha, para ser mais detalhista, deveria ser “Parece um sapo estrangulado e estranho”. A aparência e até mesmo a cor, eram as mesas de um sapo.

— Relaxa. Esse é normal. Meu Namorado arranjado veio ontem e eu o fiz experimentar até achar um que ficasse bom. No entanto, ele espumou pela boca e desmaiou depois de comer o quinto.

— Pelo menos… mesmo que você o odeie. Poderia ter dado um bom para ele.

— Claro. Eu embalei um em uma embalagem fofa e rosa, coloquei um laço de borboleta, dei um beijo no cartão que estava escrito “Para o meu amado Theobalt” e coloquei na caixa de correio do apartamento que ele estava hospedado com a amante.

— …

Lena se perguntava se deveria sentir pena dele ou não.

Depois de uma refeição de chá e bolo agradável com Arnett, a transferência de dados foi concluída. Lena voltou para a sala dela e colocou o dispositivo RAID no pescoço.

A argola de prata tem delicados entalhes que os Albas amavam e ela se parecia com uma elegante gargantilha. Os ornamentos de cristais em forma de pérolas continuam alguns falsos cristais neurais para fazer cálculos. Era deslumbrante sob a luz, era difícil imaginar que na verdade era apenas um tipo de fone de ouvido e microfone tecnológicos.

De repente, ela se lembrou do que ouviu sobre a morte.

O “Deus da Morte”. Causou um suicídio. Não se importava com a morte de humanos —Um Oitenta e Seis.

Que tipo de pessoa ele é?

Talvez ele odeie todos nós?

Ela balançou a cabeça e respirou um pouco.

Certo.

— …Ativar.

Ela ativou o Para-RAID. Era um comunicador a frente do seu tempo, não era afetado pela distância, pelo clima ou pelo terreno, podia ser usado a qualquer momento.

A conexão estava completa. Sem problemas. Começou um barulho na sala, quando não se devia haver barulho algum.

— Controlador um aqui para todos os membros do esquadrão Ponta de lança, Hoje é o nosso primeiro encontro. Começando hoje, eu vou ser a sua Controladora.

Depois disso teve uma grande pausa.

Lena sentiu agonia.

Sempre que ela assumia o comando de um novo esquadrão, todos sempre mostravam uma reação confusa ao ouvir sua voz.

O cumprimento entre os humanos deveria ser algo natural.

No entanto, esse silêncio constrangedor permaneceu apenas por pouco tempo. Uma voz calma e extremamente jovem ecoou do áudio do Para-RAID.

— Prazer em conhecê-la, Controlador um. Aqui é o líder do esquadrão Ponta de lança. Codinome <Cangalheiro>.

A voz era diferente do que ela esperava. Era uma voz clara e precisa, tão relaxada quanto a superfície de um lago dentro de uma floresta. Pela sua voz, parecia que ele tinha a idade de Lena, muito provavelmente nascido em uma família que antes era de classe média alta.

— Fomos notificados que haveria uma mudança de Controlador. A partir de agora, por favor, cuide de nós.

Lena sorriu ao ouvir a voz monótona que parecia ser de uma pessoa distante.

Sim, se eles continuassem a conversa, ela sabia que não teria como ter maus entendidos.

Eles eram todos humanos.

Não havia seres abaixo dos humanos chamados Oitenta e Seis.

— Prazer em conhecê-lo também. Estou sob seus cuidados, Cangalheiro.

 


 

Tradução: Shintaro

Revisão: Hiroshi

QC: Bravo

 

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